quarta-feira, 31 de maio de 2023

Mercedes-Benz espionou trabalhadores para a ditadura, mostram documentos


Operários caminham em pátio da Mercedes durante greve em 1981 - Arquivo Folhapress

A Mercedes-Benz do Brasil colaborou com a repressão da ditadura militar e espionou ativistas sindicais e funcionários nas décadas de 1970 e de 1980 na fábrica em São Bernardo do Campo, mostram documentos inéditos com o logotipo do Departamento de Ordem Política Social (Dops) que contêm a expressão "Fonte: Mercedes Benz".

De acordo com os registros, o setor de segurança da empresa recolheu e repassou informações sobre atividades sindicais e também pessoais dos metalúrgicos. Há ainda relatórios do Serviço de Informações da Aeronáutica (Cisa).

A Mercedes-Benz do Brasil não respondeu aos questionamentos da reportagem. Em nota, afirma que já foram conduzidas várias investigações internas sobre a possível colaboração da empresa com a ditadura no Brasil. "Até o momento não identificamos qualquer evidência de suporte da empresa para o regime militar", diz o texto. "Diante disso, não temos nada a comentar."

Nos arquivos confidenciais do Dops foram registrados planos dos sindicalistas e trabalhadores sobre greves, as principais reivindicações salariais e reclamações sobre condições de trabalho. A comunicação da empresa também revela nomes, cargos, seções de trabalho e endereços residenciais de seus próprios funcionários.

Um relatório sobre reunião realizada às 19h de 15 de janeiro de 1980, também confidencial e com a montadora apontada como a fonte, mostra que a espionagem realizada pela vigilância da Mercedes ocorria até mesmo dentro do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, onde atuava o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"A mesa estava composta dos líderes sindicais: Sr. Djalma [Bom, líder sindical e funcionário da Mercedes]; Sr. Cláudio Rosa; Sr. Juraci; Um representante de Santo André. Obs.: O Sr. Lula não estava presente", diz um trecho.

"Lembro que, numa reunião que estávamos fazendo no terceiro andar do sindicato com uns 60 trabalhadores, apareceu a informação de que havia um guarda da segurança da Mercedes lá dentro com a gente. Chegamos a visualizar ele, mas não queríamos problemas. Suspendi a reunião e, quando voltamos, esse segurança não estava mais lá", conta Djalma Bom.

O ex-líder sindical participou das greves em 1978, 1979 e 1980. Foi preso pelo Dops em abril de 1980 e ficou 31 dias detido. Foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional por incitação à greve.

A infiltração de seguranças da empresa nos encontros de trabalhadores era conhecida dos ativistas. Muitas vezes as lideranças indicavam data e horário errados de assembleias para despistar os espiões.

"A gente tinha duas reações quando descobria esses bate-paus. A primeiro era de medo. A outra era passar informação errada", afirma Moisés Seleges, atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que ingressou no quadro de funcionários da Mercedes em 1984.

Também com o timbre "Fonte – Mercedes Benz", outro relatório, de 12 de março de 1980, reproduz falas de Lula em uma assembleia de trabalhadores em frente ao portão da Mercedes.

"Utilizando-se de um Volkswagen branco com alto falantes, revezavam-se no uso da palavra diversos diretores do sindicato, Juraci, Djalma e Lula, que convocaram o pessoal para não entrar na fábrica e ouvir a diretoria do sindicato. A tônica principal dos discursos foi a convocação dos mensalistas da MBB para a assembleia que será realizada no próximo domingo, às 10h, no Estádio de Vila Euclides, quando será discutida a campanha salarial de 1980", diz o texto.

A fala de Djalma Bom nessa assembleia também foi registrada: "Djalma fez críticas à MBB, por ter aberto os portões mais cedo, dizendo que era devido à presença do sindicato... Criticou também a política do governo de combate à inflação, chamando inclusive o ministro Delfim Neto de ladrão do povo e protetor das multinacionais. Criticou a MBB afirmando que ela está ficando cada vez mais rica, comprando áreas de terreno à sua volta e montando nova fábrica, sem contudo importar-se com seus empregados."

"Havia um funcionário da empresa que ficava gravando tudo através de uma janela do prédio que fica em frente ao pátio onde eram realizadas as assembleias", diz Moisés Seleges.

Os documentos confidenciais incluem relatório reservado do Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo (Degran) com informe enviado ao delegado-chefe do Dops, Romeu Tuma. Trata de pichação encontrada em banheiro da fábrica em São Bernardo do Campo.

Assinado por Firmino Pacheco Netto, o texto diz que, no banheiro dos mestres na "Firma Mercedes Benz do Brasil, foram encontrados os dizeres abaixo, escritos em giz numa das paredes: O banheiro é um lugar de meditação, portanto reflita. O regime atual do nosso governo comparado nas devidas proporções lembra muito a ‘escravidão’. Trabalhadores sem lucros, somos subnutridos devido à inflação vigente no país. Mostremos a oposição, votando no MDB e fazendo greve".

Edilson Ferreira da Silva, que esteve na montadora entre 1974 e 2007 e participou ativamente das greves, relata que os seguranças da empresa "fechavam os armários dos operários e controlavam qualquer movimento. Até mesmo as idas ao banheiro".

Djalma Bom diz que o chefe do setor de segurança da empresa era o major do Exército Saturnino Franco. "Era um homem de estatura baixa e gordo. Mantinha rígida disciplina entre os seguranças, que vestiam farda azul, quepe e coturno".

Segundo Cláudio Rosa, sindicalista que trabalhou na empresa de 1975 a 1980, "a repressão era forte em todos os setores e com os dirigentes do sindicato. Sempre tinha o pessoal da segurança nos seguindo a uma certa distância em qualquer atividade nossa lá dentro".

Rosa foi detido duas vezes enquanto distribuía o jornal do sindicato na porta da fábrica, e levado a uma delegacia em São Bernardo do Campo. Em maio de 1980, após o falecimento de Eurídice Ferreira de Mello, a dona Lindu, mãe do presidente Lula, Rosa foi levado ao Dops na capital. Passou por interrogatório com Romeu Tuma. Acabou demitido em 30 de maio.

Entre os diretores da empresa estava outro militar, o general Adalberto de Queiroz. Era irmão do marechal Adhemar de Queiroz, ministro do Exército no fim do governo Castello Branco.

"O general Adalberto de Queiroz fazia a interlocução entre as direções da empresa e do sindicato. Já a função dos seguranças não era só de zelar pelo patrimônio da Mercedes. Era patrulhar o que os trabalhadores faziam. As fábricas no ABC eram verdadeiros quartéis", aponta Bom.

"O Queiroz era vice-presidente da Mercedes quando entrei lá em 1976. Foi indicado pelo governo militar", afirma Tarcísio Secoli, ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos.

Aliança da Volkswagen com militares gerou indenização de R$ 36,3 milhões a ex-funcionários

Em setembro de 2020, a Volkswagen assinou acordo extrajudicial assumindo sua colaboração e aliança com os militares na fábrica em São Bernardo do Campo durante a ditadura.

O acordo gerou uma indenização de R$ 36,3 milhões aos ex-funcionários presos, perseguidos, espionados e torturados dentro da própria empresa.

Ação judicial semelhante à impetrada contra a Volks pode ser proposta por representantes de trabalhadores da Mercedes-Benz.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) cita duas vezes a Mercedes em seu relatório final. Na primeira é relatada a prisão de operários da Volkswagen e da Mercedes, em 1972. "Foram presos no mesmo episódio mais de 20 metalúrgicos, a maioria da Volkswagen e o restante da Mercedes" e outras empresas do ABC.

A outra situação coloca a companhia no grupo empresarial que financiou a formação da Operação Bandeirante (Oban) em 1969, antecessora do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna), centro de detenção e tortura em São Paulo.

"O respeito e a preservação dos direitos humanos é ponto central para companhia", afirmou a assessoria da Mercedes na nota em que disse que não tinha comentários a fazer sobre a espionagem durante a ditadura.

Guerra em Alagoas com Renan faz Arthur Lira jogar bruto contra Lula




Fidagal vem de fígado, ensinam os dicionários. A palavra dá uma ideia de como Lira encara Renan, pai, mas se aplica também ao modo como os Renans o encaram. É uma luta de vida e ou morte política que travam no Estado, com Lira em desvantagem até aqui.

O atual governador foi eleito pelos Calheiros – Paulo Suruagy do Amaral Dantas. O prefeito de Maceió é aliado de Lyra – João Henrique Caldas (PL), candidato à reeleição. Maceió foi a única capital do Nordeste onde Bolsonaro venceu em 2018 e 2022.

Lira manda na Câmara, Renan, pai, é apenas influente no Senado. Mas, a partir de meados de 2023, ano de eleições municipais, Lira mandará menos porque o Congresso se esvaziará com a migração para os Estados de deputados e senadores.

Então, ou ele se fortalece mais desde já junto ao governo federal, ou chegará ao próximo ano em uma desvantagem muito maior em relação aos seus adversários em Alagoas. Daí a pressão que está pondo em cima de Lula. Ou vai ou racha. É vida ou morte.

Com oito palavras, Boric desmontou discurso de Lula sobre Venezuela


O chileno Gabriel Boric em encontro bilateral com Lula em Brasília

Gabriel Boric tem 37 anos. É o presidente mais jovem da América do Sul. Quando nasceu, em fevereiro de 1986, Lula já iniciava sua segunda campanha. Nove meses depois, seria eleito o deputado mais votado da Assembleia Constituinte.

A julgar pela experiência de cada um, o brasileiro teria lições a dar ao chileno. Não foi o que ocorreu na cúpula de ontem em Brasília. Diante de uma dúzia de chefes de Estado, Boric desmontou o discurso de Lula sobre a Venezuela. Ao fim do encontro, resumiu a questão em oito palavras: “Não é uma construção narrativa. É uma realidade”.

Lula acertou ao restabelecer relações diplomáticas com Caracas. Em seguida, errou feio ao relativizar o autoritarismo no país vizinho. Nicolás Maduro sufocou a oposição, amordaçou a imprensa e produziu um êxodo de 7 milhões de refugiados. Seus abusos foram documentados pelas Nações Unidas e são investigados no Tribunal Penal Internacional, que apura crimes contra a Humanidade.

O presidente sabe de tudo isso, mas preferiu apresentar o aliado como vítima de “narrativas”. “O preconceito contra a Venezuela é muito grande”, disse. “Nossos adversários vão ter que pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela”, emendou.

Boric não foi o único a contestar as declarações de Lula. Os presidentes de Uruguai, Paraguai e Equador também usaram a cúpula para condenar o regime de Maduro. A crítica do chileno chamou mais atenção porque ele é um político de esquerda. Apesar disso, recusou-se a fazer vista grossa aos desmandos na Venezuela.

Ontem Lula teve uma chance de se corrigir, mas insistiu em negar os fatos. Ainda cobrou respeito à “soberania” venezuelana, como se criticar um autocrata fosse equivalente a desacatar o país que ele subjuga.

O petista alegou que não pode avaliar a situação no país porque não pisa lá há dez anos. Bastava ler o relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, assinado por outra socialista chilena. No texto, Michelle Bachelet empilha casos de “detenções arbitrárias, maus-tratos e tortura” contra críticos de Maduro.

Lula envergonha o Brasil




O presidente Lula da Silva envergonhou o Brasil de uma maneira como poucas vezes se viu nos últimos tempos – e olhe que o País passou muita vergonha durante o mandato do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro. Depois de estender o tapete vermelho para Nicolás Maduro, pária mundial por razões óbvias, o petista declarou que o tirano venezuelano é um governante legitimamente eleito e que a Venezuela, portanto, é uma democracia exemplar.

Na opinião de Lula, todas as inúmeras denúncias de violações de direitos humanos, de manipulação das eleições e de perseguição a dissidentes e jornalistas naquele país não passam de “narrativa que se construiu contra a Venezuela”. Lula então sugeriu ao “companheiro Maduro” que “construa a sua narrativa”, que “será infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”.

“Eles”, no caso, são os “nossos adversários”, conforme Lula chama aqueles que “vão ter que pedir desculpas pelo estrago que eles fizeram na Venezuela”. Encabeçam essa lista os Estados Unidos e a União Europeia, que impuseram sanções contra o regime chavista por conta das atrocidades cometidas por Maduro. Na “narrativa” de Lula, americanos e europeus simplesmente “não gostam” de Maduro, por puro “preconceito”, e por isso resolveram inviabilizar o governo chavista – e as agruras dos venezuelanos, com hiperinflação, escalada da miséria e da fome e êxodo de 7 milhões de cidadãos em poucos anos, seriam resultado das sanções internacionais, e não da ruína do país promovida pelo chavismo.

Não há dúvidas de que o Brasil deveria restabelecer relações com a Venezuela, grosseiramente rompidas, por razões puramente ideológicas, pelo governo Bolsonaro. Exportamos para o vizinho cerca de US$ 1 bilhão e importamos quase US$ 500 milhões. Ambos compartilham mais de 2 mil km de fronteira na Região Amazônica, delicada tanto do ponto de vista ambiental quanto em razão do narcotráfico. Cerca de 20 mil brasileiros vivem na Venezuela, e, entre imigrantes e refugiados, há mais de 300 mil venezuelanos no Brasil.

Nada disso significa, no entanto, que o Brasil deva ignorar que a Venezuela é hoje talvez a mais violenta ditadura da América Latina, só rivalizando com a da Nicarágua – outro país governado por um “companheiro” de Lula, o ditador Daniel Ortega. Não se espera que Lula saia por aí a denunciar os crimes desses tiranos, mas se espera, sim, que ele não insulte a inteligência alheia nem os venezuelanos que padecem horrores sob as patas de Maduro ao declarar que na Venezuela vigora uma democracia plena e que, por isso, Maduro é governante legitimamente eleito. Em relatório recente, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU informou que “os serviços secretos militares e civis do Estado venezuelano funcionam como estruturas efetivas e bem coordenadas na implementação de um plano orquestrado no mais alto nível do governo para reprimir dissidências através de crimes contra a humanidade”. Eis aí a “narrativa” que Lula pretende denunciar.

É difícil saber o que governou a decisão de Lula de afagar Maduro dessa maneira indecente. Ao fazê-lo, o presidente desqualificou o Brasil como eventual mediador entre Maduro e a oposição nas negociações para a distensão do regime. Ademais, internamente, o gesto de Lula tende a implodir de vez a fragilíssima “frente ampla” que o elegeu e com a qual prometeu governar, algo incompreensível diante da necessidade premente de construir governabilidade.

Nada disso parece importar para Lula. Em seus delírios, a Venezuela voltará a se beneficiar de vultosas obras de infraestrutura financiadas pelo Brasil, como se o Ministério da Fazenda não estivesse catando moedas no vão do sofá para fechar as contas. Lula também promete ajudar a Venezuela a integrar os Brics. Como se sabe, Rússia e China, junto com autocracias como Irã, Turquia e Arábia Saudita, planejam transformar esse grupo econômico de emergentes em um clube geopolítico antiocidental. A julgar pelo obsceno discurso de Lula, é uma narrativa que faz brilhar os olhos do chefão petista, que parece sonhar acordado com o dia de sua consagração como grande líder desse tal “Sul Global”.

Entrevista de Maduro em Brasília termina com agressão a jornalistas


Jornalista da Globo, Delis Ortiz teria levado um soco na altura do peito (Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles)

Jornalistas que cobriam a reunião de líderes sul-americanos em Brasília foram agredidos por seguranças brasileiros durante uma entrevista coletiva improvisada do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

O líder do país caribenho foi o último chefe estrangeiro a deixar o Itamaraty, na noite desta terça (30), e parou para fazer declarações à imprensa, quando dezenas de jornalistas se aproximaram para ouvi-lo. Ao deixar o local, ele seguiu respondendo a perguntas, momento em que as agressões começaram a ocorrer.

Pelo menos três jornalistas relataram agressões. A repórter Delis Ortiz, da TV Globo, afirmou ter recebido um soco no peito. O repórter Sergio Roxo, de O Globo, foi arrastado pela roupa e depois imobilizado; e uma terceira profissional, Sofia Aguiar, da Agência Estado, disse ter sido empurrada por um segurança.

Pouco depois do ocorrido, o Itamaraty lamentou o episódio. "O Ministério das Relações Exteriores lamenta o incidente no qual houve agressão a profissionais de imprensa, ao final da reunião de presidentes da América do Sul. Providências serão tomadas para apurar responsabilidades."

Em nota, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República também repudiou a agressão. "Todas as medidas possíveis serão tomadas para que esse episódio jamais se repita", afirmou.

Maduro participou do encontro entre líderes da América do Sul, evento realizado no Palácio do Itamaraty e promovido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo do encontro era relançar um mecanismo de integração na região. Além do venezuelano, estiveram os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname) e Luís Lacalle Pou (Uruguai).

Não houve incidentes na saída desses líderes da sede da chancelaria —a maioria optou por não falar. As agressões foram repudiadas pela ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). "Após a reunião com presidentes da América do Sul, seguranças empurraram e agrediram os repórteres que tentaram se aproximar de Maduro. Tais ações violentas provocaram a indignação dos profissionais presentes. Houve um princípio de tumulto", afirma o texto da nota da entidade.

"É injustificável e inaceitável que em um governo democrático como no Brasil, seguranças agridam a imprensa, a exemplo do que habitualmente acontece na Venezuela. A ABERT reafirma a defesa intransigente da liberdade de expressão e do direito à livre informação e pede às autoridades brasileiras uma rigorosa apuração do caso e punição dos agressores", completa a nota.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também divulgou comunicado em que "repudia com veemência as agressões contra jornalistas". "A violência contra a imprensa é inaceitável em uma democracia. A ANJ aguarda uma apuração rigorosa das autoridades com a devida responsabilização dos agressores, sejam eles brasileiros ou estrangeiros."

terça-feira, 30 de maio de 2023

Gasolina deve subir em 22 estados e no Distrito Federal com novo ICMS



Mudança no modelo de cobrança do imposto estadual começa a vigorar nesta quinta (1º)

Após duas semanas de queda, o preço da gasolina volta a ser pressionado no início de junho com a mudança no modelo de cobrança do ICMS, que passa a ter alíquota única em reais por litro em todos os estados.

A nova alíquota de R$ 1,22 por litro é R$ 0,20 superior à média cobrada atualmente, segundo contas do consultor Dietmar Schupp, especializado em tributação de combustíveis. Os consumidores, porém, sentirão efeitos diferentes, dependendo do estado.

Isso acontece porque alguns estados praticavam alíquota maior do que os R$ 1,22 por litro e, portanto, devem observar queda no preço do combustível. Segundo Schupp, enquadram-se nesse caso Amazonas, Piauí e Alagoas. Em Roraima, não há variação.

No restante do país, a pressão será por reajustes. O estado com maior expectativa de alta é Mato Grosso do Sul (R$ 0,30 por litro), o que representaria elevação de 6% sobre o preço médio nos postos locais, de R$ 4,94 por litro.

Em outros dez estados, a alta esperada é superior à média nacional, situando-se entre R$ 0,25 e R$ 0,29 por litro. Em São Paulo, a nova alíquota é R$ 0,26 por litro superior à cobrada atualmente. No Rio de Janeiro, a diferença é de R$ 0,11 por litro.

O novo modelo de cobrança do ICMS foi aprovado pelo Congresso em março de 2022, com apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do setor de combustíveis, que via margem para fraudes no modelo anterior, em que cada estado praticava sua própria alíquota.

Além de estabelecer um valor único em todo o país, o imposto passa a ser cobrado apenas de produtores e importadores, e não mais de toda a cadeia, incluindo distribuidores e revendedores.

Nos casos de diesel e gás de cozinha, a mudança foi implementada em maio. O preço do botijão também foi pressionado pelo novo ICMS, cuja alíquota média, neste caso, é R$ 7,50 superior à cobrada anteriormente.

A mudança do ICMS deve interromper o recente ciclo de baixa no preço da gasolina, reflexo de corte promovido pela Petrobras em suas refinarias, e comemorado pelo governo como um fator adicional de pressão pela redução nas taxas de juros.

Desde o corte nas refinarias, anunciado no dia 16 de maio, o preço médio do combustível caiu 4,2%, ou R$ 0,23 por litro, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis). A queda acumulada é um pouco menor do que a prevista pela Petrobras, de R$ 0,26 por litro.

Os efeitos do novo ICMS, porém, não devem ser captados na pesquisa semanal de preços da ANP desta semana, já que a coleta de dados costuma ocorrer nos primeiros dias.

Além dos impostos estaduais, o preço da gasolina será novamente pressionado no início de julho, quando o governo federal deve voltar a praticar alíquotas integrais de PIS/Cofins, que haviam sido zeradas por Bolsonaro e retomadas parcialmente por Lula em março.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a dizer que a Petrobras havia segurado parte do corte para compensar o aumento de impostos, mas voltou atrás após negativa da estatal. O mercado, porém, espera que a empresa contribua para compensar a alta.

Atualmente, o espaço é pequeno: de acordo com a Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), a gasolina vendida nas refinarias da Petrobras estava R$ 0,34 por litro abaixo da paridade de importação na abertura do mercado desta segunda-feira (29).

Em sua nova política de preços, a Petrobras abandonou esse conceito, que simula os custos de importação dos combustíveis, mas a elevada defasagem indica que a estatal vem praticando margens mais reduzidas na venda do produto.

Lula errou ao dar carimbo de democracia ao governo do autocrata venezuelano


Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cumprimenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto

Lula ontem falou em narrativa. Tenho especial implicância com essa palavra, pois os fatos têm que ser observados. Não é com narrativa, versão, que se constroi a verdade. Os fatos são a realidade.

A realidade da Venezuela é que há 25 anos o chavismo está no poder, e desde que chegou fez exatamente o que Jair Bolsonaro pretendia fazer quando atacou, por exemplo, o TSE, quando ameaçou ministros e quando conspirou por um golpe.

A primeira coisa que Hugo Chávez fez, em um regime que foi herdado por Maduro, foi mudar a composição do tribunal eleitoral. Cada vez que perdeu uma eleição, mudou as regras do jogo, as regras eleitorais.O governo venezuelano persegue seus opositores, são várias denúncias de ataques a direitos humanos feitas por instituições como a Anistia Internacional.

A verdade, que não depende de narrativa, é que a Venezuela não é mais uma democracia, é uma autocracia. São ditaduras do tempo atual, em que um presidente ou grupo se eterniza no poder comendo as instituições por dentro. Foi o que aconteceu na Venezuela.

Ter uma relação com o país é diferente de concordar com o regime e usar a imagem do próprio governo brasileiro para dar aval a um governo autocrata.

Lula se esquece que foi apoiado pelas democracias do mundo porque lutou eleitoralmente contra uma pessoa que representava esse risco no Brasil. O risco desse mesmo processo. Não há nada mais parecido com o projeto Bolsonaro de golpe do que os golpes que o chavismo deu na Venezuela.

Cada autocrata tem sua narrativa, mas não significa que é realidade.

A diplomacia brasileira sempre se orgulhou de ter excelente relação diplomática com todos os países. Isso deve ser motivo de orgulho, mas é bem diferente de dar um carimbo de democracia aos governos do qual você gosta.

Bolsonaro perdeu a eleição mais comprada da história recente do país



Reportagem de Amanda Rossi, publicada no UOL, revela a forma irresponsável como o então presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, liberou R$ 10,6 bilhões de crédito para 6,8 milhões de pessoas no ano eleitoral de 2022.

Tudo de acordo com Bolsonaro. Um terço desse valor foi destinado a pessoas com nome sujo na praça, o que resultou em 80% de inadimplência. O restante foi para empréstimos consignados a beneficiários do Auxílio Brasil, cujo valor era de R$ 600.

Não por coincidência, 99% desse crédito foi concedido entre o primeiro e o segundo turnos. Do total de tomadores, 104 mil foram excluídos por inconsistência na renda informada. O calote dessa tentativa de compra do eleitor sobrou, naturalmente, para a Caixa.

Era preciso atrair o voto dos brasileiros mais pobres, a esmagadora maioria deles propensa a eleger Lula, o que aconteceu. O banco chegou ao fim de 2022 com o menor volume de reservas em 162 anos de existência. Guimarães caiu antes por assédio sexual.

O Auxílio Brasil custou R$ 40 bilhões. O governo concedeu R$ 5,4 bilhões em voucher para caminhoneiros; deu auxílio a taxistas e ampliou o Vale-Gás. Valeu-se ainda da Polícia Rodoviária Federal para barrar o acesso de eleitores do PT às urnas.

O uso do banco público para comprar a eleição pode ser o último prego batido no caixão de Bolsonaro. O que mais pode faltar para torná-lo inelegível por 8 anos?

Que bancos preservem o meio ambiente que parte do Congresso quer destruir



Enquanto o Congresso Nacional vai dando maus exemplos em penca no que respeita à questão ambiental, a boa notícia vem dos bancos. A Febraban (Federação Brasileira dos Bacos) criou um protocolo de autorregulação para financiamento da cadeia da carne bovina, informa o Estadão. O que isso significa? Só será concedido crédito para frigoríficos e matadouros que comprovarem que não compram gado oriundo de áreas de desmatamento ilegal da Amazônia e do Maranhão. Até agora, 21 bancos assinam o protocolo. Entre eles estão Bradesco, Itaú Unibanco, BTG Pactual, Santander, Caixa e Banco do Brasil.

Isaac Sidney, presidente da Febraban, informa que a norma de sustentabilidade será lançada nesta terça. É a primeira vez que há um protocolo detalhado para um setor específico da economia. E aqui acrescento: que venham outros. Se as grandes empresas não tomarem a iniciativa de conter o reacionarismo ambiental que tomou conta do Congresso, a vaca vai para o desmatado, e o país, para o brejo.

O Brasil é o maior exportador mundial de carne: vende no exterior 25% do que produz. Se, internamente, o consumidor não se pergunta de onde vem o bife — e, de fato, não há como saber —, há crivos no caso da venda para outros países. Adotado o protocolo, só terá financiamento dos 21 bancos o produtor que provar que é ambientalmente correto.

Informa o Estadão:
O desmatamento e a degradação dos solos representam aproximadamente 45% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, tornando a mudança no uso do solo a principal fonte de emissões do país. A maior parte deste desmatamento ocorre de forma ilegal -- mais de 95%, segundo dados do Mapbiomas, para o ano de 2021. E a Amazônia é o bioma que apresenta a maior área desmatada (cerca de 60% do total em 2021). Em 2022, 12,5 mil km² foram desmatados, segundo os dados de monitoramento da alteração da cobertura florestal da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).

E se os bancos não cumprirem o protocolo? Podem responder a procedimentos administrativos, que vão de um plano de ajustamento de conduta até a exclusão do Sistema de Autorregulação Bancária.

Ocorre-me aqui que está dado um dos instrumentos para enfrentar a sandice ambiental, beirando a demência, que hoje toma conta de boa parcela do Congresso Nacional. Se os reacionários não podem ser convencidos pela ciência, que, então, os seus representados arquem com o custo das escolhas que seus lobistas fizeram.

Se chegamos a um ponto em que os bancos precisam forçar a adesão de "representantes do povo" ao pacto civilizatório, que assim, então, seja feito. E gosto particularmente da iniciativa porque se trata de autorregulação.

A iniciativa vem num momento em que o meio ambiente foi transformado num alvo dos agrotrogloditas e afins. A pasta comandada por Marina Silva está prestes a sofrer um esvaziamento. Um surto de estupidez na Câmara levou ao resgate de "jabutis" numa Medida Provisória que haviam sido eliminados no Senado e que podem provocar danos irreparáveis à já combalida Mata Atlântica.

"Como um setor estratégico, os bancos não poderiam ficar inertes e apenas acompanhar à distância um tema crucial para esta e as próximas gerações", afirma o presidente da Febraban.

Que assim seja. E que novos protocolos de autorregulação sejam instituídos. No dia em que empresas e produtores rurais souberem que ficarão sem crédito se insistirem na degradação, então é possível que coloquem um freio aos insanos que hoje falam em seu nome do Parlamento.

"Financiar atividades que possam estar relacionadas ao desmatamento gera risco reputacional, regulatório com o Banco Central, e operacional", afirma Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade da Febraban. E acrescenta: "Um dos grandes desafios do País é o desmatamento, a área mais sensível é o bioma da Amazônia. Por isso, o nosso foco".

Informa ainda a reportagem:
Oliva destaca que o sistema de rastreamento deverá ter informações como embargos, sobreposições com áreas protegidas, identificação de polígonos de desmatamento e autorizações de supressão de vegetação, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades de origem dos animais.
A verificação do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo também foi considerada. Haverá um monitoramento da eficácia da norma com indicadores de desempenho que serão divulgados periodicamente pelos frigoríficos.

DE NOVO A MATA ATLÂNTICA
O ministro André Mendonça, do STF, determinou nesta segunda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o relator da MP na Câmara, Sergio Souza (MDB-PR), prestem informações ao tribunal sobre trechos da MP que haviam sido impugnados pelo Senado e que expõem a Mata Atlântica à devastação.

O Mandado de Segurança, com pedido de liminar, foi apresentado na última sexta pelos senadores Alessandro Vieira (PSDB-SE), Eliziane Gama (PSD-MA), Jorge Kajuru (PSB-GO) e Otto Alencar (PSD-BA). Eles alegam que Lira e Souza atropelaram as regras regimentais e constitucionais.

Há uma outra ação no STF, protocolada ainda antes da votação do Senado. O PV recorreu ao tribunal como uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra os "jabutis" acrescentados pela Câmara à MP enviada ainda por Bolsonaro e que tratava apenas da regularização de propriedade.

Mas quê! O tal Souza, que já comandou a bancada ruralista, enfiou no texto o "pacote desmatamento":

- flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração;
- acabou com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana;
- pôr fim à exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares;
- acabou com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.

É para fazer Ricardo Salles se sentir um ambientalista de mão cheia...

Os tais "jabutis" são escancaradamente inconstitucionais. Violam de maneira inconteste o Artigo 225 da Constituição:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Ninguém pode usar uma Medida Provisória para flexibilizar a Constituição.

VOLTO AO INÍCIO
Que o Supremo faça a coisa certa. E saúdo, mais uma vez, a decisão dos bancos no caso do protocolo da carne. Que estendam a decisão para outras atividades. Se o Congresso brasileiro não consegue cuidar do patrimônio coletivo, que se use o crédito como instrumento de preservação.

Segue a lista dos bancos que já assinaram o protocolo.
- Banco Bradesco S.A.
- Banco BTG Pactual S.A.
- Banco Citibank S.A.
- Banco Cooperativo Sicredi S.A.
- Banco Daycoval S.A.
- Banco do Brasil S.A.
- Banco do Estado do Pará S.A.
- Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A.
- Banco do Nordeste do Brasil S.A.
- Banco Fibra S. A.
- Banco Mercantil do Brasil S.A.
- Banco Original S.A.
- Banco PAN S.A.
- Banco Safra S.A.
- Banco Santander Brasil S.A.
- Banco Toyota do Brasil S.A.
- Banco Votorantim S.A.
- Caixa Econômica Federal
- China Construction Bank Banco Múltiplo S.A.
- Itaú Unibanco S.A.

domingo, 28 de maio de 2023

Uma cidadania incompleta e degradada



“O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto, sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País”, disse o presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, ao promulgar a nova “Constituição Cidadã”.

Mais de três décadas depois, que vergonha! O Brasil é uma das nações mais desiguais do mundo. Uma das mais violentas também. O País voltou ao mapa da fome. Os jovens que chegam a completar o ensino médio mal sabem escrever ou realizar operações aritméticas elementares. Metade da população não tem esgoto.

A vergonha cala tanto mais fundo ante as potencialidades congênitas de um País preservado de catástrofes naturais, farto em recursos alimentares e energéticos, sem histórico de guerras ou conflitos civis, povoado por imigrantes de todo o mundo que compartilham de uma cultura plural e tolerante. Somem-se a isso as oportunidades da economia verde e as necessidades geopolíticas da Europa e EUA de realocarem negócios em países geográfica e culturalmente próximos.

O abismo entre a utopia inclusivista da Constituição e uma realidade socioeconômica brutalmente desigual e estagnada espelha o abismo entre as elites políticas e econômicas extrativistas e uma massa de excluídos desnutridos e iletrados. A Carta confere um vasto catálogo de direitos. Mas como reivindicá-los quando mal se consegue vencer a luta cotidiana pela sobrevivência?

O abismo social é causa e consequência de uma cidadania totalmente incompleta. Antes, da renitente perversão da cidadania por uma cultura classificada pelo historiador José Murilo de Carvalho como “estadania”. A cidadania, escreve Carvalho no artigo Cidadania, estadania e apatia, publicado em junho de 2001 no Jornal do Brasil, é “a integração das pessoas no governo via participação política, na sociedade, via garantia de direitos individuais, e no patrimônio coletivo, via justiça social”. Nosso Estado, porém, “não é um poder público garantidor dos direitos de todos, mas uma presa de grupos econômicos e cidadãos que com ele tecem uma complexa rede clientelista de distribuição particularista de bens públicos”.

Uma das consequências é a excessiva valorização do Poder Executivo, o encanto do líder messiânico, sebastianista, o grande dispensador de empregos e favores. Outra é a visão privatista dos interesses coletivos. “Não há uma construção social do político”, escreve Carvalho. “Quando a virtude privada estabelece contato com o Estado, gera o aborto do fisiologismo e do clientelismo, quando a virtude do Estado se comunica com a sociedade, gera o aborto do paternalismo e do corporativismo.”

No mercado prevalecem os oligopólios e a falta de competição. As grandes corporações exigem do Estado subsídios e barreiras protecionistas. Os sindicatos exigem a calcificação de leis trabalhistas que tornam as contratações proibitivas. O resultado é um déficit geral de produtividade e inovação.

A contraface do Estado paternalista, o Estado patrimonialista, é o grande promotor de privilégios e impunidade. “Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma camada social comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando”, resumiu Raymundo Faoro no livro Os Donos do Poder (1958).

A espiral viciosa se perpetua. A estagnação econômica acentua a frustração. A ira popular se volta não só contra os incumbentes políticos, mas contra a própria política. Inflama-se a esperança em salvacionistas autoritários. E assim os donos do poder concentram mais poder.

Um círculo virtuoso depende de educação para garantir igualdade de oportunidades; segurança jurídica para garantir isonomia; meritocracia e produtividade para garantir competitividade, prosperidade e mobilidade social. Mas a ativação desse ciclo depende da capacidade de romper o vício de origem da cultura política brasileira. Enquanto a sociedade civil não encontrar modos de desprivatizar o Estado e democratizar o poder, a “Constituição Cidadã” seguirá brilhando no céu das ideias utópicas, enquanto na terra agreste da realidade a Nação agoniza na inanição e na ignorância.

Governo Lula faz pente-fino na gestão Bolsonaro; confira as investigações


Auditoria do TCU identificou irregularidades na execução do Pátria Voluntária, que era liderado por Michelle

O governo Lula está fazendo um pente na gestão Bolsonaro, que vai de buscas a possíveis irregularidades a uma varredura em cargos de confiança para identificar servidores alinhados com o ex-presidente. A iniciativa mais recente foi a criação de um grupo de trabalho para levantar informações sobre o programa Pátria Voluntária, lançado na gestão anterior e liderado pela ex-primeira-dama Michelle. O Palácio do Planalto seguiu a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) para dar mais transparência aos dados sobre o programa.

O TCU identificou irregularidades na execução do Pátria Voluntária em auditoria feita no mês passado. Entre elas está a ausência de previsão constitucional e legal para o modelo adotado para uso de dinheiro privado — proveniente de doações, por exemplo — na gestão pública. O tribunal também identificou “ausência de critérios objetivos e isonômicos para a seleção de instituições beneficiárias dos recursos financeiros privados”.

Após levantar as informações propostas pelo TCU, o grupo criado na última quinta-feira terá de disponibilizar o material produzido para consultas públicas. O Pátria Voluntária, criado em 2019 por Jair Bolsonaro, tinha como objetivo, segundo o Planalto, fomentar o voluntariado articulado pelo governo com organizações da sociedade civil e o setor privado.

Frentes abertas

O raio X no Pátria Voluntária vai ao encontro do pente-fino articulado pelo Planalto para vasculhar a gestão de Bolsonaro e a atuação de seus aliados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pressionado para que seja feita uma varredura em todos os cargos de confiança para identificar servidores alinhados com Bolsonaro na máquina pública federal. O petista também barrou nomeações e promoções promovidas por Bolsonaro. Entre os alvos estão militares da ativa indicados para cargos civis. As exonerações já somam cerca de 200, além da troca do comando das Forças Armadas. Também deixaram o governo militares que exerciam funções ligadas à segurança do presidente.

Assim que assumiu o governo, Lula também determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) revisasse a imposição de sigilo de até cem anos a documentos do ex-presidente, de sua família e de atividades de Inteligência. Entre os sigilos determinados por Bolsonaro que foram quebrados estão a lista de visitas a Michelle no Palácio da Alvorada; os gastos do cartão corporativo do ex-presidente e o processo interno do Exército contra o hoje deputado federal e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (PL-RJ), sobre sua participação em um ato político bolsonarista.

Bolsonaro e Michelle também foram alvo de um levantamento do acervo do Alvorada. A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, abriu as portas da residência oficial e mostrou infiltrações, janelas quebradas e casos de má-conservação do patrimônio presidencial. O trabalho identificou ainda o desaparecimento de peças do mobiliário.

Cristiano Zanin, o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal

 


Aos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, Lula disse durante um churrasco servido na última sexta-feira à noite no Palácio da Alvorada que indicará nesta semana o nome de Cristiano Zanin para a vaga aberta do Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria do ex-ministro Ricardo Lewandowski.

Zanin foi o advogado de defesa de Lula nos processos da Lava-Jato. Até o fim do ano será aberta uma nova vaga com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, atual presidente do tribunal. No lugar dela, sim, entrará outra mulher. Por ora, são só duas – Rosa e Carmen Lúcia.


Agronegócio demora a acordar para os efeitos nocivos da ação do ogrocentrão


Imagem: Presidente do grupo de trabalho da reforma tributária afirma que agronegócio não precisa temer aumento de impostos. Foto: Can Europe/Flickr

Entre todos os movimentos que se seguiram à desidratação promovida pela bancada ruralista do Congresso no organograma das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, o mais surpreendente é a inação da banda muda do moderno agronegócio brasileiro. Na prática, a investida ideológica do ogrocentrão contra as ministras Marina Silva e Sonia Guajara restaura o "projeto pária" cultivado com orgulho pela gestão Bolsonaro. O sucesso dessa empreitada devolverá o Brasil à posição de saco de pancadas do mundo, oferecendo matéria-prima para todos os que desejam manusear o fator ambiental para boicotar as exportações dos agronegociantes sérios e competitivos do Brasil.

No próximo dia 12 de junho chega a Brasília a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Ela é obcecada pela agenda ambiental e admira a biografia sem pesticidas de Marina Silva. Na conversa de madame com Lula, o ponto central será o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, condicionado a pendências ambientais. Nesse contexto, a ação deletéria do Congresso leva água para o moinho dos produtores agrícolas europeus que conspiram contra o fechamento do acordo comercial por temer a concorrência brasileira. Ou o agronegócio brasileiro acorda ou seu silêncio será confundido com adesão à pauta neandertal do Legislativo.

A tentativa de passar a boiada sobre o cocar da ministra Sandra Guajajara tampouco orna com os interesses dos agroempresários brasileiros. A carne exportada pelo Brasil nada tem a ver com as aldeias. O avanço da pecuária ou da mineração em terras indígenas não serve senão à causa do boicote à produção nacional no exterior.

Embora não goste de Lula, o grosso do agronegócio reconhece que o retorno do líder petista ao Planalto restaurou um ambiente propício às transações comerciais. Por isso, os agronegociantes mais antenados tomaram distância estratégica do ruralismo retrógrado com assento no Congresso. Entretanto, se a movimentação dos últimos dias serviu para alguma coisa foi para mostrar que o atraso continua dando as cartas em Brasília. Está entendido que o Planalto não dispõe de força para se impor no Legislativo.

Por enquanto a bancada avessa aos valores civilizatórios prevaleceu apenas numa comissão especial incumbida de destrinchar a medida provisória que reorganizou a Esplanada de Lula. Falta o pronunciamento dos plenários do Congresso. Em teoria, ainda haveria tempo para uma reação. Mas esse tempo é curto. A medida provisória perde a validade em 1º de junho. E já se ouve o barulho do trator de Aurthur Lira no plenário da Câmara. O bom senso recomendaria ao agronegócio uma reação qualquer. Quem sabe uma nota de repúdio. Ou pelo menos uma cara de nojo.

sábado, 27 de maio de 2023

Flávio Dino, o vingador



Se Lula fosse Bolsonaro, o provável é que, a esta altura, Flávio Dino estaria sendo fritado ou teria perdido o cargo. Pois já se fala no ex-governador do Maranhão como candidato à Presidência em 2026. Além da exposição midiática, Dino tem no momento o protagonismo de ações, o que era proibido de ocorrer no antigo governo, centralizado na figura de um soba.

No tempo do capitão, quem se destacasse a ponto de virar um concorrente estava condenado. Luiz Henrique Mandetta saiu do Ministério da Saúde não só por discordar da política de combate à pandemia mas também por aparecer, numa pesquisa de 2020, como terceira opção de voto, atrás de Bolsonaro e Lula. Representado nas manifestações da direita por um enorme boneco do Super-Homem, Sergio Moro foi escorraçado do Ministério da Justiça.

É a pasta hoje ocupada por Dino, que tem a maior popularidade digital entre os ministros e dá a impressão de estar em todas. Ele gosta de aparecer, é debochado, mas sabe mostrar serviço. Na prevenção a ataques a escolas, agiu rapidamente, intimando suspeitos e mandando prender quem anunciava plano de violência pela internet.

No caso de racismo contra Vinicius Junior, chegou à frente ao ameaçar com um "remédio extremo": o uso do princípio da extraterritoriedade, que permite a aplicação da lei brasileira no exterior. Para evitar a crise diplomática, o Ministério Público da Espanha denunciou torcedores por crime de ódio.

Com receio de sua capacidade de articulação e temendo seu potencial de crescimento político, a oposição não larga do pé dele. Em vão: tem ficado com cara de tacho nos embates. O ministro entendeu o jogo e o inverteu. São suas as cenas e as falas que, recortadas, ganham as redes e viram memes. "Se você é da Swat, eu sou dos Vingadores", respondeu ao mitômano senador Marcos do Val. Até petistas estão com ciúmes de Flávio Dino.

Os povos da Amazônia



A ministra Marina Silva, nascida no Acre, alfabetizada já na adolescência, conhece a pobreza de perto. Sua posição política em defesa do meio ambiente tem relação direta com sua infância e aquilo que a rodeava quando criança. No outro lado dessa fotografia existe o discurso de defesa do meio ambiente como ação política que se espalhou pelos países europeus, cujo nível de renda de seus habitantes é completamente diferente da brasileira e, em especial, da Amazônica.

A região Norte tem cerca de 25 milhões de habitantes. É a região menos industrializada e mais comprimida pela enorme extensão da selva amazônica. Em estados como Roraima, por exemplo, territórios de índios e reservas florestais alcançam quase a metade do território. Essa situação é comum a todos os estados da região. A população é majoritariamente pobre. Manaus que era uma cidade perdida no meio da mata ganhou a zona franca, no governo militar, ideia do avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos. E cresceu muito. Hoje é maior do que Belém.

São os dois maiores polos da região. A expansão do agronegócio de sul para norte modifica o perfil econômico da região. Quem viaja por terra de Goiânia para Rio Branco, vai encontrar várias pequenas cidades bem cuidadas ao longo do caminho, habitadas por gaúchos. É a rota da soja, e suas conexões, que passa de Rondônia e chega ao Acre. A pressão dos governos e instituições europeias deve conter a expansão territorial do agronegócio do Brasil. O receio dos europeus é concorrer com a agricultura brasileira. A deles é atrasada e subsidiada. Eles precisam conter o produto nacional na origem.

A descoberta de enorme jazida de petróleo no norte do Brasil, chamada de margem equatorial, pode ser a redenção econômica de uma região que foi abandonada desde a independência do Brasil. É bom lembrar que os amazônidas não aceitaram a Independência do Brasil em 1822. Preferiram ficar unidos a Portugal, como ocorria desde a descoberta do Brasil. A Independência foi imposta na Amazônia por soldados a serviço do almirante Cochrane – mercenário inglês que serviu a Marinha do Brasil – que ameaçaram bombardear Belém, em agosto de 1823.

A discussão sobre a defesa do meio ambiente no caso específico da Amazônia, já decidido que a região não é o pulmão do mundo, ganha outra dimensão. É preciso criar condições objetivas para ocorrer o desenvolvimento e a melhoria de renda na região. E o petróleo pode ser um instrumento ideal para que este objetivo seja alcançado ressalvadas as condições necessárias para proteger fauna e flora da foz do Amazonas que está a 500 quilômetros do local onde a Petrobras pretende fazer prospecção. O lençol petrolífero ocorre desde a Guiana, antiga Guiana Inglesa, cuja economia cresceu 62% desde que a riqueza submersa foi descoberta.

Há outras fontes modernas, confiáveis e duradouras. Uma delas são os ventos, os alísios, que trouxeram as caravelas dos portugueses. São ventos fortes e constantes que podem se transformar em energia elétrica. O potencial é, portanto, inesgotável. A energia eólica pode ser instalada em qualquer ponto do Brasil. O estado do Rio Grande do Norte já é quase autossuficiente com este tipo de energia. E se prepara agora para instalar torres mar adentro.

Mas há outro dado relevante. O sol aqui brilha o ano inteiro, com maior intensidade nos estados do centro-oeste, do Nordeste e do Norte. A energia solar é solução fácil de ser instalada em residências, prédios, residenciais ou comerciais. Ou em fazendas. Não há, portanto, problemas para iluminar as cidades no interior da Amazônia. Basta instalar placas fotovoltaicas e acender a luz. Muito simples e de baixo custo. Mas, o petróleo significa gordos royalties para os estados lindeiros. Impossível ignorar essa possibilidade.

A ministra Marina Silva, radical defesa do meio ambiente, precisa negociar, e gastar saliva, para conviver com adversários no mesmo espaço político. Ela já deixou o ministério em outro governo Lula por divergências pesadas. Naquela questão, a construção da hidrelétrica de Belo Monte, tinha razão. Foi erro monstruoso construir a usina que não consegue gerar o planejado e criou sérios problemas no meio ambiente. Muito barulho para resultado pífio. Faltou conversa. E houve corrupção milionária.

Agora, não. Os males da produção de petróleo são conhecidos: eventuais vazamentos, explosões e corrupção. No deserto arenoso de Dubai construíram um país moderníssimo com o dinheiro do petróleo. Sabendo usar, é dinheiro bem-vindo. Não sabendo, é maldição, como na Venezuela. Difícil é defender o meio ambiente para estrangeiro tirar fotografia de macaco e jacaré, enquanto o homem da região sofre com a pobreza.

Por André Gustavo Stumpf,