sexta-feira, 17 de abril de 2020

Em anúncio, nem Bolsonaro nem Teich sabiam explicar razões da substituição


Jair Bolsonaro e Nelson Teich: havia um pesado clima de constrangimento do chefe e de seu novo subordinado. Afinal, nem um nem outro conseguiram explicar o motivo da demissão e da nomeação - Pedro Ladeira/Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro oscila entre o pânico e a agressividade rombuda. Sabe-se, ele mesmo já o declarou, que dorme mal. Não deve ser fácil fazer as pazes com o sono porque ele é, a um só tempo, autor e vítima de sua concepção de mundo. Se não consegue ouvir nem mesmo interlocutores da sua turma — vejam quantos rompimentos já houve desde a ascensão ao poder —, imaginem a dificuldade que representa ter de ceder a uma escolha que ele considera ser coisa do inimigo.

E, como vemos, ele não cede subjetivamente, mas é obrigado a se dobrar objetivamente. O resultado é uma alma torturada. Seu Brilhante Ustra existencial atende pelo nome de realidade. Logo depois da apresentação formal de Nelson Teich como novo ministro, ele foi para a porta do Alvorada para falar contra as teses do... novo ministro. Bolsonaro, como o sapo da fábula, tem uma natureza. Nem que isso implique morrer. O problema está no fato de ele não ter pruridos éticos de eventualmente mandar outros para a morte. Faça com a sua vida o que quiser. Não pode é arbitrar sobre a dos outros. 

Ao anunciar Teich como novo ministro da Saúde, um presidente assustado, acuado, pesaroso, mais desarticulado do que de hábito — moralmente depauperado, como se acordasse pelado no salão — não conseguiu explicar por que um saía e o outro entrava. Em que mesmo eles divergiam? Dadas as falas do novo ministro, em nada. Dado o discurso do próprio presidente, que disse querer preservar vidas, em nada também.

Convenham: tivesse o presidente admitido a real razão da queda de Mandetta e anunciado ali uma nova diretriz da Saúde, então ele teria rompido seu impasse existencial. E o que seria? Algo assim:
"A partir de hoje, o Ministério da Saúde recomenda a todos os governadores que ponham um fim ao isolamento social. A orientação deste governo e desta pasta é para que a vida volte ao normal. Está aqui o doutor Nelson Teich, que tem o apoio da Associação Médica Brasileira e concorda inteiramente comigo. Ele também acha essa conversa de isolamento social uma besteira. Temos de fazer a vida voltar ao normal. Morrer faz parte da vida. É assim mesmo. Todo mundo morre um dia. E agora serão esses valores a nortear o trabalho do Ministério da Saúde. Se faltarem leitos e UTIs, fazer o quê? A culpa não é minha. Isso é coisa de outros governos. Não posso pagar por isso. O que eu posso lhes oferecer é muita cloroquina".

E pronto! A sua alma estaria liberta. Ocorre que o "Teich bolsonarista" não toparia essa conversa. É claro que não teria aceitado o cargo nessas condições. Ficou evidente que ele só encarou o desafio porque não sabe quando deixará de recomendar o isolamento — dependerá da testagem ampla. Também não se comprometeu com a cloroquina. A ciência dirá. E não pode antecipar a dinâmica da doença sem ter os devidos dados técnicos.

Ou seja: nada que Mandetta não tenha dito. Nada que Mandetta não tenha considerado nesse particular. Cumpre notar que o ministro também considerava a testagem essencial. O Ministério da Saúde não conseguiu ser eficiente nesse particular. Houve dificuldades para conseguir o material no mercado internacional. Torçamos para Teich avance.

Bolsonaro não tem uma cabeça lógica. Deve ser muito difícil trabalhar com ele porque ele opera com alguns saltos-mortais lógicos que enlouquecem o interlocutor. Ao mesmo tempo em que se anunciava, na prática, que tudo ficaria, por ora, como está, o presidente desandou a criticar os governadores, João Doria em particular, justamente em razão do isolamento social — que, de toda sorte, ele não atacou frontalmente. Não ali ao menos.

Referiu-se a uma possibilidade aventada certa feita pelo governador de São Paulo de prender quem desrespeitasse as regras do distanciamento afirmando que não pode admitir ditadura (!!!) e lembrando, como observou Vera Magalhães, que cabe ao presidente "declarar estado de sítio"... Hein? Estado de sítio? Precisa ler a Constituição. Só com a concordância do Congresso e depois de muita trabalheira.

Como não pôde dizer ali tudo o que realmente pensava, aproveitou sua conversa mole às portas do Alvorada para fazer seu mais virulento ataque ao isolamento social e para convidar os brasileiros a ter coragem de enfrentar o vírus.

Ele não aprende nada.

Ele não esquece nada.

Ele põe em risco a vida dos brasileiros.

Por Reinaldo Azevedo

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