Em nova investida contra Henrique Mandetta, Jair Bolsonaro disse que "alguma coisa subiu à cabeça" de integrantes do seu governo. "Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas."
Bolsonaro insinuou que as "estrelas" estão por um fio. "Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona". Soou enfático: "Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil."
Há algo de sádico no comportamento de Bolsonaro. Podendo usufruir do sucesso do ministro que indicou para a pasta da Saúde, ele prefere agir como líder da oposição. Ao se contrapor à gestão de Mandetta, cria uma figura inédita na história republicana: o despresidente.
O prefixo 'des' empresta às palavras um sentido contrário. Bolsonaro desqualifica um ministro que 76% dos brasileiros consideram qualificado. Desdiz o que foi dito pelo auxiliar. Desorganiza o que parece organizado. Ameaça desfazer o que vem sendo feito com maciço apoio popular.
Líderes genuínos aproveitam as guerras para unir a nação. Na guerra contra o vírus, Bolsonaro tornou-se símbolo da desunião. Numa noite, sugere o entendimento em rede nacional. Na manhã seguinte, se desentende com os governadores. Numa palavra: Em vez de presidir, Bolsonaro despreside o país.
O capitão meteu-se num drama hamletiano: demitir ou não demitir o ministro da Saúde?, eis a questão. Quem não quiser fazer papel de bobo deve observar o seguinte: o cotidiano de Bolsonaro virou uma sucessão de poses. Ele faz pose do instante em que escova os dentes à hora em que se enfia sob os cobertores.
Por trás do destemor com que Bolsonaro diz manusear a caneta esconde-se um temor hediondo. O despresidente ameaça avançar sobre a jugular do ministro da Saúde com a gana de um vampiro de Düsseldorf. Mas o modo como hesita em rubricar o ato de exoneração revela que há no Planalto o que Nelson Rodrigues chamaria de um reles bebedor de groselha.
Suprema desmoralização: à espera de um desfecho, Mandetta já não sabe se puxa uma cadeira ou um ronco: "Estou dormindo", disse o ainda ministro ao ser questionado sobre a nova ameaça de demissão. Nesse teatro do absurdo, o vírus não perde por esperar. Ganha.
Por Josias de Souza
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