domingo, 31 de janeiro de 2021

Blindagem do centrão inclui veto à CPI da Pandemia e escudo para o Zero Um



Com notável sensibilidade para detectar bons negócios, o centrão vislumbrou nas aflições da família Bolsonaro múltiplas oportunidades. Na sucessão interna do Congresso, o acerto que consolidou a aliança com o Planalto não se limita ao bloqueio do impeachment. Inclui o veto à instalação de uma CPI sobre a pandemia e o fornecimento de escudo para o primogênito Flávio Bolsonaro.

A escolha dos novos comandantes das duas Casas do Legislativo ocorrerá nesta segunda-feira (1º). Pelas contas dos operadores do Planalto, está consolidada a vitória dos preferidos de Bolsonaro: na Câmara, Arthur Lira (PP-AL); no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O presidente encosta verbas públicas e cargos federais na disputa com o ânimo de quem contrata um seguro contra acidentes.

De Arthur Lira, espera-se que evite a trombada de Bolsonaro com um dos mais de 60 pedidos de impeachment protocolados na Câmara. Cabe exclusivamente ao presidente da Casa a decisão de arquivar ou abrir o processo legislativo. Dá-se de barato no Planalto que Lira evitará também que o governo seja atropelado por uma CPI sobre a pandemia.

Numa articulação que entrou pelo final de semana, opositores de Bolsonaro recolhem assinaturas para requisitar à presidência da Câmara, ainda sob Rodrigo Maia, a instalação de uma CPI para escarafunchar as ações e, sobretudo, as omissões do presidente e do seu governo na crise sanitária. De acordo com a Constituição, são necessárias as assinaturas de 171 deputados.

Além das rubricas, a Constituição estabelece como pré-condição para a abertura de uma CPI a descrição do "fato determinado" a ser investigado. Essa exigência abre espaço para que o presidente da Câmara exercite sua discricionariedade, arquivando requsições de CPI sob o pretexto de que não há "fato determinado". Lira ensaia o argumento segundo o qual uma CPI serviria apenas para politizar ainda mais a pandemia.

Na avaliação do governo, a oposição não conseguirá recolher as assinaturas. Se conseguir, Rodrigo Maia não ousará colocar a CPI para andar horas antes de deixar o trono. Se ousar, Arthur Lira abortará a iniciativa.

Vale para o Senado a mesma blindagem negociada na Câmara. Com o acréscimo de um escudo para Flávio Bolsonaro. Está entendido no Planalto que Rodrigo Pacheco, se eleito, garantirá ao primogênito do presidente doses generosas do mesmo refresco que vem sendo servido por Davi Alcolumbre, o atual comandante do Senado.

Há no Conselho de Ética do Senado um pedido de cassação do mandato do filho Zero Um do presidente. Entretanto, o colegiado está incompleto e com o funcionamento suspenso desde o início da pandemia. Alcolumbre recusou-se a autorizar a realização de sessões remotas, por videoconferência.

Para Alcolumbre, ainda que não houvesse coronavírus, o Conselho de Ética não teria como punir Flávio, pois o célebre caso da rachadinha refere-se não ao seu mandato de senador, mas à fase em que ele era deputado estadual, no Rio de Janeiro. Antes de apoiar Rodrigo Pacheco, Bolsonaro certificou-se de que ele esgrime a mesma opinião. E não tem a intenção de propor reuniões virtuais do Conselho de Ética.

Por Josias de Souza

sábado, 30 de janeiro de 2021

Bolsonaro adere à tática que dizia ser 'corrupta'



Jair Bolsonaro notabiliza-se por dizer uma coisa e fazer o seu contrário. No discurso em que anunciou que pode recriar três ministérios, levou o hábito às fronteiras do paroxismo. Ao esticar a Esplanada para satisfazer as pulsões fisiológicas dos seus novos aliados no Congresso, o presidente recorre a uma tática que definia como "corrupta e perniciosa."

Num evento com atletas, Bolsonaro sinalizou a intenção de recriar as pastas de Cultura, Pesca e Esporte, rebaixadas no início do governo à categoria de secretarias. Condicionou a meia-volta ao resultado da sucessão interna do Congresso. Seus preferidos são favoritos. Para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Para o comando do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Em discurso transmitido pelas redes sociais, Bolsonaro declarou: "Se tiver um clima no Parlamento, pelo que tudo indica as duas pessoas, né, Luiz Lima, que nós temos simpatia devem se eleger, não vamos ter mais uma pauta travada, a gente pode levar muita coisa avante, quem sabe até ressurgir os ministérios, esses ministérios."

Os arquivos do Tribunal Superior Eleitoral guardam o programa de governo esgrimido por Bolsonaro na campanha de 2018. No item "Redução de Ministérios", lê-se: "Um número elevado de ministérios é ineficiente, não atendendo os legítimos interesses da nação. O quadro atual deve ser visto como o resultado da forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular 'toma-lá-dá-cá'." Anotou-se em letras maiúsculas: "O PAÍS FUNCIONARÁ MELHOR COM MENOS."

Sob Michel Temer, havia 29 ministérios. Bolsonaro prometia reduzir para 15. Na fase de transição, subiu para 20. Ao tomar posse, enviou para o Diário Oficial um organograma com 22 ministérios. Em junho do ano passado, surgiu o 23º guichê. Recriou-se a pasta das Comunicações, entregue ao deputado Fábio Faria (PSD-RN).

Antecipando-se às críticas, Bolsonaro tenta passar uma borracha no lero-lero segundo o qual "o país funcionará melhor com menos" ministérios. Armado de argumentos desconexos, ele adornou sua incoerência com um conteúdo amazônico. "Ah, quer criar ministério de novo?", indagou, como que mimetizando as críticas que estão por vir. "Olha o tamanho do Brasil, só a Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental todinha."

As palavras de Bolsonaro não foram fortuitas. Serviram para sinalizar aos deputados que o presidente leva a sério o compromisso de transformar seu matrimônio com o centrão em patrimônio. O relacionamento solidifica-se num instante em que repousam nas gavetas da presidência da Câmara 63 pedidos de impeachment.

Arthur Lira, o candidato do Planalto à sucessão de Rodrigo Maia, tornou-se favorito fazendo compras, por assim dizer, com seu próprio cartão de crédito. Fez isso no pressuposto de que o presidente pagará as faturas. Nesse jogo, a recriação de pastas como Cultura, Esporte e Pesca é um troco.

O centrão conta, por exemplo, com a volta do Ministério da Indústria e Comércio, a ser extraído de uma costela do organograma da Economia. O ministro Paulo Guedes leva o pé à porta.

Os neo-aliados de Bolsonaro dão de barato que receberão o Ministério do Bolsa Família, desalojando Onyx Lorenzoni. Esperam, de resto, acomodar apadrinhados em ministérios palacianos. Ambicionam a Secretaria de Governo (pode me chamar de Articulação Política) e a Casa Civil, ocupadas respectivamente pelos generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto.

A turma do centrão avalia que Bolsonaro não ousará decepcionar seus aliados, tal como fez Dilma Rousseff. Sustentam que a ex-presidente petista cometeu dois pecados letais no seu relacionamento com o centrão. Deu-se nas pegadas da sucessão de 2014.

Reeleita, Dilma achou que seria uma boa ideia desafiar o então líder do MDB, Eduardo Cunha, que era candidato à presidência da Câmara. O Planalto imaginou que o derrotaria lançando o petista Arlindo Chinaglia. Com a Lava Jato a pino, a prepotência petista revelou-se uma ingenuidade.

Depois de prevalecer sobre Chinaglia, Cunha encostou o impeachment na jugular de Dilma. Com o governo fazendo água, a presidente recorreu ao vice Michel Temer. Converteu-o em articulador político do governo.

Valendo-se de sua ascendência sobre o MDB e o centrão, Temer chegou a recompor o consórcio governista. Entretanto, os acordos fechados pelo vice começaram a ser descumpridos. Temer devolveu a articulação à presidente. O asfalto já gritava "Fora Dilma". A economia flertava com a ruína. E os supostos aliados do governo juntaram-se à oposição para enviar madame mais cedo para casa.

Bolsonaro elimina intermediários, terceirizando os acertos ao próprio candidato do centrão. No momento, o presidente vive a ilusão de que preside uma negociação. Se não honrar os acertos trançados ao redor da candidatura de Arthur Lira, talvez experimente a incômoda sensação de ser desgovernado pelo centrão.

Por Josias de Souza

Petição impecável à PGR acusa Bolsonaro de crime que rende 30 anos de cana



Chegou às mãos de Augusto Aras, procurador-geral da República, uma representação que ilumina um debate em curso no país. Ela pede que o presidente Jair Bolsonaro seja processado por um crime muito grave. Em caso de condenação, pode render até 30 anos de cadeia. Somados aos outros, a pena passaria de 50. Explico.

Um grupo de ex-subprocuradores-gerais da República acusa Bolsonaro de ter incorrido no Artigo 267 do Código Penal. E o que ele diz mesmo? Reproduzo:
"Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena - reclusão de dez a quinze anos.
§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos."

Assinam a petição os subprocuradores-gerais da República Deborah Duprat, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, Claudio Lemos Fonteles, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, Paulo de Tarso Braz Lucas e Wagner Gonçalves.

Será que Bolsonaro fez algo mais do que ser negligente e incompetente, na sua esfera de atuação, no combate à pandemia? A pergunta é, convenham, retórica. Qualquer pessoa medianamente informada lembra, sem muito esforço, de rompantes do presidente contra o distanciamento social, a máscara ou a vacina. Há no seu comportamento bem mais do que o "não fazer". Sim, ele faz. Então é preciso que nos perguntemos: "Faz o quê?". É necessário dar a resposta.

LEMBRANÇA
Antes que prossiga, relembro o caminho. Em caso de crime comum, se o procurador-geral encaminhar a denúncia ao Supremo -- Aras pode simplesmente arquivar --, ela segue para a Câmara dos Deputados. Pelo menos 342 (dois terços) têm de autorizar o tribunal a examinar a procedência da denúncia. Se o STF determinar a abertura da investigação, com o voto de pelo menos seis ministros, o mandatário é afastado do cargo por 180 dias. Se condenado, é preso (nesse caso, ficaria em regime inicial fechado), perde o mandato e se torna inelegível, segundo o Artigo 15 da Constituição, enquanto durarem os efeitos da condenação. Adiante.

PETIÇÃO ESCLARECEDORA
Por que afirmo que a petição dos ex-subprocuradores-gerais ilumina o debate? Porque ela faz um percurso até chegar à conclusão de que é inescapável denunciar Bolsonaro por "causar epidemia". Tenham o texto sempre ao alcance.

Os autores dessa representação lembram uma outra já protocolada na PGR, assinada por 354 pessoas -- e com milhares de adesões virtuais --, que evidencia que Bolsonaro, com a sua conduta, já cometeu os seguintes crimes tipificados no Código Penal:
- Artigo 132: perigo para a vida ou saúde de outrem;
- Artigo 257: subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento;
- Artigo 268: infração de medida sanitária preventiva;
- Artigo 315: emprego irregular de verbas ou rendas públicas;
- Artigo 319: prevaricação

O presidente, segundo essa petição, incorreu nesses tipos penais ao adotar as seguintes condutas:

1: reiterados discursos contra a obrigatoriedade da vacinação e lançando dúvidas sobre a sua eficácia e efeitos colaterais;
2: ausência de adoção das providências necessárias para a adequada conformação logística da distribuição de imunizantes pelo país;
3: imposição de obstáculos à produção e aquisição de insumos, como ocorreu no caso de agulhas e seringas;
4: ausência de resposta do governo brasileiro à oferta da empresa Pfizer, em agosto de 2020, de aquisição de 70 milhões de doses de seu imunizante;
5: declarações públicas diversas, inclusive por meio de suas redes sociais, de que não adquiriria a vacina fabricada pelo Instituto Butantan (CoronaVac);
6: desrespeito à recomendação da Organização Mundial da Saúde, sobre necessidade de campanhas eficientes de esclarecimento da população a respeito da imperatividade da máxima cobertura vacinal para eficiência do controle da doença;
7: apologia do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes e/ou prejudiciais aos pacientes portadores de COVID- 19;
8: má utilização de recursos públicos na produção em larga escala, pelo Exército brasileiro, de cloroquina e hidroxicloroquina, contraindicados em muitos casos clínicos por chances de complicações cardiovasculares, e aquisição de insumos com preços até três vezes superiores ao habitual;
9: veto a trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, que impedia o contingenciamento de despesas relacionadas "com ações vinculadas à produção e disponibilização de vacinas contra o coronavírus (Covid-19) e a imunização da população brasileira";
10: prescrição, pelo governo brasileiro, do chamado "tratamento precoce" diante do alerta da escassez de oxigênio hospitalar na cidade de Manaus, cumulada com o aumento do imposto sobre importação de cilindros dias antes do colapso no estado do Amazonas.

O que vai acima, convenham, não é juízo de valor. Imagino a cara de Augusto Aras ao ler essa petição assinada por quase quatro centenas de pessoas e endossada por milhares de outras. Ele nem precisa acreditar no que a imprensa informa para saber que os peticionários estão apenas contando a verdade. Basta que se fie nas declarações do próprio presidente.

Os atos acima listados são, obviamente, criminosos. E os tipos penais que eles implicam estão devidamente listados. Pergunto:
a) Aras tem como negar que o presidente protagonizou aquele decálogo?;
b) Aras tem como ignorar que aquelas ações são tipos penais?

MAS HÁ COISA MUITO MAIS GRAVE
Os ex-subprocuradores-gerais obviamente endossam essa petição coletiva. E avançam. Bolsonaro foi mais do que negligente ou incompetente. Não se limitou a contribuir para que o vírus se espalhasse ao deixar de adotar, tempestivamente, essa ou aquela medidas ou ao simplesmente insistir no erro. Os que assinam a representação evidenciam também, e estamos de volta ao Artigo 267 -- que remete ao crime mais grave --, que o presidente se tornou um agente da pandemia.

Escrevem os subprocuradores-gerais:
Posteriormente a essa bem fundamentada representação, veio a público pesquisa promovida pelo CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos, que, analisando 3.049 normas relativas à Covid-19 no âmbito da União Federal, estabelece uma linha do tempo que "demonstra a relação direta entre esses atos normativos, a obstrução constante às respostas locais e a propaganda contra a saúde pública promovida pelo governo federal.
Segundo a pesquisa, "Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol de ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo".
Também ali se conclui que a ultrapassagem da cifra de 200 mil óbitos no país, em janeiro de 2021, é em parte resultado dessa opção, já que, em sua maioria, mortes seriam evitáveis se houvesse alguma estratégia de contenção da doença.

Vale dizer: o governo tomou decisões concretas, também na área normativa, que contribuíram para a expansão do vírus, para a multiplicação de doentes e, por consequência, de mortos.

"Ah, então Bolsonaro acordava todo dia pensando algo assim: 'Hoje, vou espalhar o vírus'?". O fundo das consciências pertence a Deus, ao diabo ou a ninguém, sabe-se lá. Não é preciso, nesse caso, entrar no inferno subjetivo de presidente. Basta saber que não havia como ele ignorar que, tomando aquelas decisões, assumia o risco de produzir um determinado efeito. E produziu. Ele não precisa dizer para si mesmo, no espelho, "vou ser um militante da pandemia". Basta que assuma o risco. É o chamado dolo eventual — logo, a atuação do presidente não é meramente culposa.

E, como é sabido, para tanto foi advertido milhares de vezes por médicos, cientistas e especialistas em comportamento.

O DISCURSO DO LÍDER E O COMPORTAMENTO DE RISCO
A petição dos ex-subprocuradores-gerais cita um estudo que estabelece a devida relação entre o discurso do líder e o comportamento de risco. Escrevem:

Nicolás Ajzenman, Tiago Cavalcanti e Daniel da Mata, em estudo intitulado "More than Words: Leaders' Speech and Risky Behavior During a Pandemic", revelam o grande e robusto impacto dos discursos e das ações do Presidente da República, publicamente e enfaticamente diminuindo os riscos associados à COVID-19, advertindo contra o isolamento e desprezando as medidas de distanciamento social, no comportamento das pessoas em municipalidades pró-governo, especialmente aquelas com níveis relativamente elevados de penetração da mídia, com presença de contas ativas de Twitter e com maior proporção de paroquianos evangélicos, grupo chave em termos de suporte ao presidente. A pesquisa combina informações eleitorais, transações com cartões presenciais e dados de telefonia móvel de mais de 60 milhões de dispositivos em todo o país. O período de análise é de 1º de fevereiro a 14 de abril de 2020.

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
Não se trata, evidentemente, de indagar se Bolsonaro sabia e sabe que seu comportamento contribuiu com a doença, não com a prevenção. A pergunta, nesse caso, é outra: há alguma possibilidade remota de ele não saber? A resposta, obviamente, é "não", dado que, para lá de centena de vezes no curso da pandemia, contestou abertamente o saber científico e técnico, tratando como adversários aqueles que recomendam as medidas de contenção e de redução de danos.

"Ah, será que Aras teria coragem de enviar isso ao Supremo? Há 342 deputados que concordariam com a abertura da investigação?" A resposta para a segunda pergunta é "não". Mas a petição fica na história, e Bolsonaro não será presidente perpétuo. É muito pouco provável que o procurador-geral mande a denúncia para o tribunal.

A eficácia imediata de um ato dessa natureza, sob certo ponto de vista, não é o mais importante. Eis aí uma petição que evidencia, de forma irrespondível, que o presidente agiu conhecendo os riscos que decorriam dessa ação. E aquilo que fez é crime passível de até 30 anos de cadeia.

A batalha civilizatória que se trava no país tem esse marco. Que travem a luta política legítima os que podem e devem.

Por Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Antes de comprar CoronaVac, Bolsonaro precisa conhecer o preço do centrão



Mais uma vez a imprensa e os adversários pinçam um fato para criticar, maliciosamente, o presidente da República. Reagindo ao "ato midiático" do governo de São Paulo, que cobra uma definição sobre a compra de 54 milhões de doses adicionais da CoronaVac, o Ministério da Saúde informou que não tem pressa. Decidirá até o final de maio. O mundo caiu sobre a cabeça de Jair Bolsonaro. Uma injustiça. São compreensíveis as razões do capitão.

Bolsonaro decerto está preocupado com a ruína fiscal do Estado, agravada pela pandemia. Em 2019, antes do coronavírus, o déficit nas contas públicas foi de R$ 95,1 bilhões. Em 2020, o buraco virou uma cratera histórica: R$ 743,1 bilhões. Ou 10% do PIB. O país está endividado até a raiz dos cabelos de todos os brasileiros. Inclusive os calvos. É natural que Bolsonaro, frequentemente tachado de populista, esteja preocupado com a saúde das contas nacionais.

Antes de decidir sobre a compra das vacinas, o presidente precisa orçar o valor do apoio legislativo do centrão. A turma do toma lá, dá cá anda com código de barras na lapela. Há uma frenética remarcação de preços. Os 63 pedidos de impeachment inflacionaram o mercado da baixa política. Na disputa pelo comando da Câmara e do Senado, os votos estão pela hora da morte.

É fúnebre o quadro da pandemia. O Brasil voltou a amargar uma média diária de mortes acima de mil. Nesta quinta-feira, os cadáveres da Covid foram contados em 1.439. A pilha de corpos ultrapassou a marca de 201 mil. A maioria dos brasileiros sonha com a vacina. Bolsonaro já declarou que não cogita vacinar-se. Mas não abre mão de imunizar o seu mandato.

O Brasil pós-redemocratização elegeu cinco presidentes: Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro. Dois foram enviados para casa antes de concluir o mandato: Collor e Dilma. Uma taxa de mortalidade de 40% —oito vezes maior do que o índice de letalidade da Covid-19 no Amazonas: 5%. A proliferação de pedidos de impeachment empurra o governo Bolsonaro para o grupo de risco.

Caindo o capitão, o índice de mortalidade política dos presidentes brasileiros subiria para 60%. Para evitar o massacre, os operadores do Planalto percorrem o Congresso sem máscara. Articulam a eleição do líder do centrão Arthur Lira na Câmara. Para o comando do Senado, Rodrigo Pacheco, da ala do DEM que valoriza uma "boquinha".

O centrão e seus congêneres, como se sabe, não perdem por esperar. Ganham. Na campanha, o centrão foi agredido por Bolsonaro. Mas não costuma ficar com raiva. Fica com tudo. A blindagem parlamentar custará caro. Natural, portanto, que o governo retarde a decisão sobre a compra das doses adicionais de CoronaVac. Antes de comprar a "vacina chinesa do João Doria", Bolsonaro quer esmiuçar o preço da imunização do seu mandato.

O ministro Paulo Guedes (Economia) deve estar orgulhosos da responsabilidade fiscal exibida pelo chefe.

Por Josias de Souza

Operação Spoofing: 1% do arquivo revela um vírus na origem da era do horror



Embora o assunto da hora seja a ida de Jair Bolsonaro às compras — não me refiro a sal, chiclete, alfafa e leite condensado, mas a deputados do Centrão —, deu-se um evento importante nesta quinta. O ministro Ricardo Lewandowski. do STF, decretou o sigilo de tudo o que diz respeito à Operação Spoofing — incluindo o material a que a defesa de Lula já teve acesso, que corresponde a uma parte ínfima do conjunto.

Por que o ministro o fez também para o conteúdo que já é e que ainda será do conhecimento dos advogados do ex-presidente? É provável que se tenha chegado a coisas do arco da velha. Alguns detalhes foram publicados pela edição online na Veja. Já volto ao ponto. Antes, um pouco de memória.

A Operação Spoofing foi deflagrada por comando de Sergio Moro, quando ainda ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, para tentar chegar aos hackers que passaram o material ao site The Intercept Brasil que resultou na série de reportagens conhecida como "Vaza Jato".

As conversas, extraídas do aplicativo Telegram, revelam relações absolutamente impróprias e ilegais entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, que coordenava a Lava Jato de Curitiba. Também há conversas entre os procuradores que poderiam merecer o título de "Arquitetura de uma Condenação sem Provas".

TAMANHO DO ARQUIVO

A Polícia Federal foi de uma rapidez realmente impressionante e chegou a Walter Delgatti Neto. Recolheu-se, então, um vasto arquivo que estava com ele que soma espantosos sete terabytes. Um terabyte -- ou 1.024 gigabytes -- pode arquivar 130 mil fotos digitais. Deu para ter ideia de quanta coisa há lá?

Cumpre lembrar que Lewandowski havia determinado compartilhamento desse material com a defesa de Lula. As reportagens da Vaza Jato foram eloquentes o bastante para evidenciar o que chamo acima de "arquitetura de uma condenação".

Prestem atenção: dos sete terabytes, forneceram-se à defesa de Lula 740 gigabytes — 10,32% do total. Desses 10,32%, um perito judicial conseguiu analisar, por sua vez, apenas 10%. Assim, estamos falando que foram analisados apenas 74 gigabytes: pouco mais de 1% do que foi apreendido.

E, creiam, já foi o suficiente para acrescentar um conteúdo assombroso àquilo que a Vaza Jato já havia revelado. A rigor, não há um componente criminoso novo até agora ao menos. O que se vê é a confirmação das ilegalidades com conteúdos ainda mais comprometedores.

Informa a revista:
VEJA teve acesso ao conteúdo apresentado ao STF pela defesa como sua "análise preliminar", encaminhado aos advogados na quarta-feira pelo perito Cláudio Wagner, que mostra sete diálogos curtos entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná Deltan Dallagnol.

Para os advogados de Lula, "é possível desde já constatar, para além da escancarada ausência de equidistância que deveria haver entre juiz e partes, por exemplo: (i) a efetiva existência de troca de correspondência entre a "Força Tarefa da Lava Jato" e outros países que participaram, direta ou indiretamente, do Acordo de Leniência da Odebrecht, como, por exemplo, autoridades dos Estados Unidos da América e da Suíça; (ii) documentos e informações que configuram quebra da cadeia de custódia relacionados aos sistemas da Odebrecht; e (iii) a busca selvagem e a lavagem de provas pelos órgãos de persecução, com a ciência e anuência do juízo de piso".

Sim, meus caros! O pouco que se soube do pouco que foi analisado evidencia que o diabo é mesmo tão feio como revelou a Vaza Jato e com artimanhas adicionais.

ARQUITETURA DE UMA PERSEGUIÇÃO

Uma troca de mensagens de 23 de fevereiro de 2016 entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro há de deixar constrangidos juízes federais e procuradores que tenham vergonha na cara. O então juiz pergunta ao coordenador da Lava Jato se a força tarefa tinha uma denúncia sólida contra Lula. E o despropósito se revela inteiro.

Como se falasse a um chefe -- e se prova, mais uma vez, que era Moro quem comandava a operação --, Dallagnol detalha o caminho que pretende seguir para incriminar Lula. Na conversa, verifica-se a perversão em que se transformou a delação premiada. Informa o procurador ao juiz, que tem o dever legal de ser neutro:
"Estamos trabalhando a colaboração de Pedro Correa, que dirá que Lula sabia da arrecadação via PRC [Paulo Roberto Costa] (e marcaremos depoimento de PRC para um dia depois da nova fase, para verificar a versão dele).

É do balacobaco:
- juiz cobrando ação do procurador contra o réu com receio de perder uma boa oportunidade de incriminá-lo;
- procurador detalhando a juiz seu plano, como se estivesse numa caçada;
- instrumentalização de delatores para atingir o alvo preferencial;
- manipulação de fases e depoimentos com o intuito de incriminar.

E isso tudo, ora vejam!, sendo combinado com ninguém menos do que o juiz, que tem a obrigação funcional de ouvir com equidistância defesa e acusação.

ESTADO PARALELO
As coisas não param por aí.

Entre 28 de novembro e 1º de dezembro de 2015, Moro, o chefe, cobra informações sobre contas da Odebrecht no exterior e quer saber se João Santana, que havia sido marqueteiro do PT, era um dos beneficiários. Deltan diz que há americanos cuidando do assunto no caso do dinheiro que tenha passado pelos EUA, já que a tal conta é, na verdade, suíça. E aí informa: "Nesta semana, teremos contato com os suíços, que vêm pra cá pedindo extremo sigilo sobre a visita".

Informa a Veja:
Em 18 de outubro de 2016, um dia antes da prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, Deltan Dallagnol tentava combinar um horário para encontrar Sergio Moro e falar com ele "sobre apreensão dos celulares". Ele também cita reuniões com representantes suíços e americanos para "discutir e negociar percentuais da divisão do dinheiro".

Essa história dos celulares de Cunha já tinha sido publicada pela Vaza Jato. Chama a atenção nesse caso, mais uma vez, a articulação com suíços e americanos. O tal dinheiro a ser dividido deve dizer respeito a alguma apreensão ou multa, não está claro no contexto.

O que merece destaque aí é a onipresença de autoridades estrangeiras nessa fase da investigação. O ministro Ricardo Lewandowski enviou um ofício à Procuradoria Geral da República cobrando informações sobre essas parcerias da Lava Jato com autoridades suíças e americanas. E recebeu uma resposta intrigante: não há registro oficial a respeito.

Parece que se tinha, com efeito, um verdadeiro estado paralelo em operação.

FBI, LEMBRAM-SE?
O site Consultor Jurídico já havia noticiado em fevereiro de 2018 a colaboração do FBI com a Lava Jato. Bem, uma coisa é cooperação; outra, distinta, é uma parceria ao arrepio da lei, estabelecida nas sombras. Reportagem da Agência Pública, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelou a atuação ilegal da polícia americana no país, em conluio com a força-tarefa, ao arrepio do Ministério da Justiça e da própria Procuradoria Geral da República.

Na citada reportagem, ficou claro também que Dallagnol mantinha contatos com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos em assuntos envolvendo até extradição, sem a intermediação, como exige a lei, do Ministério da Justiça. Estado dentro do Estado.

PEDIDO EXTRAVAGANTE
As primeiras informações que vêm à luz em razão do compartilhamento dos arquivos da Operação Spoofing reforçam, com sobras, a cadeia de ilegalidades que já havia sido revelada pela Vaza Jato. Dá para entender por que Dallagnol e alguns colegas procuradores apelaram a Lewandowski para suspender esse compartilhamento. Se malsucedidos, pedem que a questão seja levada ao pleno. Para começo de conversa, é matéria que diz respeito à Segunda Turma porque se trata de investigação já em curso.

Na petição enviada a Lewadowski os procuradores contestam que tenha havido perícia no arquivo, afirmando que esta evidencia apenas que não houve nenhuma adulteração depois da apreensão. E insiste na tese ridícula de que o material apreendido pode ter sido manipulado antes pelos hackers.

A argumentação chega a ser pueril. Para tanto, seria preciso, então, que Delgatti hackeasse os diálogos e os adulterasse, apostando, então, que um dia esse material seria apreendido pela polícia, servindo para desmoralizar Moro e Dallagnol. Nesse caso, ele não seria um hacker, mas um adivinho.

O pouco que se sabe do pouco mais de 1% analisado dos sete terabytes apreendidos evidencia o buraco legal em que a Lava Jato meteu o país. Não por acaso, tanta dedicação ao combate à corrupção acabou resultando na eleição de Jair Bolsonaro, este que agora vai às compras na Câmara e que incita os brasileiros a ter coragem, não temendo o coronavírus. Com o país marchando célere para os 250 mil mortos antes que termine fevereiro.

O vírus lava-jatista do ataque ao devido processo legal e ao estado de direito nos atingiu antes que o coronavírus. E nos deu Bolsonaro de presente. Quantos dos atuais 221,6 mil mortos se devem a essa parceria?

Por Reinaldo Azevedo

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Vive-se um dos momentos mais delicados da pandemia em terras nativas



O Brasil pode estar vivendo o momento mais delicado da pandemia desde que o primeiro doente foi identificado por aqui. E justamente quando a vacinação já começou. E, como é evidente, isso se deve à ausência de governo. Ou melhor: à presença. O governo federal atrapalha.

O número diário de novos casos e mortes voltou ao patamar dos tempos em que se imaginava ser o pico. A segunda onda não é mais uma ameaça. Está aí. E a situação pode piorar a depender do que aconteça no Carnaval.

Todos os avisos e alertas feitos pela imprensa — jamais pelo Ministério da Saúde — sobre os riscos das festas de fim de ano foram ignorados por amplas camadas da população. O resultado se conta em corpos. O caos no sistema de Saúde não se generalizou, por ora ao menos, porque, ainda que hoje minoritários, milhões de brasileiros desafiam a orientação oficial e insistem em seguir as regras do distanciamento social.

Mas o Carnaval está chegando. Mesmo sem os eventos oficiais, o feriado prolongado — habitualmente marcado por um, digamos, relaxamento nas restrições de costume (e costumes) — pode ter um efeito devastador no sistema de Saúde, que é a vítima principal do coronavírus.

Só precisamos da vacinação em massa porque não temos como abrir mão da vida em sociedade. Se as pessoas reduzissem sua existência social e econômica ao essencial, a doença continuaria matando. Mas o contágio estaria num nível menos elevado, e haveria menos vítimas.

O esforço dos sensatos é para que se evite aquilo que é evitável — o que, certamente, torna a vida mais aborrecida. Como se constata, a tarefa não tem sido fácil. Entre outras razões porque o governo federal é o primeiro a sabotar os esforços de distanciamento social.

A imunização já começou — e o mérito, como é evidente, é do governo de São Paulo. Irrito-me um tanto quando tentam repartir a responsabilidade pela politização da doença entre Jair Bolsonaro e João Doria. Que mal fez o governador? Investir na vacina? Obrigar o Planalto a se mexer ao marcar uma data para o início da vacinação — que acabou sendo antecipada?

A ordem dos fatos indica que, não tivesse Doria sabido usar a favor da imunização a legislação da pandemia, o país estaria entregue apenas ao negacionismo homicida do governo federal. Como esquecer que, em reunião virtual com governadores, no dia 8 de dezembro, este estupefaciente Eduardo Pazuello previu que a Anvisa levaria, no mínimo, 60 dias para aprovar o uso de qualquer imunizante? No seu calendário, então, só em março teríamos o primeiro imunizado no Brasil.

A indisciplina que se vê por todo lado também é fruto da angústia da população em razão da incompetência oficial. Querem um exemplo? Até agora, o Ministério da Saúde não se acertou com o Instituto Butantan para dizer, afinal de contas, quantas doses da vacina pretende comprar — quando estas estiverem disponíveis.

Dispondo do Ingrediente Farmacêutico Ativo para fabricar as vacinas, finalmente liberado pela China, o instituto e o governo de São Paulo não precisam ficar na dependência da vontade do governo federal. A demanda mundial por vacinas é formidável.

Notem que Pazuello se apressou em mandar a Polícia Federal ir buscar as vacinas no Butantan tão logo a Anvisa liberou o uso emergencial, mas não deixou claro até agora quantas doses pretende comprar. Ou por outra: rápido em se apropriar do trabalho alheio; lento ao fazer o próprio trabalho — uma lentidão que tem obviamente motivação política.

A vacinação será certamente mais lenta do que gostaria a nossa angústia. O Ministério da Saúde não conseguiu se entender com os governos estaduais, e até a distribuição das poucas vacinas que existem é confusa, destrambelhada. Esse princípio de vacinação sem os devidos cuidados para evitar o contágio pode ainda levar o sistema de saúde ao colapso.

Precisamos de um governo.

Não precisamos desse governo.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Pazuello deveria pleitear uma delação premiada



O coronavírus deixou Brasília mais surrealista do que o habitual. Improvisado na função de ministro da pandemia, o general Eduardo Pazuello foi alvejado por duas investigações —uma no STF, outra no TCU. Em ambas terá que explicar os mistérios da cloroquina. Há no polo passivo dos processos uma grande ausência. Falta ao enredo o protagonista: Jair Bolsonaro.

Por ordem do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, Pazuello será interrogado pela Polícia Federal nos próximos dias. Responderá por suas ações e omissões no colapso hospitalar do Amazonas. Terá de esclarecer, por exemplo, por que sufocou Manaus com 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina num instante em que os pacientes de Covid morriam asfixiados, por falta de cilindros de oxigênio.

Por determinação do ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União, Pazuello terá de se explicar por escrito. Foi intimado a esmiuçar as razões que levaram o ministério que supostamente comanda a despejar na rede hospitalar do SUS lotes de hidroxicloroquina para ser usados no "tratamento precoce" da Covid. Distribuiu remédio ineficaz "sem amparo legal."

Todo investigado, como se sabe, é inocente até prova em contrário. Entretanto, no caso da prescrição da cloroquina como elixir anti-Covid, Jair Bolsonaro, um presidente sem comprovação científica, tornou-se a própria prova em contrário. Falta ao capitão apenas descobrir que existe um remédio para cada culpa: reconhecê-la.

Pazuello já esclareceu que comanda a pasta da Saúde, convertida numa espécie de ministério de campanha, guiando-se por um lema marcial: "Um manda e o outro obedece." Transformado em boi de piranha, aquele bicho que é jogado na água para ser comido enquanto o resto da manada passa, o general talvez devesse pleitear um acordo de delação premiada.

Se o suor do dedo não for suficiente, há um sem-número de entrevistas e lives do presidente. Há também os desembarques de Mandetta e Teich, que se recusaram a avalizar impensável. No limite, Pazuello pode arrolar como testemunha de defesa uma das emas do Palácio da Alvorada. Armado de caixa de cloroquina, Bolsonaro ameaçou a ema na frente das crianças e dos repórteres.

Vá lá que as autoridades de Brasília queiram poupar o presidente. Mas é preciso maneirar. O surrealismo, quando é demasiado, ofende a inteligência alheia.

Aturdido com a perda de popularidade, Bolsonaro agarra-se ao jacaré imaginando que é um tronco



Afundando nas pesquisas, Jair Bolsonaro debate-se na correnteza da pandemia como um náufrago desfigurado. Refere-se à China com respeito e compostura. Orgulha-se de ter autorizado a compra da vacina chinesa. Defende a imunização em massa para dar "conforto à população" e segurança à economia. Ou seja: o capitão está completamente fora de si.

Costumava tratar a embaixada da China aos pontapés. Agora, vai às redes sociais para agradecer ao embaixador Yang Wanming, desafeto do seu filho Zero Três, por ter avisado que Pequim liberou "a exportação dos 5.400 litros de insumos para a vacina CoronaVac".

Já não chama a "vachina" de "vacina chinesa do João Doria". Virou "vacina do Brasil." Jurou que jamais compraria o imunizante, mesmo que a Anvisa aprovasse. Hoje, soa como um ex-Bolsonaro: "Sempre disse que qualquer vacina, uma vez aprovada pela Anvisa, seria comprada pelo governo federal."

Até ontem, queria que os vacinados assinassem um termo isentando o governo de responsabilidade caso virassem jacaré. Ainda não entrou na fila da vacinação. Mas já enxerga nos imunizantes uma fonte de "conforto", uma fagulha capaz de reacender as fornalhas da economia.

Este neo-Bolsonaro faz lembrar a célebre frase de José Ortega y Gasset, filósofo que, no século passado, testemunhou a transfiguração radical das circunstâncias na sua Espanha natal. O cenário mudou da monarquia para a República. E desta para a ditadura.

"Yo soy yo y mi circunstancia y si non la salvo a ella no me salvo yo." Políticos costumam evocar a primeira parte da frase para justificar mudanças bruscas de posição. No caso de Bolsonaro, entretanto, a segunda parte do enunciado de Gasset é mais relevante.

O que o filósofo espanhol quis dizer foi mais ou menos o seguinte: quando é intimado pelas circunstâncias a resolver uma questão crucial, o sujeito deve posicionar-se de modo a solucionar a encrenca, pois só assim, salvando a situação, é que conseguirá salvar a si mesmo.

No português do asfalto, a mensagem do filósofo seria traduzida assim: para salvar a própria pele, mande às favas a coerência e vire-se como puder. Bolsonaro virou-se do avesso. Aturdido com a perda de popularidade, agarra-se ao jacaré imaginando que é um tronco.

Difícil saber quanto tempo durará a hipotética conversão às vacinas. Quando está fora de si, Bolsonaro não consegue esconder por muito tempo o que tem por dentro.

Por Josias de Souza

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Dia D, Hora H (Felicio Vitali)



Não dá mais pra fingir que está tudo ruim. Precisamos ter consciência que está tudo muito pior. Um desastre de proporções jamais imaginado por roteiristas de ficções catastróficas. 

Exagerado eu? Pode ser, mas se com alguma honestidade refletirmos só um pouquinho e olharmos a nossa volta com a merecida atenção, fazendo um paralelo da nossa situação com o mundo, veremos que a coisa está muito mais feia do que a princípio nos parece. 

Muito mesmo, pois nos tornamos o parâmetro do absurdo, motivo de pena e sarcasmo. 

Pária, passou a ser a nossa melhor definição. 

Há pouco mais de 2 anos, os brasileiros elegeram um desregrado para presidir o país. O cara, muito tosco, tinha todos os predicados possíveis para não ser o escolhido. Entretanto, uma maioria inebriada pelo ódio contra os políticos, o que não é de tudo sem razão, iludiu-se com as promessas deste inescrupuloso e minúsculo "político", deixou o cérebro de lado e depositou o fígado na urna. 

Este segmento da nossa sociedade que se dizia moderna, tolerante, altruísta e alegre, acabou mostrando a verdadeira cara. Moralista, provinciana e irascível, logo aceitou tudo de ruim que este cara representava para fazer dele o salvador da ética, da moral e dos costumes. Colocou a serpente no seu próprio ninho. Entre os políticos ruins, escolheu o pior, escolheu um SER HUMANO RUIM. 

Passados dois anos no poder, o sujeito não cumpriu uma só promessa de campanha. Não fez nada de importante e ainda só complicou. 

Ele podia ter ajudado se ficasse quieto no seu canto, mas resolveu atrapalhar e tentar impedir que outros fizessem o que ele deveria ter feito, para depois, com seu oportunismo, se valer do trabalho alheio. 

O sujeito de alma pequena e caráter diminuto, é o cara do retrocesso, é o representante máximo de tudo que pior existe em um ser humano: Retrógado, sem caráter, cruel e insensível. É o único cara que faz o "tiozão do churrasco", aquele da piada do pavê, sentir vergonha alheia. 

Um sujeito assim, jamais poderia estar ocupando o cargo que ocupa. Não seria aceito em lugar algum do mundo organizado, sob quaisquer que fossem os pretextos dos seus eleitores. Mas este parasita está lá e alguém agora precisa ter força e coragem de iniciar o processo para retirar este câncer do comando da nossa nação. 

Se na época da Dilma, dizia-se que o país não aguentaria um ano a mais, afirmamos hoje, que semanas a mais com este cancro no poder, o país será levado para caminhos irreversíveis. 

A possibilidade do sistema de saúde, econômico, político e social do país convulsionarem é iminente. 

Só a situação caótica de Manaus, já justifica a retirada do energúmeno do poder. Não custa lembrar que o caos nos hospitais era de conhecimento do governo federal antes do Natal e nada foi feito nos dias posteriores para evitar a tragédia que se anunciava. 

Culpa do general da saúde? Sem dúvida alguma, mas vamos lembrar, o que ele disse alguns meses atrás, ao lado do seu venerado chefe: "... é muito simples, um manda e o outro obedece". Do jeito, que não dá pra dissociar um do outro. Sabemos bem quem obedeceu e quem mandou. 

Assim, também não dá pra esquecer tudo que o destrutivo sujeitinho fez para o agravamento da pandemia no nosso país e tudo que não fez para abrandar a doença, o contágio e evitar que mais de 215 mil brasileiros morressem. 

Cabe aos outros poderes, com apoio da sociedade, marcarem logo o dia D e a hora H, para acabar com esse pesadelo, inexplicável para os dias atuais.

Bolsonaro lança maior "fake news" de seu governo, mas fatos o desmoralizam



O Instituto Butantan negocia há tempos com a China o envio do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a fabricação da Coronavac no Brasil. O ex-presidente Michel Temer, em parceria com o governo de São Paulo, é um dos interlocutores do governo chinês por intermédio da embaixada daquele país no Brasil

No evento com ex-presidentes promovido por João Doria, Temer disse de viva voz:
"Hoje ainda, às 11h, falei com o embaixador da China no Brasil. Nessa conversa, a notícia que tive é que os insumos estão sendo acondicionados. Há uma pequena questão técnica na China, mas eles virão para o Brasil".

O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, não teve dúvida. Seguindo o estilo de seu mentor, o finado Donald Trump, recorreu ao Twitter para contar uma inverdade. Escreveu:
"Embaixada da China nos informou, pela manhã, que a exportação dos 5400L de insumo para a vacina Coronavac aprovada, e já estão em vias de envio ao , chegando nos próximos dias. Assim também os insumos da vacina Astra-Zeneca que estão com liberação sendo acelerada.
Agradeço a sensibilidade do Governo chinês, bem como o empenho dos Ministros @Itamaraty GovBr @ernestofaraujo, @minsaude Eduardo Pazuello e @Mapa_Brasil @TerezaCrisMS."

O único agradecimento merecido — pelo esforço, não pelo resultado — é o feito à ministra Tereza Cristina, da Agricultura. É a única que, desde o primeiro dia, tentou manter uma relação profissional, como é o correto, com a China. Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello, ao contrário, só contribuíram para crispar as relações entre os dois países.

O chanceler, como é sabido, acha que o Brasil tem de confrontar a China, numa luta contra o globalismo e o comunismo. Alimenta a súcia de psicopatas na Internet que acreditam que o vírus é parte de um complô para dominar o mundo. Para Araújo, o coronavírus é, na verdade, comunavírus.

Yang Wanming, embaixador da China no Brasil, retuitou Bolsonaro e acrescentou a seguinte mensagem:
"A China está junto com o Brasil na luta contra a pandemia e continuará a ajudar o Brasil neste combate dentro do seu alcance. A União e a solidariedade são os caminhos corretos para vencer a pandemia."

Os bolsonalhas ficaram em dúvida se comemoravam a resposta do embaixador. Afinal, como explicar que seu chefe pudesse ser grato aos inimigos por mandar para cá o insumo para fazer a "vachina", aquela que poderia transformar jumentos em jacarés? E eles não querem ser jacarés de jeito nenhum!

Wanming é embaixador. Exerce a diplomacia. Se um presidente da República se mostra grato, cabe a ele dar a resposta cordial que deu. Afinal, seu papel é aparar eventuais arestas entre os dois países e buscar convergência de interesses. É o que faz a diplomacia. A única no mundo que ataca seu principal parceiro comercial e investidor é mesmo a brasileira. Como sabem, Araújo já se orgulhou de o Brasil ter se tornado um pária no mundo.

Bem, a despeito da delicadeza de Wanming, sabem ele e os fatos que quem destravou o envio dos Ingredientes Farmacêuticos Ativos — porque também há o do da AstraZenica-Oxford — foi o governo de São Paulo, com o auxílio do ex-presidente Michel Temer.

GUERRA DA VACINA, NÃO! O EMBATE É OUTRO
O governo de São Paulo emitiu uma nota desmentindo Bolsonaro. E fez muito bem. Guerra da vacina? Uma ova! Trata-se de um embate da verdade contra a mentira. O que seria "não entrar na guerra"? Deixar que prosperem as bobagens dos negacionistas, que, agora desesperados também com as pesquisas de opinião, pretendem tomar para si méritos que não lhes pertencem, fingindo que não estavam sabotando a vacina?

Diz o Palácio dos Bandeirantes:
"Não é verdade o que disse o Presidente Bolsonaro em redes sociais, de que a importação de insumos da China foi uma realização do Governo Federal.
Todo o processo de negociação com o governo chinês para a liberação de 5.400 litros de insumo para a vacina do Butantan foi realizado pelo Instituto e pelo Governo de São Paulo, que vem negociando com os chineses a importação de vacinas e insumos desde maio do ano passado.
Esta negociação é continua e nunca foi interrompida, mesmo quando o Governo Federal, através do presidente da República, anunciou publicamente, em mais de uma ocasião, que não iria adquirir a vacina por causa de sua origem chinesa. Neste período, um total de 4 lotes de vacinas e insumos foram recebidas pelo Governo de SP sem nenhuma participação do governo Bolsonaro.
O Instituto Butantan informa que houve autorização do governo chinês para o envio dos insumos. Eles não estão no aeroporto conforme equivocadamente publicado pelo Presidente da República, mas sim nas instalações da Sinovac, em Pequim.
O Governador João Doria terá reunião virtual amanhã, 26, às 10h30, com o embaixador chinês, Yang Wanming. Logo após, terá entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes em que serão detalhados a logística de importação dos insumos da vacina do Butantã, ainda esta semana, para o Brasil."

E isso tudo é apenas fato. Como vê sua popularidade despencar e tomar vulto as manifestações em favor do impeachment, Bolsonaro agora se agarra até à China, chamando para si méritos que não são seus.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Bolsonaro perdeu as condições mínimas, para exercer legitimamente o mandato presidencial que lhe foi atribuído



Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro tem violado, reiteradamente, seu juramento de preservar, proteger e defender a Constituição do Brasil. Como se não bastasse sua obsessão em subverter a ordem democrática e as regras básicas do estado de direito, o presidente tem negligenciado suas responsabilidades políticas e jurídicas no enfrentamento da pandemia da Covid-19, contribuindo, por meio de suas ações e omissões, para o adoecimento de milhões de brasileiros e para a morte, até o presente momento, de mais de 215 mil pessoas.

O presidente Bolsonaro vem se empenhando desde o início de seu governo em aprofundar a polarização política, dividindo o país entre amigos e inimigos. Com uma retórica truculenta, baseada na crueldade com os mais vulneráveis, no racismo, no obscurantismo e na exaltação da violência, das armas e da ditadura, atenta diariamente contra os pilares fundamentais da nossa República, tais como estabelecidos pelo artigo 1º da Constituição.

O presidente não tem poupado esforços para desestabilizar nossas instituições. Participou de atos e fomentou grupos que propugnam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, o que constitui crime de responsabilidade previsto pelo no artigo 6º, 1 e 5, da Lei 10.079, de 1950. Igualmente grave têm sido suas insidiosas manifestações incitando a animosidade entre as classes armadas e as instituições civis, que configuram mais um crime de responsabilidade, previsto no artigo 7º, 8, da Lei 10.079, de 1950.

O presidente Bolsonaro também vem subvertendo a Constituição por meio de nomeações incompatíveis com as funções a ser exercidas, pela expedição de decretos, regulamentos e atos administrativos e pela intimidação de servidores. Essa estratégia para frustrar a vontade constitucional fica patente no campo ambiental, no indígena, no controle de armamentos, na política de direitos humanos, educacional, cultural, de segurança pública e de inteligência.

A instrumentalização do aparato de segurança para atender a interesses pessoais do presidente, assim como a constrangedora omissão do procurador-geral da República em investigar crimes comuns atribuídos ao presidente da República, também apontam para esse grave processo de erosão de nossas instituições.

Em decorrência de uma desastrosa política externa, refratária à cooperação internacional, aos direitos humanos e ao meio ambiente, o Brasil vem se colocando numa posição de verdadeiro pária internacional. Isso com graves consequências para a nossa economia e prejuízos catastróficos para o enfrentamento da pandemia. O atraso na obtenção de vacinas é uma decorrência direta da política internacional desastrosa liderada por Jair Bolsonaro e seus auxiliares.

Ao negligenciar sistematicamente a gravidade da pandemia; fomentar aglomerações; desdenhar e descumprir medidas de prevenção determinadas por autoridades sanitárias; boicotar a produção e a obtenção da vacina; desacreditar as próprias vacinas; determinar a fabricação, a distribuição e o tratamento por meio de fármaco comprovadamente ineficaz no combate ou prevenção da Covid-19; assim como ao deixar de envidar todos os esforços financeiros e logísticos para assegurar o atendimento emergencial de enfermos, o presidente Bolsonaro tem incorrido de forma clara em diversos delitos comuns e de responsabilidade, tais como os previstos nos artigos 132 e 268 do Código Penal, artigo 85, inciso III, da Constituição Federal, e 7º, 9, da Lei 10.079, de 1950.

Conforme já havíamos afirmado em nota pública da Comissão Arns, de 19 de maio de 2020, Jair Bolsonaro perdeu as condições mínimas para exercer legitimamente o mandato presidencial que lhe foi atribuído, por absoluta incapacidade, vocação autoritária, insubordinação constitucional e constante ameaça à democracia e à vida das pessoas. Desde então, a situação apenas se agravou.

Por essas razões, a Comissão Arns chama a todas e todos aqueles verdadeiramente compromissados com a democracia e o direito à vida — cidadãos, organizações da sociedade civil, partidos políticos, organizações empresariais, religiosas e, sobretudo, instituições fundamentais da República, como Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Procuradoria-Geral da República — a assumir sua parcela de responsabilidade na defesa do regime democrático e da Constituição, contra os ataques que lhes têm sido endereçados pelo presidente da República. É preciso dizer um basta a esse desgoverno que tanto mal tem causado à vida dos brasileiros e à nossa democracia.

Por Margarida Bulhões Pedreira Genevois, José Carlos Dias e Paulo Sérgio Pinheiro

Popularidade de Bolsonaro despenca, mas impeachment ainda está distante



A situação de Jair Bolsonaro ainda não é tão ruim como ele merece. E, infelizmente para o país, está um tanto longe disso. Escrevi na minha coluna de sexta na Folha que, hoje, a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara está mais próxima do que o impeachment do presidente. Com isso, noto, não estou afirmando que Lira seja o favorito contra Baleia Rossi, o candidato do PMDB. Só estou lembrando que são necessários 342 votos na Câmara (dois terços) para que se autorize o Senado a abrir um processo de impeachment. Mas bastam 257 votos — maioria absoluta — para eleger aquele que vai comandar a Câmara. Existisse o número na Casa, Bolsonaro só seria deposto com o voto de pelo menos 54 senadores. Não há esses números.

Por que não? Porque a máquina de cooptação do governo federal está em ação. E até me dispenso de lembrar aqui que Bolsonaro havia prometido manter distância do Centrão, grupo ao qual Lira pertence. Nada do que ele disse em campanha, convenham, estava escrito — em sentido metafórico e literal. Era tudo conversa mole e delinquência política berrada nas redes sociais por seus fanáticos — que fanáticos continuam, pouco importam os fatos.

O que constato aqui implica que a mobilização que começa em favor do impeachment é inútil? A resposta, obviamente, é "não". É utilíssima. Digamos que se percorreram os primeiros metros do que pode ser uma maratona. De início, os respectivos impedimentos de Fernando Collor e Dilma Rousseff pareciam impossíveis. E vimos o que vimos. Sim, havia fatores específicos em cada caso. O primeiro não contava com milícias digitais organizadas, que se misturam com apoio popular ainda expressivo. Dilma tinha contra si a Lava Jato — o verdadeiro ninho da serpente bolsonarista. Por sua vez, como resta evidente, nenhum daqueles governos contava com quase 220 mil mortos nas costas, número que caminha célere para os 250 mil. E, como resta evidente, o morticínio tem as marcas do governo federal: as da ação e as da omissão.

A obra macabra de Bolsonaro parece que vai, finalmente, colar-se à sua biografia — ainda que distante, por ora, do devido mérito. No começo de dezembro, segundo o Datafolha, apenas 32% consideravam o governo ruim ou péssimo; agora, são 40%. Os que o viam como ótimo ou bom caíram de 37% para 31%. É uma deterioração importante em tempo tão curto. Segundo levantamento do Exame/Ideia, em uma semana, a aprovação à gestão caiu 11 pontos: de 37% para 26%. E a reprovação saltou de 38% para 45%.

O Datafolha quis saber ainda quem mais atuou para enfrentar a pandemia. Disseram que foi João Doria 48% dos ouvidos pelo Datafolha. Mas existem incríveis 28% que dizem ter sido Bolsonaro. É claro que isso não se explica por nenhum juízo objetivo nem pode ser atribuído à diversidade de gostos, assim como uns preferem sorvete de uva, e outros, de abacaxi. Trata-se de alinhamento que pode, sim, sem qualquer abuso do sentido da palavra, ser chamado de "ideológico".

Quando a gente olha o alinhamento dos astros, este não é o melhor para Bolsonaro. A imunização em larga escala ainda está distante. O que há de mais próximo e viável, se a China enviar o Ingrediente Farmacêutico Ativo, é a vacina da Coronavac. Os desastres na Saúde, como aquele que se vê em Manaus, assombram as pessoas. A cada dia, mais gente se dá conta de que o governo é omisso, incompetente — e, sabemos, criminoso também — na administração da crise.

O impeachment, hoje, ainda é uma miragem, como era nas duas outras vezes quando no início da maratona. Agora é preciso observar a dinâmica dos fatos — de maus augúrios para Bolsonaro — e testar a resiliência daqueles que estão se organizando em favor do seu impedimento. Fácil não é, embora nenhum presidente, na história brasileira, tenha merecido perder o cargo com a carga de verdades que lhe cabe. Já são 23 crimes inequívocos de responsabilidade entre agressões à Lei 1.079 e a fundamentos da Constituição.

É uma pena não haver modo de defenestrá-lo 23 vezes.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 24 de janeiro de 2021

Bolsonaro desdenha de impeachment, mas aliados recomendam moderação



A situação poderia estar melhor para Jair Bolsonaro, pois os brasileiros começaram a ser vacinados, o centrão está fechado com o Planalto e a oposição continua estilhaçada. Contudo, o vocábulo impeachment voltou a infectar a conjuntura.

Numa reunião com quatro ministros, o presidente desdenhou da hipótese de o Congresso mandá-lo para casa mais cedo. Ouviu de aliados recomendações de moderação —nos atos e no discurso.

Bolsonaro não seguiu integralmente o conselho. Mas promoveu ajustes na estratégia em relação à pandemia. Com atraso, o governo parou de conspirar contra o processo de vacinação.

A avaliação de Bolsonaro é compartilhada pelas principais lideranças políticas, inclusive as de oposição. Disseminou-se nas cúpulas dos partidos a convicção de que não há votos no Congresso para converter o coro de "Fora Bolsonaro" na aprovação de um novo pedido de impeachment.

Entretanto, tornou-se consensual também a percepção de que a margem de manobra de Bolsonaro estreitou-se. Sua popularidade é cadente. Segundo o Datafolha a taxa de reprovação do governo saltou oito pontos, batendo em 40%. Superou o índice de aprovação, que despencou de 37% para 31%.

Os movimentos captados pelo Datafolha coincidem com as oscilações detectadas em sondagens feitas por encomenda do governo. Em privado, Bolsonaro atribuiu o crescimento do azedume da sociedade não aos desacertos do seu governo, mas ao fim do auxílio emergencial que chegava ao bolso de 67 milhões de brasileiros até dezembro.

O presidente voltou a manifestar o desejo de colocar em pé um novo programa de renda mínima, mais amplo e generoso do que o Bolsa Família. Eximiu-se de esclarecer de onde virá o dinheiro.

Auxiliares e apoiadores de Bolsonaro no Legislativo não ignoram o peso que o fim do vale-vírus teve na mudança de humor de parte do eleitorado. Mas esperam que o presidente perceba que as pesquisas também indicam que ele já não pode ter uma verdade própria e dizer o que bem entende.

A popularidade do presidente e do seu governo deteriora-se numa conjuntura em que se misturam duas crises explosivas: a crise sanitária e a econômica. O temperamento mercurial de Bolsonaro desestimula a sinceridade nas salas de reunião. Longe dos seus ouvidos, ministros avessos ao tambor ideológico reconhecem que, graças ao negacionismo do presidente, o governo desligou-se da realidade.

O problema é que a realidade não deixou de existir porque Bolsonaro a ignorou. Ao contrário, agravou-se. Hoje, nada é tão real quanto os mais de 215 mil brasileiros que a Covid-19 já matou. Nada assombra mais do que as milhares de pessoas que ainda fenecerão antes que pelo menos 70% da população seja vacinada.

Sob drama tão agudo, espanta que o presidente tenha demorado a despertar. É ainda mais espantosa sua relutância em dar o braço a torcer. Há seis dias, realizou-se no Planalto uma reunião marcada pelo surrealismo. Nela, Bolsonaro e um grupo de ministros fizeram uma avaliação negativa do desempenho do governo na pandemia. Atribuíram as culpas ao ministro Eduardo Pazuello (Saúde). Ignoraram o fato de que o general não faz senão seguir as ordens do capitão.

Participaram da conversa com Bolsonaro os ministros Paulo Guedes (Economia), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), André Mendonça (Justiça) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência).

Avaliou-se, por exemplo, que Pazuello e sua equipe se comunicaram mal em relação ao colapso do sistema de saúde de Manaus. Ninguém se animou a mencionar o fato de que a pasta da Saúde recomendou "tratamento precoce" em hospitais onde os pacientes morriam asfixiados. Ofereceu hidroxicloroquina, remédio de estimação do presidente, a quem precisava de cilindros de oxigênio.

Atribuiu-se exclusivamente a Pazuello também a precariedade logística no provimento de vacinas. Bolsonaro destilou insatisfação durante o encontro. Estava incomodado com o protagonismo do rival João Doria, governador de São Paulo, na fase inaugural do processo de vacinação.

O presidente esqueceu de mencionar que ordenara a Pazuello, em outubro de 2020, o cancelamento do protocolo firmado pela pasta da Saúde com o Instituto Butantan. Previa a aquisição antecipada de 46 milhões de doses da CoronaVac. Um imunizante que Bolsonaro chamava de "vacina chinesa do Doria" e teve de rebatizar de "vacina do Brasil."

Aos pouquinhos, Pazuello vai ganhando uma aparência de boi de piranha, aquele animal que é jogado no rio para ser comido, enquanto o resto da manada escapa. A atuação do Ministério da Saúde na crise do Amazonas inspirou a abertura de um inquérito civil por improbidade administrativa na Procuradoria da República em Manaus.

Neste sábado, pressionado pelas circunstâncias, o procurador-geral da República Augusto Aras viu-se compelido a requisitar ao Supremo Tribunal Federal a abertura de outro inquérito contra Pazuello, dessa vez na esfera criminal. Em relação a Bolsonaro, o procurador-geral se absteve de esboçar qualquer interesse em procurar.

Para blindar Bolsonaro, Aras construiu uma teoria extraconstitucional. Ignorando a independência funcional e os poderes que lhe são conferidos pela Constituição, o procurador-geral atribui exclusivamente ao Legislativo a prerrogativa de apurar eventuais delitos cometidos por Bolsonaro durante a pandemia.

O impeachment resulta de um procedimento em que os aspectos jurídicos se subordinam a uma lógica política. "O processo é primeiro político. Depois, é jurídico", disse o advogado e deputado Marcelo Ramos (PL-AM). "Hoje, não há condições. Mas o caldo está esquentando. Não sei se vai ferver. O que há de concreto é que a palavra voltou a frequentar a pauta política."

Marcelo Ramos é candidato a vice-presidente da Câmara no bloco partidário que apoia a candidatura de Arthur Lira (PP-AL), preferido de Bolsonaro na sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ramos acredita que Lira prevalecerá na queda de braço que trava com Baleia Rossi (PMDB-SP), o preferido de Maia. Mas sustenta que o resultado da disputa não é relevante no debate sobre o impeachment.

"O que vai definir se haverá ou não impeachment é a conjuntura, não a eleição de Arthur Lira ou de Baleia Rossi", declarou Ramos. "É preciso verificar como vai oscilar a popularidade do Bolsonaro. Quem decide se o processo será aberto é a rua. Bolsonaro ainda tem 30% de popularidade. Nenhum presidente é afastado com esse nível de aprovação."

A ex-presidente petista Dilma Rousseff amargava popularidade de 7% quando o então vice-presidente Michel Temer declarou que "ninguém vai resistir três anos e meio na Presidência com esse índice baixo." Temer insinuou-se para o trono acenando com um governo de união nacional.

Além de conservar um índice de aprovação mediano, Bolsonaro livra-se momentaneamente de ralar um processo de impeachment graças a um personagem que dá expediente no edifício anexo do Palácio do Planalto: o general Hamilton Mourão. Já se ouve "Fora Bolsonaro" nas janelas dos apartamentos e dos automóveis. Mas ninguém se animou a gritar "Mourão presidente."

Quando o asfalto vociferava "Fora Dilma", também não se ouvia "Temer já". Mas o mundo da política sabia que, enviando Dilma mais cedo para casa, teria no comando do Planalto um profissional da política.

Quando o governo seminovo do MDB derreteu, as ruas passaram a pedir "Fora Temer." Transitaram pela Câmara três denúncias criminais contra o presidente. Temer imunizou-se contra o vírus do afastamento acionando o balcão das verbas e o loteamento da máquina do Estado.

Bolsonaro recorre aos mesmos expedientes para saciar os apetites do centrão e adjacências. E a maioria dos congressistas prefere por ora manter na Presidência da República um capitão incerto a ter de apostar em Mourão, um general duvidoso.

Por Josias de Souza

Devoto de Trump e detrator da China, Eduardo Bolsonaro fica sem assunto



O deputado Eduardo Bolsonaro notabilizou-se pela disciplina com que costumava administrar suas obsessões. Dividia-se entre a devoção à figura de Donald Trump e o achincalhe à China. Atingia o êxtase quando conseguia combinar num mesmo comentário a louvação ao ídolo americano às caneladas no regime de Pequim. De repente, emudeceu. Descobriu que quem tem calos não deve se meter em apertos.

O silêncio do filho Zero Três do presidente da República foi imposto por dois movimentos inusitados do seu pai. Num, Jair Bolsonaro afagou Joe Biden, o sucessor de Trump, em carta remetida à Casa Branca. Noutro, mendigou uma conversa telefônica com o presidente chinês Xi Jinping. Com dois anos de atraso, o capitão começa a se dar conta de que países não têm amigos, mas interesses.

Há dois meses, o deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, alardeou numa rede social que o Brasil rejeita a tecnologia chinesa para o 5G e apoia a iniciativa de Trump de criar uma aliança global sem "espionagem" da China para a internet móvel de quinta geração. Abespinhado, o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, perdeu os modos.

Wanming anotou na mesma rede social que as acusações de espionagem, por "infundadas", "solapam" a relação entre os dois países. Recordou que a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil há 11 anos. Avisou que se o Zero Três e outras personalidades ligadas ao governo não parassem de distribuir caneladas, arcariam com as consequências negativas, amargando a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.

O governo deu de ombros. Bolsonaro ordenou ao chanceler Ernesto Araújo, outro trumpista sinofóbico do bolsonarismo, que admoestasse o embaixador chinês. Decorridos 60 dias, Pequim dá o troco. O Brasil depende de insumos produzidos na China para ampliar a produção nacional de vacinas no Butantan e na Fiocruz. A China retarda o envio da matéria-prima. E Bolsonaro, à procura de um imunizante contra a queda de popularidade, se rende ao pragmatismo diplomático.

Em março de 2020, o Zero Três já havia cutucado os chineses com o pé ao postar na internet o seguinte: "Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez, uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução."

Seguiu-se um bate-boca virtual no qual o embaixador Wanming "exigiu" que o filho do presidente "retire imediatamente" suas declarações, "e peça desculpas." O vice-presidente Hamilton Mourão foi ao ponto: Se o deputado se chamasse "Eduardo Bananinha", ninguém lhe daria importância.

No alvorecer do seu governo, Jair Bolsonaro cogitou guindar o filho, exímio fritador de hambúrguer, ao posto de embaixador do Brasil em Washington. Não colou. Hoje, o presidente impõe ao Bananinha um tratamento comparável ao de uma personagem de ficção criada pelo escritor gaúcho Josué Guimarães —uma mulher que diminuía diariamente de tamanho.

Os familiares se esforçavam para que a mulher não percebesse o próprio encolhimento. Rebaixavam os móveis. Serravam os pés de mesas e cadeiras. A diferença é que Bolsonaro rebaixa a estatura do seu filho cortando-lhe a língua, sem precisar adaptar a mobília. Se Eduardo tiver de reprimir as idiossincrasias por muito tempo, logo terá de guardar seu ego numa caixa de fósforos.

Por Josias de Souza