"Não adianta ficar atiçando um país que só quer o bem do Brasil". A declaração é do chefe da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, Charles Andrew Tang, que se diz preocupado com a sucessão de atritos na relação entre os dois países em meio à pandemia do novo coronavírus, causados por comentários de pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Na avaliação do empresário, "esse acúmulo de feridas realmente pode levar a decisões mais sérias por parte do governo chinês".
A Embaixada da China também deixou claro seu descontentamento e, em recado ao governo brasileiro, citou em nota hoje haver "influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais". O país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo.
Em relação à soja, por exemplo, o papel da China é fundamental. Somente no ano passado, o país comprou quase 80% de toda a produção da commodity produzida em solo brasileiro. O mesmo ocorre com o frango e a carne suína. Uma eventual retração de investimentos atingiria em cheio o agronegócio, um dos segmentos que mais apoiam Bolsonaro.
O motivo mais recente para indignação chinesa foram os ataques ofensivos do ministro da Educação, Abraham Weintraub. No último sábado, em postagem no Twitter (que ele apagou depois), o auxiliar do presidente usou o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, para ironizar a China, onde teve início o alastramento do coronavírus.
A mensagem em tom de deboche insinuava que a crise mundial beneficiava o país asiático. A acusação, que não foi acompanhada de provas, causou "forte indignação e repúdio" na diplomacia chinesa, segundo nota da embaixada.
Para o governo chinês, as declarações de Weintraub são "difamatórias" e têm "cunho fortemente racista", além de "objetivos indizíveis". "Instamos que alguns indivíduos no Brasil corrijam imediatamente os seus erros cometidos e parem com acusações infundadas contra a China."
No mesmo sábado do post de Weintraub, o Ministério da Agricultura chinês anunciou que pretende reduzir, "por questão de segurança", as importações de soja brasileira e ampliar as dos EUA.
Hoje, o ministro disse que pode pedir perdão caso a China se comprometa a fornecer respiradores ao Brasil.
Maior produtor de equipamentos de saúde
O chefe da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China afirmou ao UOL que o país asiático, além de ser o maior parceiro comercial do Brasil, é responsável por produzir mais de 90% dos equipamentos de saúde em escala global. Ou seja, para realizar investimentos a fim dea melhorar a estrutura de combate ao coronavírus no Brasil, Bolsonaro dependeria de uma boa relação com os chineses.
"Nessa guerra atual contra o vírus, o mundo inteiro depende da China. Os Estados Unidos, por exemplo, mandaram aviões para buscar ventiladores. Mesmo que se decida por produzir localmente equipamentos fundamentais para enfrentar o coronavírus, como os respiradores, as peças e componentes de produção vêm da China também."
Charles Andrew Tang ressaltou a importâcia da experiência chinesa no combate ao coronavírus. "A epidemia foi derrotada na China em quatro meses. Não é hora de países ficarem trocando acusações. Não é o momento mais inteligente para criar problemas uns contra os outros, e sim estarmos juntos contra um inimigo em comum", disse.
Ele afirmou ainda esperar do Brasil uma atitude mais firme no sentido de apaziguar a relação — assim como embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que escreveu no Twitter que aguarda uma declaração oficial do governo brasileiro em relação à atitude de Weintraub.
Eduardo Bolsonaro e o Partido Comunista
Os ataques de Weintraub não foram a primeira "ferida" causada por atitudes de personagens ligados ao governo. Filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, chegou a dizer que a culpa pela pandemia era do Partido Comunista Chinês.
O gesto foi rebatido pelo embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, que considerou as declarações do parlamentar um "insulto" capaz de "ferir a relação amistosa" entre os dois países.
Coube ao pai de Eduardo apagar o incêndio. Bolsonaro ligou para o chefe de estado chinês, Xi Jinping, para se desculpar e buscar um alinhamento no combate ao covid-19.
"Não acho que seja uma política oficial do governo, tanto que Bolsonaro, da última vez que teve um problema sério, ligou para o Jinping e esse telefone, essa conversa entre os dois, deixou o problema ultrapassado. Mas é claro que toda ferida machuca, e o acúmulo de feridas pode provocar um machucado grave para o Brasil", afirmou Tang.
O empresário lembrou ainda que a China teve uma participação fundamental na economia brasileira nos últimos anos. "Não só a China é o maior parceiro comercial do Brasil, como tem ajudado demais no passado e no presente. Na pior fase da crise econômica brasileira, há três ou quatro anos, a China ajudou com investimentos de infraestrutura. Do fundo criado com a ajuda da China, R$ 15 bilhões dos R$ 20 bilhões eram de investimentos chineses."
Segundo ele, "quando a Petrobras estava no fundo do poço, a China emprestou mais de R$ 15 bilhões e ajudou o país a sair mais cedo da crise. Foi assim que centenas de milhares de brasileiros mantiveram seus empregos."
'Insanidade e irresponsabilidade'
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, afirmou que a postura de Weintraub no enfrentamento com a China pode comprometer parcerias do agronegócio com o país asiático.
"Poderemos em breve ter comprometidas as parcerias do agronegócio com o Brasil, favorecendo outros países", afirmou Pinato. "Isso beira a insanidade e a irresponsabilidade com o setor do agronegócio."
Setor produtivo se diz despreocupado
Já o presidente da Aprosoja Brasil (Associação Brasileira de Produtores de Soja), Bartolomeu Braz Pereira, disse que não há "preocupação" do setor com um eventual estremecimento nas relações diplomáticas com a China.
"Não vejo nenhuma situação que venha a afetar o mercado de uma maneira ou outra", afirmou Pereira, sobre os últimos acontecimentos diplomáticos.
Segundo ele, a capacidade de exportação de soja dos Estados Unidos não é suficiente para que a China substitua o fornecimento brasileiro do grão pelo americano.
"Nós continuaremos sendo um grande produtor mundial de soja", disse Pereira. "Nossa expectativa é aumentar a exportação em 10% para a China nessa safra."
UOL Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário