terça-feira, 30 de junho de 2020

Bolsonaro vai tomar de Lula o Bolsa Família e anunciar mais duas de R$ 600




Não havendo nenhum revés mais duro na Justiça ou, bem..., na Polícia, parece que Jair Bolsonaro decidiu abandonar o figurino golpista, o que não quer dizer, por óbvio, que o governo seja moralmente defensável, em particular em razão de sua política criminosa na saúde. De toda sorte, ele já escolheu dois pilares nos quais se sustentar: a) vai prorrogar o auxílio emergencial; b) vai tomar o Bolsa Família de Lula.

Como era o esperado e como aqui se anteviu tantas vezes, é evidente que as três parcelas de R$ 600 seriam insuficientes para enfrentar a crise e que o programa seria prorrogado. E vai ser.

Nesta quarta, o presidente vai anunciar a prorrogação do auxílio emergencial por mais dois meses. Lembram-se de Paulo Guedes lá do começo da pandemia? Acenou com três parcelas de R$ 200...

Bolsonaro já percebeu que esse dinheiro, que ainda não chegou a alguns milhões, ajudou a turbinar a sua popularidade entre os mais pobres — tanto quanto ele perde prestígio entre os mais ricos e mais escolarizados. E, por óbvio, sabe que ninguém vai se opor ao pagamento.

E o governo está decidido mesmo a juntar mais alguns penduricalhos no Bolsa Família, rebatizando o programa de "Renda Brasil". O presidente pretende ainda sair Brasil afora inaugurando obras.

Informa O Globo:
"Para a série de inaugurações, os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tereza Cristina (Agricultura) estão preparando itinerários de entregas para o presidente. Freitas pretende anunciar na quinta-feira o calendário com mais de 30 obras a serem inauguradas até o fim do ano. Serão entregues trechos concluídos de rodovias, novos viadutos, pavimentação de estradas, restauração e pontes."

Também no Globo, há uma entrevista do publicitário Alexandre Borges. Transcrevo trecho do texto do jornal:
A aproximação com o Centrão e o foco em programas sociais e na agenda de obras remetem Jair Bolsonaro a uma estratégia adotada pelo ex-presidente Lula em 2005, quando o escândalo do mensalão explodiu em Brasília. A avaliação é do publicitário Alexandre Borges, um velho conhecido da atual família presidencial por ter coordenado as campanhas de Flávio Bolsonaro para a prefeitura do Rio em 2016 e do ex-aliado Wilson Wiltzel para o governo do estado, em 2018.

A análise não é descabida. Com efeito, em 2005, Lula procurou ampliar a base, entrou no "modo negação" em relação aos escândalos do mensalão e caiu nos braços da galera.

Mas há uma diferença fundamental. Em 2005, a economia se expandiu só 2,3%, mas vinha de um crescimento de 4,9% no ano anterior. O desemprego estava em queda: 12,3% em 2003, 11,5% em 2004 e 9,8% em 2005. Não se sabe o tombo da economia brasileira neste ano. Há quem fale em recessão de até 9%, e o estrago no mercado de trabalho ainda não está calculado.

O cenário, pois, é bem diverso de 2005. E, entendo, Bolsonaro ainda não arcou com o peso do desastre que é a Covid-19 no Brasil. Se, nos grandes centros, como São Paulo, há uma estagnação ou retração, o mal avança pelo interior. Mais: parte considerável dos brasileiros que se opõem ao governo está em casa, ainda ilhada, atendendo à recomendação sensata do distanciamento social.

EFEITO
É claro que Bolsonaro seria, em parte, beneficiado pelo auxílio emergencial. Aliás, não fossem a estupidez da súcia de extrema direita que o cerca e a sua própria, estaria colhendo há mais tempo benefícios decorrentes da ajuda direta aos pobres. Nas mãos de Lula, um troço como esse o levaria quase a ressuscitar os mortos. Bolsonaro preferiu se comportar como o vândalo do vírus, enquanto ameaçava os brasileiros com golpe de estado.

A prisão de Fabrício Queiroz o fez enxergar o abismo. E ele mudou de rumo — vamos ver se mantém. Caiu no colo do Centrão para tentar se proteger do impeachment e busca faturar popularidade com o auxílio emergencial. A rigor, apesar de alguns milhões ainda sem receber, é a única coisa que realmente funciona no socorro em tempos de pandemia.

SEM DINHEIRO
Os valores anunciados, por exemplo, para ajudar as empresas estão mais no papel do que no mundo dos fatos. Levantamento divulgado na noite desta segunda no Jornal da Globo impressiona. O Programa Emergencial de Suporte ao Emprego tem desempenho pífio. O governo anunciou R$ 40 bilhões de crédito para financiar a folha de pagamento das pequenas e médias empresas: foi liberado pouco mais de um décimo disso: R$ 4,11 bilhões.

Já o tal Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) tem, no papel, um aporte de R$ 15,9 bilhões. Desse total, foram liberados efetivamente ridículos R$ 25 milhões: apenas 0,16%. Na prática, inexiste. O programa para capital de giro da Caixa disponibilizaria, em tese, R$ 7,5 bilhões. Até agora, foi liberado R$ 1,58 bilhão. Só o programa do BNDES chega perto da meta: dos R$ 5 bilhões previstos, emprestaram-se R$ 4,77 bilhões. A dificuldade? Burocracia e juros altos. Traduzindo em miúdos: falta de governo.

Entenderam? Aquilo que, de fato, requer gestão está parado, entregue às cobras. Assim, o mais fácil mesmo é surfar no que dá menos trabalho: tentar faturar popularidade com o auxílio emergencial.

De toda sorte, Bolsonaro escolheu o único caminho que o afastava do abismo. Resta agora torcer para não ser tragado pelas circunstâncias que já não são mais de sua escolha.

E, bem..., está sendo beneficiado também pela falta de articulação das oposições. Tomem como exemplo a defesa da democracia. Ficou a cargo de movimentos da sociedade civil, o que, em si, é bom. O lamentável é que estes estejam apanhando de algumas lideranças de esquerda, né? — Lula inclusive —, enquanto Bolsonaro avança nas camadas populares, agora que sabe que não vai conseguir fechar o STF com um soldado e um cabo, sem nem precisar de um jipe...

Por Reinaldo Azevedo

Esta hora haveria de chegar: eis o PowerPoint Milícias-Família Bolsonaro



A operação Anjo, deflagrada em 18 de junho, avançou alguns passos na elucidação dos laços de Fabrício Queiroz e da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro.

A profundidade dessa relação ainda não está clara, mas o Ministério Público revelou fatos importantes na peça que pediu a prisão do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

Entre eles, um encontro suspeito entre o advogado do senador, Luis Gustavo Botto, e familiares do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe de uma milícia.

Também participou dessa reunião a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que segue foragida. O objetivo, segundo a Promotoria, seria elaborar um plano de fuga para a família do ex-assessor com a ajuda de Adriano, seu amigo.

Outro ponto levantado pela Promotoria é a relação de Queiroz com milicianos da zona oeste do Rio. Mensagens trocadas entre Márcia e o marido indicam que ele mantém influência sobre um grupo paramilitar de Rio das Pedras.

Em dezembro de 2019, Márcia encaminhou ao PM aposentado o áudio de um homem que queria pedir ajuda a Queiroz depois de ter sido ameaçado pelo grupo paramilitar que domina a região.

"Eu queria que, se desse para ele ligar, se conhecer alguém daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras, os 'meninos' que cuidam daqui", afirmou o interlocutor à mulher de Queiroz.

Em resposta a Márcia, o ex-assessor disse que poderia interceder com os milicianos pessoalmente, mas que não faria o contato pelo telefone porque tinha receio de estar grampeado.
(...)

Na Folha

MP-RJ vai ao STF; Celso devolverá Flavio à 1ª instância; é a jurisprudência




O Ministério Público Estadual do Rio entrou com uma Reclamação no Supremo para que seja declarada sem efeito a decisão da 3º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio que, por dois votos a um, decidiu conferir foro especial para o senador Flávio Bolsonaro, retirando o caso das mãos do juiz Flávio Itabaiana, titular 27ª Vara Criminal da Capital, e mandando-o para o próprio TJ. Tiveram esse entendimento os desembargadores Paulo Rangel e Mônica Toledo. Suimei Cavalieri foi voto vencido: para ela, não deveria haver mudança de foro.

Uma nota: a Reclamação é um instrumento que pede que o STF chame para si a competência sobre matéria já decidida pelo próprio tribunal.

Também o partido Rede Sustentabilidade foi ao Supremo — nesse caso, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O relator desse recurso já foi sorteado: é o ministro Celso de Mello, o que deve ter deixando o bolsonarismo de orelha em pé. Ele é também o relator do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou fazer uma intervenção indevida na PF buscando resguardar seu próprio interesse e de aliados. A investigação foi pedida pela Procuradoria Geral da República depois que Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, acusou o presidente.

Como as duas ações tratam da mesma matéria, é certo que a Reclamação também deve ser distribuída a Celso de Mello. E, parece-me, será essa a ação que o ministro vai julgar. Do ponto de vista técnico, não vejo como a questão possa ser matéria de ADI. Não se trata de contestar, no caso, a constitucionalidade de uma lei ou de parte dela. A Reclamação serve justamente para que o tribunal acuse que uma competência sua não foi respeitada, como é o caso. O mais provável e que Mello não reconheça a ação da Rede e julgue apenas a do Ministério Público do Rio.

Pois é... Lá vai o ministro entrar na mira das abelhas assassinas que só produzem fel nas redes bolsonaristas. O voto dado pelos dois desembargadores do Rio é tão esdrúxulo, tão absolutamente sem sentido — ao menos segundo jurisprudência do tribunal — que, suponho, o ministro tomará a sua decisão quase que movido pelo tédio. O que espanta é que os dois desembargadores tenham se prestado a tal papel.

Desde 1999, jurisprudência do Supremo decidiu que aqueles que perdem o cargo que lhes garantia o foro especial — que pertence à função, não à pessoa — voltem para a primeira instância.

Se a coisa tivesse ficado por aí apenas, Flávio estaria agora com foro no STF, já que se tornou senador. Ocorre que, em 2018, este tribunal decidiu que "o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas".

Assim, a combinação das decisões de 1999 e de 2018 resulta no óbvio: Flávio tem de permanecer na primeira instância. Afinal:
1: ele não tem mais foro no Tribunal de Justiça porque cessou seu mandato de deputado estadual;
2: ele não tem foro no STF porque o crime que lhe atribuem foi cometido antes de ser senador.

Haveria uma única chance de a investigação contra Flávio ficar no TJ, também segundo a jurisprudência do STF: se a instrução processual já tivesse chegado ao fim, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Mas se está muito longe disso. O senador ainda nem é réu.

O despacho de Celso é certo como a luz do dia: vai devolver a investigação para a primeira instância. A hipótese remota é a de que o ministro entenda que caberia Recurso Especial ao STJ antes de apelar o STF. Não creio: afinal, reitere-se, o tribunal constitucional já se pronunciou a respeito.

Quem não cansa de passar vergonha nesse caso é o desembargador Rangel. Ele já defendeu em livro o fim do foro quando cessa a atividade que garante ao indivíduo tal condição. Afirma, no entanto, que, no caso de Flávio, é diferente. É mesmo? Por quê? Ah, porque ele se elegeu senador em seguida. E daí? Em que lei ou em que jurisprudência o doutor encontrou esta saída fabulosa do direito criativo?

Michel Temer, um ex-presidente, foi para a primeira instância em razão desse entendimento. Rangel e Mônica Toledo inventaram o foro perpétuo.

Era e sou da opinião de que o foro de um político deva ser aquele que lhe garante a função que ocupa, pouco importando a data do crime imputado. Mas essa posição foi derrotada no Supremo. Fim de papo! De resto, foi isso o que os bolsonaristas — e o próprio Bolsonaro — pediram nas ruas. Só não contavam que, um dia, Flávio seria vítima das suas próprias convicções, não é mesmo?

O Flávio Bolsonaro voltará para as mãos do outro Flávio, o Itabaiana.

Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Doria estabelece multa para quem estiver sem máscara nas ruas




O governador do estado de São Paulo João Doria anunciou nesta segunda-feira, 29, a aplicação de multa no valor de 500 reais para pessoas que estiverem em áreas públicas sem máscara. Estabelecimentos comerciais que forem flagrados com pessoas sem máscara também serão multados no valor de 5.000 reais por pessoa cada vez que isso acontecer.

A medida vale a partir de quarta-feira, 1º de julho, para todo o estado e a fiscalização ficará a cargo das vigilâncias sanitárias estadual e municipal. O dinheiro recebido por essas penalidades será revertido ao programa Alimento Solidário.

Ainda segundo Doria, o objetivo é alcançar uma taxa de 100% no uso de máscara no estado. Atualmente, o índice de uso de máscaras está em 97% na capital paulista e em 93% no estado.

“Quero lembrar que o uso de máscara passará, desde essa pandemia, a ser algo cotidiano nas nossas vidas, como vestir um par de sapatos, uma camisa, uma indumentária. As pessoas terão que usar máscaras até que tenhamos a vacinação feita na totalidade da população brasileira”, disse o governador durante coletiva de imprensa.
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O uso de máscaras é obrigatório no estado de São Paulo desde o início de maio. O decreto já previa a aplicação de punições como multas que poderiam variar entre 276 reais e 276.000 reais e até mesmo detenção de um a quatro anos. No entanto, neste período, nenhum estabelecimento ou pessoa foi multado. Houve apenas orientação por parte dos fiscais.

Queda nos óbitos

O estado de São Paulo tem 275.145 casos e 14.398 óbitos confirmados por coronavírus desde o início da epidemia. Segundo Doria, houve uma redução de 144 mortes na semana passada, em relação à semana anterior. É a maior queda semanal desde o início da pandemia.

“No nosso monitoramento, que é feito diariamente dos casos e dos óbitos, nesta semana, a 26, temos uma redução de 144 óbitos em reação a semana 25, que foi a semana anterior. Isto traz como resultado o menor aumento percentual de toda a série histórica. Esta semana tivemos 14% de aumento”, afirmou João Gabbardo, coordenador executivo do comitê do Centro de Contingência do estado de São Paulo.

A taxa de ocupação dos leitos de UTI é de 65% no estado e 66,% n Grande São Paulo. Atualmente 5.336 estão internados e UTI e 7.697 em enfermaria.

Na Veja.com

Datafolha sepulta ilusões autoritárias de Bolsonaro e pijamas verde-oliva




Jair Bolsonaro, alguns malucos de pijama verde-oliva que pensavam ser ainda uma farda e o crime organizado nas redes sociais acharam que seriam fácil assaltar a democracia brasileira e lhe impor uma ditadura na prática, ainda que simulando mecanismos de tomada de decisão formalmente democráticos. Não foi, não será e não vai acontecer.

Ao contrário: não só a democracia que temos vai sobreviver como se começa a formar — e, tudo indica, ainda será a opinião majoritária — a consciência de que não poderemos mesmo voltar ao antigo normal. O país não pode mais conviver com as iniquidades que se escondiam sob o manto da paz social.

Pesquisa Datafolha publicada no domingo pela Folha traz números eloquentes. E, em certa medida, o professor Bolsonaro tem a ver com resultado tão expressivo: ele deixou claro a milhões de brasileiros como um presidente não deve se comportar, qual é o caminho a não ser seguido, quais escolhas não devem ser feitas, tudo o que não funciona na política. O presidente da República, note-se, vocaliza teses e valores que são rejeitados até por pessoas que aprovam seu governo.

- Para 75%, a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. É o mais alto índice desde 1989, quando o Datafolha começou a fazer essa pergunta. Só 10% afirmam que, em certas circunstâncias, a ditadura é melhor: é o número mais baixo da série histórica. Para 12%, tanto faz — também o menor número apurado. A pesquisa Datafolha foi feita com 2.016 brasileiros adultos com telefone celular em todos os estados do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. A coleta de dados aconteceu nos dias 23 e 24 deste mês.

Vamos lembrar outros números.

- Os brasileiros veem como ameaça à democracia os atos de apoiadores do presidente pedindo o fechamento do Congresso (68% a 29%), as manifestações nas redes sociais com esse conteúdo (66% a 31%) e a divulgação de fake news envolvendo o Supremo e políticos (81% a 17%)

- Para 84%, movimentos sociais precisam respeitar a lei e a ordem; só 14% pensam o contrário.

- Discordam totalmente da afirmação de que o governo deveria ter o direito de fechar o Congresso 59% e discordam em parte 20%. Concordam totalmente com a tese apenas 11%, e 7%, parcialmente.

- Rejeitam totalmente que o governo tivesse o direito de fechar o Supremo 56% — 18%, em parte. Inexpressivos 14% concordam totalmente com essa estupidez; 7%, só parcialmente.

- Discordam totalmente da assertiva de que o governo deveria ter o direito de prender pessoas sem ordem judicial 49% — 20%, em parte. Concordam totalmente com tal violência apenas 17% — 11%, só em parte.

- Nada menos de 65% afirmam que os direitos humanos devem valer para todos, inclusive para criminosos; só 35% lhes negariam essa proteção.

- Não! O governo não deve ter o direito de proibir greve para 55%; 18% discordam parcialmente da proibição. Só 14% concordariam totalmente com tal poder — 10%, em parte.

- Diante da afirmação de que o governo deveria ter o direito de torturar suspeitos para obter uma confissão, a rejeição absoluta é de 73% — em parte, de 13%. Concordam totalmente com a violência inominável míseros 7% — em parte, 5%.

- Mesmo diante da afirmação de que a tortura pode ser praticada se for a única forma de arrancar uma confissão, a rejeição é de 79% — contra apenas 17% que a acatam.

- Opõem-se totalmente à afirmação de que o governo deveria poder censurar os meios de comunicação 64% — 16% em parte. Aceitam totalmente a ideia 10% — 8% em parte.

Como se nota, o bolsonarismo está tomando uma sova que se pode dizer histórica da opinião pública. Depois de um ano e meio de pregação obscurantista e de ataques cotidianos do presidente à institucionalidade, o apreço da população pela democracia cresceu. Também aumentou, em vários requisitos, a adesão a valores próprios aos regimes democráticos.

Não custa lembrar que, mais de uma vez, Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas fariam aquilo que o povo desejasse. Ele e outros insanos imaginavam que a pregação golpista seduziria amplas maiorias e que o autogolpe acabaria se impondo como vontade popular.

Deu precisamente o contrário. Seria o caso de dizer ao presidente: "Escute aqui, meu chapa! Quebrou a cara. O que quer que aconteça ao país e a você e filhos se dará dentro da democracia. E será ela a resposta.

O presidente não faz pregação golpista nem ataca a democracia desde o dia 18 deste mês, quando Fabrício Queiroz foi preso. Vamos ver se ele consegue atravessar mais esta segunda sem cair no vício. Será o 12º dia de sua conversão forçada pela prisão do primeiro-amigo. Como se pode perceber, inexiste povo para a sua ladainha golpista.

Por Reinaldo Azevedo

Ataques à democracia põem Bolsonaro em xeque entre formadores de opinião




A opinião pública responde aos arroubos de autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de parte minoritária de seus apoiadores com a defesa recorde da democracia frente a qualquer outra forma de governo.

Em pouco mais de 30 anos de acompanhamento pelo Datafolha, o percentual de defesa do sistema democrático frente à alternativa de uma ditadura nunca foi tão alto (75%), alcançando patamares próximos a 90% entre mais ricos e escolarizados, taxa que se aproxima dos 70% entre os mais pobres e com nível fundamental.

Apenas um em cada dez brasileiros adultos admite que, em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático.

O único subgrupo que mantém tendência inversa, de apoio a práticas antidemocráticas e valorização dos feitos da ditadura militar no Brasil, é o de devotos do presidente, os bolsonaristas mais ferrenhos, que correspondem hoje a 15% da população, segundo cálculo do Datafolha a partir de análise conjunta de respostas ao questionário aplicado.

Apesar de a maioria desses devotos do bolsonarismo dizerem que valorizam a democracia, a maioria deles por outro lado, diferentemente do restante da população, não vê como ameaça as manifestações pelo fechamento do Congresso e do STF, além de identificar mais realizações positivas do que negativas nos governos militares que conduziram o país de 1964 a 1985.

É o conjunto que mais demonstra tolerância a práticas autoritárias como proibição de greves, censura aos meios de comunicação tradicionais, extinção de partidos políticos e tortura. Só apresenta percentuais mais próximos à média ao condenar o controle das redes sociais.

Bolsonaro e seus propagadores referem-se com frequência a termos caros à democracia, como "liberdade de

expressão", para defender fake news ou manifestações antidemocráticas confundindo parte de seus adeptos.

Mas vale observar que, considerando todos os 32% que apoiam o atual governo, avaliando-o como ótimo ou bom, encontram-se taxas majoritárias de defesa de valores democráticos apresentados pela pesquisa.

Descartam, por exemplo, a chance de haver nova ditadura no país e condenam a hipótese de fechamento do STF. Reivindicações de grupos mais radicais representam, portanto, parcela minoritária do bolsonarismo, concentradas entre os mais devotos.
(...)

Na Folha

Bolsonaro baixa o tom com o Congresso e o Judiciário para salvar mandato



Aconselhado por militares, que montaram uma operação de guerra para salvar o mandato presidencial, Jair Bolsonaro distanciou-se daquela figura explosiva, tida a criar conflitos e criticar outras instituições, dando lugar a um comportamento mais discreto, equilibrado e moderado nos últimos dias. Preocupado com o futuro político do governo, o mandatário voltou a falar em um entendimento com Legislativo e Judiciário, na última quinta-feira, após semanas de ataques. Diante da mudança de postura, a expectativa do Palácio do Planalto é de que o Executivo possa, mesmo em meio a pandemia do novo corona vírus, avançar em agendas mais propositivas.

Outros movimentos de Bolsonaro contribuíram para a mudanças de ares no alto escalão - desde fatos mais simples, como a redução de conversas matinais com apoiadores no Palácio da Alvorada, que lhe passaram a fazer cobranças mais duras, o que o irritou com facilidade, até decisões mais importantes, como o não atendimento ao apelo da ala ideológica para manter no Ministério da Educação algum "aluno" de Olavo de Carvalho, optando por um nome indicado por militares para substituir Abraham Weintraub.

Paralela à transformação do presidente, o governo teve "vitorias" fora do Palácio do Planalto que foram avaliadas como um ponto de inflexão para Bolsonaro: a aprovação do novo marco legal do saneamento básico no Senado que está pronto para a sanção presidencial - e a inauguração de um dos trechos do Projeto de Integração do Rio São Francisco. Ao concluir obra que presidentes passados não conseguiram, Bolsonaro animou aliados e ganhou pontos com a população de mais baixa renda, que será a principal beneficiada com as medidas.

No meio político, fica a dúvida de até quando o presidente manterá esse perfil mais sereno. O temor é de que tudo vá por água abaixo devido ao julgamento da próxima terça-feira, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de duas ações que pedem a cassação da chapa presidencial, formada por Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, em 2018. O chefe do Executivo declarou publicamente a insatisfação com o assunto e chegou a sugerir que as Forças Armadas não aceitariam que ele perdesse o mandato por motivações políticas.

Independentemente do que acontecer, o entendimento entre parlamentares é de que Bolsonaro precisa deixar as intrigas de lado. "Ele é o presidente do país, foi eleito presidente da República, então, que ele volte as energias para o governo, para a governança. Que ele governe o seu governo e que governe o Brasil. É isso que o Brasil espera do presidente", comenta o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS).

Para o congressista, Bolsonaro "tem de ser mais proativo" e "deveria brigar menos, tendo mais resolutividade". "Mais respostas é o que a sociedade espera, e menos brigas. Eu sei que o presidente tem um monte de problemas pessoais e também com familiares, mas, nesta hora, ele tem de olhar para o Brasil, para os brasileiros, e não cuidar dos problemas de famí­lia. Ele tem de cuidar dos problemas da famí­lia Brasil", defende.

O senador Jayme Campos (DEM-MT) acrescenta que o caminho a ser seguido por Bolsonaro deve ser o da boa conversa e do bom entendimento. "Precisamos de uma interlocução harmoniosa entre os Poderes. Todos nós buscamos, com certeza, uma tranquilidade para o país, particularmente para a sociedade, que espera um bom exemplo daqueles que são os dirigentes maiores do Brasil", diz.

"Dá para perceber que o presidente está¡ mais ponderado. Essa sensatez é importante. Precisamos de pessoas com espí­rito de estadista e compete a todos nós, homens públicos, termos essa visão, sobretudo diante de um momento de crise. Temos de estar unidos. Espero que o presidente se comporte bem neste momento", acrescenta.

Alteração tardia de comportamento

O cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, afirma que a mudança de postura demorou. "Creio que Bolsonaro muda o gesto um pouco atrasado. Com o iní­cio da pandemia, o governo teria de se reinventar pela dificuldade que encontrava no Congresso. Começou a mudar há cerca de 40 dias, quando iniciou conversas com partidos e abriu espaço polí­tico. Também ocorreram vários atritos, abriu-se um front judiciário para ele", destaca.

O especialista analisa que o chefe do Executivo aprofunda o figurino de entendimento civilizado com os Poderes e que o modelo do "novo Bolsonaro" deve durar por algum tempo. "Ainda que tenham os desentendimentos comuns, não vejo uma ruptura dramática do relacionamento a curto prazo. A tendência é de que o presidente tenha um relacionamento estável com os outros Poderes", afirma. "Com essa nova postura, ele poderá¡ colher melhores resultados e gerar uma relação melhor na Esplanada. Acredito nessa manutenção", completa.

A advogada Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), aposta que Bolsonaro deve seguir ouvindo os militares e controlando o contato da ala ideológica, que mais contribui para as dissidências e derrotas polí­ticas do presidente. "O único braço do governo prudente e cauteloso é representado pela ala militar, cuja finalidade nos últimos tempos tem sido a de apagar os incêndios provocados pelo chefe do Executivo, especialmente os relacionados ao desprezo pela pandemia", lembra. "A fala de Bolsonaro dirigida aos outros Poderes, com um tom completamente diferente do habitual, acena para um ambiente de pacificação institucional e aparentemente livre de matizes polí­tico-ideológicas extremadas, próprias da ala radical de direita", complementa.

Segundo Chemin, "a menos que Bolsonaro se deixe levar novamente pela ala radical ou perca o bom senso em razão de problemas judiciais dos filhos, pode ser que ele se enquadre na realidade sócio-polí­tica e se comporte, de fato, como um mandatário da República". "É o que se espera, embora haja muitas dúvidas a esse respeito", finaliza.

No Correio Braziliense

Um ministro que dorme pouco e tira o sono do Planalto

Moraes, 51 anos, é doutor em Direito de Estado pela USP, onde é professor. Foi promotor de Justiça, secretário de Justiça e Defesa da Cidadania e da Segurança Pública do Estado de São Paulo, e ministro da Justiça e Cidadania, 
antes de ser indicado ao STF.


Alexandre de Moraes dorme pouco – em média, três, quatro horas por dia, mantendo hábito da adolescência. Enquanto cumpre a quarentena em São Paulo, com rotina de trabalho madrugada adentro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “tira o sono” de empresários, parlamentares, youtubers e extremistas bolsonaristas, que entraram na mira de investigações acompanhadas com apreensão pelo Palácio do Planalto. Uma delas, o inquérito das fake news – sobre ameaças, ofensas e notícias falsas disseminadas contra integrantes do STF e seus familiares – não vai acabar tão cedo. O Estadão apurou que o processo deve ser prorrogado por, no mínimo, 180 dias.

Um acidente trágico, duas escolhas cruciais e a “mão de Deus” colocaram o ministro “novato” do Supremo no epicentro das maiores questões jurídico-políticas da atualidade. Em 2017, o relator da Operação Lava Jato na época, Teori Zavascki, morreu em acidente aéreo, abrindo uma inesperada vaga para o STF. O então presidente Michel Temer optou por Moraes, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que já tinha resolvido um caso envolvendo ameaças contra a então primeira-dama, Marcela Temer.

A mesma expertise de Moraes, que mantém até hoje conexões com o Ministério Público e a Polícia Militar de São Paulo, foi decisiva para o presidente do STF, Dias Toffoli, escolher o colega como relator do controverso inquérito das fake news. A investigação fechou o cerco sobre o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Planalto comandado pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). A existência desse núcleo foi revelada em reportagem do Estadão no ano passado.

Com o sigilo que ronda os trabalhos do inquérito das fake news, nem os integrantes da Corte sabem ao certo dos desdobramentos da apuração, conduzida por cinco delegados da Polícia Federal de confiança de Moraes. É o mesmo time que atua em outro inquérito, que se debruça sobre a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. Nesse caso, o algoritmo do STF – responsável pela distribuição eletrônica dos processos da Corte – fez com que o caso parasse no gabinete de Moraes. Para um integrante do tribunal, foi “a mão de Deus”.

Moraes também foi efetivado recentemente como ministro titular do TSE, onde tramitam oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro em 2018. As mais delicadas são as quatro que tratam do disparo de mensagens pelo WhatsApp – e que podem receber provas compartilhadas do inquérito das fake news. “É uma coincidência muito particular: ao mesmo tempo que isso dá maior visibilidade dos fatos ao ministro Alexandre, o coloca como vidraça preferencial do bolsonarismo”, disse o advogado criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP.

“Moraes tem casca grossa, como se diz no jargão popular. O sistema punitivo está no DNA do ministro, talvez motivo pelo qual tenha sido eleito por Toffoli para a missão. Não compra brigas desnecessárias na Corte e vota com brevidade e clareza”, avaliou. “Alexandre parece ser o homem certo, no momento certo.”

O próprio Moraes já disse a interlocutores que o “couro” ficou ainda mais resistente depois sua passagem pelo Poder Executivo.

Trégua

Os riscos de uma eventual cassação da chapa Bolsonaro-Mourão preocupam o Planalto. No entorno de Bolsonaro, há quem considere Moraes, ex-filiado do PSDB, um ministro “militante” e veja com desconfiança sua proximidade com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Caberá ao ministro comandar o TSE nas próximas eleições presidenciais, em 2022.

Em meio ao clima de tensão entre o Planalto e o Supremo, Bolsonaro enviou três emissários no último dia 19 a São Paulo para tentar uma trégua com o ministro, que já havia contrariado o presidente da República ao suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e José Levi Mello (Advocacia-Geral da União) almoçaram e ficaram cerca de três horas na casa de Moraes.

Um dos participantes do encontro disse que seria uma “loucura” discutir as investigações na ocasião, mas observou que a mera existência da conversa já é um gesto para distensionar o ambiente beligerante que ronda a Praça dos Três Poderes. Um deles lembrou que a harmonia é “essencial”. Integrantes do STF avaliam que a agenda não vai mudar em nada o rumo dos inquéritos.

É em seu apartamento, no bairro Jardim Europa, que Moraes tem ficado isolado para se proteger da pandemia, ao lado de sua mulher, a advogada Viviane Barci de Moraes, com quem é casado há 28 anos. A distância, participa por videoconferência das sessões do STF. Volta e meia, beberica uma água de uma caneca do Corinthians (presente do 3.º Batalhão de Choque da PM de São Paulo), quebrando assim o tom solene dos julgamentos.

Moraes aproveita a quarentena para terminar três leituras simultâneas: Marco Aurélio: O imperador filósofo; Sermão do Mandato de Padre Antônio Vieira; e Fascismo – Um Alerta – em que a autora, a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos Madeleine Albright, aponta que o fascismo ainda é uma ameaça à paz. Em solenidade no mês passado, Moraes deu o recado: “Não há democracia sem Poder Judiciário forte. E não há Poder Judiciário forte sem um juiz independente, altivo e seguro”.

No Estadão

domingo, 28 de junho de 2020

Datafolha mostra que flerte de Bolsonaro com passado é ideia sem futuro




Jair Bolsonaro tornou-se maestro da insensatez. Cada vez que atua como regente de aglomerações antidemocráticas, dá as costas para o pedaço da sociedade que tem ojeriza ao autoritarismo. O Datafolha informa que o flerte do capitão com o passado é mesmo uma ideia sem futuro. Descobriu-se que o apoio do brasileiro à democracia está em alta. Bateu em 75% —13 pontos percentuais acima dos 62% registrados na pesquisa anterior, feita em dezembro do ano passado.

Ao endossar tacitamente atos que pregam extravagâncias militares, Bolsonaro cria um problema que o brasileiro não deseja ter. Participou de meia dúzia de manifestações. Na mais escrachada, misturou-se a uma multidão de adoradores defronte do quartel-general do Exército. Empoleirado numa carroceria de caminhonete, discursou para portadores de faixas que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo e a volta de uma ditadura com AI-5.

"Não queremos negociar nada", vociferou, língua em riste. "É agora o povo no poder". Silenciou sobre o teor das faixas. Indagado na manhã seguinte, disse que não tinha nada a ver com elas. Dias depois, confundiu os generais que o rodeiam com generalidades: "Minhas Forças Armadas". Teve um arroubo de autocrata: "Eu sou, realmente, a Constituição". Fez cara feia para o Supremo: "Acabou, porra!"

O excesso de bolsonarices levou a Procuradoria-Geral da República a requisitar no Supremo a abertura de inquérito para investigar as manifestações antidemocracia. Curiosamente, o procurador Augusto Aras excluiu Bolsonaro do rol de investigados. Estão sob cerco judicial ativistas, parlamentares e empresários bolsonaristas. Mas convencionou-se que Bolsonaro não tem nada a ver com coisa nenhuma. Mal comparando, é como investigar a origem das escamas sem examinar o peixe.

Houve um tempo em que a "democracia" brasileira levava aspas. Nessa época, havia três poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica. Após a redemocratização, quando o voto tirou as aspas da democracia, passaram a existir quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Dinheiro da corrupção, que antes era acobertado pela censura. Sob Bolsonaro, o sistema político brasileiro atingiu o ápice da originalidade. Virou uma democracia cuja Presidência está 100% isenta de democrata.

Na campanha de 2018, o capitão formou com o general Hamilton Mourão uma chapa puro-sangue militar. Cavalgando sobre os escombros de um sistema político apodrecido, prevaleceu sobre o petismo no segundo turno. Três meses depois de subir a rampa, empurrado pelos seus 57,7 milhões de votos, Bolsonaro ofereceu ao país uma ideia do que estava por vir.

Em um ano e meio de governo aconteceram tantas esquisitices que ninguém se lembra de um discurso que Bolsonaro pronunciou em março de 2019, numa cerimônia militar no Rio de Janeiro. Disse que governaria ao lado das "pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade."

Nesse ponto, o orador sapecou: "Isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer" (ouça abaixo). Já se sabia que Bolsonaro idolatra o torturador Brilhante Ustra. Era de conhecimento geral também que ele acha que não houve golpe nem ditadura (algo de que discordam 78% dos brasileiros). De repente, descobriu-se que um presidente recém-eleito enxergava a democracia como uma concessão das Forças Armadas, um favor que os militares fazem ao país. Deu no que está dando.

Nos últimos dias, acossado pela prisão do amigo Fabrício Queiroz e pelo suspense policial que se formou ao redor do filho Flávio Bolsonaro, o presidente vem levando a língua na coleira. Mede as palavras. Mas seu comedimento é tão sincero quanto o medo. Assim que adquirir com cargos e verbas o escudo do centrão na Câmara e a blindagem do Zero Um no Senado, o capitão reabre o paiol.

Era previsível que Bolsonaro tentasse em algum momento se vincular a um rebotalho parlamentar que ajudasse a dissociar sua Presidência e sua família das rachadinhas e

dos vínculos milicianos do passado. Mas esperava-se que o capitão estabelecesse alguma conexão com a agenda do seu governo.

Abalroado pela pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a um negacionismo tolo. Sua administração é empurrada para o olho de um furacão econômico. Atribuir a crise ao presidente é tolice. O problema é que muitos são incapazes de enxergar competência em Bolsonaro para administrar a conjuntura. Ele, por sua vez, é incapaz de demonstrá-la.

Por sorte, o Datafolha potencializa a percepção de que a democracia brasileira já fincou raízes. Assim, o mesmo regime que tolera um presidente que faz aliança preferencial com o desastre permite que os eleitores exerçam a cada quatro anos, com irrestrita liberdade, o inalienável direito de fazer besteiras por conta própria. Dependendo do tamanho do estrago, o brasileiro talvez prefira fazer uma besteira diferente.

Por Josias de Souza

sábado, 27 de junho de 2020

'Doutor' Decotelli pisa no MEC com pé esquerdo




Na definição do poeta gaúcho Mário Quintana, "a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer." No caso do título de doutor que Carlos Alberto Decotelli dizia ter obtido na Universidade Nacional de Rosario, na Argentina, a mentira esqueceu que o doutorado só vira uma verdade quando acontece a apresentação da devida tese. Algo que não sucedeu no caso do novo ministro da Educação.

Pilhado, Decotelli desprezou a saída mais simples. Preferiu executar acrobacias acadêmicas que esticam a mentira. Em vez de passar uma borracha no título inexistente, o ex-doutor apenas ajustou a maquiagem do seu currículo. O documento está disponível na plataforma Lattes, que armazena os dados de todos os acadêmicos brasileiros.

Até a tarde desta sexta-feira, o currículo de Decotelli anotava que ele concluíra o doutorado em admistração na Universidade Nacional de Rosario em 2009. Nessa versão, apresentara a tese "Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja", sob orientação de Antonio de Araújo Freitas Jr..

À noite, o currículo do novo chefe do MEC foi retocado. Conservava a mentira: "Doutorado em administração." No espaço destinado ao título da tese, foi inserida uma cambalhota: "Créditos concluídos". No campo onde deveria constar o nome do orientador, surgiu um salto mortal: "Sem defesa de tese."

O que Decotelli declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "Fui aluno do doutorado da Faculdade de Ciências Econômicas e Estatística da Universidade Nacional de Rosário, tendo cumprido a carga horária das disciplinas. Entretanto, nenhuma tese de minha autoria foi aprovada por banca examinadora. Considerando-se que a tese é requisito obrigatório, infelizmente sonhei com um título que não consegui obter."

Deve-se ao reitor da universidade argentina, Franco Bartolacci, a entrada de Decotelli no Ministério da Educação com o pé errado. Nas pegadas da apresentação do currículo do ministro no Twitter de Bolsonaro, o reitor foi às redes sociais para desmentir o presidente brasileiro. Na sequência, concedeu uma série de entrevistas à imprensa brasileira.

À TV Globo, o reitor Bartolacci contou que Decotelli chegou a apresentar sua tese em 2016. Entretanto, amargou três avaliações desfavoráveis dos membros da banca examinadora.

Decotelli acaba de ser nomeado ministro da Educação. De pessoas acomodadas em poltronas desse relevo espera-se que ofereçam exemplos de conduta. Até aqui, o comportamento do novo ministro assemelha-se ao da ministra Damares Alves (Direitos Humanos), que se apresentava como "mestre em educação, em direito constitucional e direito da família" sem ter nenhum título de mestrado. Espremida, madame declarou que sua qualificação é bíblica.

Sob Michel Temer, uma antecessora de Damares na pasta de Direitos Humanos, Luislinda Valois, incluíra no currículo um título inexistente: "Embaixadora da paz da ONU."

Sob Lula, a então ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) injetara no seu rol de méritos universitários dois anabolizantes: um mestrado pela Unicamp e a condição de "doutoranda" em economia monetária e financeira na mesma universidade. Era lorota. A ex-gerentona frequentara os cursos, Porém, a exemplo de Decotelli, não apresentara as devidas dissertações.

O substituto de Abraham Weintraub, de triste memória, já avisou que não é chegado a guerras ideológicas. Não faz sentido que combata a verdade. Decotelli faria um bem a si mesmo e ao seu currículo se passasse detergente no título acadêmico que não obteve.

Admitindo-se que são verdadeira as outras qualificações anotadas no currículo trombeteado por Bolsonaro, o titular do MEC continuaria sendo bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, mestre pela Fundação FGV e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha". Ainda que a ausência do doutorado faça com que o pós-doutorado suba no telhado, não é pouca coisa.

Por Josias de Souza

Fabrício Queiroz negocia delação premiada




A defesa do policial militar aposentado Fabri­cio Queiroz, ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro (Republicanos) na época em que ele era deputados estadual no Rio de Janeiro, está negociando um acordo de delação premiada com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). As informações é da CNN Brasil.

Fabri­cio está preso desde a quinta-feira da semana passada (18/6), quando foi pego pelo MP de São Paulo e a Polí­cia Civil daquele estado em uma casa de Frederick Wassef, que até então era advogado do senador e do presidente Jair Bolsonaro. Ele foi preso no âmbito de uma investigação que apura esquema conhecido como rachadinha desvio dos salários de servidores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Na época, Flávio era deputado e Queiroz era seu assessor.

Há um mandado de prisão em aberto contra a sua esposa, Márcia Aguiar. Ela está foragida há oito dias. Fontes ouvidas pela CNN apontam que a maior preocupação de Queiroz é com a sua família, sendo que ele quer garantia de proteção a Márcia e suas duas filhas, que também são investigadas pelo suposto esquema. De acordo com a CNN, o ex-assessor de Flávio também pede para que possa cumprir prisão domiciliar.

A negociação segue mesmo após decisão da última quinta-feira (25), da 3ª Câmara Cí­vel do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tomada por três desembargadores, que decidiu pela ida do processo à segunda instância - ou seja, Fórum Especial do TJ. A alegação da defesa, acatada pelos desembargadores, é que Flávio era deputado e teria foro privilegiado. Entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018, no entanto, traz que só há esta prerrogativa se o fato foi exercício no exercício daquele mandato e tendo relação com o cargo.

Nesta votação os desembargadores decidiram que as decisões do juiz de primeiro grau, Flávio Itabaiana, deveriam ser mantidas. No entanto, a defesa de Flávio Bolsonaro já avisou que irá buscar a anulação das decisões, sob a alegação de que Itabaiana não era o juí­zo competente. Com isso, todas as provas obtidas por meio de suas decisões seriam declaradas nulas. O mesmo valeria para as prisões de Queiroz e de Márcia, que deixariam de existir.

Por A Gazeta do Povo

O preço cobrado pelo Centrão para adiar as eleições deste ano




Do Centrão, o grupo dos partidos mais fisiológicos com representação no Congresso, pode-se dizer tudo – menos que não goste de dinheiro e de outras vantagens como cargos no governo.

Os líderes do Centrão na Câmara dos Deputados se recusam a aprovar o adiamento das eleições municipais marcadas para outubro. O adiamento já foi aprovado no Senado.

Não se sabe quando o coronavírus se dará por satisfeito com o número de mortos e de contaminados coletados por aqui. Sabe-se, contudo, que em setembro ele ainda produzirá estragos.

Daí a transferência das eleições para novembro. Em último caso, elas poderão ser realizadas somente em dezembro. Mas o Centrão é contra. Exige respeito às datas fixadas na Constituição.

Mas como o Centrão não seria o que é se não fosse capaz de transigir, concorda com o adiamento ao preço de 5 bilhões de reais a serem repartidos com prefeituras que ele indicar.

Há 5 bilhões sem destinação no Orçamento da União. Não será preciso subtrair dinheiro de nenhuma área. Com tal montante, prefeitos do Centrão poderão se reeleger ou eleger seus candidatos.

Por Ricardo Noblat

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Isolando-se do filho, capitão evita Queiroz-vírus




A prisão de Fabrício Queiroz transformou Jair Bolsonaro em adepto do isolamento social. O presidente distanciou-se do próprio filho. Decorridos oito dias, não pronunciou em público uma mísera palavra de solidariedade a Flávio Bolsonaro. Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira revela que, por enquanto, a estratégia funcionou. O Queiroz-vírus ainda não infectou a imagem de Bolsonaro a ponto de enviar sua Presidência para um respirador.

A quantidade de pessoas que não acreditam no envolvimento de Bolsonaro no caso da rachadinha (46%) é superior ao número de eleitores que apostam que o presidente é cúmplice do primogênito (38%). Entre os que se declaram bolsonaristas, a confiança na isenção do presidente é quase absoluta. Oito em cada dez devotos de Bolsonaro declaram acreditar na inocência do mito.

Foi grande o interesse dos brasileiros pela transferência de Queiroz do cafofo mantido em Atibaia por Frederick Wasseff, ex-advogado dos Bolsonaro, para uma cela no Rio de Janeiro. Disseram ter tomado conhecimento da prisão 75% dos entrevistados. Desse total, 64% acham que Bolsonaro sabia do paradeiro de Queiroz. O próprio presidente falou sobre o tema numa live transmitida na semana passada. Associou a presença do amigo em Atibaia a um tratamento contra o câncer.

A despeito de tudo, a popularidade de Bolsonaro se manteve estável. Sua taxa de aprovação, que era de 33% no final de maio, escorregou para 32%. A reprovação oscilou de 43% para 44%. Bolsonaro vai se consolidando como o presidente de um terço dos brasileiros.

Os dados reforçam a impressão de que a blindagem anti-Queiroz, montada por Bolsonaro de improviso, surtiu efeitos. Além de tomar distância do próprio filho, o presidente exibe um comportamento inusual. Já não dá a mesma atenção ao cercadinho do Alvorada. Ergue a bandeira branca para o Legislativo e o Supremo.

Na live desta quinta-feira, após anunciar a prorrogação do pagamento do vale corona por mais três meses —"R$ 500, R$ 400 e R$ 300"— Bolsonaro pediu a um sanfoneiro que tocasse "Ave Maria" em homenagem aos mortos do coronavírus. Mais um pouco e acaba virando um ex-Bolsonaro.

Por Josias de Souza

Ramos tentou convencer Moro a liberar PF do Rio a Bolsonaro

Novo lote de mensagens de Sergio Moro no inquérito da 
interferência na PF deixará os ministros da ala militar em 
péssima luz Marcelo



As mensagens de WhatsApp do celular de Sergio Moro deixarão o ministro Luiz Eduardo Ramos exposto no processo que investiga, no STF, a interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

No dia 12 de maio, ao prestar depoimento a investigadores da Polícia Federal, o general disse “que desconhece que o presidente teria ou gostaria de ser informado sobre operações da Polícia Federal no Rio de Janeiro, tema este que também não foi tratado entre o depoente e o ex-ministro Sergio Moro”.

No WhatsApp, no entanto, Ramos mandou mensagens a Moro apelando para que o então chefe da Justiça tratando justamente do tema e intercedendo a favor de Bolsonaro, quando pede a Moro que “tenha sensibilidade com as preocupações de Bolsonaro no Rio”.

Pela conversa de Ramos, que trocou de celular nesta semana, tudo ficaria bem se Moro liberasse a PF do Rio a Bolsonaro.

Outro ministro enrolado nas novas mensagens é Heleno. No caso dele, o fato de ter dito no depoimento que não se lembrava de muitas coisas questionadas pelos investigadores sobre a interferência presidencial na PF livra de contradições com as mensagens do WhatsApp de Moro.

No Radar da Veja

Cartada final de Moro contra Bolsonaro trará revelações sobre generais

Reunião ministerial ocorrida no dia 22/04/2020 e citada pelo ex-ministro Sergio Moro em depoimento à PF Marcos Corrêa/PR Publicidade



A guerra entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro no inquérito do STF que investiga a interferência presidencial na Polícia Federal promete fortes emoções.

Um rico acervo de seis meses de mensagens trocadas por Moro com figuras do Planalto virá à tona com revelações sobre a ala militar palaciana. As primeiras mensagens do acervo datam de agosto de 2019, quando o presidente começou a avançar perigosamente sobre os assuntos da Superintendência da PF no Rio e avançam sobre todo os meses seguintes de pressões.

O material deixa evidente que Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto sabiam das intenções de Bolsonaro em interferir na Polícia Federal do Rio e, em alguns casos, até atuaram para convencer Moro a abrir a guarda ao presidente.

No Radar da Veja

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Felicio Vitali - "O Brasil Pirralho"



Quando a Alemanha e a Noruega ainda só ameaçavam reter os investimentos do "Fundo Para Preservação do Meio Ambiente", por eles bancados, muita gente fez pouco (entre eles o ministro do meio ambiente e o próprio presidente da República) e disse que eles deviam se preocupar com a Floresta Negra. "O Brasil não vai vender a sua soberania", repercutia os nossos "patriotas".

Ao mesmo tempo, acharam bonito debochar, desacreditar e difamar a menina sueca, Greta Thunberg, a "Pirralha", defensora da causa.

Triste constatar que graças aos apoios desses grupos de falsos patriotas, falsos moralistas e ignorantes descolados da realidade e do mundo, o governo desprezou os claros recados dados por várias comunidades internacionais, permitindo e até incentivando a destruição do nosso meio ambiente. Inclusive, tentando aprovar leis na sombra da pandemia e derrubar entraves que ainda impediam acões de maior desenvoltura dos "interessados" na SOBERANIA dos garimpeiros e madereiros.

Agora já podemos colher a "BOA SAFRA" das besteiras plantadas: Bancos e fundos de investimentos, possuidores da bagatela de quase 4 trilhões de dólares, encaminham cartas as embaixadas brasileiras de oito países, ameaçando suspender os investimentos no Brasil.

Mas o cômico, além de trágico, é que a maioria desses investidores são os principais financiadores do AGRONEGÓCIO BRASILEIRO.

Sem estes investidores, o agronegócio não sobrevive, morre. Isso, sem considerar o bloqueio que os países farão aos produtos brasileiros que sobreviverem sem esses investidores.

Parabéns para a essa brava gente inteligentemente "patriota". Em menos de dois anos de governo, já nos tornamos párias mundiais. Segundo maior transmissor da pandemia e maior destruidor de riquezas naturais.

E a "PIRRALHA" é que é burra, retardada...

Por Felicio Vitali

Os dois medos no atual silêncio obsequioso de Bolsonaro: Wassef e Márcia



Quem tem Fabrício Queiroz como amigo tem medo. E quem tem Frederick Wassef como ex-advogado, convenham, também.

Jair Bolsonaro, no momento, conta com duas fontes de preocupação. Além de Fabrício, o ex-faz-tudo do agora senador Flávio Bolsonaro, há também o advogado, que já deu mostras eloquentes de ser vaidoso e meio falastrão. Gente assim pode ser perigosa se sente o ego ferido.

Já deu para perceber o peso que tem na moderação do discurso presidencial a questão, não é mesmo? Até a prisão de Fabrício, Bolsonaro dava uma solene banana para a crise e dedicava seu tempo livre — que parece ser imenso — a uma guerra com os outros dois Poderes da República — muito especialmente com o Judiciário. E lá vinha ele, dia após dia, com a conversa mole do golpe, no que era secundado, ainda que com um pouco mais de cuidado, pelos generais do Planalto.

Mas Fabrício Queiroz o fez engolir a língua. Afinal, o amigo do presidente tem uma preocupação adicional: sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, com prisão preventiva decretada, é hoje uma foragida. Queiroz leva todo jeito de que é resiliente, de que pode tentar agasalhar o foguete, preservando Bolsonaro, Flávio e assemelhados. Mas ninguém tem a mesma certeza sobre Márcia. Enquanto estiver solta, é um problema. Se presa, idem. Não existe alternativa boa para o presidente e sua família.

WASSEF
Com Frederick Wassef, a preocupação não é menor. Vê-se que ele jamais morreria por síndrome de abstinência de vaidade. Só não repitam por aí que seus ternos são bem cortados. Ah, isso nunca! O problema é que o doutor, mesmo sendo um criminalista, está se enrolando cada vez mais.

Deixar a defesa de Flávio, como fez, não resolve nada. Confrontado com o fato de que Fabrício se escondia em sua casa, Wassef deveria, de cara, ter admitido que,

bem..., sim, deu abrigo ao homem e ponto. E sustentaria, ainda que ninguém acreditasse, que Flávio nada tinha com isso.

Fez a segunda parte, ninguém acreditou, mas insistiu na conversa, contra todas as evidências factuais, de que não hospedava Fabrício, de que este estava lá de passagem, de que ignorava que sua casa servia de esconderijo para o sumido.

Ora, como ele mesmo lembrou, não havia mandado de prisão contra Fabrício. Isso, por si, não configurava crime nenhum. Ocorre que há agora a curiosidade para saber por que o homem se escondia em Atibaia e por que Wassef contou uma lorota impossível de sustentar. De resto, apareceu uma nova personagem, entrevistada nesta quarta pelo Jornal Nacional: Ana Flávia Rigamonti.

Começou a trabalhar na casa em que se escondia Fabrício, considerado um escritório de Wassef, em maio de 2019. Conviveu, desde sempre, com o ex-assessor de Flávio e com Márcia, que volta e meia passava por lá. Não se sabe qual era sua tarefa. Ela nega que fosse uma espécie de vigia de Fabrício a serviço de Wassef.

Informa o Jornal Nacional:
Em uma mensagem interceptada pelos investigadores, a mulher de Queiroz pede que a filha avise Ana que ela e o marido estavam a caminho de São Paulo. Neste mesmo dia, a filha de Márcia enviou à mãe a resposta de Ana: "Pode ficar tranquila que não falo nada, não".

Já em outro diálogo registrado em novembro de 2019, o filho de Queiroz mandou para Márcia

uma mensagem de áudio encaminhada por Ana, em que ela afirma que não teria comentado com o "Anjo" sobre uma viagem de Queiroz e de Márcia, pedindo que "se ele questionar alguma coisa, vocês falam que foi agora".


Ao JN, Márcia nega que tratasse Wassef por "Anjo". Indagada se, na convivência com Fabrício e Márcia, a palavra foi usada para designar o advogado, afirmou: "Bom, essa pergunta eu prefiro não responder." Também disse não saber se seu chefe e o ex-assessor de Flávio se encontraram. Reitere-se: a casa estava registrada como um escritório, mas não funcionava como tal.

O que leva pânico a Bolsonaro e sua família? Se aparecer alguma coisa da pesada contra Fabrício, praticada no tempo em que Wassef lhe dava abrigo, a coisa pode esbarrar no doutor. O risco está em o homem vir a ser preso caso o ex-faz-tudo de Flávio tenha aprontado alguma em que ele possa figurar como cúmplice.

Essa espécie de torpor silencioso de Bolsonaro, assim, tem dois nomes: Márcia Oliveira Aguiar e Frederick Wassef. Nem mais de ameaçar o país com golpe de Estado o presidente se lembra. O medo comeu a sua língua, o que, em si, é bom. Esse medo, por ora, o faz ser prudente.

Por Reinaldo Azevedo

Celebrar chance de ter esgoto em 2033 é reconhecimento de ruidoso fracasso


Esgoto a céu aberto no bairro Terra Firme, em Belém (PA) Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Em vez de plantar, o Brasil deveria ter enterrado obras. O país arranhou o céu, mas não foi capaz de soterrar manilhas. Levantou prédios e pontes, mas esqueceu do sistema de escoamento das fezes. Virou a nona economia do mundo. E convive com os sem-esgoto, uma legião de mais de 100 milhões de pessoas.

Repetindo: metade da população brasileira não dispõe de privada conectada a uma rede de esgoto. Algo como 35 milhões de patrícios amargam também a ausência de torneira com água limpa em casa. Nesse mundo, isolamento social é comparável à crença do cego no arco-íris. Lavar as mãos é um sonho. Álcool em gel é utopia. 

Há três meses, em 26 de março, Jair Bolsonaro conseguiu enxergar poderes curativos no excremento que corre a céu aberto. Previu que o coronavírus não prosperaria no Brasil. "Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele." A pandemia produzira, até então, 2.915 mortos. 

Nesta quarta-feira (24), o número de pessoas que o vírus arrastou para a cova era bem maior: 53.874, noves fora a subnotificação. Foi contra esse pano de fundo fúnebre que o Senado aprovou, com séculos de atraso, um marco legal para o setor do saneamento. Como já passou pela Câmara, o projeto vai à sanção de Bolsonaro.



Não se imagina que o presidente se atreva a vetar o projeto. Até porque, a despeito do seu negacionismo crônico, Bolsonaro já deve ter notado que esgoto não é vacina contra o coronavírus. Abre-se, então, a perspectiva de que investidores privados se animem a aplicar em saneamento básico um dinheiro que o Estado não possui.

Se tudo correr como planejado, até o ano da graça de 2033 quase todos os brasileiros terão acesso a uma rede de esgoto (90%) e água tratada na torneira (99%). Ouviram-se palmas e declarações otimistas. É melhor guardar os fogos. É muito cedo para celebrações.

Por coincidência, estou relendo o livro "The Year 1000", dos ingleses Robert Lacey e Danny Danziger. Foi publicado no Brasil pela Editora Campus, sob o título "O Ano 1000 - A Vida no Início do Primeiro Milênio". 

Trata-se de um magnífico retrato do cotidiano de uma Inglaterra em que garfo era coisa por inventar e chifre de animal era usado como copo. Uma Inglaterra com pouco mais de um milhão de habitantes, algo como três vezes menos do que a população de Brasília.

A leitura é leve e útil. Conduz à percepção de que parte da realidade dessa Inglaterra remota (a pior parte) está desgraçadamente presente em nacos primitivos do Brasil de 2020.

O livro conta que o grosso das pessoas vivia em casas modestas. Estrutura de madeira, teto de junco, chão de terra batida, paredes de pau-a-pique. Uma mistura de argila, palha e esterco de vaca dava coesão ao entrelaçado de galhos.

A latrina ficava próxima à porta dos fundos. Era curta a distância percorrida pelas moscas desde as dejeções até os alimentos. A ausência de assepsia transformava corpos em hospedarias de parasitas, a solitária entre eles.

Submetidos a um cotidiano assim, rude, os ingleses de outrora se apegavam aos santos. Atribuíam a eles poderes curativos. Tratavam as doenças com terapias que combinavam remédios populares e fé extremada.

Contra as perturbações do intestino, por exemplo, recomendava-se: "procurar uma sarça [planta da família das rosáceas], escolher a raiz mais nova, cortar nove lascas com a mão esquerda; entoar três vezes o salmo 56 e nove vezes o padre-nosso; pegar a artemísia e a perpétua [arbustos da família das compostas] e ferver em leite, junto com a sarça; beber uma tigela com a mistura; jejuar à noite; se necessário, repetir a operação por até duas vezes".

Nada mais parecido com a Europa da virada do milênio do que certos pedaços do mapa do Brasil. A pandemia empurrou para dentro dos gabinetes de Brasília essa realidade surreal.

Parlamentares e autoridades como o ministro Paulo Guedes (Economia) descobriram os brasileiros "invisíveis". Na verdade, eles sempre foram muito palpáveis. O país é que se fingia de cego. 

As 182 páginas de "O Ano 1000 - A Vida no Início do Primeiro Milênio" falam de um passado que intima o Brasil a sentir vergonha do seu presente. Há muito por fazer. O caminho é longo. O primeiro passo é perceber que o único lugar onde os aplausos e o otimismo vêm antes do trabalho é o dicionário.

Por Josias de Souza

Editorial do Estadão - Desmatamento e fuga de capital


Fundos internacionais pedem que presidente controle desmatamento ...

Há uma ameaça real de retirada de investimentos estrangeiros no País caso o governo brasileiro não consiga deter o desmatamento e, desta vez, o presidente Jair Bolsonaro e membros de seu governo não poderão atribuir à desinformação – como fizeram outras vezes – as críticas feitas por 29 instituições financeiras de 8 países à maneira como a questão ambiental vem sendo tratada na esfera federal. Muitas dessas instituições (fundos, bancos e gestoras de investimento) aplicam quantias expressivas em empresas que atuam fortemente no Brasil em áreas diversas, especialmente a do agronegócio, e conhecem bem a situação ambiental do País. Em carta entregue a Embaixadas do Brasil em oito países, o grupo de instituições responsável por ativos estimados em US$ 3,75 trilhões afirma que “o desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos” pelo governo Bolsonaro cria “incerteza generalizada sobre as condições de investir ou de prestar serviços” no País e ameaça retirar seus investimentos caso não seja detido o avanço do desmatamento.

Em ocasiões anteriores, o presidente da República e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, entre outras autoridades federais, minimizaram críticas dessa natureza, tratando-as com um desdém que mal esconde inoperância, incompetência, desídia, irresponsabilidade ou qualquer outra característica de uma ação federal marcada por completo desprezo pela questão ambiental. Esse comportamento pode comover a ala mais radical do bolsonarismo, mas não está mais sendo tolerado por pessoas e instituições respeitáveis, no País e no exterior.

“Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos beneficiários, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e assegurando serviços ecossistêmicos”, afirmam os gestores de recursos na carta que tem como destinatários agentes públicos que trabalham em Brasília, a começar pelo presidente da República e seu ministro da área ambiental. A carta adverte que o aumento das taxas de desmatamento no Brasil pode criar dificuldades crescentes para empresas que atuam nas áreas desmatadas terem acesso aos mercados internacionais. Até mesmo títulos soberanos brasileiros poderão vir a ser considerados de alto risco caso o processo de desmatamento não seja contido, advertem as instituições.

Elas têm recursos aplicados em grandes empresas exportadoras e negociadoras mundiais de commodities que respondem por parte expressiva das vendas externas brasileiras. Há alguns dias, o chefe de investimentos de uma das empresas signatárias da carta entregue ao governo brasileiro, a KLP, disse à agência Reuters que, se sua avaliação sobre as políticas ambientais brasileiras for negativa, “o desinvestimento pode ser o resultado provável, possivelmente ainda este ano”.

Motivos para uma avaliação negativa não faltam. A carta cita, entre outros, as “controvertidas” propostas legislativas de regularização de terras públicas, a abertura de terras ocupadas por povos indígenas para mineração e o afrouxamento de regras para licenciamento ambiental. Lembra também a recomendação do ministro Ricardo Salles, na mal-afamada reunião ministerial de 22 de abril, de “passar a boiada” da legislação de simplificação de normas ambientais enquanto a pandemia estiver no centro das preocupações do País.

Tais comportamentos do governo mereceram dura condenação de nove ex-ministros do Meio Ambiente, para os quais “a sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de maneira irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la”. Dirigentes do setor financeiro no Brasil também estão preocupados. O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, disse que “precisamos nos mover” contra os incêndios na Amazônia.

Como lembraram os ex-ministros do Meio Ambiente, “sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo”.

Editorial Estadão

Forças Amadas


Cerimônia de reconhecimento das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) 
ao Presidente Nicolás Maduro após sua posse para umsegundo mandato, no Complexo
Militar Fuerte Tiuna, em Caracas

No momento em que as Forças Armadas estão no centro do debate político, é mais do que oportuno relembrar a figura do marechal Cândido Rondon, o grande engenheiro militar e sertanista brasileiro. A leitura da sua biografia, escrita pelo jornalista Larry Rohter, nos possibilita entender que as instituições militares são admiradas pelos brasileiros por serem a mão amiga em missões de integração nacional, de paz e de ajuda humanitária. Nem por isso deixam de ser o braço forte na proteção de nossas fronteiras e na defesa da nação.

Devemos ao marechal a integração do oeste e do norte do país. Antes dele, essas regiões viviam isoladas. Rondon descobriu rios e construiu estradas, como a que vai de Cuiabá ao Rio de Janeiro ou a de Cuiabá ao Acre, além de cinco mil quilômetros de linhas telegráficas, levando-as até as fronteiras com a Bolívia e o Peru. Por mais de três anos embrenhou-se na floresta amazônica. Dado como morto, porque não se tinha notícia de sua expedição, no final possibilitou ao país o conhecimento da maior floresta tropical do mundo. 

Se Duque de Caxias é o símbolo do braço forte que assegurou a unidade nacional ao enfrentar sublevações separatistas, Cândido Rondon foi a mão amiga na defesa dos indígenas. Foi o criador e primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio e idealizador do Parque Nacional Indígena de Xingu. 

Para ele, a integração dos índios deveria se dar de forma pacífica e voluntária, jamais pela violência. No fim da vida passou a defender o direito dos índios de permanecer isolados, se assim desejassem.
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Ferido por uma flecha envenenada dos nhambiquaras, impediu qualquer represália por parte de seus subordinados. Vem daí a sua frase “morrer, se preciso for. Matar, nunca”. Por tudo isso se fez merecedor da indicação ao prêmio Nobel da Paz, sugerida por ninguém menos do que o físico Albert Einstein. 

Em recente artigo, o general Alberto Cardoso, idealizador e primeiro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso, mostrou que o espírito de Rondon está presente quando as Forças Armadas estendem a mão nas favelas cariocas, no combate a incêndios na Amazônia Legal, na realização de obras públicas, no socorro aos sertanejos vítimas da seca. Essa mão acolheu refugiados venezuelanos e chegou a outros países em missões de Paz da ONU. Desde o fim da Guerra do Paraguai não se envolveu em conflitos regionais, marcando-se como unidade comprometida com a paz no continente. 

Seu braço forte retira garimpeiros de terras indígenas, combate o desmatamento ilegal, protege nossas fronteiras terrestres e marítimas, atua nas crises de segurança motivada pela ação do crime organizado ou de motins policiais. Está capacitado tecnicamente para a defesa nacional. 

Respeitadas pelos brasileiros, as Forças Armadas estiveram nos últimos 35 anos atentas às suas funções constitucionais. Cresceram aos olhos do país por sua atuação como instituição permanente de Estado e não de governos, que são transitórios.
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O inverso também é verdadeiro. Toda vez em que agiram como “partido fardado” dentro de uma visão salvacionista, tiveram sua imagem corroída. E os valores, por meio dos quais se estruturam, como a disciplina e a hierarquia, foram seriamente afetados. Como regra, as intervenções militares ocorridas desde o advento da República levaram, ao cabo, à corrosão da imagem das Forças Armadas. Mais grave: contribuíram para a divisão dos brasileiros. 

O marechal Cândido Rondon, mato-grossense que nasceu como Cândido Mariano da Silva e depois acrescentou Rondon ao seu nome, em homenagem ao tio que lhe criou, dizia que o exército deveria ser o “grande mudo” em questões políticas.

Essa ideia de neutralidade política está presente no recente artigo do general Alberto Cardoso ao ressaltar que “são órgãos permanentes do Estado brasileiro e não dos governos que se sucedem”. Nas palavras do general, isto significa “independência em relação aos partidos que ocupem o governo no rodízio democrático”.

O atual comando das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica – tem mantido um comportamento exemplar, resistindo às tentativas de quem quer atraí-las para aventuras antidemocráticas. Nem mesmo as incursões de Jair Bolsonaro ou do núcleo dos militares palacianos têm força para aparelhá-las.

A rígida observância do mutismo das Forças Armadas em questões políticas é essencial para seu futuro. Só assim continuarão amadas.

Por Hubert Alquéres

Rouba, mas não Faz!!!


A política do “rouba, mas faz” precisa finalmente ser superada.
Agora é rouba, mas não faz, talkey?



Impressiona, ainda que não surpreenda, o contorcionismo dos apoiadores do governo para empacotar a corrupção como um mal menor diante da prisão de Fabrício Queiroz e da possibilidade de o primeiro-filho, o senador Flávio Bolsonaro, ter o mesmo destino. 

Corrupção, confirmamos mais uma vez, nunca foi a razão para eleger um sujeito ignóbil como Jair. Fosse isso, bolsonaristas não defenderiam agora rachadinha como prática aceitável, “porque todo mundo faz”, “porque nem se compara ao que o PT ou Sérgio Cabral roubaram”. Mesmo para o padrão tupiniquim de lambe-bota de político, essa praga que nos assola, a mítica frase “rouba, mas faz” sofre aqui um duplo twist carpado. 

Sabemos que a moral de parte da população é flexível. Bate palmas para tipos como Paulo Maluf, porque construiu pontes e avenidas, embora tenha enchido o bolso com milhões. Defende que partido que tira pobre da miséria não merece crítica nenhuma, apenas redenção, apesar dos comprovados pesares. 

De Adhemar de Barros ao PT, o “rouba, mas faz” sempre foi exaltado. Coisa nova na vida política é a defesa apaixonada do “rouba, mas é pouco”. Não é pouco e faz falta na educação, na saúde, na segurança. 

Bolsonaro tem razão quando diz que os brasileiros deveriam ser estudados. Muitos fecham o nariz e pulam no esgoto do pragmatismo político. Apoiadores do presidente têm demonstrado que podem nadar de braçada nessa imundice ao aceitar rachadinha, contratação de funcionário fantasma, inclusive pelo então deputado Jair, uso de verba pública para financiar atos privados e sites ideológicos, além dos superfaturamentos tão disseminados nos gabinetes parlamentares. 

Com um ano e meio de governo, resultados desastrosos em todas as áreas, já sabemos que o apoio ao clã presidencial é irrestrito e pode evoluir até mesmo para o “rouba, e não faz nada, mas e daí?”.