segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Eduardo Bolsonaro defende jovem americano que matou dois com AR-15



A posição do governo Bolsonaro de defender a ampliação do porte de armas e de facilitar a compra de munições pelos brasileiros não é novidade. Neste final de semana, contudo, uma série de três tuítes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chamou atenção não por expor esse posicionamento claro do parlamentar, mas por ser a favor de Kyle Rittenhouse, jovem de 17 anos acusado de matar duas pessoas durante um protesto antirracista nos Estados Unidos com um rifle AR15. Mais uma vez ele pode produzir prejuízo político para o país.

Em seu perfil no twitter, Eduardo Bolsonaro, que também é o presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, apoiou o uso da arma por Kyle Rittenhouse e afirma que o menor estava defendendo sua propriedade de “terroristas” do movimento Black Lives Matter (BLM).

“Jovem Kyle Rittenhouse, de 17 anos, junto com seus amigos e vizinhos foi defender sua propriedade, integridade física e vida pois os terroristas do BLM (black lives matter) estavam indo para lá deixando destruição e feridos por onde passavam”, escreveu Eduardo no primeiro tuíte. Apesar de falar em “defesa da propriedade”, o rapaz estava na rua ostensivamente no meio de manifestantes.

Em seguida, o parlamentar postou nova mensagem com fotos que mostrariam Kyle sendo agredido por manifestantes e afirma que o jovem agiu em legítima defesa. “Mesmo com arma em punho ele foi agredido e se defendeu de membros do BLM, pelo menos um deles armado. A situação é indesejável, mas claramente Kyle agiu em legítima defesa contra uma violência injustificada, logo, não merece punição”, escreveu. 

No último tuíte sobre o tema, Eduardo Bolsonaro manifestou apoio ao jovem. “Tem que se parar com a ideia de que sempre quem aperta o gatilho está errado. Todo apoio ao jovem Kyle”, concluiu.

Como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a postura que se espera de Eduardo Bolsonaro está longe de ser a que foi vista nos posts do final de semana. O cargo exige diplomacia e equilíbrio de um parlamentar que precisa prezar pelas boas relações do Brasil com os Estados Unidos como um todo. O país não ganha nada com um deputado que defende o uso ilegal de arma por um menor de idade, que terminou com o assassinato de duas pessoas. 

O mais grave é que fica claro que Eduardo Bolsonaro, assim como o presidente da República, um defensor contumaz do porte e posse de armas, considera justificável os termos de uso desse armamento: atirar em manifestantes com uma arma pesada, sendo menor de idade, e não tendo documento legal de porte. Se é isso que o governo está pensando com “escancarar a questão do armamento”, como disse o presidente na reunião presidencial de 22 de abril, é assustador.

Enquanto os protestos antirracistas ganham força nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump se prepara para uma campanha em busca da reeleição, que não deve ser fácil. Pesquisas apontam que o atual presidente está perdendo nas intenções de voto contra seu concorrente, o democrata Joe Biden. Eduardo Bolsonaro que, assim como toda a família, defende Trump em toda situação possível, se arrisca ao opinar em um assunto delicado e que tem causado divisões e conflitos dentro dos Estados Unidos, especialmente em época de eleições presidenciais.

Na Veja

A extrema direita se (re)úne. E a escolha do procurador geral de Justiça


A extrema direita já foi uma só: bolsonaro-lavatista. Hoje, está dividida. Mas nada impede que os grupos, ora separados, se juntem de novo, como acontece no caso Witzel - Ettore Chianeguini/Futura Press/Folhapress
A extrema direita já foi uma só: bolsonaro-lavajatista. Hoje, está dividida. Mas nada impede que os grupos, ora separados, se juntem de novo, como acontece no caso Witzel Imagem: Ettore Chianeguini/Futura Press/Folhapress

Há um outro dado nada irrelevante a se levar em conta no afastamento de Wilson Witzel. Em dezembro, o governador escolhe o novo procurador geral de Justiça, tendo de indicar um dos nomes de lista tríplice votada pelos membros do Ministério Púbico Estadual, conforme dispõe o Parágrafo 3º do Artigo 128 da Constituição.

É esse procurador-geral de Justiça que vai ditar o ritmo do trabalho dos promotores. É sabido que a família Bolsonaro tem algumas pendências no Rio, não é mesmo? De quem será a escolha? De Witzel ou do vice, ora na titularidade do governo, o bolsonarista Cláudio Castro? Ele também foi alvo de mandado de busca e apreensão, diga-se.

Só para lembrar: o que acontece se titular e vice forem condenados em processo criminal? Eis o busílis. Assume temporariamente o presidente da Assembleia Legislativa, que também é investigado, o petista André Ceciliano. Caso este também esteja impedido, chama-se o presidente do Tribunal de Justiça. É o que dispõe o Artigo 141 da Constituição do Rio.

Atentem para o que diz o Artigo 142:
"Art. 142. Vagando os cargos de governador e de vice-governador do Estado, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância no último ano do período governamental, a eleição para ambos os cargos será feita, trinta dias depois da última vaga, pela Assembleia Legislativa, na forma da lei.

Na Constituição Federal, faz-se eleição indireta em caso de dupla vacância já a partir do terceiro ano de mandato. Na do Rio, só no quarto.

De toda sorte, é pouco provável que a tento se chegue. O ministro Alexandre de Moraes cassou liminar concedida por Dias Toffoli e referendou a comissão de impeachment criada pela Assembleia Legislativa.

Ainda que o próprio STJ ou, eventualmente, o STF devolva o mandato a Witzel, é muito pouco provável que ele escape do impeachment. E um amigão de Bolsonaro, o vice Cláudio Castro, vai escolher o futuro procurador-geral de Justiça, que vai chefiar o Ministério Público do Estado — aí em lua de mel com a Lava Jato.

A extrema direita volta a se juntar, ainda que cortando a cabeça de um dos seus que ousou lançar voo próprio.

Por Reinaldo Azevedo

Witzel descobre o real significado de "Cría cuervos y te sacarán los ojos"


Reprodução

Witzel só se elegeu porque foi beneficiário do moralismo estúpido, que nada tem a ver com moral, que o lavajatismo difundiu no país, de que Jair Bolsonaro é o fruto mais envenenado. Como esquecer que o juiz da força-tarefa no Rio, seu então amigão Marcelo Bretas, tornou público, a três dias da eleição, o depoimento de Alexandre Pinto, ex-secretário de Eduardo Paes, acusando o ex-prefeito e então seu adversário na disputa pelo governo de ter recebido propina da Odebrecht, o que era negado até pelos delatores da empreiteira? Nunca houve e não há a menor evidência disso. Witzel, agora, denuncia armações muito críveis que alcançam até Sergio Moro. Mas também essa Inês é morta, doutor!

A encalacrada em que se meteu o governador afastado não é pequena. E, reitero, ele está sendo engolfado pelos métodos tradicionais da Lava Jato. Querem ver? O escritório de advocacia seu mulher, Helena Witzel — escritório de uma pessoa só: ela própria —, passou a receber, a partir do ano passado, R$ 15 mil mensais da DPAD Serviços Diagnósticos, que tem como sócios Alessandro Duarte e Juan de Paula, que são ligados ao empresário Mário Peixoto, que já está preso, acusado de comandar um esquema de superfaturamento envolvendo a Secretaria de Saúde que remontaria ainda a Sérgio Cabral.

Digamos que se possa achar estranho o pagamento, dado que não consta que Helena, antes, fosse uma advogada atuante. Ocorre que, junto com essa acusação, vem uma outra: o governador estaria tentando montar um supercaixa de estupefacientes R$ 400 milhões, que decorreriam de desvio de 5% de todos os contratos do governo, de todas as secretarias. Com a devida vênia, acreditar nisso é coisa de tolos. Não faz o menor sentido. Nem Cabral roubava de todas as secretarias. E isso só nos diz o que espera o governador afastado.

Pior: há contra Witzel o alinhamento de todas as vertentes das práticas de estado policialesco com as quais ele parecia conviver muito bem e das quais se mostrava íntimo. Tanto é assim que, nos primeiros meses, seu governo ofereceu carne preta, pobre e morta em abundância para evidenciar que lá estava um homem durão com o crime. Nunca a bala perdida achou tantas crianças. Também pobres e pretas.

Ocorre que o caso Flávio Bolsonaro o fez desviar o olhar para Brasília, e o presidente da República cismou que ele estava por trás de ações do Ministério Público do Estado e da Polícia para prejudicar o seu rebento. E Witzel foi jurado de morte política ao menos. A pandemia levou os governos a relaxar os critérios para compras emergenciais, o que excitou a imaginação dos larápios, mas também a sanha punitivista da PF, do MPF e de setores do Judiciário.

O Planalto deu a senha, e os outros entes responderam: "Vamos para cima dos governadores"

E Witzel era o primeiro da fila.

Os estonteantes R$ 8,5 milhões em dinheiro vivo encontrados em endereços de Edmar Santos, ex-secretário da Saúde, evidenciam que muita safadeza se fez por lá, sim.

Mas não se afasta um governador desse modo, com tão pouco tempo de investigação, com base apenas e por enquanto, na delação de um larápio assumido.

Por mais detestável que seja esse governador. Por mais que ele seja Witzel.

Como é mesmo o ditado? "Cría cuervos y te sacarán los ojos".

Ele é só o primeiro. Outro virão.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 30 de agosto de 2020

Em nome do pai





Por exercer mandato cruzado ou continuado, o filho do presidente Jair Bolsonaro deveria gozar de foro privilegiado ininterrupto. A tese esdrúxula até seria cabível se tivesse origem em um arrazoado do advogado Rodrigo Roca, que assumiu a defesa do senador Flávio Bolsonaro no lugar do enrolado Frederick Wassef. Mas não. Foi formulada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU) – ensaiadinhos.

Os pareceres do vice procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros e do advogado-geral José Levi são praticamente idênticos. No conteúdo e na desfaçatez.

Ambos torturaram até ao extremo as determinações do Supremo Tribunal Federal para obter um entendimento em favor de Flávio. Além de retirá-lo das mãos perigosas da Justiça do Rio, criaram condições para anular o processo em curso sobre apropriação indébita de salários de servidores, vulgo rachadinha, e de lavagem de dinheiro via saborosos chocolates materializados em dezenas de imóveis.

Na defesa cega do zero dois, um e outro jogaram às favas as balizas constitucionais e éticas das instituições que os abrigam.

Em vez de representar o povo contra aqueles que atentam contra o Estado, a PGR agiu para defender o filhote do presidente. E o fez em antagonismo ao próprio Ministério Público do Rio, que já reuniu provas contra o ex-deputado estadual. Poderia, se PGR fosse, até arguir a lacuna que considera existir (mesmo sendo conto da carochinha) sobre mandatos contínuos, sem, por óbvio, se arvorar no benefício ao senador. À AGU nem mesmo deveria se pronunciar, visto que suas atribuições de defesa da União não incluem intervenções em favor de senadores.

Cabe dizer que o imbróglio permitindo o puxa-saquismo explícito da PGR e da AGU ao presidente Bolsonaro nasceu no STF.

Já tendo analisado a matéria há pouco mais de dois anos e proferido uma interpretação unânime no que tange ao alcance do foro, a Corte não precisava solicitar pareceres daqui e dali para julgar a ação impetrada pela Rede Sustentabilidade quanto à supressão da benesse para Flávio.

Excrescência tupiniquim, o foro de prerrogativa de função, que concede a quase 60 mil autoridades públicas o direito de ser julgadas em instância superior, fez parte da grita pelo fim de regalias a políticos da qual Bolsonaro tirou proveito na campanha. “Eu não quero essa porcaria de foro privilegiado”, dizia à época.

Em maio de 2018, o foro teve seu alcance limitado pela Suprema Corte, passando a valer somente para os processos sobre crimes ocorridos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.

A partir do entendimento combinado da PGR-AGU tudo corre o risco de voltar à estaca zero. Especialmente se a matéria for apreciada pela 2ª Turma incompleta, com o empate favorecendo ao reclamante. Foi assim, com um 2 x 2, que essa turma anulou a sentença do doleiro Paulo Roberto Krug, condenado em 2013, foragido e preso em 2017, agora livre, leve e solto.

Esse quórum desqualificado, que jamais deveria ser usado em votações de peso, pode se repetir para salvar ex Lula de sua condenação pelo tríplex do Guarujá. Como o petista é o adversário ideal para 2022, Bolsonaro vê essa alternativa com bons olhos.

Sem qualquer pudor quando estão em jogo seu clã e a reeleição, Bolsonaro lançou as instituições nessa orgia de impunidade, na qual o novo normal inclui atuar fora da sua área de influência, por vezes à margem da Constituição.

Distorcendo – e abusando – de suas atribuições para fazer a vontade do chefe, o ministro da Justiça André Mendonça defendeu apoiadores do presidente, como a ativista Sara Winter e o blogueiro Allan Santos, junto ao STF. Pretendeu processar o cartunista Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat pela criação e divulgação de uma charge que desagradou o capitão.

O procurador-geral da República Augusto Aras foi ainda mais longe. Animado pela hipótese de indicação ao Supremo chegou a usar o “risco à soberania nacional” ao defender no STF o sigilo da gravação da fatídica reunião ministerial de 22 de abril, recheada de impropérios. E, para impedir que amigos do presidente fossem molestados, pediu ao Supremo a suspensão do inquérito sobre notícias falsas.

Nesse roteiro torto, a Lava-Jato, um dos sustentáculos da eleição de Bolsonaro, precisa agora ser descartada para aliviar a carga dos neo-aliados do presidente. Sua AGU, sem explicar objetivamente os motivos, recorreu na semana passada para que o STF reveja a suspensão de duas das acusações que pesam contra Deltan Dellagnol, coordenador da operação. Por sua vez, o PGR Aras não esconde sua ojeriza à Lava-Jato. Está sendo pressionado internamente para prorrogá-la, mas gostaria mesmo é de acabar com ela.

Hoje, Bolsonaro e seus filhos são ex-apoiadores de ações anticorrupção, renegam as críticas que faziam ao fim do compadrio entre os poderes e ao troca-troca do Centrão. Dominam onde diziam que tudo estava dominado. E, definitivamente, se tornaram defensores ferrenhos da “porcaria” do foro privilegiado.

Em nome do pai, dos filhos e do espírito que protege todos os protegidos.

Por Mary Zaidan

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Por que Queiroz depositou dinheiro na conta de Michelle?



Pergunta que não cala

Bem que o presidente Jair Bolsonaro parecia disposto a revelar por quais motivos Fabrício Queiroz e sua mulher depositaram R$ 89 mil na conta bancária da primeira-dama Michelle.

No último domingo, a pergunta feita por um repórter levou Bolsonaro a ameaçar encher sua boca de “porrada”. Desde então a pergunta é repetida centenas de vezes por dia nas redes sociais.

Quinta-feira é dia de live de Bolsonaro no Facebook. Ele sente-se à vontade porque falar o que quer e não corre o risco de ser incomodado por perguntas embaraçosas.

Ao sentar-se, ontem, diante da câmera montada na biblioteca do Palácio da Alvorada para mais uma gravação, Bolsonaro portava um papel onde estava escrito:
“Botar um ponto final na questão envolvendo Queiroz e a primeira-dama”.

Deve ter refletido muito antes de decidir encarar a questão. Pois bem: a live foi ao ar, terminou, e ele não respondeu à pergunta. Por esquecimento, não foi.

A pergunta seguirá sendo repetida nas redes sociais: por que Queiroz e sua mulher depositaram 89 mil reais na conta bancária da primeira-dama Michelle?

Uma placa com a pergunta foi afixada à porta do Palácio do Planalto e depois removida por agentes de segurança. Outra, em uma rua de Montes Claro, interior de Minas Gerais.

Por Ricardo Noblat

Se efetivada, extinção da Farmácia Popular vai provocar enorme catástrofe sanitária


Se efetivada, extinção da Farmácia Popular vai provocar enorme catástrofe  sanitária'; leia artigo – DestakNews Brasil

Distantes da sonhada reforma política, não caminhamos para nortes definidos, como ocorre na América entre republicanos e democratas, mas para duas frentes, que se podem fracionar no que a legislação permite, sob pena, porém, da pluralidade entre iguais dizimar suas causas, estejam à esquerda ou à direita. O estado pandêmico, porém, deixou ao menos nosso Sistema Único de Saúde (SUS) à margem dos embates entre os grupos e, muito embora tenha esbarrado na escassez global de insumos, assim como nas dissonâncias entre esferas governamentais, não lhe faltaram recursos. Com as estratégias que lhe foram possíveis, forneceu (e fornece) atendimento digno a seus usuários, sem permitir o temido colapso de seus serviços perante a pandemia.

Em 9 de março o presidente Donald Trump afirmava: “Nada vai fechar, a vida e a economia continuam”. E embora tenha declinado do equívoco uma semana depois, não demoraria para a América ver sua malha de saúde encontrar o caos. Faltavam máscaras, leitos, respiradores e profissionais, em cenário inimaginável no país desejado por fatia substancial do restante do mundo.

Não faltaram compaixão e vontade ao mandatário americano, o que Trump não tem é um sistema de saúde pública regido por “universalidade, integralidade e equidade”, princípios doutrinários do SUS.

Mas se nossa absoluta eficiência momentânea demonstra a elaborada estrutura criada e seu incrível potencial de poder resolutivo, não devemos perder de vista que o sistema de saúde foi readequado e desviado para o atendimento pandêmico na sua quase totalidade, tendo sido ainda acrescido de muitos leitos de UTI, hospitais de campanha e generoso número de equipamentos para diagnóstico e suporte à vida.

Vamos dissolver os hospitais de ocasião, mas restaremos com enorme número de leitos de alta complexidade nos hospitais preexistentes, os quais contemplam os de UTI, carência perene em nossa saúde pública. Vamos, então, deparar com duas realidades, uma antiga, a falta de recursos financeiros para subsidiar a contento o que vinha sendo executado; e outra nova, a estrutura herdada, que carecerá de recursos humanos e custeios adicionais.

Ainda que sem data para findar a ameaça biológica, já retornamos o SUS às velhas águas, assim como está sendo devolvido o leme ao timoneiro habitual, e então o jogo político assume o destino das angústias e dos sofrimentos de milhões de brasileiros. Ainda indefinido, o orçamento da saúde tramitará para votação no Congresso até o final de agosto, mas flerta com menos R$ 7 bilhões que o valor inicialmente endereçado à pasta em 2020. Quando a comparação observa os R$ 41,7 bilhões injetados em regime de urgência na pandemia, o corte orçamentário se aproxima dos R$ 49 bilhões.

O presságio ganha cruel adorno com a proposta de extinção do programa Farmácia Popular, que, levada a cabo, fará a tragédia decorrente da pandemia, que se aproxima dos 120 mil mortos, ser apenas um apêndice diante da enorme catástrofe que em médio prazo se estabelecerá. Deixarão de ser dispensados gratuitamente anti-hipertensivos, quando estimamos que um quarto da nossa população adulta seja hipertensa; não haverá entrega de antidiabéticos orais e insulina, sob a certeza de que ao menos 9% dos brasileiros tenham a doença. Isso para citar apenas as enfermidades mais prevalentes. O tempo mostrará também uma avalanche de sequelados de AVC decorrentes de descontroles pressóricos, insuficientes renais submetidos a hemodiálises por diabetes mal compensados, doença que ainda destina seus portadores à cegueira e à amputação de membros quando malconduzido seu tratamento.

O “Brasil não é um país sério” é frase corrente no arsenal de insurgentes temporários que habitualmente, sob o lúdico etílico entre amigos de copo, decidem explorar o cientista político que nesses instantes imaginam ser. O bordão é legado ao general Charles de Gaulle, embora o ex-presidente francês nunca o tenha dito. Mais problemático que essa desinformação histórica é o fato de que temos cá nossas dúvidas se somos ou não o país de brincalhões embutido nesse jargão (in)apropriadamente criado há quase 60 anos pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho.

No primeiro dia de agosto deste ano, em Berlim, uma ruidosa aglomeração protestava contra as medidas governamentais de isolamento social no enfrentamento da covid-19. É quase inacreditável que a capital da pátria de números invejáveis na condução pandêmica possa concentrar 15 mil pessoas convictas de que seu governo participa de uma enorme conspiração marxista. O protesto em sua clara afronta aos avanços da ciência e ao sucesso da estrutura de vigilância epidemiológica daquele país, não fez o mundo enxergar a Alemanha naqueles manifestantes, pois os alemães não se veem neles.

A depender do que for feito ao SUS nas cadeiras de Brasília no próximos dias, imagino que Souza Filho, de onde estiver, se arrependerá, ou não, do que disse. E nossos governantes demonstrarão como querem ser vistos!

No Estadão

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Um tribunal para os mineiros chamarem de seu


O presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha Sergio Amaral/STJ/Flickr 

Quando quer, em matéria de irresponsabilidade financeira, o Congresso não tem adversário à altura. A Câmara dos Deputados, contra a vontade do seu próprio presidente, aprovou o projeto que cria o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Minas Gerais, um capricho do ministro João Otávio de Noronha, presidente em fim de mandato do Superior Tribunal de Justiça.

A votação foi simbólica. Apenas os partidos Novo, Cidadania e PV orientaram seus parlamentares a votarem contra. Por sugestão de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, o Novo ainda tentou incluir uma regra para evitar que as despesas de todos os tribunais em 2021, incluindo o TRF-6, aumentasse acima da inflação no ano que vem. A emenda acabou rejeitada.

“Eu acho que a emenda foi pedagógica, apenas para deixar claro que haverá aumento de despesa pública”, justificou Maia. “Eu acho que essa é a nossa intenção, nós que somos contra a criação do tribunal, respeitamos a posição da maioria. Mas ficou claro que haverá aumento de despesa pública no próximo ano com a criação do tribunal”. Um tribunal para os mineiros chamarem de seu.

O ministro Noronha é mineiro. A criação do TRF-6 foi aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça no ano passado. Assim ele imagina despedir-se em grande estilo da presidência do tribunal. Contou com a ajuda do presidente Jair Bolsonaro. Noronha e Bolsonaro tornaram-se amigos. Noronha atendeu aos interesses do governo em 87,5% das decisões individuais que tomou.

Foi dele, por exemplo, a liminar que desobrigou Bolsonaro a apresentar exames de coronavírus. Foi dele também a liminar que concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar. Os dois são investigados no caso da ‘rachadinha’ no gabinete do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Noronha diz que não haverá custos com a criação do TRF-6.

É desmentido por um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo análise feita pelo órgão em 2013, a criação de um tribunal em Minas Gerais custaria R$ 272 milhões (em valores da época). O projeto aprovado na Câmara terá que ser votado pelo Senado antes de ir à sanção de Bolsonaro. Espera-se que o Senado não seja tão irresponsável quanto foi a Câmara.

Guedes terá de inventar um outro desenho para o seu "socialismo da pobreza"


Presidente Jair Bolsonaro discursa em Ipatinga, em Minas, e manda seu ministro da economia para a frigideira - Marcos Correa/Agência O Globo

Até a semana passada, Paulo Guedes prometia o "Big Bang" econômico, nada menos do que a explosão que deu origem ao Universo. Trata-se de um estilo. E a modéstia não é a praia dele faz tempo. Como é mesmo a conversa do fim de 2018? O Brasil teria sido governado 30 anos pela social-democracia, pela centro-esquerda, um modelo econômico que corrompeu a política... E teria chegado, então, a hora da aliança entre os liberais, que o ministro julga representar, e os conservadores, de que Jair Bolsonaro seria a expressão...

Como diria o nosso presidente, deu "nisso daí".

O Big Bang juntaria tudo ao mesmo tempo agora, atendendo, então, à revolução liberal e também à recém-conversão de Bolsonaro ao, digamos, social-eleitoral. Mas com que dinheiro? Bem, essa é a pergunta que não quer calar e que não tem resposta porque, por ora, dinheiro não há.

Nesta quarta, o ministro foi desmoralizado em praça pública pelo presidente. Suponho que, nesta quinta, venha um afago. Ontem, os mercados pioraram um pouco. Se Bolsonaro disser daqui a pouco: "Ah, o Guedes fica". Aí eles melhoram. Até quando? Ah, meus caros, sei lá eu.

O fato é que o subiu no palanque em Ipatinga, em Minas, e entregou seu ministro da Economia às cobras. Ao anunciar que havia suspendido o lançamento do tal programa econômico-social, o presidente mandou ver:
"A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos".

Ele se referia ao fato de que Guedes até aceitava elevar o tal programa Renda Brasil para perto dos R$ 300 — talvez R$ 270 —, mas, para tanto, precisava enfiar a mão no bolso dos próprios pobres. Dançaria, por exemplo, o abono salarial, que o presidente lembrou que chega a 12 milhões de pessoas. O guedismo até espalhou na imprensa que esse é benefício que também ricos recebem porque leva em conta o ganho de uma pessoa — até dois mínimos —, não a renda da família.

Quando se começa a chamar de "rico" quem ganha até dois mínimos porque, afinal, a sua família etc. e tal, podem acreditar: esse governo está com problema.

Não é só o abono salarial, não. Na conta de Guedes está uma outra proposta moralmente dolosa: acabar com o Farmácia Popular, o que condenará idosos à morte porque não terão como comprar hipertensivos e remédios contra o diabetes, hoje distribuídos de graça. Também dançaria o seguro-defeso e outro penduricalhos. Como escrevi aqui, eis o verdadeiro socialismo da pobreza: tira de pobre para dar aos pobres. Nas palavras de Bolsonaro, que me plagiou, tira do pobre para dar aos paupérrimos.

O presidente experimenta os benefícios da elevação da popularidade por causa do auxilia emergencial. Não quer perder isso. Por alguma razão, Guedes achou que ninguém perceberia onde estava o pulo do gato da ampliação do Renda Brasil, que o presidente cobra dele. Não seria mais honesto dizer: "Olhe, não há dinheiro e pronto! Não posso fazer mágica". E assim não se ameaçariam os velhinhos com a falta de remédios, não é mesmo?

Acreditem: o Farmácia Popular é um dos programas sociais de maior alcance o país. Atendeu a 21 milhões de pessoas no ano passado. A um custo, quando se considera o gigantismo da máquina, ridículo: R$ 2,5 bilhões. Falar em cortar esse benefício é coisa de mente perversa.

O estoque de maldades que antecede a criação do universo de Guedes não para por aí. O presidente quer R$ 300 no tal Renda Brasil? Então a classe média terá de abrir mão, diz o ministro, das deduções no Imposto de Renda de parte dos gastos com saúde e educação. Vai doer, se acontecer, no bolso do que eu chamaria de coração do eleitorado... bolsonarista.

E aí vêm as contas um tanto malandras. É verdade: os chamados 10% mais ricos do Brasil capturam, segundo o Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris, 55% da renda. Acontece que o 1% dos super-ricos (1.4 milhão de adultos) — ficam com mais da metade: 28,3%. Já os 50% mais pobres (71,2 milhões) têm de se contentar com 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. Vale dizer: 71,2 milhões ficam com menos da metade do que levam 1,4 milhão de adultos.

Duvido um pouco que Bolsonaro conheça esses números no detalhe. Mas alguma percepção há de ter, já que pretende disputar a reeleição. Dado esse quadro, soa essencialmente imoral e, certamente, é politicamente explosivo querer tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Guedes terá de inventar outro desenho para seu socialismo da pobreza.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Advogado da família Bolsonaro é investigado pelo MPF do Rio




Frederick Wassef Foto: Bruno Santos/Folhapress

O escritório de advocacia Wassef & Sonnenburg Sociedade de Advogados e o próprio advogado Frederick Wassef, que atuou em diferentes casos para a família Bolsonaro, está sendo investigado em um procedimento do Ministério Público Federal do Rio. As informações constam de um relatório do Conselho do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), obtido pelo GLOBO, e enviado para o Ministério Público Federal no Rio, Ministério Público do Rio e para a Polícia Federal há pouco mais de um mês, em 15 de julho.

No documento, o Coaf descreve que "Wassef & Sonnenburg Sociedade de Advogados e Frederick Wassef são alvos de procedimento de investigação criminal por suspeita de peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Maria Cristina Boner Leo e Bruna Boner Leo Silva também são investigadas". O GLOBO apurou que a investigação tramita no âmbito do Ministério Público Federal do Rio, mas não possui relação o caso das rachadinhas do MP-RJ, onde Wassef defendia o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) até a prisão de Fabrício Queiroz, em junho. O objeto dessa investigação é mantido em sigilo.

No relatório, o Coaf cita ainda os pagamentos que o escritório de advocacia de Frederick Wassef no período de 2015 a 2020. Segundo o documento, as duas contas da Wassef & Sonnenburg Sociedade de Advogados receberam créditos em um total de mais de R$ 20 milhões.

"A movimentação a crédito totalizou R$ 20.296.726,00 composta principalmente por teds, docs, transferências, depósitos em cheque, com destaque para a JBS S.A que, segundo informações, teria contratado o escritório para fazer a defesa de seu diretor jurídico e dos proprietários Joesley e Wesley Batista junto ao Supremo Tribunal Federal após o envolvimento da empresa na Operação Lava Jato", descreve o relatório. O pagamento de R$ 9 milhões da JBS foi revelado na semana passada pela revista Crusoé.

Além disso, nas contas do escritório de advocacia de Frederick Wassef, também foram registrados um pagamento de R$ 1,04 milhão da empresa Globalweb e outro para a empresa Maisdoisx Tecnologia em Dobro, que pertence à holding da Globalweb, no total de R$ 1,070 milhão no período que o relatório do Coaf abrange, de 2015 a 2020. O relatório aponta ainda que a conta do escritório foi abastecida em R$ 2,1 milhões pela Computsoftware Informática, empresa que vendeu uma Land Rover preta modelo 2009/2010 para o presidente Jair Bolsonaro em 2015. A Computsoftware Informática pertenceu a Maria Cristina Boner até pouco tempo atrás.

No relatório, o Coaf afirma ainda que a Wassef & Sonnenburg Sociedade de Advogados foi objeto de "comunicações de operações suspeitas motivadas principalmente por resistência ao fornecimento de informações acerca das movimentações havidas na conta da empresa consideradas incompatíveis com a atividade".

Maria Cristina Boner e Bruna Boner Leo Silva, fundadora e presidente do Conselho de Administração da Globalweb Outsourcing e sócia da holding, que possui contratos com o governo federal, disseram que não iriam se pronunciar. A Globalweb disse, por nota, que irá encaminhar requerimentos a todos os órgãos de controle para tomar conhecimento acerca de eventuais investigações em nome dos sócios e/ou das empresas. "Caso exista algum procedimento, a companhia apresentará sua defesa e vai provar que não há qualquer ilicitude nas transações efetuadas. Em relação ao referido advogado, ele atuou para a companhia há cinco anos”, informou a nota. Frederick Wassef afirmou que existe uma perseguição a sua pessoa pelos órgãos públicos do Rio de Janeiro com intenção de atacar a família Bolsonaro e que seu escritório atendeu a JBS em inquéritos policiais.

Globalweb

Na terça-feira, o GLOBO revelou que o advogado Frederick Wassef, que começou a atuar na representação da família Bolsonaro no fim de 2018, recebeu em sua conta pessoal repasses de R$ 2,3 milhões, entre dezembro daquele ano a maio de 2020, de Bruna Boner Leo Silva, uma das sócias da Globalweb Outsourcing, empresa que tem contratos com o governo federal. Bruna é filha de Maria Cristina Boner Leo, ex-mulher do defensor, além de fundadora e presidente do Conselho de Administração da companhia.

Em junho, o GLOBO já havia mostrado que o governo federal suspendeu em 15 de março do ano passado uma multa de R$ 27 milhões aplicada a um consórcio de empresas contratado em 2014, mas que não entregou os serviços previstos pela Dataprev, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência, vinculada ao Ministério da Economia. Entre os membros do consórcio multado está a Globalweb Outsourcing. O portal Uol mostrou ainda que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a holding obteve novos contratos em um total de R$ 53 milhões.

Também na gestão de Bolsonaro, a empresa obteve dois aditivos em outro consórcio junto à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação, em um contrato questionado pela Controladoria-Geral da União (CGU) — uma auditoria do órgão apontou prejuízo na ata de preços em que ele estava baseado. Após os aditivos, o valor final do negócio chegou a R$ 37,4 milhões, segundo o Portal da Transparência.

Além disso, O GLOBO revelou ainda que Wassef fez um pagamento de R$ 10,2 mil para o médico Wladimir Alfer, o mesmo que atendeu Fabrício Queiroz em dezembro de 2018 no início do tratamento de câncer no intestino e que foi descoberta quando o escândalo das rachadinhas se tornou público.

Antes de publicar a reportagem, O GLOBO procurou Frederick Wassef e ele não retornou aos contatos da reportagem para falar sobre o pagamento. Horas depois, em entrevista à revista Veja, ele disse que o repasse para o urologista se deu depois de um atendimento para ele. "Estive internado no Hospital Albert Einstein ano passado, submetido a uma anestesia geral, e foi feita uma biópsia na minha bexiga, para se constatar se eu estava com um novo câncer ou não. E o médico que procedeu a esse procedimento sério, invasivo, foi o doutor Wladimir Alfer", afirmou Wassef, ao dizer que o exame ocorreu em setembro do ano passado.

O Globo

Bolsonaro ergue sua lona eleitoral sem bilheteria


Estelionato eleitoral: Bolsonaro mente sobre número de ministérios ...

A pandemia deu a Jair Bolsonaro um sentimento de urgência eleitoral. O presidente se deu conta de que, a essa altura, a satanização do petismo perdeu a importância. Foi convencido de que precisa oferecer duas coisas se quiser obter a reeleição: resultados práticos e esperança. Em vez de reinventar a roda, tenta colocar em movimento rodas já existentes. Para apagar da memória do eleitorado o vermelho que sempre estigmatizou, pinta tudo de verde e amarelo. E reembrulha para presente, com laços de fita, o Minha Casa Minha Vida. Fará o mesmo com o Bolsa Família, já rebatizado de Renda Brasil.

A prática não é nova. O próprio Bolsa Família é uma junção de programas criados na gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso. O que interessa é saber se a maquiagem resultará em vantagens efetivas para a clientela pobre. A medida provisória que institui a versão bicolor do Minha Casa Minha Vida traz pelo menos três novidades alvissareiras: reduz a taxa de juros de 5% para até 4,25%. Juros subsidiados. Quem subsidia é o próprio trabalhador, cujo dinheiro depositado no FGTS receberá uma remuneração menor. O governo oferece a possibilidade de renegociação de dívidas em atraso. E abre a perspectiva de regularização de moradias urbanas cujos proprietários não dispõem de escritura.

A estratégia de Bolsonaro mudou. Antes, tudo no governo estava condicionado à agenda de reformas econômicas de Paulo Guedes. Agora, a prioridade de Bolsonaro é reformar o ministro da Economia, forçando-o a ajustar seu plano à nova prioridade do Planalto, que são os programas sociais. Bolsonaro tenta transformar a pandemia em trampolim eleitoral. E não hesita em aplicar programas sociais de adversários. Repete mágicas que já se mostraram eleitoralmente rentáveis.

Paulo Guedes costuma dizer que, nos governos tucanos e petistas, o Brasil foi aprisionado por um esquerdismo social-democrata. Ele disse que libertaria o país dessa prisão. No momento, o ministro tenta evitar que o populismo de resultados de Bolsonaro aprisione o seu liberalismo, até aqui mais presente no gogó do que na vitrine. Guedes se esforça para mostrar a Bolsonaro que, sem bilheteria não há circo. O presidente ergue sua lona eleitoral antes de garantir a sustentabilidade fiscal do espetáculo.


Por Josias de Souza

'Proteção' do TSE aos negros é convite à fraude


Divulgação

Grandes problemas costumam inspirar soluções muito simples. E erradas. A pretexto de combater o racismo na política, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu impor aos partidos a divisão proporcional das verbas do fundo eleitoral entre candidatos negros e brancos. Coisa para 2022.

O feitiço tem tudo para acabar enfeitiçado, pois a novidade chega marcada por duas urucubacas: 1) Cabe aos parlamentares, não aos ministros do TSE, tomar esse tipo de decisão; 2) A bondade dos magistrados vira fantasia quando confrontada com a realidade dos partidos políticos —organizações oligárquicas operadas com uma lógica cartorial.

Entre o fantasioso e o real, o conceito de "bom" ganha múltiplos significados. Para o TSE, bom é impedir que os partidos prejudiquem os negros no rateio do tempo de propaganda e do orçamento eleitoral. Para os oligarcas que mandam na política, bom mesmo será encontrar negros que topem lançar candidaturas de fancaria, fraudando as boas intenções do TSE.

Os partidos já dispõem de experiência na matéria. Adquiriram-na administrando a cota feminina. Obrigadas a reservar 30% de suas candidaturas às mulheres, várias legendas lançaram candidatas de mentirinha para que os donos das agremiações utilizassem a verba pública do fundo eleitoral como bem entendessem.

A fuzarca virou caso de polícia. Há na Esplanada um ministro enrolado num escândalo de candidaturas laranjas em Minas Gerais: Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo. O PSL, partido do ministro, foi a logomarca que mais ficou exposta nas manchetes. Mas a esculhambação é pluripartidária.

Na prática, a suposta proteção do TSE aos candidatos negros começa a ser vista como um convite à fraude. Mais uma.

Por Josias de Souza

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Senado aprova por unanimidade PEC para Fundeb ser permanente


Senado aprova em 1º turno PEC que torna Fundeb permanente e eleva ...

O Senado aprovou por unanimidade, nesta terça-feira (25), a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera regras e torna permanente o Fundeb - fundo que financia a educação básica.

O texto foi aprovado com o mesmo teor já aprovado na Câmara dos Deputados, no mês passado. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deve promulgar a emenda já nesta quarta (26) em uma sessão do Congresso marcada para as 11h.(...)

Leia íntegra no G1.

Bolsonaro pede ao Congresso R$ 575 milhões para setores naval e aéreo


Bolsonaro pede a Congresso crédito de R$ 575 milhões a setores ...

O presidente Jair Bolsonaro enviou nesta terça-feira (25) dois projetos de lei ao Poder Legislativo que solicitam a abertura de crédito especial de R$ 575 milhões para os setores naval e aéreo.

A primeira medida, publicada no "Diário Oficial da União", pede um aporte suplementar de R$ 500 milhões neste ano para a Infraero e para as Companhias Docas do Ceará, Espírito Santo, Bahia, Pará e Rio Grande do Norte.

O objetivo, de acordo com a iniciativa, é assegurar o desempenho operacional e a conclusão de projetos prioritários para este ano. A suplementação será custeada com recursos do Tesouro Nacional.(...)

Leia íntegra na Folha.

Não há cura para os médicos que foram ao Planalto defender a cloroquina


Reprodução

Foi com enjoo que li o que segue abaixo, na Folha:

Além de insistirem no uso de cloroquina para a Covid-19 mesmo sem comprovação científica, médicos bolsonaristas que estiveram com o presidente nesta segunda (24) sugeriram a ele incluir o medicamento no programa Farmácia Popular, que oferece remédios com valores reduzidos ou gratuitos, bancados pelo governo. O objetivo é dar acesso aos mais pobres, passando por cima de diretrizes de estados e municípios que hoje vedam seu uso indiscriminado nas redes públicas contra a doença.

Os médicos estiveram no Palácio do Planalto para o evento "Brasil Vencendo a Covid-19", que foi uma apologia do uso do medicamento. A prescrição vai no sentido contrário dos estudos recentes mundo afora.

Uma das participantes do movimento, a médica Raíssa Oliveira falou na cerimônia e chamou o remédio de "nossa linda e velha cloroquina". Ela disse também que a população não precisa mais se desesperar com o coronavírus, ao defender o uso do medicamento.

O pleito chega em um momento de baixa do Farmácia Popular --o Ministério da Economia avalia eliminar o programa, que custa R$ 2,5 bilhões por ano, para financiar o Renda Brasil. O discurso é que o benefício atende mais aos ricos do que aos pobres.
(...)

RETOMO
Bem, dizer o quê?

Em boas democracias, esses médicos estariam encrencados junto ao conselho que trata da profissão. Não por aqui. Tanto o Conselho Federal de Medicina como a Associação Médica Brasileira escolheram, na prática, o caminho da omissão, o que abre caminho para mistificadores.

Imagine, leitor, você diante do seu médico. Depois de examiná-lo e discorrer sobre o seu mal, o doutor lhe recomenda um suco diário de jiló com quiabo. Em jejum! O amargor de um se junta à baba do outro em seu suposto benefício. E você pergunta: "Mas está provado que isso faz bem?" Ele então responde: "Não! Mas não há alternativa".

É claro que você deve sair correndo.

E olhem que o exemplo não é exatamente bom porque desconheço efeitos colaterais decorrentes de uma dieta com jiló e quiabo. Talvez até seja revigorante... Não é o caso da cloroquina, que está longe de ser irrelevante para o organismo. Estamos diante de uma estupidez política, diante da qual uma parcela dos médicos se calou em razão do alinhamento ideológico com o poder.

E outra foi ao palácio coonestar uma farsa negacionista.

Pior: os que sugerem que a cloroquina seja distribuída ou vendida por meio da chamada Farmácia Popular tentam driblar diretrizes de Estados e municípios.

O troço é tão asqueroso que, na prática, o que se está a fazer é pedir que o presidente incentive a população a aderir à automedicação. Para que isso salte para o uso preventivo do remédio, não custa nada.

Santo Deus! Lá estavam profissionais que são regidos por um Código de Ética. Mas quem deveria aplicá-lo? Ora, o omisso conselho profissional.

O Brasil vive, antes de mais nada, um pesadelo intelectual.

Se esse é o aparato reacional que tais médicos emprestam na relação com os pacientes, sou forçado a concluir que estes estão correndo um risco adicional, além daqueles associados à doença.

FIM DA FARMÁCIA POPULAR
A proposta, que me parece filo-homicida, pode não prosperar porque o governo está prestes a tomar uma decisão moralmente dolosa: extinguir o programa Farmácia Popular, que atende, entre remédios a baixo custo e gratuitos, a 21 milhões de pessoas.

Os R$ 2,5 bilhões destinados ao dito-cujo seriam garfados para ajudar a sustentar o tal Renda Brasil. Alguém dirá então: "Dará na mesma! Corta-se o remédio gratuito, mas mais gente terá a acesso ao Bolsa Família". É coisa de quem não conhece política social. Quem precisa dos recursos de um programa de renda para viver não terá dinheiro para, por exemplo, comprar remédios contra hipertensão e diabete, que hoje são distribuídos gratuitamente.

Uma das consequências seria o aumento da demanda por atendimento nos hospitais públicos em decorrência desses males. No caso da hipertensão, que é sorrateira e assintomática, a decisão pode ser verdadeiramente homicida. Sem o controle, proporcionado pelo remédio, o risco é haver um aumento de acidentes vasculares, por exemplo.

Isso, sim, deveria mobilizar os médicos que foram ao Planalto. Mas lá estavam para lamber os sapatos de Bolsonaro e para defender a, como mesmo?, "linda e velha" cloroquina.

Não há remédio para esse tipo de loucura.

Por Reinaldo Azevedo

Já passou da hora de Flávio virar réu, o que fará do seu pai um democrata




Flávio todo alegre no papel de vendedor de chocolates. A gente quase se convence de que é essa a sua real vocação, né? - Reprodução/Facebook
Flávio todo alegre no papel de vendedor de chocolates. A gente quase se convence de que é essa a sua real vocação, né? Imagem: Reprodução/Facebook

De vazamento em vazamento, as movimentações suspeitas nas contas do senador Flávio Bolsonaro e de sua incrível loja de chocolates correm o risco, daqui a pouco, de virar a não-notícia. Por que afirmo isso? Porque acho que é chegada a hora de oferecer a denúncia contra o agora senador por, no mínimo, peculato e organização criminosa. Só é preciso que se defina a questão do foro. Leiam o que informa o Globo:

As quebras dos sigilos bancários do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e da loja de chocolates da qual ele é sócio, na Zona Oeste do Rio, mostram coincidências entre datas de depósitos feitos de maneira fracionada, e em espécie, na conta do estabelecimento e retiradas feitas pelo próprio parlamentar.

Documentos do Ministério Público do Rio (MP-RJ) obtidos pelo Jornal Nacional, da TV Globo, indicam que, em ao menos três ocasiões, as transferências feitas por Flávio para sua própria conta pessoal envolveram valores redondos semelhantes aos que haviam sido depositados na conta da loja na mesma data ou poucos dias antes.

As datas coincidentes podem reforçar a tese defendida pelos promotores do MP que investigam o esquema de "rachadinha" no seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), enquanto era deputado estadual. Eles acreditam que a loja era utilizada como uma "conta de passagem" para camuflar a verdadeira origem de recursos injetados no negócio: os salários de funcionários nomeados pelo parlamentar.

De acordo com as informações obtidas pelo JN, a conta da Bolsotini Chocolates e Café recebeu 12 depósitos fracionados totalizando R$ 25.559, em 25 e 26 de janeiro de 2016. Seis operações de crédito envolveram entradas de valores semelhantes, de R$ 3 mil cada. No dia 27, Flávio movimentou R$ 25.555 em direção à própria conta.

O mesmo ocorreu em 21 de novembro de 2017, dessa vez com entrada e saída de recursos em um único dia. Foram depositados R$ 24.566 na conta da loja, por meio de 11 lançamentos fracionados — oito deles com o mesmo valor. Naquela mesma data, Flávio fez uma transferência de R$ 20 mil para si mesmo.

Novamente, em 18 de dezembro de 2017, a entrada e a saída de recursos coincidiram no extrato da loja. Houve 11 depósitos redondos, dez deles no valor de R$ 31 mil, totalizando R$ 35.724. No mesmo expediente bancário, foram transferidos R$ 30 mil para a conta do político.

No total, o MP encontrou registros de 54 transferências bancárias feitas por Flávio entre as reservas bancárias da loja e a dele. Ao todo, o filho do presidente Jair Bolsonaro transferiu R$ 978.225 entre 27 de março de 2015 e 30 de novembro de 2018(...)

RETOMO
A denúncia formal não põe fim às investigações, é evidente. Basta, para que seja recebida, que existam os indícios de crimes -- e eles abundam -- e de autoria: idem. É preciso pôr fim a essa fase de vazamentos de investigações pré-denúncia.

Tão logo se defina a questão do foro — e me parece inequívoco que o lugar de Flávio, de acordo com jurisprudência do Supremo, é a primeira instância —, é preciso que este senhor se torne réu.

O Ministério Público do Rio recorreu contra decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, que retirou o caso 27ª Vara Criminal, na primeira instância, e o enviou para o Órgão Especial do TJ-RJ, composto por 25 desembargadores. O relator no STF é o ministro Gilmar Mendes.

Não! Eu não estou querendo que Flávio vire réu só para que o presidente Jair Bolsonaro refine o seu, como direi?, apreço pela democracia. O Zero Um merece essa condição em razão de eventos como os narrados acima. E há uma penca deles.

Faço, em todo caso, uma aposta: tão logo Flávio seja oficialmente um réu, seu pai vai amansar o ímpeto autoritário. Diminuirá a vontade de chamar aqueles de que não gosta de "bundões". Ou de ameaçá-los com uma porrada na boca.

Por Reinaldo Azevedo

Decadência - Bolsonaro não tem capacidade para o cargo


Jair Bolsonaro no domingo em que ameaçou um jornalista de "porrada"

O que é mais grave, torcer para que o presidente morra de Covid-19 ou ameaçar alguém fisicamente? “Minha vontade é encher sua boca de porrada”, essa foi a reação do presidente Jair Bolsonaro ao ser perguntado por um repórter do Globo sobre as razões de sua mulher, Michelle, ter recebido R$ 89 mil de Fabricio Queiroz.

Já o colunista Hélio Schwartsnan escreveu um artigo na Folha de S. Paulo cujo título era “Por que torço para que Bolsonaro morra”. Por causa dele, o ministro da Justiça André Mendonça pediu à Polícia Federal que investigue o jornalista com base na Lei de Segurança Nacional, que define como crime “caluniar ou difamar os chefes dos três poderes federativos”.

Só que, pelo Código Penal, desejar a morte de alguém não é crime, nem de calúnia nem de difamação, enquanto a frase de Bolsonaro para o repórter pode ser considerada “crime de ameaça”, previsto no artigo 147 do Código Penal, que consiste no ato de “ameaçar alguém, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave”.

Mas essas considerações são apenas laterais, o que importa mesmo é que Bolsonaro não tem a menor capacitação para ser presidente da República. Em qualquer país do mundo poderia ter sido eleito presidente, casos dos Estados Unidos de Trump, ou primeiro-ministro, da Itália de Silvio Berlusconi, mas nenhum país sério do mundo aceitaria impassível a quebra decoro permanente, por atitudes, palavreado e mentiras, de seu presidente.

Crimes de responsabilidade em série já foram cometidos por esse autoritário, candidato a ditador. Bolsonaro simplesmente acha que o poder do presidente da República é ilimitado, não aguenta manter relações republicanas com as instituições, muito menos com a opinião pública.

Acha que não tem que dar satisfação a ninguém, que é absurdo perguntar a ele qualquer coisa, e que não tem que dar explicação para casos como esse. A pergunta do porquê de sua mulher Michele ter recebido R$ 89 mil do Fabricio Queiroz é absolutamente importante para sabermos o que está acontecendo no Brasil e naquela família, envolvida em falcatruas e corrupção de baixo calão, baixo nível.

Bolsonaro acha que pode dar esse tipo de resposta a uma pergunta totalmente cabível, que não tem nada de oposição. É um fato denunciado pela revista Crusoé e depois confirmado, com aditivos, pela Folha de S. Paulo que D. Michele recebeu R$ 89 mil do Queiroz. Tudo indica que esse dinheiro pode ser fruto da “rachadinha”, da qual ele e os filhos teriam se beneficiado, de acordo com as acusações do Ministério Público.

Absurdo ter que aceitar um presidente desse nível cultural e de educação baixíssimo, sem que haja uma reação forte da sociedade. Também aí a pandemia ajudou Bolsonaro, não somente com o auxílio emergencial de R$ 600, que ele queria que fosse de R$ 200. O Congresso está funcionando remotamente, e a população, constrangida pelo necessário distanciamento social, não pode se mobilizar para manifestações públicas de protesto.

A maior prova de que o país está decadente é Bolsonaro ser presidente. Agora ele se fortalece com ações populistas; quer aumentar o Bolsa Família, mas o país não tem dinheiro, está completamente quebrado. Brasil é um país decadente, à deriva, com um governo completamente fracassado.

Até a alta corrupção, que ele dizia combater, não combate nada. Demitiu o ministro Sérgio Moro, ajuda, incentiva o projeto de acabar e desmoralizar a Lava-Jato, e já houve várias denúncias de corrupção no governo.

No Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), houve uma compra bilionária de computadores que ninguém sabe quem autorizou. Edital que licitava a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks para a rede pública de ensino, gasto estimado de R$ 3 bilhões, teve que ser cancelado por tratar-se de uma grossa maracutaia.

Alunos de escolas públicas pelo Brasil receberiam mais de um computador, em alguns casos até cinco. Mas não era um programa social do governo, apenas uma manipulação de números para beneficiar alguém. O edital foi cancelado, mas ninguém foi punido.

Ontem, o verdadeiro Bolsonaro voltou à ação, com a grosseria e a selvageria que lhe são características. O “paz e amor”, que ficou quieto durante alguns meses com medo da prisão do Queiroz, era fake.

Por Merval Pereira

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Bolsonaro expressa vontade de sempre: encher de porrada boca da democracia


Jair Bolsonaro entre ambulantes em frente á Catedral de Brasília: porradas na democracia - Pedro Ladeira/Folhapress
Jair Bolsonaro entre ambulantes em frente á Catedral de Brasília: porradas na democracia
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

"Tenho vontade de encher a tua boca com uma porrada, tá?"

Eis aí. Assim o presidente Jair Bolsonaro respondeu a uma pergunta legítima, correta e necessária, feita por um jornalista de O Globo, que queria saber como ele explicava os depósitos feitos na conta da agora primeira-dama, Michelle Bolsonaro, por Fabrício Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar. Consta que a indagação foi sobre R$ 89 mil.

Só para lembrar: segundo apuração da Folha, são, na verdade, R$ 93 mil. Queiroz depositou na conta de Michelle 12 cheques de R$ 3 mil de outubro de 2011 a abril de 2013 e 10 cheques de R$ 4 mil de abril a dezembro de 2016, totalizando R$ 76 mil. Márcia, por sua vez, repassou, de Janeiro a junho de 2011, cinco cheques de R$ 3 mil e um cheque de R$ 2 mil, totalizando 17 mil.

O presidente havia parado para fazer uma visita a ambulantes da Catedral de Brasília. Inicialmente, ele tentou responder fazendo uma pergunta retórica sobre as supostas operações com dólares feitas pela família Marinho, dona do grupo Globo, por intermédio do doleiro Dario Messer.

Para lembrar. Segundo apurou a revista "Veja", Messer afirma, em sua delação, acertada com a Lava Jato do Rio, que, durante a década de 90, emissários seus entregaram a membros da família Marinho, dona das Organizações Globo, quantias que variavam entre US$ 50 mil e US$ 300 mil. Os destinatários seriam João Roberto Marinho e Roberto Irineu Marinho. Segundo seu depoimento, as remessas eram entregues duas ou três vezes por mês na sede da TV Globo. Em nota oficial, a família nega as acusações e alega que o doleiro não apresentou provas. Voltemos.

O repórter insistiu na pergunta. E foi então que Bolsonaro voltou aos velhos costumes. O episódio fez com que jornalistas dos mais diversos veículos fossem ao Twitter para repetir a mesma pergunta. Associações ligadas à defesa da liberdade de imprensa, dos direitos humanos e do estado democrático e de direito emitiram notas de protesto.

Fazia tempo que Bolsonaro não oferecia, para lembrar uma personagem da revolução francesa durante bate-boca com um desafeto, um copo de sangue a seus canibais. Eles deveriam estar com muita sede, já em síndrome de abstinência.

Por que uma resposta como essa? Bem, em primeiro lugar, porque ele não pode falar a verdade, certo? Vai dizer o quê? A única versão que esboçou já foi desmoralizada pelos fatos. Teria feito um empréstimo de R$ 40 mil a Queiroz — entendeu-se que em dinheiro vivo —, e o ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro estaria devolvendo o dinheiro, depositando parte na conta da mulher do presidente.

A versão vale não uma nota de R$ 200, que o governo vai criar, mas uma outra, falsa, de R$ 3. Os valores, como vemos, vão bem além daquilo que o presidente teria emprestado.

A fala ameaçadora e violenta expõe apenas o Bolsonaro de sempre. Ou alguém acha que ele se converteu à democracia do dia para a noite? Enquanto imaginou que um autogolpe era possível, era esse o padrão. Quando percebeu que não haveria aventura militar e que a situação de Queiroz se complicava, com o impeachment surgindo no horizonte, viu-se um Bolsonaro light.

Como efeito do auxílio emergencial e de sua postura mais cordata, sua popularidade cresceu. De resto, embora longe de uma relação pacificada e profissional, o presidente tem hoje mais interlocutores no Congresso do que jamais teve. É bem possível que Bolsonaro considere que mal nenhum mais pode atingi-lo e que ele pode voltar a tratar a imprensa aos chutes e a se comportar como um depredador de instituições.

Não há nenhum motivo razoável para acreditar que ele tenha mudado de visão e perspectiva da noite para o dia. Sabe que o assunto é delicado e que ele e a família não têm como explicar o que, afinal, não tem explicação no mundo das leis. Só a franquia da loja de chocolates Kopenhagen, de que Flávio Bolsonaro é dono, recebeu 1.512 depósitos em dinheiro coincidentes com o tempo em que Queiroz atuava no gabinete do então deputado estadual, recebendo parte do salário dos funcionários, o que ele próprio admite.

Sabem o que vai fazer aumentar ou diminuir a vontade que tem Bolsonaro de encher a boca da democracia de porrada? O tamanho da impunidade. Quanto mais perto dela estiver a família, maiores serão as agressões à institucionalidade.

Não podendo abrir a boca para falar a verdade, o presidente que encher de porrada a boca alheia, que lhe faz perguntas verdadeiras.

Por Reinaldo Azevedo