terça-feira, 14 de abril de 2020

Guedes ataca pacote para Estados


Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Paulo Guedes, ministro da Economia: o primeiro se deu conta do tamanho da crise; o segundo ainda não. E atua, ademais, para enfraquecer os Estados, como quer o chefe - Foto: Pedro Ladeira - 5.fev.19/Folhapress
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Paulo Guedes, ministro da Economia: o primeiro se deu conta do tamanho da crise; o segundo ainda não. E atua, ademais, para enfraquecer os Estados, como quer o chefe

Não se enganem: o que opõe o governo federal à Câmara no pacote de ajuda aos Estados nada tem a ver com a suposta luta entre o "rigor fiscal da equipe econômica" e a "licença para a esbórnia", como faz crer o governo federal, que anda a engravidar parte da imprensa pelo ouvido. Isso é falso como o "Plano Guedes Para Sair da Crise" — ou seja, não existe.

O que está em jogo é outra coisa: a manutenção de uma República Federativa, com os Estados gozando de relativa autonomia, ou a criação da República Una de Bolsonaro, tendo o ministro da economia como o seu Leporello, o seu auxiliar, numa espécie de ditadura econômica, que manteria os Estados com o pires na mão. Quando o tema chegar ao Senado, vamos ver quantos senadores votarão em favor dessa forma particular de ditadura e quantos votarão contra. 

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, propôs, originalmente, um plano mais generoso aos Estados. Acho que elevou o sarrafo da proposta para descê-lo durante a negociação. O substitutivo do deputado Pedro Paulo foi aprovado por 431 votos a 70. O Ministério da Economia saiu convocando o exército de supostos fiscalistas da imprensa para anunciar o fim do mundo. Puro terrorismo. Quer dizer, agora, que Maia, conhecido por se alinhar com teses liberais em favor da austeridade, teria virado um porra-louca fiscal? Tenham paciência!

A ajuda aos Estados soma R$$ 89,6 bilhões e conta com a ativa oposição de Guedes. O Ministério da Economia tenta mobilizar os senadores -- justamente os que, institucionalmente, representam os Estados -- para derrubar o que a Câmara aprovou. E aprovou o quê?
- a União vai compensar a queda de arrecadação de ICMS dos Estados entre abril e setembro; a compensação será feita entre maio e outubro;

- a compensação repõe o valor neste ano correspondente ao do ano passado, corrigida a inflação;
- 75% do dinheiro vão para os Estados; 25%, para os municípios, segundo a participação de cada um na distribuição da parcela do imposto que cabe a esse ente federativo;
- o Ministério da Economia criará a forma de distribuição, sob a supervisão do Tribunal de Contas da União;
- Estados e municípios que criarem incentivos tributários indevidos nesse período terão os atos anulados -- excetuando-se as práticas vistas como aceitáveis em tempos de coronavírus;
- o pagamento de dívidas de Estados e municípios com bancos públicos está suspenso entre março e dezembro deste ano;
- a União está impedida de executar garantias de dívidas contraídas por esses entes junto ao Banco do Brasil.


O que se prevê é que a injeção de recursos para compensar o ICMS vai custar R$ 80 bilhões, e a repactuação de dívidas com bancos públicos, R$ 9,6 bilhões.

O QUE FOI RETIRADO?
Na primeira proposta que chegou a circular na Câmara, havia a possibilidade de que Estados pudessem se endividar ainda neste ano e a suspensão da dívida que eles têm com a União. Pronto! Isso não está mais lá. Assim, o que já não podia antes continua a não poder agora. O pacote se limita a compensar a perda de arrecadação, tendo um parâmetro absolutamente objetivo para a transferência de recursos.

POR QUE O GOVERNO ESPERNEIA?
Porque quer aproveitar a oportunidade para manter os Estados na canga, especialmente os que considera rebeldes. Guedes -- que ficou catatônico nos primeiros dias da crise e agora se mostra mais assanhado do que lambari na sanga -- defende um pacote de compensações da ordem de R$ 40 bilhões. O engraçado é que o próprio governo considera ser isso absolutamente insuficiente. Então qual é a brincadeira?

Mais: quer estabelecer um valor fixo de compensação por Estado, o que é uma aberração porque abre a porta para a discricionariedade. De verdade, o que se pretende é asfixiar São Paulo e Rio para manter em rédea curta governadores que o Planalto considera hostis. O Ministério da Economia enverga as vestes de rigor fiscal para fazer campanha eleitoral antecipada e baixa política.

Alguém aí quer correr o risco de Estados ficarem sem recursos para pagar, por exemplo, médicos e policiais militares?

CONTRAPARTIDAS
O governo federal quer ainda que os governos estaduais se comprometam com aquilo que o próprio Jair Bolsonaro não teve topete de fazer até agora: congelar o salário dos servidores. Maia foi ao ponto: se o governo federal quer mesmo isso, que patrocine, então, um projeto com esse conteúdo. O que é inaceitável é usar a crise do coronavírus para impor aos entes federativos uma disciplina que o próprio governo federal não adota.

Os Estados têm hoje alguns inimigos no... Senado — o que é estupefaciente, mas é assim. A turma de Guedes vai tentar derrubar naquela Casa a proposta. Se não conseguir, quer convencer o presidente a vetar o texto.

Bem, nesse caso, o veto pode ser derrubado por maioria absoluta: 257 votos na Câmara e 41 no Senado.

CONCLUO
Escoimados eventuais exageros, o pacote aprovado na Câmara está correto e dá condições mínimas aos Estados e municípios de enfrentar a crise. Notem que a referência da compensação é a arrecadação do ano passado, quando inexistia um sorvedouro de dinheiro chamado "coronavírus".

Mas Guedes viu a chance de fazer um governo com mais Brasília e menos Brasil, que é o exato contrário de sua pregação publicitária nos tempos de campanha.

Não! Não é um confronto entre rigor fiscal e relaxamento para gastança. É um confronto entre quem quer manter viva a Federação e quem quer aproveitar a oportunidade para matá-la, com a pretensão adicional de engolfar adversários políticos.

Por Reinaldo Azevedo

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