Relator dos inquéritos que investigam bolsonaristas por fake news e atos contra a democracia, Alexandre de Moares acaba de suspender a nomeação do amigo de Carlos Bolsonaro para o comando da Polícia Federal.
Na decisão, o ministro diz que Alexandre Ramagem não deve assumir porque não cabe ao presidente moldar poderes.
“Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, escreve o ministro
Na decisão, ministro ainda lembra que Ramagem, como amigo da família Bolsonaro, não dispõe de imparcialidade suficiente para comandar a Polícia Federal sem atrair suspeitas de que favorece o presidente com informações privilegiadas e vazamentos de inquéritos, incluindo os que correm no STF. “Agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”, lembra o ministro.
A decisão do ministro vem acompanhada de um forte recado ao presidente. Anota o ministro, em citação bibliográfica: “‘O Executivo forte, o Executivo criador, o Executivo poderoso é a necessidade técnica da democracia’, porém ‘o exercício irresponsável, o Executivo pessoal, é a ditadura’”.
O ministro ainda lembra Bolsonaro de que “a escolha e nomeação do diretor da Polícia Federal pelo presidenteda República, mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Jacques Chevallier, ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito’”.
Moraes ainda escreve sobre o “princípio da impessoalidade”, atropelado por Bolsonaro ao colocar um amigo da família no comando de um órgão que investiga seus filhos e aliados. “O princípio da impessoalidade está diretamente relacionado com o princípio da supremacia ou preponderância do interesse público, também conhecido por princípio da finalidade pública, consistente no direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum e constituindo-se em verdadeiro vetor de interpretação do administrador público na edição dos atos administrativos”, escreve o ministro.
A decisão também aborda outro princípio caro à Constituição. “Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade; deverá ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e Justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”.
Moraes faz esse registro para, na sequência, lembrar ao presidente o dever de “observância ao ‘senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das instituições”. “O Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringirá ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, devendo entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, em fiel observância ao ‘senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das Instituições’”, escreve o ministro.
Moraes avança ainda mais duro: “Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir”.
A decisão ainda lembra que, ao Judiciário, cabe o papel de exercer o juízo de “verificação de exatidão do exercício” das decisões do presidente da República, “verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica do ato administrativo com os fatos”.
Se ausente a coerência, escreve Moraes, o ato administrativo “estará viciado por infringência ao ordenamento jurídico e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa, de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias, pois o exame da legalidade, moralidade e impessoalidade”.
“Ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada”, segue Moraes.
O ministro firma, uma vez mais, que o abuso de poder cometido pelo presidente da República deve ser combatido pelo Judiciário. “O controle jurisdicional do ato administrativo, em face do desvio de poder no exercício das competências administrativas, deve ser realizado, imprescindivelmente, em confronto com os princípios constitucionais da administração pública, obrigatórios ao chefe do Poder Executivo.
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