terça-feira, 31 de março de 2020

Isolado, Bolsonaro chora e busca apoio entre militares contra crise


O presidente Jair Bolsonaro conversa com jornalistas na saída do Alvorada, na segunda

Isolado politicamente, o presidente Jair Bolsonaro tem dado demonstrações de fragilidade emocional na condução da crise do coronavírus e buscado refúgio no setor militar para tentar retomar o controle do governo.

Em pelo menos uma ocasião recente, ele chorou ante interlocutores no Palácio do Planalto que não faziam parte de seu círculo mais íntimo.

Reclamou que sofre críticas incessantes e aponta adversários externos, com especial predileção pelos governadores João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ).

Bolsonaro e os chefes estaduais têm medido forças, com o presidente defendendo medidas de isolamento parcial para grupos vulneráveis à Covid-19, enquanto os outros adotam as recomendações de quarentena da OMS.

O presidente está sem suporte interno unânime. Ministros do governo, a começar por Luiz Henrique Mandetta (Saúde), mas também o popular Sergio Moro (Justiça), defendem o isolamento social. Paulo Guedes (Economia) falou que preferia ficar em casa “como cidadão”.

Com isso, Bolsonaro se voltou para o seu meio de origem, o militar, cuja ala no governo havia sido reforçada no começo do ano após ter sido escanteada pelo chamado núcleo ideológico centrado nos filhos do presidente. 

Devolveu protagonismo ao chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, numa tentativa de unificar o discurso sobre a crise. O fez sob olhares desconfiados, dado que usualmente a palavra final é dele e dos filhos. 

O resultado, de todo modo, foi desastroso do ponto de vista público. Em entrevista coletiva na segunda (30), Braga Netto comportou-se como um tutor de Mandetta e ainda especulou sua demissão. 

Líderes no Congresso, a começar pelas cúpulas das duas Casas, ficaram horrorizados com a cena —reação que conta com alguma solidariedade partidária, já que Mandetta é deputado do DEM de Rodrigo Maia (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado).

Em trocas de ligações e mensagens durante a manhã desta terça (31), políticos se mostravam intrigados com o simbolismo da ação de Braga Netto.

Isso porque, também na véspera, havia chamado a atenção uma postagem no Twitter do ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas.

Nela, o homem a quem Bolsonaro uma vez disse dever a eleição em 2018 defendeu sua “postura de coragem” na crise, justamente quando o presidente estava sob uma saraivada de críticas por ter ido ao comércio popular do entorno de Brasília no domingo.

Ainda na segunda, o Ministério da Defesa divulgou ordem do dia acerca dos 56 anos do golpe de 1964, chamando o movimento militar de “marco para a democracia”.

O ministro da pasta, general Fernando Azevedo, é considerado um moderado negociador. Hoje, é o ponto de ligação entre a ativa sob seu comando, a ala militar na qual tem em Braga Netto um ex-subordinado e o Judiciário, no qual atuou ao lado do presidente do Supremo, Dias Toffoli.

Na manhã deste 31 de março, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, também enalteceu o golpe no Twitter, ainda que deixando uma hashtag dizendo que ele pertencia “à história”. O vice já havia se diferenciado do presidente ao defender o isolamento social.

Líderes partidários se perguntaram se havia alguma conexão entre os eventos envolvendo os fardados.

O que é possível dizer a esta altura é que há preocupação com o risco de instabilidade social devido aos impactos econômicos da pandemia, além daquilo que já era identificado como o perigo de os militares serem usados na disputa entre o presidente e os estados.

Associado a tudo isso, existe o temor de que a beligerância de Bolsonaro leve a crise a outro patamar, já que ele não conta mais nem com apoio no Congresso, nem com a boa vontade do Supremo desde que apoiou ato pedindo o fechamento das instituições.

Isso o diferencia, por exemplo, do premiê húngaro, Viktor Orbán, que ganhou poderes ditatoriais em meio à emergência sanitária.

Os militares têm sua imagem associada à do presidente e à sua ascensão ao poder. Como ele é considerado incontrolável, orientado pelo núcleo familiar, restaria uma contenção de danos para a própria classe.

Um general muito próximo de Villas Bôas ressalta outro aspecto. Apesar de muito respeitado e influente, o ex-comandante não representa mais a ativa e tem papel simbólico na ala militar empregada pelo governo.

Quando falou, o atual comandante do Exército, Edson Leal Pujol, asseverou a gravidade do problema, no momento em que Bolsonaro só chamava a Covid-19 de "gripezinha".

Logo, sua fala pode apenas ser mais um registro de lealdade em momento difícil, cuja erosão da estabilidade emocional é tema de conversas no meio militar, além de externar a preocupação conhecida com radicalização nas ruas.

Em relação a 1964, militares ouvidos foram unânimes em destacar mais a parte benigna da ordem do dia, que insiste na submissão constitucional das Forças.

Já alguns políticos viram um recado acerca da prontidão dos militares caso a situação desande.

Um presidente de partido centrista brincou nervosamente que nem seria preciso um golpe, de resto uma virtual impossibilidade, bastaria ver Bolsonaro afastado para os militares de fato voltarem ao poder.

Para um político com trânsito intenso entre os fardados, é preciso olhar para a história. Está no DNA militar brasileiro a ideia de tutela sobre o poder civil, vide a sucessão de intervenções e golpes.

A erosão da credibilidade dos Poderes após a redemocratização, período no qual os militares ficaram quase sob mordaça pública, culminou com a eleição de um capitão reformado do Exército.

A liberação de energias seria inevitável, sustenta o político, porque ao longo dos anos o oficialato sempre viu sua versão para 1964 sub-representada após deixarem o poder em 1985.

Quando Azevedo assumiu, ele combinou com os comandantes que tudo o que dissesse respeito à ativa para público externo seria de sua responsabilidade, cabendo aos outros controlar as demandas internas. Assinar a nota, subscrita pelas três Forças, é um modo de fazer isso e ainda prestar contas ao generalato.

O risco maior, crê esse político, é a volta da ideia de tutela, e qual seria o papel de Bolsonaro no arranjo.

Na Folha

Jornalistas deixam entrevista após Bolsonaro estimular apoiadores a hostilizarem repórteres



Os jornalistas que acompanhavam a fala do presidente Jair Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada nesta terça-feira deixaram o local da entrevista após o presidente mais uma vez estimular apoiadores para que hostilizassem e xingassem os repórteres.

Depois de uma pergunta sobre a postura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem dado orientações contrárias às de Bolsonaro durante a crise do coronavírus, um dos apoiadores começou a gritar que a imprensa — colocava o povo contra o presidente —. Bolsonaro reagiu incentivando o apoiador a falar e mandando que os jornalistas ficassem quietos.

"É ele que vai falar, não é vocês não", disse Bolsonaro.

Com isso, os apoiadores começaram a xingar os jornalistas, que se retiraram do local e ficaram ao fundo. O presidente ficou inicialmente surpreso com a reação dos repórteres, mas logo aproveitou para ironizá-los.

"Mas vão abandonar o povo? Nunca vi isso, a imprensa que não gosta do povo", gritou Bolsonaro aos repórteres que se mantinham afastados.

Em seguida, enquanto continuava a conversar com caminhoneiros que se reuniram na porta do Alvorada, Bolsonaro continuou falando aos jornalistas.

Em apoio a Mandetta, Sergio Moro e Paulo Guedes se opõem a Bolsonaro


Sergio Moro chama Guedes de "general" e diz ser "soldado" | Brasil ...

Os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) uniram-se nos bastidores no apoio ao colega Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e na defesa da manutenção das medidas de distanciamento social e isolamento da população no combate à pandemia do coronavírus. 

O trio formou uma espécie de bloco antagônico, com o apoio de setores militares, criando um movimento oposto ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao confinamento das pessoas, incluindo o fechamento do comércio. 

Com isso, o isolamento político do chefe da República aumenta diante do apoio que Mandetta já tem da cúpula do Legislativo e do Judiciário —nesta segunda-feira (30), o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, destacou a necessidade do isolamento social. 

Nos últimos dias, Moro deixou claro a pessoas próximas e a colegas de Esplanada a sua insatisfação com as recentes atitudes do presidente, como um passeio a pontos de comércio de Brasília no domingo (29).

Segundo aliados, Moro se disse “indignado” com a decisão de Bolsonaro de romper o acordo feito, no sábado (28), com ele e com outros membros do primeiro escalão do governo no sentido de buscar um discurso afinado sobre a pandemia.

O ministro ficou incomodado, por exemplo, por não ter sido chamado para participar de um encontro, também no sábado, com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e outros ministros do governo para discutir a judicialização das ações federais.

A posição do ex-juiz da Lava Jato sobre a pandemia se tornou pública por meio de suas redes sociais. Ele disse estar em “auto isolamento” no último fim de semana.

A avaliação feita por Moro a aliados é a de que o presidente está descontrolado, deixando aflorar sentimentos de raiva de supostos inimigos.

Moro não reza a cartilha do presidente sobre a pandemia. Ele tem defendido, além do isolamento, saídas técnicas para enfrentá-la. Exatamente o contrário das falas de seu chefe. Em uma reunião, por exemplo, o ministro disse que a Presidência não pode ser tratada como um “patrimônio pessoal”.

Em entrevista recente à Folha, Moro se irritou ao ser questionado sobre o comportamento de Bolsonaro.
A aliados o ministro disse que não colocaria o cargo à disposição do presidente e que não era o momento de abandonar o barco, apesar da pressão que tem sofrido de pessoas próximas para sair.

Além de Moro, Guedes, considerado fiador econômico do governo, manifestou seu apoio às ações de Mandetta em conversas reservadas com políticos no fim de semana.

Publicamente, disse em duas ocasiões que não vê motivos para que o país coloque fim ao isolamento, sempre sinalizando em aceno ao titular da Saúde.

Em conversas com prefeitos e investidores, o chefe da economia disse que, como pessoa, preferiria ficar em casa. A declaração dele enfraquece a tese defendida por Bolsonaro de que é necessário retomar o funcionamento do país para que a crise econômica não se torne mais aguda.

Em outra ponta, militares —parte importante de sustentação do governo— afirmaram que estão de acordo com as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e que estão à disposição para colocar em prática qualquer orientação de nível nacional.

A cúpula das Forças Armadas também concorda com a preocupação de Moro de que, num segundo momento, as questões de segurança poderão se agravar.

Em entrevista à Folha no domingo (29), o vice-presidente, general Hamilton Mourão, um dos interlocutores da ala militar, declarou que o coronavírus é sério e apontou falhas na coordenação de combate à doença.

O apoio desses personagens a Mandetta deixou o Palácio do Planalto em alerta.

Bolsonaro reagiu indo visitar o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e ex-assessor do seu governo. O presidente esteve na residência do militar pela manhã. No encontro, pediu o apoio dele ao discurso contra a quarentena total. 

Logo depois, o ex-comandante, ainda a voz mais respeitada das Forças Armadas, postou em sua conta de Twitter uma mensagem condenando “ações extremadas que podem acarretar consequências imprevisíveis” e em apoio ao presidente da República. 

Diante desse movimento de sua equipe, Bolsonaro tem se apoiado nos filhos, na ala mais ideológica e no diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, além do ex-ministro Osmar Terra, que é médico e foi demitido do Ministério da Cidadania em fevereiro deste ano. 

Torres, aliás, é considerado o preferido de Bolsonaro em uma eventual queda de Mandetta, que tem tido também o respaldo da cúpula do Congresso e de seu partido, o DEM. 

Como a Folha mostrou, a guinada dada por Bolsonaro diante da pandemia do coronavírus foi gerada pelo receio de perder setores essenciais à sua eleição —além de estar preocupado com a militância bolsonarista, essencialmente nas redes sociais. 

O presidente fez sinais a empresários e setores conservadores e precisava reacender o apoio da bancada lavajatista que tem Moro como seu principal guia. 

Pressionado, o titular da Saúde deixou claro ao presidente, em reunião no sábado, que não vai se demitir nem mudar de posição.

Ele foi aconselhado por aliados a se manter firme por ter se tornado “indemissível” num momento de pandemia. Se partir de Bolsonaro uma decisão de retirá-lo de sua equipe, caberá ao presidente assumir o ônus.

“Enquanto eu estiver nominado, vou trabalhar com ciência, técnica e planejamento”, disse Mandetta em entrevista nesta segunda-feira.

Uma intervenção de Bolsonaro, no entanto, já busca tirar a visibilidade do ministro da Saúde, como ocorreu na apresentação do cenário diário da pandemia —transferida agora para o Planalto e com a participação de outros titulares de pastas do governo, e não só de Mandetta.

No campo político, o ministro da Saúde conta com o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM. É endossado ainda pelos principais governadores e prefeitos, a quem fez questão de acenar em entrevista coletiva nesta segunda-feira.

Bolsonaro também está em rota de colisão com os gestores de municípios e estados e despertou novamente a ira dos governadores ao dizer no domingo que “estava com vontade” de editar um decreto para normalização do comércio em todo país.

As divergências levaram ainda a um desentendimento de Mandetta com o comando da Anvisa. De acordo com pessoas próximas a Mandetta, ele e Barra mal se falam.

O diretor-presidente da Anvisa tem acatado a todos os pedidos de Bolsonaro —como a insistência na divulgação de possível cura da Covid-19 por medicações como a cloroquina, para a qual ainda não há comprovação científica. 

As reações se deram ainda no Legislativo e no Judiciário. 

Nesta segunda, líderes do governo no Congresso assinaram um manifesto em que pedem que os brasileiros sigam as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e fiquem em casa, em postura que se choca com a defesa de Bolsonaro. 

O documento é assinado pelos senadores Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, e Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, que foi quem sugeriu o documento. 

Também respaldam o posicionamento líderes de partidos como MDB, Rede, PT, Podemos, Cidadania, DEM, PDT, PSB, PSD e PROS. 

O texto afirma que a pandemia provocada pelo coronavírus impõe desafios e que a experiência de países em estágios mais avançados de disseminação da doença demonstra que, “diante da inexistência de vacina ou de tratamento médico plenamente comprovado, a medida mais eficaz de minimização dos efeitos da pandemia é o isolamento social”. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, disse que fatos levam à conclusão de que medidas de restrição social são importantes para combater a pandemia do novo coronavírus.

“Tudo o que tem ocorrido no mundo leva a crer nessa necessidade do isolamento, realmente, que é para puxar a diminuição de uma curva [de contaminação] e poder ter um atendimento de saúde para a população em geral. É um momento de solidariedade entre todos os cidadãos do nosso país e em todo o mundo”, afirmou.

Ministros e Poderes isolam Bolsonaro

Mandetta
Alçado a protagonista da crise, o ministro reafirmou nesta segunda (30) sua defesa do isolamento social como estratégia para reduzir o contágio do novo coronavírus. Em um contraponto ao que prega Bolsonaro, Mandetta disse que "a pasta da Saúde continua técnica, continua científica"

Moro
Alvo de um processo de fritura por Bolsonaro no passado, o ex-juiz da Lava Jato se somou ao grupo que defende a permanência de Mandetta no cargo. Preocupado com o eventual impacto futuro de uma crise social na segurança pública, ele também defende um diálogo com os governadores

Guedes
Em reunião com prefeitos no domingo (29), o ministro foi na contramão do presidente: "Eu como economista gostaria que nós pudéssemos manter a produção e voltar mais rápido. Eu como cidadão, seguindo o conhecimento do pessoal da saúde, ao contrário, quero ficar em casa e manter o isolamento" 

Toffoli
A principal figura do Judiciário brasileiro afirmou nesta segunda (30) que "tudo o que tem ocorrido no mundo leva a crer dessa necessidade do isolamento, realmente, que é para puxar a diminuição de uma curva [de contaminação]" 

Líderes no Congresso
Os senadores Fernando Bezerra (MDB-PE, foto) e Eduardo Gomes (MDB-TO) assinaram manifesto divulgado nesta segunda em que pedem que a população fique em casa e siga as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Na Folha

Mandetta encara Bolsonaro: O chefe que faça besteira por conta


Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta durante conversa com a Frente Nacional de Prefeitos sobre o combate ao coronavírus. Presidente não conseguiu arrastar ministro para a sua tese tresloucada - Foto: Isac Nóbrega/PR
Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta durante conversa com a Frente Nacional de Prefeitos sobre o combate ao coronavírus. Presidente não conseguiu arrastar ministro para a sua tese tresloucada

O ministro Luiz Henrique Mandetta caiu em desgraça no coração de Jair Bolsonaro. O presidente exigia dele que endossasse a sua tese tresloucada, e única no mundo, de fim de qualquer quarentena para impedir a expansão do coronavírus, com o confinamento, sabe-se lá como, apenas dos idosos. O ministro, obviamente, recusou o "brasilicídio" defendido por Bolsonaro, o que destruiria, adicionalmente, se sobrevivesse ao vírus, a sua carreira de político e sua reputação de médico. Mandettra continua a defender o isolamento social. Mais: já disse a Bolsonaro que não vai pedir demissão. Se o chefe quiser, que o demita.

Aquele a quem alguns ainda chamam "Mito" decidiu, então, submeter o ministro da Saúde a rituais de humilhação a que já havia exposto auxiliares diretos e fieis que caíram em desgraça, como Gustavo Bebianno e general Santos Cruz, ambos demitidos, respectivamente, da Secretaria-Geral da Presidência e da Secretaria do Governo, depois de fritura vergonhosa e de prova escancarada de deslealdade... do chefe. Eram dois neófitos da política, sem traquejo 

Não é o caso de Mandetta. Pessoa experimentada, com trânsito no Congresso, conexões com o empresariado e apreço da bancada ruralista, ele não depende da vontade de Bolsonaro para existir politicamente. E tem se comportado de maneira correta na crise, fazendo a articulação, que Bolsonaro se nega a fazer, com pesquisadores, médicos, governadores e parlamentares. Sua abordagem técnica do problema rendeu-lhe, por óbvio, espaço no noticiário. Condescendeu com o chefe e fez uma crítica abjeta à imprensa no sábado. Desculpou-se nesta segunda. Sigamos.

Mandetta não pôs em prática a orientação de Bolsonaro, que corresponderia a uma espécie de homicídio em massa. O "capitão", como alguns o chamam, não gosta de ser contrariado. Alimenta, parece, um sentimento pelo seu auxiliar que fica num território muito perigoso entre o ciúme e a inveja. Tudo indica que vê surgir não uma resposta técnica para o coronavírus, mas uma ameaça à sua própria liderança. Aí cabe a pergunta: qual liderança? Só se for aquela do tresloucado que sai pregando bobagens por Ceilândia e Taguatinga e que ameaça os governadores com um decreto de volta à normalidade que, se baixado, seria fulminado pela Justiça.

Mas Bolsonaro quis mostrar quem manda. Determinou que as coletivas diárias sobre o combate ao coronavírus sejam feitas agora no Palácio do Planalto, não mais no ministério da Saúde. E assim se fez. Mandetta será apenas um dos ministros a falar. Outros estarão presentes. Nesta segunda, antecederam-no os titulares da Casa Civil, Infraestrutura, AGU, Defesa e Cidadania. Ninguém tinha nada de novo a falar. Só então a palavra foi concedida ao titular da Saúde.

Como não nasceu ontem, o ministro teve de mandar os devidos recados: a Bolsonaro, aos presentes, à imprensa e ao conjunto dos brasileiros. Não vai mudar a sua abordagem. Mais de uma vez, defendeu a necessidade da quarentena, apoiando explicitamente o trabalho dos governadores e da imprensa. Disse:
"A Saúde é um norte, um farol. Enquanto não temos uma resposta mais cientificamente comprovada, a Saúde vai falar 'para e vamos evitar contágio'. Isso não é a Saúde ser boa ou má, estar certa ou estar errada. Isso é nosso instinto de preservação".

O mal-estar se explicitou quando lhe dirigiram uma pergunta sobre sua eventual demissão. Para espanto de todos, o general Braga Netto, chefe da Casa Civil, tomou o microfone e se antecipou: "[Quero] deixar claro para vocês: não existe essa ideia de demissão do ministro Mandetta. Isso está fora da cogitação no momento".

Espirituoso, mas ciente do que se passava ali, o próprio ministro emendou, de modo irônico: "Vamos lá, em política, quando a gente fala 'não existe', a pessoa já fala 'existe'."

Estavam previstas oito perguntas. Ao ouvir a quarta, sobre as andanças de Bolsonaro pelo Distrito Federal, a mesa imediatamente se levantou e deu a coletiva por encerrada. Assim trabalha o presidente da República. Ele já confessou estar com "o saco cheio de Mandetta". O que o leva a se indispor com o seu ministro da Saúde, que vem fazendo um trabalho correto, do qual ele próprio poderia ser um beneficiário político? Já explicitei aqui a alma profunda de Bolsonaro: o seu prazer em ser odiado — e, pois, em odiar também — é muito superior ao seu eventual prazer de ser amado. E cada vez menos pessoas o amam. Eis aí o que pode ser um eventual traço de recuperação da saúde, mental ao menos, em meio a tanta morbidade...

Por Reinaldo Azevedo

Coronavírus: PGR está domesticada por um governo autoritário, diz jurista


26.set.2019 - O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o procurador-geral da República, Augusto Aras - Isac Nobrega/PR

"Augusto Aras não explicou porque considera aceitáveis as ações do presidente Bolsonaro contra as medidas sanitárias para combater o coronavírus e colocou tudo na conta da 'polarização', como se todo o consenso científico e recomendações sanitárias fossem questões de opinião. Um erro brutal do procurador, um atentado contra a função que deveria desempenhar." A avaliação é de Eloisa Machado, advogada constitucionalista, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta.

Ela conversou com o UOL sobre o comportamento de Aras diante das denúncias contra o presidente durante a crise causada pela Covid-19.

Machado considera "um descalabro" o procurador-geral da República arquivar uma solicitação de cinco subprocuradores-gerais para que recomendasse ao presidente não se manifestar contra a política do Ministério da Saúde de combate ao coronavírus. Em nota pública, Aras afirmou que "neste momento em que o país atravessa estado de calamidade pública, exige-se que o Ministério Público brasileiro mantenha-se afastado de disputas partidárias internas e externas".

Para ela, que analisou a atuação do PGR no Supremo Tribunal Federal, há acomodação e subserviência. "Desde o início de seu governo, Bolsonaro desmontou a política ambiental, atacou indígenas, os órgãos científicos, faz barbaridades na educação, comemora golpe militar e ataca a imprensa", avalia. "À Procuradoria-Geral da República cabe questionar esses atos no Supremo e é a instituição incumbida de investigar e acusar o presidente da República por crimes comuns. O que fez a PGR? Nada. Inconstitucionalmente, nada."

Machado é uma das advogadas signatárias de uma das notícias-crime contra o presidente da República protocolada junto ao procurador-geral da República. Nela, informam que o presidente cometeu crime de infração de medida sanitária, incitando que brasileiros desconsiderassem e descumprissem as medidas impostas para combater o coronavírus. Tanto através de seu pronunciamento à nação, no dia 24, como no vídeo institucional e na promoção do slogan "O Brasil não pode parar", a partir de quinta (26), e nos passeios que deu no Distrito Federal, causando aglomerações de pessoas, apesar das orientações sanitárias.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, determinou que a Procuradoria-Geral da República analise outra notícia-crime apresentada contra Bolsonaro pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Ele pede que Aras promova denúncia contra Bolsonaro devido ao "histórico das reiteradas e irresponsáveis declarações" feitas por ele sobre a pandemia. 

"Se uma das principais instituições de controle está domesticada por um governo autoritário, temos o aprofundamento das violações constitucionais. O perigo é o que estamos vivendo: um governo inconstitucional. E há um efeito ruim para toda a carreira, uma demonstração de tamanho alinhamento com o governo passa o recado que não haverá apoio da cúpula em ações maiores e complexas em agendas que sejam caras ao governo", avalia Eloísa Machado.

Augusto Aras arquivou solicitação em que subprocuradores-gerais da República pediam que ele recomendasse a Bolsonaro que não agisse contra a política de combate ao coronavírus. Disse que não viu nada de errado. Você foi uma das advogadas que protocolaram uma notícia-crime contra o presidente junto à Procuradoria-Geral da República por motivos semelhantes. O que acha do argumento de Aras?

Augusto Aras arquivou a recomendação de subprocuradores por motivos formais e, no mérito, porque acreditou que controlar o presidente Bolsonaro nesse tema seria uma questão política-partidária. É um descalabro. Aras não explicou porque considera aceitáveis as ações do presidente Bolsonaro contra as medidas sanitárias para combater o coronavírus e colocou tudo na conta da "polarização", como se todo o consenso científico e recomendações sanitárias fossem questões de opinião. Um erro brutal do procurador, um atentado contra a função que deveria desempenhar.

E qual seria o papel de um procurador-geral da República em um momento como este?

O Ministério Público possui a missão constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos fundamentais. Está lá escrito no artigo 127 da Constituição. É por esta razão que membros do Ministério Público possuem uma série de garantias e independência para agir. O procurador-geral da República é o chefe desta instituição e deveria ser o principal ator na defesa da ordem democrática - controlando os atos do presidente, não permitindo qualquer afronta aos direitos e agindo para impedir que um governo aloprado, ao contrariar a lei e a ciência, coloque a vida de centenas de milhares de brasileiros em risco.

E isso está acontecendo?

Não. Há acomodação e uma certa subserviência. É possível perceber a acomodação do procurador-geral ao analisarmos as ações no Supremo Tribunal Federal: desde o início de seu governo, o presidente Bolsonaro desmontou a política ambiental, atacou indígenas, os órgãos científicos, faz barbaridades na educação, comemora golpe militar e ataca a imprensa. À PGR cabe questionar esses atos no Supremo e é a instituição incumbida de investigar e acusar o presidente da República por crimes comuns. O que fez a PGR? Nada. Inconstitucionalmente, nada.

Quais os riscos de um procurador-geral que se ausenta de suas funções constitucionais?

Se uma das principais instituições de controle está domesticada por um governo autoritário, temos o aprofundamento das violações constitucionais. O perigo é o que estamos vivendo: um governo inconstitucional. E há um efeito ruim para toda a carreira, uma demonstração de tamanho alinhamento com o governo passa o recado que não haverá apoio da cúpula em ações maiores e complexas em agendas que sejam caras ao governo.

Há alguma relação entre a falta de ação de Augusto Aras e o fato dele ter sido escolhido fora da lista tríplice pelo presidente da República?

Regras costumeiras desempenham um importante papel na previsibilidade e na segurança das instituições. Era esse o papel desempenhado pela lista tríplice. Mas havia outro papel, ainda mais importante: restringir o poder de escolha presidencial, garantindo também alguma independência. O presidente escolheu alguém alinhado, à revelia da lista tríplice. Com isso, ao que parece, diminuiu o papel de controle que a PGR poderia exercer em seu governo.

Agora que deveria imitar Trump, Bolsonaro ignora


TOM BRENNER/REUTERS via BBC

Se Deus intimasse Bolsonaro a optar entre Trump e a humanidade, ele diria sem hesitação: "Morra a humanidade!" O mal de um imitador fanático como o capitão é que a idolatria o impede de se atualizar. Continua a macaquear Trump fingindo não ter percebido que a divindade americana deixou de ser, momentaneamente, o que já foi um dia.

Com a campanha eleitoral dos Estados Unidos a pino, o coronavírus tornou a imagem do governo Trump um problema político urgente. Isso aconteceu no instante em que o desdém do presidente americano em relação à doença esbarrou nos cadáveres que migram diariamente dos hospitais colapsados para o noticiário. 

O cheiro de enxofre aproximou Trump de um dos mais respeitados imunologistas do mundo: Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas. O doutor previu que, se nada fosse feito, a pandemia poderia produzir nos Estados Unidos até 200 mil cadáveres.

Súbito, Trump apegou-se à ciência, trocou a defesa do religamento das fornalhas pela lucidez e reduziu o veneno de sua retórica. Ele havia marcado o fim do isolamento social para o dia da Páscoa, 12 de abril. Bolsonaro celebrou: "Tá vendo como estou certo?" O confinamento foi esticado para o final de abril. E Bolsonaro passou a dizer que cada país tem sua própria realidade.

Como o sapo de Guimarães Rosa, Trump não se rendeu à razão por boniteza, mas por precisão. Nova York passou a conviver com imagens macabras: caminhões frigoríficos estacionados para servir de depósito de cadáveres; hospital de campanha erguido em pleno Central Park. Um navio-hospital incorporado à paisagem.

Noutros tempos, a maneira mais cômoda de um presidente americano unir a nação em seu apoio era mandar bombardear algum inimigo externo. Nada entusiasma tanto os americanos e ajuda a resolver as divisões internas do país do que um bom bombardeio. Trump atualizou essa prática.

Utilizando a mesma lógica da guerra como fator de união, Trump cavalga o coronavírus como uma oportunidade a ser aproveitada. Rendendo-se à realidade, fez minguar a chiadeira da oposição, constrangendo-a a aprovar o pacotaço de US$ 2 trilhões de socorro aos americanos em apuros. 

Trump enfrentará a eleição no final deste ano. Imagine-se se ele continuasse adotando o comportamento que Bolsonaro macaqueou. Decerto perderia votos. A eleição presidencial brasileira ainda é um ponto longínquo na folhinha. Mas não é demasiado recordar que o Datafolha revelou dias atrás que a atuação do capitão no combate ao vírus é aprovada por exíguos 35% do eleitorado. A mesma pesquisa revelou que 73% dos brasileiros aprovam o isolamento social. 

Na hora em que deveria imitar Trump, o presidente brasileiro decide ter um surto de originalidade, ignorando o ídolo. Uma evidência de que a diferença entre a inteligência e a estupidez é que a inteligência tem limites.

Por Josias de Souza

segunda-feira, 30 de março de 2020

Bolsonaro pode ser julgado por crimes contra a humanidade


O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel - Agência Brasil

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), subiu o tom e afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode ser acusado de crimes contra a humanidade por desrespeitar reiteradamente as determinações sanitárias no combate à covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Witzel demonstrou irritação com o fato de o presidente cogitar editar um decreto liberando que trabalhadores voltem a suas funções sem considerar o isolamento. Segundo Witzel, um chefe de Estado precisa respeitar os tratados internacionais assinados pelo Brasil.

"Eu não estou aqui para fazer pré-julgamento de ninguém, mas se pudesse dar um conselho como jurista diria que está colocando em risco sua liberdade. A um chefe de Estado não se admite que vá na contramão do que dizem organizações internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde", disse Witzel.

"Temos o artigo 7º do Estatuto de Roma, de crime contra a humanidade. Cada um que tome as ações conforme sua consciência determinar e depois seja responsabilizado por seus atos. Amanhã a responsabilidade virá e infelizmente pode ser muito dura. Esse não é o momento de desafiar ou fazer política", acrescentou.

O governador afirmou que fará cumprir os decretos estaduais mesmo que Bolsonaro edite medidas contrárias ao isolamento social. Segundo ele, a posição foi respaldada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

"Eventual edição de um decreto que venha a flexibilizar o isolamento social pode ser questionado no STF, que já deu demonstrações de que a crise é gravíssima", ameaçou.

"Continuarei mantendo esse decreto hígido independente de qualquer decreto federal. Se vier, questionamentos serão feitos inclusive pelo MPF (Ministério Público Federal), mas aqui também avaliaremos com a Procuradoria-Geral do Estado."

UOL Notícias

Ameaça de decreto é bravata de Bolsonaro; a medida não duraria meia-hora


É a Constituição. Junto com a Justiça . Poderia escrever que é bom já ir acostumando. Mas parece que não haverá tempo para quem não aprende nada nem esquece nada - Foto: Pedro Augusto Pinho
É a Constituição. Junto com a Justiça . Poderia escrever que é bom já ir acostumando. Mas parece
que não haverá tempo para quem não aprende nada nem esquece nada

Ao chegar ao Palácio da Alvorada, vindo de seu passeio em que, mais uma vez, pregou o fim da quarentena, o presidente Jair Bolsonaro afirmou: "Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer, de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para levar o sustento para os seus filhos, para levar leite para seus filhos, para levar arroz e feijão para casa, vai poder trabalhar". 

É populismo barato. Não vai baixar decreto nenhum. Se o fizer, não haverá nem tempo de o arroubo tresloucado ter efeito prático porque será derrubado pelo Supremo. Não compete ao governo federal arbitrar sobre a maioria das atividades hoje paralisadas nos Estados. Bolsonaro incluiu templos religiosos e lotéricas como atividades essenciais em seu decreto. Dizem respeito, de fato, à federação, mas sua decisão foi derrubada por liminar da Justiça Federal. Governadores, por seu turno, não podem impedir o transporte aéreo.

A fala do presidente é só uma bravata perigosa, a sugerir que as restrições impostas pelos governadores são punições aos trabalhadores. Não! O mundo inteiro, incluindo seu amigo Donald Trump, sabe que se trata apenas de produzir o menor número possível de mortos.

A fala é um despropósito. Sim, certamente o ministro Luiz Mandetta está articulando esforços para que o SUS atue dentro do que é possível, preparando-se para que o parece inevitável: o colapso do sistema. O que é colapso mesmo? Pessoas precisarão de leitos e não os encontrarão disponíveis.

Ora, os grandes aliados do ministro nesse esforço são os governadores. Foram eles, ou a quase totalidade deles, a tomar as medidas restritivas que podem adiar esse colapso, quem sabe impedi-lo, dando tempo ao sistema de se preparar para o inevitável. É agradável? Certamente não! Mas é fato que, com exceções aqui e ali, a população tem atendido às recomendações e vedações.

Falando à Folha, chefes dos Executivos estaduais externaram a sua indignação:
"Ele tem que parar de fazer política, parar de fazer intriga e assumir a função que a maioria do povo lhe deu de presidente da República. Cabe ao governo federal liderar esse processo e não ficar alimentando crise. Não vamos permitir. O que os governadores querem é que o presidente assuma suas responsabilidades de coordenar as ações de saúde pública para salvar vidas humanas", afirmou o petista Rui Costa, da Bahia,

"Nesta segunda, assino decreto renovando as medidas restritivas. Essa decisão é baseada na avaliação da OMS e das autoridades sanitárias. Não desafie o coronavírus. Não siga atitudes impensadas e descoladas da realidade. Olhe o que aconteceu nos países nos quais as pessoas não acreditaram nas consequências desse vírus. Não se oriente por ações irresponsáveis de quem quer que seja. Mantenha-se em casa. Os fluminenses podem ter certeza de que vamos, juntos, vencer essa doença", disse Wilson Witzel, do Rio, que é do PSC.

"Vivemos em uma Federação. O presidente não tem poderes de ditador. Ele não pode anular competências dos estados sobre proteção à saúde, nem normatizar sobre assuntos de interesse local. Se ele editar essa espécie de 'Ato Institucional', irei ignorar e fazer prevalecer o que consta do artigo 23 da Constituição", anuncia Flábio Dino (PCdoB), do Maranhão.

Por Reinaldo Azevedo

Tese de Bolsonaro só tem um desdobramento possível: "Gerontocídio" em massa


"Para que bengalas se podemos ter caixões", pergunta-se inquieto o coração de Bolsonaro., Afinal, ele pondera, todos vão morrer - Reprodução
"Para que bengalas se podemos ter caixões", pergunta-se inquieto o coração de Bolsonaro., Afinal, ele pondera, todos vão morrer

O presidente Jair Bolsonaro não entendeu, ou finge não ter entendido, nunca se sabe, o sentido da quarentena. E, à diferença do que passou a fazer Donald Trump, seu amigão, não quer, como diz, paralisar a economia porque os efeitos dessa ação seriam mais nefastos do que o próprio espraiamento da doença.

Bobagem! A Itália é o exemplo pronto e à vista de todos de que está errado. O país retardou as medidas de restrição de circulação, a doença se espalhou pelo Norte, chegou ao centro e agora migra para o Sul. A economia foi para o abismo. E com milhares de mortos. 

Na entrevista às portas do Palácio da Alvorada, disse o presidente:
"Essa é uma realidade, o vírus 'tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra! Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia."

Ele declarou ainda que não pode se preocupar com o "politicamente correto".

Eis aí. Ao empregar essa expressão, o presidente se trai, não diz tudo o que está na sua mente — e, por isso, seu ministro da Saúde recomenda uma coisa, e ele faz outra — e evidencia o tamanho do seu equívoco

Ao declarar que não é "politicamente correto", deixa claro que, para ele, as medidas de isolamento social derivam do tal "viés ideológico" dos que, agindo, então, em defesa dos mais vulneráveis, acabam prejudicando a todos. E, no seu entendimento, quais são as pessoas vulneráveis? Os idosos. Juntando todas as peças do seu confuso quebra-cabeças, o resultado é um só: ele, claro!, diz lamentar, mas acha que a economia tem de andar, ainda que os idosos morram. Numa conversa com Ratinho, chegou a usar o exemplo da própria mãe como pessoa passível de "nos deixar".

Nunca antes na história da humanidade, facínoras à parte, chefes de estado trataram a morte com tamanha ligeireza.

Que Bolsonaro não é um humanista ou, ao menos, um homem razoável segundo parâmetros minimamente civilizados, já sabíamos. Ocorre que sua tese mata-idoso não seria eficiente nem mesmo segundo a sua pretensão: fazer funcionar a economia. 

Destacarei aqui trechos do que disse o ministro Luiz Mandetta na entrevista de sábado. Prestem atenção.
"Quando a gente determina a paralisação [da circulação de pessoas], diminuem os acidentes, diminui o trauma, e sobram os leitos que eram ocupados pelo trauma para serem utilizados para outras situações. Há referências que temos de lugares com queda de 30%, 40%, 50% do nível de ocupação, o que, por si só, abre o espaço de leitos que antes estavam sendo usados por pessoas politraumatizadas poderem ser utilizados para essas viroses. Mais uma razão para a gente diminuir bastante a atividade de circulação de pessoas"

Mais: 
"Hoje está cheio de professor de epidemiologia. Tá cheio de fazedores de conta. Prestem atenção! Esta epidemia é totalmente diferente da H1N1(...). Havia uma diferença enorme: havia um medicamento que todo mundo tinha na mão. Aquela H1N1 daquela época tinha uma perspectiva de vacina porque era da classe da influenza. Quem raciocinar pensando 'nesta aqui foi assim' vai errar feio. Essa não é assim. Essa causou não uma letalidade para o indivíduo. Não é esse o nosso problema. Há aqueles que falam assim: "Ah, essa doença vai matar só cinco mil, só dez mil. Não é essa a conta. A conta é: esse vírus ataca o sistema de saúde. E ataca o sistema da sociedade como um todo. Ele ataca a logística, ele ataca a educação, ele ataca a economia. Ele ataca uma série de estruturas no mundo".

E ainda:
"Por que se suspendem aulas se todas as crianças e os jovens, como vocês viram aqui, se têm a doença, são portadores assintomáticos, são sintomas leves? Por que a gente os tira das aulas? Que é muitas vezes o que falam: 'Deixa as crianças e os adolescentes irem para as aulas'. É porque eles, como portadores assintomáticos, ao voltarem, eles não sabem, eles simplesmente transmitem. Como eles voltam para casa, e nós temos aí um déficit habitacional no Brasil enorme, ele pode contaminar cinco, seis pessoas. Quando a gente diminui a mobilidade, cada um que é positivo contamina dois. Quando a gente deixa todo mundo andando, cada um contamina seis. E isso vai fazendo a progressão geométrica."

Mandetta, a exemplo de Bolsonaro, também trata da morte, mas em outro tom:
"Todos nós teremos pessoas das nossas famílias que tiveram complicações; alguns vão perder seus entes queridos. Vamos ter isso? Vamos ter isso. O problema é em que intervalo de tempo isso vai acontecer. E isso acontece todos os anos com os outros vírus. Só que eles já têm esse comportamento. As pessoas já esperam. Falam "Nossa! A minha vozinha tá bem fraquinha, se ela tiver uma gripe, ela tá um passarinho. Esse é o problema. Nós temos muitos passarinhos, que a gente quer muito bem e que podem chegar todos doentinhos ao mesmo tempo".

Mandetta tinha estado com o presidente antes da entrevista. Parece que o alvo do didatismo era seu próprio chefe. Didatismo inútil. No dia seguinte. Bolsonaro acordou e resolveu bater perna. E, como sempre, sugerindo ser um super-homem imune ao vírus, mas sem mostrar o resultado dos exames. Acha que isso é ser homem...

Bolsonaro ignora o que tenta explicar o ministro: trata-se de permitir que os hospitais continuem a oferecer leitos normais e de UTI também para aqueles que não estão com o coronavírus. Ou milhares de pessoas morrerão de outras doenças porque o sistema de saúde, público ou privado, não pode atender à demanda.

Mas então não há saída? Ora, na equação de Bolsonaro, há. E desafio alguém a demonstrar que se trata de uma conclusão arbitrária: desde já, então, seria necessário estabelecer uma idade de corte para internações. O modelo de Bolsonaro leva a uma única saída, que saída não é: o gerontocídio em massa. Afinal, como diz nosso pensador, "todo mundo vai morrer um dia". Seria, assim, como uma megarreforma da Previdência à moda bolsonariana.

Releiam as palavras do ministro da Saúde. Está tudo ali.

Bolsonaro declarado impróprio até para maiores no Twitter


Quando o passarinho resolve dar o pio do capeta, o Twitter pode excluir a postagem em nome da segurança - Reprodução
Quando o passarinho resolve dar o pio do capeta,
o Twitter pode excluir a postagem em nome da segurança

Alguns dos mais importantes veículos da imprensa internacional já haviam feito picadinho da reputação do presidente Jair Bolsonaro na semana passada, destacando ser ele o único chefe de Estado no mundo a se opor à quarentena como forma de impedir uma explosão repentina de casos de Covid-19. Isso já evidenciava o lugar singular que o presidente brasileiro escolheu para si mesmo.

Agora vem um vexame em escala planetária mesmo! O Twitter, imaginem vocês, que tem adotado uma progressiva política de responsabilidade social, decidiu excluir duas postagens da conta oficial do presidente.

Em ambas, Bolsonaro exibia seu passeio, neste domingo, por áreas do Distrito Federal estimulando as pessoas a não respeitar a quarentena, contrariando orientação explícita da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde no Brasil. Na entrevista concedida no sábado, o ministro Luiz Henrique Mandetta foi explícito ao recomendar que as pessoas seguissem as orientações para não sair de casa. Ao chegar ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro ainda afirmou (veja post) que estudava baixar um decreto autorizando o exercício do que chamou de "toda e qualquer profissão existente".

Em vídeos, Bolsonaro também comenta, em tom de aprovação e estímulo, o uso da cloroquina no combate ao vírus, o que ainda está em estudo no mundo — e também no Brasil. Na entrevista de sábado, Mandetta foi explícito em recomendar que as pessoas evitem automedicação porque o consumo sem controle do remédio pode causar graves danos ao fígado, por exemplo.

Salvo engano, é a segunda vez na história que uma rede social de escala global, como é o Twitter, exclui postagens de um chefe de Estado por violar de regras de segurança à coletividade. Antecedeu-o na distinção, no próprio Twitter, Nicolás Maduro, ditador da Venezuela. Bela companhia!

Bem, agora é a hora de os bolsonaristas acusarem o Twitter de estar a serviço da China, do George Soros, do comunismo internacional, do Foro de São Paulo e do PT — sem esquecer, claro!, do Drauzio Varella, a mais recente obsessão dos sociopatas.

Na edição da semana passada, a revista inglesa The Economist fez um trocadilho: ele virou o "BolsoNero". A publicação destaca que a doença avança no Brasil enquanto ele "brinca". A alemã Der Spiegel o classificou de "o último negacionista". O Washington Post embarcou na ironia. Escreveu: "Ele falou que o auto-isolamento era 'confinamento em massa'. Chamou o novo coronavírus de 'gripezinha'. Perguntou 'por que fechar as escolas' se só pessoas com mais de 60 estão sob risco. Esse é Jair Bolsonaro, líder do maior país da América Latina."

Como se vê, era pouco para o nosso gigante. Faltava uma interdição de caráter planetário. Já há. O presidente brasileiro é impróprio até para os maiores do Twitter.

O maior país da América Latina tem na Presidência da República quem não reúne condições nem para escrever numa rede social.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 29 de março de 2020

'Não teve covid-19', diz filha de idoso que Flávio Bolsonaro postou como curado


Flávio Bolsonaro posta foto fake para defender "cura" de coronavírus com hidroxicloroquina - Reprodução

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) publicou ontem em seu Instagram a imagem de um idoso no leito de um hospital acompanhado de uma mulher para ilustrar o caso de "quatro pacientes curados em SP com uso da hidroxicloroquina" — droga testada no tratamento da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

O senhor, no entanto, não tem coronavírus, e o hospital fotografado não é de São Paulo, mas de Porto Alegre. "Estão usando meu pai em uma mentira. Se a matéria é verdadeira ou não, não me importa, mas a imagem ilustrativa é falsa", disse ao UOL Mariana Balestra, 39, filha de Walter Balestra, 71, o senhor da foto compartilhada pelo filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Mariana relata que o pai estava internado em 31 de julho de 2019 no hospital Moinho de Vento, no Rio Grande do Sul, acompanhado da irmã Antonia Balestra, 41, que aprece na imagem compartilhada por Flávio e curtida por 83 mil pessoas até as 17h deste domingo.

Ele se recuperava de um enfisema pulmonar.

Na ocasião, afirma Mariana, eles participaram de uma reportagem sobre UTIs humanizadas, em que o paciente poderia estar com um acompanhante. A imagem é dessa reportagem, veiculada pela RBS, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul.

Mariana diz que pediu diretamente para Flávio Bolsonaro e para o site Senso Incomum, autor original da postagem compartilhada por Flávio, que a imagem fosse retirada das redes sociais.

"Nenhum deles me respondeu. No site, eles trocaram a foto. Mas o que eu quero é desvincular uma imagem de uma coisa que é falsa", afirmou.

A reportagem tentou contatar o senador, mas não obteve retorno até esta publicação.

Não há cura para a covid-19

O tratamento à base de hidroxicloroquina vem sendo defendido pela família Bolsonaro, que se opõe às medidas de isolamento social, as classifica de "histeria" e afirma que esse medicamento é a resposta para a covid-19.

No entanto, os estudos com a substância, também utilizada no tratamento da malária, são preliminares — ou seja, ainda faltam mais testes comprovando a eficácia e a segurança do tratamento.

Ontem, o ministro da Saúde do próprio governo Bolsonaro, o médico Henrique Mandetta (DEM), afirmou que a substância ainda não é a solução para a pandemia.

No UOL

Impeachment é pouco para Bolsonaro


Um dia após Mandetta enfatizar isolamento social, Bolsonaro ...
Irresponsabilidade do presidente e do pai do garoto

Os desvarios de Jair Bolsonaro não cabem mais na esfera da política. Quando o presidente se torna uma ameaça à saúde pública, sabotando o esforço nacional contra a pandemia, seus atos devem ser submetidos aos tribunais.

Nos últimos dias, a Justiça começou a impor freios ao Capitão Corona. O Supremo derrubou duas canetadas odiosas: o corte de 158 mil benefícios do Bolsa Família e a MP que mutilou a Lei de Acesso à Informação.

Para surpresa de ninguém, Bolsonaro tentou usar a crise para garfar miseráveis e reduzir a transparência do governo. As medidas foram invalidadas pelos ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes. Em tempo: nenhum deles foi indicado por governos do PT.

Depois das derrotas no Supremo, o presidente passou a apanhar na primeira instância. Na sexta, o juiz Márcio Santoro Rocha suspendeu a autorização para igrejas e casas lotéricas retomarem as atividades normais. Horas depois, a juíza Laura Bastos Carvalho mandou tirar do ar a campanha publicitária que incentivava a população a voltar às ruas.

Nos dois casos, o capitão driblou a lei para agradar a clientela. Na MP do Dízimo, ele subverteu o conceito de atividades essenciais para beneficiar mercadores da fé e empresários do ramo de apostas.

Em outra frente, a Secom planejava bombardear os cidadãos com propaganda contra a quarentena. A campanha “O Brasil não pode parar” torraria R$ 4,8 milhões num momento em que falta dinheiro para ampliar a oferta de leitos e equipar os hospitais.

As quatro decisões ainda podem ser revistas, mas apontam um caminho para frear o presidente pela via judicial. Ao torpedear políticas de isolamento que podem salvar milhares de brasileiros, Bolsonaro extrapola os poderes de chefe de Estado. Age como um líder de seita que tenta conduzir o rebanho ao suicídio coletivo.

Quando a epidemia passar, a abertura de um processo de impeachment pode ser pouco para enquadrar o presidente. Se sua cruzada contra a vida prosperar, ele se candidatará a uma denúncia ao Tribunal Penal Internacional, que julga crimes contra a Humanidade.

Deputada espalha fake news do “porteiro” pelas redes sociais


A deputada Bia Kicis: tentativa de colocar em dúvida total de vítimas da Covid-19 no Brasil Câmara Federal/VEJA

Quem recebe ou compartilha nas redes sociais pode não perceber que muitas notícias falsas, as fake news, nascem com o objetivo de “comprovar” e conquistar adeptos para uma teoria inverídica, sem amparo com a realidade. Neste fim de semana, há uma clara tentativa em circulação nas redes para minimizar o tamanho e o impacto do coronavírus, com a construção da narrativa de que vários óbitos têm sido registrados como Covid-19 como forma de a pandemia parecer maior do que é, de fato. Não faz o menor sentido. Os dados divulgados são oficiais. Essa mentira espalhada indica que médicos estão adulterando atestados, o que seria um crime e implicaria em perder o registro profissional no Conselho Federal de Medicina.

Entre essas fake news em circulação pelas redes está uma, em especial, que se espalhou por grupos de WhatsApp e foi postado pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) sobre um porteiro que teria morrido em um acidente, porém a causa oficial foi atribuída à Covid-19. Junto com a notícia falsa consta um atestado de óbito falso, em que o CPF da suposta vítima não corresponde ao do nome informado. Em algumas postagens, a pessoa aparece como porteiro, borracheiro e caminhoneiro. Vários perfis postaram o mesmo conteúdo de indignação sobre o suposto caso falso.


O Twitter tem uma política clara de derrubar posts mentirosos sobre a Covid-19, tanto que tirou do ar recentemente uma publicação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que postou como se fosse atual uma mensagem do médico Drauzio Varella de janeiro, quando a epidemia de coronavírus se concentrava na China e em alguns países vizinhos.

VEJA contatou o Twitter para saber se a conta da deputada Bia Kicis foi denunciada e qual medida será adotada. Até o fechamento desta reportagem, não houve resposta da empresa. Já Bia Kicis leu o pedido de entrevista de VEJA, mas não retornou às mensagens nem atendeu a ligação.

Contra a quarentena, Bolsonaro agora vai bater no aumento da violência


Gabinete do ódio” influencia presidente e acirra divisão do clã ...

Depois de martelar a questão do desemprego como argumento para contrariar a estratégia global de combate ao coronavírus, Carlos Bolsonaro definiu o próximo passo do pai na tese do “voltem às ruas”: o aumento da violência.

Jair Bolsonaro vai ajustar o discurso nos próximos dias para dizer que o aumento do desemprego levará as pessoas a promoverem saques a supermercados, investirem em assaltos, roubos e outras atrocidades.

Um lote de vídeos já está sendo espalhado pelo gabinete do ódio nas redes.


Coronavírus e a pandemia política



Todos os presidentes da Nova República, de 1985 a 2020, governaram dentro da frigideira da política. Nenhum deles, diante da gordura quente, se comportou com mais serenidade do que José Sarney. Não amaldiçoou a realidade, não botou para quebrar, não convocou passeata, não agravou a crise mundial, não ameaçou a democracia. Antes, encurtou seu mandato.

Temos certa má tradição de cada presidente eleito que chega ao Palácio mudar a mesa de lugar, o quadro da parede, os heróis nacionais, como se fosse comum, por arbitrárias escolhas, vestir o omofhorion ortodoxo dos seus costumes familiares.

Abra os olhos e veja. Infelizmente, embora o fenômeno seja mundial, não estamos na crise do mesmo jeito. Basta observar a forma desgraciosa de governar do Presidente da República para poder dizer que vivemos um pesadelo e estamos submetidos a duas leis em cada Estado.

Um presidente que tem mais retórica do que recursos de poder não passa de prego no isopor. Mas não perde o poder de furar.

Onde o governador é médico, político experiente, sério e determinado, como Ronaldo Caiado em Goiás, o presidente encontra uma autoridade política e sanitária que o impede de manipular eleitoralmente o povo. Porque diante de uma pandemia é um contrassenso o conflito público entre a autoridade política e a autoridade técnica. E, tempos atuais, foi o Ministro da Saúde que foi posto em quarentena.

O governo federal não quer assumir o ônus da crise sanitária porque sabe que a Fazenda não tem respostas para a paralisia econômica brasileira. E, pior, sua equipe não sabe o que fazer porque não aceita o fato e a realidade inexorável que é a parada repentina da vida econômica pela velocidade do contágio humano. É como xingar um terremoto.

Assim, o presidente, que já é turbulento, entra em combustão: não quer um operador nacional da crise sanitária, pois isto deixaria o governo totalmente em segundo plano, já que sabe que não tem um operador da crise econômica ligada a ela. Ou seja, quer fazer o lockdown da temporalidade. Bloquear o tempo em fevereiro e dizer que dali para cá quem gastar com a calamidade é responsável por tudo de errado que ele fez até agora.

Se alguém for amigo do presidente é bom dizer rapidamente a ele que sem investimento público emergencial federal o vírus vai, além de adoecer o cidadão ampliar a estagnação, a doença da economia no seu governo.

E se alguém conseguir resolver o quebra-cabeça que é pegar um avião e ver se consegue falar com o ministro Paulo Guedes é bom dizer a ele que o coronavirus não está pedindo mudança do modelo econômico liberal, mas mudança no padrão de gestão do presente.

Conversar com Rodrigo Maia é um bom caminho, pois foi ele o primeiro a entender, e por isso tem sido a voz mais sensata dessa crise.

O vírus não pode espalhar, senhor Presidente, é porque o Brasil, e o mundo, não tem leitos suficientes para receber todos os pacientes infectados. E ninguém é Deus para na porta do hospital decidir quem vai para o necrotério.

Sabemos que a saúde nunca monopolizou a atenção de todos como agora, mas é impressionante não perceber que não há necessidade de mobilização nacional para gerar o discurso que justifique o investimento necessário ao combate da situação.

Metam a mão no bolso, planejem a solidariedade oficial, protejam o caixa dos milhões de brasileiros que fecharam as portas do seu negócio para colaborarem com o mutirão sanitário do país. É dever do Estado pagar as dívidas de quem se comportou com responsabilidade pública e coletiva. Ou criem uma ala no governo para os incuráveis da insensibilidade.

O Brasil tem que parar Bolsonaro



Por insanidade, egocentrismo, cálculo político, má-fé ou tudo isso junto, na semana passada o presidente Jair Bolsonaro iniciou mais uma guerra. Disparou tiros para todo lado, alguns fatais, como o afrouxamento do isolamento social, outros nos seus próprios pés. Na tentativa de destruir desafetos, acertou a culatra ao dar palanque nacional aos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pré-candidatos à Presidência em 2022.

Com atuações determinadas, transparência de dados e entrevistas diárias, ambos passaram a ser vistos como dirigentes lúcidos e preocupados com a população de seus estados, em contraponto a um presidente egoísta, incapaz de perceber que a vida vale mais do que a bolsa.

Embora cuidar da saúde e costurar saídas econômicas para evitar o caos não sejam temas excludentes, o embate da semana insistiu em antagonizá-los. Com ganhos expressivos para os 24 governadores que mantiveram a decisão de obedecer às instruções da OMS de isolamento social (apenas três deles – Mato Grosso, Rondônia e Roraima voltaram atrás).

Colheram ainda o endosso da Frente Nacional de Prefeitos, que na sexta-feira enviou carta ao presidente Bolsonaro questionando as dubiedades das recomendações do governo central. Os quase 500 prefeitos de cidades onde vivem mais de 60% dos brasileiros querem saber se devem ou não suspender as restrições ao convívio social, quais as bases científicas e os instrumentos legais para fazê-lo, e se Bolsonaro assumirá o colapso do SUS depois de uma eventual suspensão do isolamento. Afirmam ainda que, a depender da resposta do governo, não restará alternativa senão recorrer à Justiça com “pedido de transferência ao presidente da República das responsabilidades cíveis e criminais pelas ações locais de saúde e suas consequências”.

A manifestação dos prefeitos caiu no Planalto no mesmo dia em que bolsonaristas comemoravam as várias carreatas realizadas em seis estados e outras programadas para este domingo, em favor da reabertura do comércio. Embora os carrões demonstrassem ser um ato de patrões, isso animou Bolsonaro a dizer que são os próprios trabalhadores que querem voltar ao trabalho. “Esse negócio de confinamento aí tem de acabar…Deixem os pais, os velhinhos, os avós em casa e vamos trabalhar.”

Como faltou explicar ao entrevistador José Luiz Datena e ao público do popular Brasil Urgente de que maneira os mais novos podem ir trabalhar sem correr o risco de se infectar e transmitir o vírus para os pais, os velhinhos e os avós, a insensibilidade do presidente mais uma vez se escancarou.

Nem em sonhos Witzel e Doria contavam com tamanho impulso vindo de tantos desatinos.

Sem concordâncias e maioria em seu próprio governo – Bolsonaro admite que tem tentado convencer seus ministros a acabar com o isolamento social –, o presidente dobrou a aposta. Dispôs de cerca de R$ 5 milhões para contratar, sem licitação, a IComunicação, para, entre outras tarefas não explicitadas, divulgar a campanha “O Brasil não pode parar”. O vídeo, derrubado ontem pela Justiça, rodou no Instagram, YouTube, Facebook e Twitter.

Antes de virar slogan oficial contra o isolamento social, a frase já havia provocado engulhos ao ser dita pelo empresário bolsonarista Junior Durski: “O Brasil não pode parar por 5 ou 7 mil mortes”. O conceito imita a campanha #MilãoNãoPara (Milano non si ferma), lançada há um mês, quando a cidade italiana registrava 12 mortos e seu prefeito culpava o alarmismo da mídia pelo baque na economia local. Mais de 4,4 mil mortes depois, Giuseppe Sala fez seu mea culpa.

Voz isolada no mundo, por aqui Bolsonaro metralha no sentido inverso e, como o dono do Madero, desdenha da vida: “Infelizmente algumas mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o barco”.

Nessa altura, até os que politicamente lucram com as sandices diárias do presidente concordam com a urgência: o Brasil tem que parar Bolsonaro.

Por Mary Zaidan

sábado, 28 de março de 2020

Saúde reage a Bolsonaro e quer ampliar isolamento, fechando escolas e universidades


Ministério da Saúde comemora aniversário - Blog ProDoctor

Integrantes do Ministério da Saúde organizam um movimento de resistência contra as tentativas do presidente Jair Bolsonaro de afrouxar as medidas de isolamento para combate ao novo coronavírus. Na contramão do discurso de Bolsonaro, técnicos da pasta fizeram um documento de recomendações para os gestores do SUS de todo o País no qual projetam, a partir de 6 de abril, o fechamento de escolas e universidades, distanciamento social no ambiente de trabalho e proibição de eventos com aglomeração, como jogos de futebol. Medidas mais restritivas seriam adotadas em abril, maio e junho.


No documento, ao qual o Estado teve acesso, há um balanço de todas as medidas adotadas pelo governo em relação ao novo coronavírus até a última sexta-feira, com previsão do governo ter que criar mais 20 mil leitos de internação para atender a demanda dos infectados no próximo mês. A previsão é de haver necessidade de 40 mil leitos até 30 de abril. Como revelou o Estadão/Broadcast, a necessidade ocorreria no pior cenário previsto para o período.

No plano de ação da quarentena, a ser executado nos próximos três meses, há a previsão da contratação de trabalhadores informais serem contratados como promotores de saúde durante a resposta à covid-19. A ideia é que eles orientem as pessoas na rua, identifiquem idosos que estão fora do isolamento para enviá-los para casa, além de atuarem na limpeza de superfícies.

Outras medidas incluem a proibição de qualquer evento de aglomeração (shows, cultos, futebol, cinema e teatros). Nesta sexta-feira, 27, durante entrevista ao Programa Brasil Urgente, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a realização de jogos de futebol em estádios com público reduzido para 10% da capacidade e disse que ‘Infelizmente algumas mortes terão. Paciência’. Há, ainda, previsão de redução em 50% da capacidade instalada em bares e restaurantes.

O documento traz medidas mais restritivas do que as que vinham sendo passadas pelo Ministério da Saúde oficialmente até agora. Apesar disso, Estados e Municípios saíram na frente decretando cancelamento de aulas e eventos com aglomerações. A leitura no Ministério da Saúde é que houve excessos em muitos casos, mas a partir de 6 de abril já seria a data ideal para implantar as meddias.

Os técnicos responsáveis pelo documento, por outro lado, consideram que devem sofrer represálias por endurecer as medidas em meio ao discurso do presidente pela volta à normalidade no Brasil, a fim de retomar atividades econômicas. Uma das possibilidades ventiladas é a eventual demissão da equipe de Vigilância em Saúde (SVS), mais resistente à postura de Bolsonaro.

Neste sábado, enquanto Bolsonaro se reuniu com ministros no Palácio da Alvorada, entre eles Luiz Henrique Mandetta, parte da equipe da saúde fez uma reunião paralela na sede do ministério para discutir o assunto. 

Ao Estado, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, afirmou que a entidade não apoia "qualquer recuo no sentido de afrouxamento de isolamento e sim uma transição na direção de sua ampliação, na medida da necessidade".

"Esperamos que a equipe técnica do Ministerio possa seguir se trabalho serio, técnico e cientificamente orientado, sem que qualquer outra orientação se sobreponha ao interesse da proteção da saúde e da vida das pessoas”, afirmou Beltrame.
Divergências

O ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) está sob forte pressão nos últimos dias para atender aos anseios de Bolsonaro e ao mesmo tempo se manter fiel ao que recomendam as entidades médicas. Na última semana, ele foi criticado pela atuação na reunião com secretários estaduais e municipais. Embora não tenha defendido o isolamento vertical, Mandetta adaptou o discurso e defendeu a abertura de igrejas, desde que com cautela.

Para alguns secretários, a reunião foi vista com alívio, por Mandetta não endossar expressamente as falas de Bolsonaro. Outros, entretanto, disseram que o ministro deveria ter sido mais firme em apoiar medidas técnicas e se opor a Bolsonaro.

O temor é que, se ele se afastar do Ministério da Saúde agora, poderia ser substituído por Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, que acompanhou o presidente da República em manifestação feita no dia 15 de março, na qual ele teve contato com centenas de pessoas.

No Estadão