terça-feira, 21 de abril de 2020

Há coisas erradas na petição de Aras; que Moraes as corrija em sua decisão


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Augusto Aras, procurador-geral da República, não nasceu ontem, Nem eu. Há termos na sua petição em favor da abertura do inquérito para apurar a patuscada fascistoide de domingo passado que precisam ser corrigidos. Ele escreve lá:

"O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional". 

Os termos estão tortos. A "democracia participativa" pode ser qualquer coisa, mas uma "ideologia" não é, por mais que se queira emprestar a tal termo um significado largo. Mais: a participação popular é um apanágio da democracia, uma característica que lhe é inerente, mas o nosso sistema é o da democracia representativa. Aras só é procurador-geral porque foi indicado por um representante do povo — o presidente — e aprovado por outros: os senadores.

A nossa democracia é participativa pela via da consequência, não é mesmo? A sua essência — olá, fala o liberal Reinaldo Azevedo! — é a representação.

"Ideologia", em política, é outra coisa — ou "são muitas outras coisas". Não isso.

Acho plenamente aceitável que se crie um partido político no Brasil (falo em tese; já os temos em excesso) que propugne por uma forma de democracia direta — eu jamais o apoiaria — e que descarte a forma de representação que temos. Se estiver assentado nos fundamentos que regem os direitos humanos e se quiser disputar o mercado das ideias, que fique à vontade.

Como é mesmo? Não pode é recorrer à violência ou à ameaça.

Faço esse óbice aqui porque acho que, ao determinar a abertura do inquérito, se o fizer, convém que o ministro Alexandre de Moraes faça uma correção nisso que considero uma distorção para não dar azo a que no futuro se busque, aí sim, tolher a liberdade de expressão ou de manifestação em nome de nossa "ideologia", de sorte que o pedido de Aras acabe abrindo uma senda para o autoritarismo.

Assistimos no domingo a manifestações que incitavam a violência em favor do poder unipessoal, ditatorial, tirânico. Os que organizaram a farra autoritária, por óbvio, tem de responder por isso. Até porque atentavam contra cláusulas pétreas da Constituição que marcam valores civilizatórios.

Ideologia é outra coisa. Há os que querem mais estado na economia e o que querem menos; há os que querem taxar as grandes fortunas e os que não querem; há os que querem um Estado forte no socorro aos menos afortunados e os que querem o contrário porque entendem que isso cria uma cadeia viciosa e contraproducente. São visões de mundo que se chocam o tempo inteiro em todo o mundo.

Vamos tirar a ideologia dessa conversa — ainda que seja na versão envenenada da palavra, que consiste em criar um sistema de convicções e de crenças que toma, na cabeça do sectário, o lugar da realidade. Mesmo até esse tem o direito de fazer a sua pregação.

Desde que o faça respeitando as regras do jogo da democracia, sendo-lhe facultado mesmo propor regras novas. Mas sem tentar eliminar o adversário.

Ou jogo não há.

Por Reinaldo Azevedo

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