quinta-feira, 9 de abril de 2020

Bolsonaro: 2ª derrota no STF em 8 dias! Entenda a correta decisão de Moraes


Alexandre de Moraes: ministro observou que presidente é livre para fazer escolhas, dadas as suas atribuições. Mas não é tão livre que possa ignorar a Constituição - Foto: Carlos Moura/STF
Alexandre de Moraes: ministro observou que presidente é livre para fazer escolhas, dadas as suas atribuições. Mas não é tão livre que possa ignorar a Constituição

O presidente Jair Bolsonaro sofreu mais uma contundente derrota no Supremo Tribunal Federal, dada a guerra insana que decidiu travar contra governadores e prefeitos, contra o Congresso, contra a ciência e contra o resto do mundo. É a segunda vez em oito dias que o tribunal lhe diz que as coisas não podem ser como ele quer porque afrontam a Constituição. No dia 31 de março, liminar de Roberto Barroso proibiu a veiculação da campanha "O Brasil não pode parar". Cumpre ao mandatário entender ou não os sinais. Já alertei aqui que, não raro, ele vai além da simples pregação e cai de cara no crime de responsabilidade. Bem, é livre para escolher o seu destino. Mas não é livre para escolher o nosso. Aí a Constituição impõe limites.

O ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar (decisão provisória impositiva enquanto em vigência) a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, de autoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que traz duas demandas: 1) que o presidente da República seja impedido de interferir em decisões tomadas por governadores e prefeitos para proteger a população da contaminação; 2) que obrigue o presidente a tomar uma série de medidas em face da crise. 

Moraes rejeitou a segunda e concedeu liminar, ad referendum do plenário — isto é, ainda será examinada pelo conjunto dos ministros — em favor da primeira. Com correção, observou o ministro que não cabe ao Supremo determinar quais medidas deve adotar o governo federal, mas avaliar a constitucionalidade das já adotadas. Mas, afinal, quais atos do presidente impuseram procedimentos aos governadores ou cassaram disposições em curso?

Eis a questão! A resposta é esta: não há! Quando uma ADPF como essa chega ao Supremo, o relator dá um prazo — foi de 48 horas — para que a Presidência se manifeste. Quem enviou a defesa do ponto de vista de Bolsonaro foi André Mendonça, advogado-geral da União. E, ora vejam!, este argumentou que todos os atos normativos da Presidência estão em consonância com o isolamento social, conforme o recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Eis o terreno pantanoso do surrealismo bolsonariano: na hora de entregar uma explicação oficial à Justiça, Bolsonaro diz, por meio da AGU, que está, sim, alinhado com os governadores e a OMS. De fato, ele não tomou — até porque não pode — medidas revogando decisões de outros entes federativos. Mas e o proselitismo constante, até em pronunciamento oficial, contra as decisões dos outros entes? Nesta terça, voltou a criticar os governadores e prefeitos que adotam o isolamento social.

Perceberam? Em documento oficial, ele vira defensor das medidas em curso nos Estados. Nas suas falas e nas redes sociais, na prática, ele pede que se sabotem as restrições. Trata-se de um jeito de desrespeitar o modelo federativo sem, no entanto, assinar um documento. É claro que os 11 ministros do Supremo já perceberam o truque.

Se Bolsonaro, até agora, não tomou nenhuma decisão que afete a competência de Estados e municípios para adotar as medidas de isolamento social, por que conceder, preventivamente, uma liminar que o impeça de vir a fazê-lo? Moraes explica:
É juridicamente possível a utilização do presente mecanismo de Jurisdição Constitucional, pois, caberá, preventivamente, arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL com o objetivo de se evitarem condutas do poder público que estejam ou possam colocar em risco os preceitos fundamentais da República, entre eles, a proteção à saúde e o respeito ao federalismo e suas regras de distribuição de competências, consagrados como cláusula pétrea da Constituição Federal, pois como salientado pelo Decano da CORTE, Ministro CELSO DE MELLO, a "injustificável inércia estatal" ou "um abusivo comportamento governamental" justificam a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário.

Ou por outra: Bolsonaro não fez, mas ameaçou fazer. E é necessário, em face do bem que está sendo protegido — a saúde dos brasileiros — atuar para que não venha a fazê-lo. Porque, nesse caso, o "não-fazer" é que atende ao mandamento constitucional.

O conteúdo das duas liminares — a de Barroso e a de Moraes — apelam a fundamentos que, uma vez transgredidos, constituem crimes de responsabilidade (e até comum), passíveis de impeachment. Continua a costear o alambrado. Ainda voltarei ao assunto.

Por Reinaldo Azevedo

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