sexta-feira, 31 de julho de 2020

No governo Bolsonaro, servidor público antifascista inspira cuidados


Área de direito de família representa 41% do mercado nacional de espionagem

A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça admitiu que monitora 579 funcionários públicos federais que se declararam antifascistas nas redes sociais. A intenção da medida, segundo a Secretaria, é “prevenir práticas ilegais” e garantir a segurança. Não especificou que “práticas ilegais” os antifascistas costumam cometer. E por que elas ameaçam a segurança.

Por sinal, segurança de quem? Das autoridades constituídas em geral? Do presidente da República em particular? Do Estado como um todo? Quem sabe do planeta, uma vez que as redes sociais aproximam as pessoas e é possível que existam antifascistas em toda parte? Por que ser antifascista é algo perigoso? Aos olhos de quem? Está escrito em que lei, norma ou portaria?

Providência similar não foi tomada pela mesma Secretaria contra funcionários públicos que se declararam fascistas nas redes sociais. É de supor-se, portanto, que esses não representam uma ameaça, quando nada ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Ou vai ver que o serviço público está livre de fascistas. Ou que fascistas sejam mais prudentes e prefiram não se assumir como tal.

Resta outra hipótese: por razões ainda não suficientemente estudadas, os fascistas do serviço público e o governo Bolsonaro descobriram surpresos que compartilham os mesmos propósitos. Assim não haveria por que o Ministério da Justiça despender tempo e dinheiro vigiando-os. Para quê? Falam a mesma língua. Entendem-se bem. Os antifascistas é que devem se cuidar.

Nada de usarem as redes sociais para dizerem que são contra o fascismo, uma “ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia”. Nada de assinarem manifestos condenando outras ideologias que guardem alguma semelhança com o fascismo.

Os celulares já não inspiram confiança e a escuta se faz, hoje, a longas distâncias. Seu melhor amigo pode delatá-lo amanhã. Evitem estranhos. Evitem jogar conversa fora. Conversas cifradas podem facilmente ser decifradas. Vejam se não estão sendo seguidos. Aproveitem esses tempos de pandemia e usem máscara até que tudo isso passe. Com fé em Deus e no voto, vai passar.

Um ministro destemido e sem rabo preso



O ministro Alexandre de Moraes, do STF, ampliou sua decisão que bloqueou as contas de bolsonaristas no Brasil e determinou que o alcance do banimento no Twitter seja a nível global. 

As contas atingidas pela decisão são de Allan dos Santos, Roberto Jefferson, Luciano Hang, Sara Giromini, e demais investigados no inquérito das fake news. O Twitter já cumpriu a determinação, mas anunciou que vai recorrer. 

Na decisão, o ministro explica que já havia solicitado a suspensão “imediata e de forma incondicionada” das contas não só no Twitter, mas também no Facebook e no Instagram de 16 apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Mas que laudo pericial apresentado no último dia 25 apontou que a determinação de bloqueio foi cumprida “apenas parcialmente”.

“O cumprimento parcial da ordem de bloqueio das contas e, consequentemente, da visualização das mensagens, acarreta a imposição da multa determinada. Diante desse fato, intimem-se novamente as empresas Twitter e Facebook para que cumpram integralmente a decisão […], independentemente do acesso a essas postagens se dar por qualquer meio ou qualquer IP, seja do Brasil ou fora dele (nos termos da conclusão do laudo pericial acima transcrita)”, diz o ministro no despacho.

No Radar da Veja

Vacina da Johnson & Johnson oferece proteção robusta com apenas 1 dose


A fase 3, que avalia a eficácia do imunizante, têm início previsto para setembro. Vincent Kalut/Getty Images

Estudo publicado na renomada revista científica Nature nesta quinta-feira, 30, mostrou que uma dose da vacina desenvolvida pela gigante americana Johnson & Johnson provoca forte resposta imune, capaz de proteger primatas contra infecções subsequentes do SARS-CoV-2, nome oficial do novo coronavírus.

De acordo com os resultados, a vacina, baseada em vetor de adenovírus sorotipo 26 (Ad26), provocou uma resposta imunológica robusta, demonstrada por anticorpos neutralizantes, impedindo infecções subsequentes e fornecendo proteção completa ou quase completa aos pulmões de primatas não humanos.

“Os dados pré-clínicos, gerados em colaboração com a equipe da Johnson & Johnson, destacam o potencial desta candidata à vacina contra o SARS-CoV-2. Além disso, os dados do estudo também sugerem que os níveis de anticorpos poderiam funcionar como um potencial biomarcador para a proteção mediada por vacina”, disse Dan Barouch, diretor do Centro de Virologia e Pesquisa de Vacinas do BIDMC e do Instituto Ragon, instituições ligadas à Universidade Harvard, que conduziu o estudo em conjunto com a Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson.

Os testes clínicos fase 1/2a em humanos já estão em andamento nos Estados Unidos e na Bélgica. Essa etapa busca avaliar segurança, reatogenicidade (reações esperadas à vacinação, como edema ou dor) e imunogenicidade da vacina em mais de 1.000 adultos saudáveis de 18 a 55 anos, bem como adultos de 65 anos de idade ou mais. A previsão da empresa é ampliar o estudo de fase 1 para o Japão e a fase 2a para Holanda, Espanha e Alemanha.

A fase 3, que avalia a eficácia do imunizante, têm início previsto para setembro. De acordo com a Johnson & Johnson, os estudos avaliarão a resposta à aplicação de uma e de duas doses da vacina

“Estamos animados ao ver esses dados pré-clínicos, pois mostram que a nossa candidata à vacina gerou uma forte resposta de anticorpos e ofereceu proteção com uma única dose. As descobertas nos dão confiança enquanto progredimos em nosso desenvolvimento da vacina e na ampliação da escala de fabricação em paralelo. Com isso, iniciamos o estudo de Fase 1/2a em julho com a intenção de realizar o estudo Fase 3 em setembro”, afirmou Paul Stoffels, vice-presidente e diretor científico da Johnson & Johnson.

Estudo em primatas

Os pesquisadores imunizaram os primatas com um painel de protótipos de vacinas e depois os expuseram ao novo coronavírus. Os resultados mostraram que, dos sete protótipos de vacina testados, a Ad26.COV2.S, nome do imunizante desenvolvido pela Johnson & Johnson, provocou os níveis mais elevados de anticorpos neutralizantes contra o SARS-CoV-2.

Esse nível de anticorpos correlacionou-se com o nível de proteção. Os seis primatas que receberam a vacina não apresentaram vírus detectável no trato respiratório inferior após exposição ao coronavírus e apenas um deles apresentou níveis baixos do vírus em um teste nasal, em um único momento.

“À medida que combatemos coletivamente esta pandemia, permanecemos profundamente comprometidos com nosso objetivo de fornecer uma vacina segura e eficaz ao mundo. Nossos resultados pré-clínicos nos fornecem uma razão para otimismo, enquanto iniciamos nossos primeiros estudos clínicos em humanos.”, afirmou Mathai Mammen, chefe global da Janssen Research & Development, da Johnson & Johnson.

A Johnson & Johnson se comprometeu em fornecer mais de um bilhão de doses da vacina globalmente até meados de 2021, contanto que ela seja segura e eficaz. Para isso, continua aumentando a sua capacidade de fabricação e está em discussões com parceiros globais para garantir o acesso mundial.

Na Veja

quinta-feira, 30 de julho de 2020

"A Política do Radar"


Radares em novo round - Crusoé

Vamos lá, o que dizer do ministro Toffoli que mandou suspender a investigação contra o senador Serra? Que também está sugerindo uma lei que imponha uma quarentena para magistrados se candidatarem a cargos eletivos? 

Que o ministro tem razão? 

Afinal a defesa do senador afirmou que a investigação não se limitou ao período em que o senador foi governador, mas que avançou sobre o período atual, cujo mandato de senador lhe dá o privilégio de foro. 

Se o Sérgio Moro não pode ser candidato e não pode atrapalhar o status quo da política brasileira, por que não instituir a quarentena também para militares, policiais, religiosos e funcionários públicos? 

Você não concorda com isso? Eu também não, apesar de ter algumas simpatias por José Serra e poucas por Sérgio Moro. 

Primeiro, penso que ninguém tem que ter o tal privilégio. Se não quer ser investigado, julgado e punido, basta seguir as leis e não roubar. 

Ah, mas se as acusações forem falsas e se tratar de uma perseguição política? Ué, que recorra as instâncias superiores, como fez o Lula e faz qualquer ser mortal. 

Por exemplo, como vimos no Fantástico do último domingo, a história de um rapaz acusado injustamente de tráfico de droga. Ele foi preso e condenado, apesar de várias testemunhas afirmarem a sua inocência e apesar, aí o grande absurdo, de um vídeo provar que o rapaz não tinha nada a ver com a história. Mas bastou a palavra dos policiais, para a justiça botar o garoto na cadeia. 

A má fé dos policiais, pouco caso do ministério público, incompetência do defensor público e a omissão e leniência do juiz, quase destruíram uma família, o que foi impedido pela caridade de um grupo de advogados. 

Chegou a doer ver o depoimento do avô e o desmaio da mãe ao receber a notícia da absolvição do filho, dois anos depois. 

Mas o que aconteceu com os policiais que mentiram, o promotor relapso que embarcou na história, a defensoria incompetente e o juiz que desprezou as provas que o inocentava? 

NADA!! 

O que acontecerá com o senador Serra, com Flávio Bolsonaro e família, com Alckmin e tantos outros políticos, empresários e seus asseclas, tipo o Queiroz? 

NADA!! 

Como confiar numa justiça, que tem como procurador geral da República, um cara escolhido fora da tradicional lista tríplice, que se submeteu a fazer visitas ao presidente abaixado em banco traseiro de carro, no calar da noite? De uma Advocacia Geral da União, que advoga em favor do pessoal e não para instituição que representa? De um ministro da justiça que mantém um departamento para investigar e produzir dossiês contra críticos do governo? 

De uma justiça com as suas esferas divididas e politicamente comprometida? 

De um País, onde leis obrigam as ruas, avenidas e estradas a sinalizarem onde tem radar para o motorista não ser flagrado cometendo infrações de trânsito, não se pode esperar que os ricos e PRIVILEGIADOS paguem por seus crimes na cadeia. 

Por Felicio Vitali 

PS:  Toffoli acatou liminar - negada por instâncias inferiores - e mandou soltar o rapaz que furtou dois xampus e estava preso desde fevereiro. Efeito Fantástico ou ele só deu uma no cravo e outra na ferradura?

Quarentena de 8 anos para juízes e membros do MP tem de ter alcance maior


Dias Toffoli e Rodrigo Maia, presidentes, respectivamente, do Supremo e da Câmara. Tese da inelegibilidade de juízes e membros do MP é urgente e essencialmente correta. E tem de ter alcance ainda maior - FramePhoto / Agência O Globo

A matéria é urgente. Tem de ser votada com a celeridade máxima que a realidade em tempos de pandemia permitir. Dias Toffoli, presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça, defendeu uma quarentena de oito anos para membros do Judiciário e do Ministério Público que queiram disputar cargos eletivos. É evidente que apoio a medida e vou mais longe: a quarentena tem de valer para membros dessas respectivas carreiras que queiram exercer cargos públicos de indicação política. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, vê com simpatia a proposta. Para quando tem de valer a lei? Para já, para agora, para ontem.

Que evento motivou a proposta de Toffoli? Reproduzo o que informa o site do CNJ:
"O Plenário do Conselho Nacional de Justiça ratificou liminar do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, que determinou ao juiz titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca de São Luís (MA), Douglas de Melo Martins, que se abstenha de participar de debates virtuais públicos que possuam conotação político-partidária. A confirmação da liminar ocorreu nesta quarta-feira (29/7), na 55ª Sessão Extraordinária.

A decisão liminar foi tomada no último dia 12 de maio, nos autos da Reclamação Disciplinar 0003341-63.2020.2.00.0000, formulada pelo senador Roberto Coelho Rocha (PSDB/MA) contra o magistrado. Segundo o parlamentar, o juiz 'vem se submetendo a superexposição midiática ao lado de diversos políticos maranhenses, participando de diversos eventos promovidos por estes, já tendo atuado em diversas lives e agendado a sua participação em outra que ainda vai ocorrer'.

Em sua decisão, o ministro Humberto Martins afirmou que o magistrado, por estar investido de jurisdição e possuir a função principal de julgar, tem o dever de resguardar sua imparcialidade e sua impessoalidade e também preservar para que suas decisões judiciais, sua imagem e a própria imagem do Poder Judiciário como um todo não sejam atreladas a interesses político-partidários de qualquer natureza.

Ao trazer o seu voto-vista, o presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, disse que esse é um caso paradigmático. Segundo Toffoli, os magistrados não têm a mesma liberdade de expressão dos demais cidadãos, os quais não estão sujeitos ao regime jurídico da magistratura, que visa preservar a independência e imparcialidade do Poder Judiciário. Toffoli salientou que há limites constitucional, legal e ético intransponíveis para os magistrados e que isso está ratificado no inciso III do Artigo 95 da Constituição Federal, que veda aos juízes dedicar-se a atividade político-partidária.

De acordo com ele, cabe ao CNJ atentar para esses preceitos e para a conduta da magistratura. 'O Conselho Nacional de Justiça tem o dever de zelar pelo prestígio da magistratura nacional e não pode fechar os olhos a aparições públicas de magistrados que transmitam à sociedade a impressão de se revestirem de caráter político-partidário e, por via de consequência, de comprometimento da imparcialidade judicial', disse Toffoli, ao acompanhar o entendimento pela ratificação da liminar.

A decisão pela confirmação da liminar foi tomada por maioria de votos. Ficaram vencidos os conselheiros Ivana Farina, Luiz Fernando Keppen, Mário Guerreiro e Tânia Reckziegel."

RETOMO
O que me espanta é que, em questão tão escandalosa, haja ainda conselheiros que não viram mal nenhum em que juiz se comportasse como militante político.

O caso deu ensejo a que Toffoli fizesse a defesa da quarentena. Afirmou:
"Há que haver um período de inelegibilidade, sim. A imparcialidade [do juiz] não é só do presente, é na perspectiva do futuro." Para o ministro, o caso era "paradigmático" porque "a imprensa começa a incensar determinado magistrado, e ele já se vê candidato a presidente da República sem nem conhecer o Brasil, sem nem conhecer o seu estado, sem ter ideia do que é a vida pública".

Segundo Rodrigo Maia, a questão deve estar resolvida até 2022:
"A gente quase votou antes da pandemia [do novo coronavírus]. Mas, com a chegada da pandemia, essa pauta ficou para um segundo momento".

A desordem político-institucional a que a Lava Jato conduziu o país — e, em certa medida, o mantém — dá conta da urgência da medida. Estamos diante de uma investida de natureza política.

"Ah, Reinaldo, mas isso é só para impedir Sergio Moro de ser candidato?" Respondo com uma pergunta: "Ele é candidato?" Sempre negou essa possibilidade. Então estava mentindo.

Na hipótese de intimamente sê-lo, ainda é tempo de descobrir a vergonha na cara, mesmo que uma lei não venha a ser votada.

REAÇÃO
Renata Gil de Alcantara Videira, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, reagiu mal à tese e acusou "discriminação".

Não, senhora! Não é, não! Juízes e membros do Ministério Público são protegidos pela inamovibilidade, pela vitaliciedade e pela irredutibilidade dos salários justamente porque exercem carreiras do Estado, que não combinam com escolhas político-partidárias.

Da forma como as coisas estão hoje, um juiz tem plenas condições de interferir no cenário político no qual ele pretende atuar, depois, como agente que disputa o poder. Não é mesmo, Sergio Moro?

LEI DA INELEGIBILIDADE
Segundo a Lei Complementar 64, a chamada Lei das Inelegibilidades, o prazo para que juízes e membros do Ministério Público deixem o cargo para se candidatar é de seis meses. Os oito anos só valem caso tenha havido aposentadoria compulsória por processo disciplinar.

E por que seis meses? Seis meses também é o prazo imposto pela lei para a filiação partidária, que vale para o conjunto dos brasileiros. Ocorre que o homem comum não é protegido pela inamovibilidade, pela vitaliciedade e pela irredutibilidade de vencimentos, certo?

Ademais, o indivíduo comum não tem poder de tomar decisões de alcance público que facilitem a própria carreira política. Já os membros do Judiciário e do Ministério Público dispõem de tal poder.

Por Reinaldo Azevedo

Editorial do Estadão - Sinais dos tempos


Bispos aguardam a chegada do Papa Bento XVI, durante a Jornada Mundial da Juventude em Madri, Espanha

Em uma carta Ao Povo de Deus, 152 bispos católicos dispararam críticas acerbas ao governo, alertando para uma “tempestade perfeita” que combina “uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente”.

Os bispos declaram-se estarrecidos com o “apelo a ideias obscurantistas”; os “grosseiros erros” na educação e meio ambiente; a repugnância “pela liberdade de pensamento e de imprensa”; a “desqualificação das relações diplomáticas com vários países”; a insensibilidade “para com os familiares dos mortos”; e especialmente a “omissão, apatia e rechaço” a populações vulneráveis, como as indígenas. Eles reprovam ainda a associação “perniciosa” entre religião e poder no Estado laico, e em particular os grupos fundamentalistas e autoritários empenhados em “manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, e criar tensões entre igrejas e seus líderes”.

A carta, a bem da verdade, não representa oficialmente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por sinal, o fato de ela ter sido “vazada” antes do foro adequado para esta manifestação, a assembleia anual, sugere que os signatários talvez não estivessem seguros de obter a maioria de seus mais de 400 membros. É de notar também que ela não foi assinada pelos representantes de importantes dioceses. Com efeito, os manifestos da Igreja costumam se voltar antes à exortação ao bem do que à agressão particularizada a agentes do mal – a odiar o pecado e amar o pecador.

Os signatários afirmam não ter interesses “político-partidários” ou “ideológicos”. Mas é de perguntar até que ponto lograram seu intento de promover um “amplo diálogo” entre “humanistas” comprometidos com a democracia. As vituperações genéricas e descontextualizadas contra o “neoliberalismo” ou as reformas previdenciária ou trabalhista não ajudam. Até porque, para o bem ou para o mal, o governo nunca se comprometeu com uma agenda liberal e as reformas foram antes uma consecução do Congresso após um amplo escrutínio democrático. Chama a atenção ainda a omissão dos bispos em criticar a omissão do governo no combate à corrupção – que paradoxalmente foi uma de suas alavancas eleitorais. A pauta, como se sabe, é sensível a parte da militância de esquerda – notadamente a petista – que vê na indignação popular com a corrupção um movimento orquestrado pelas elites “neoliberais”.

Mas, apesar de seus indisfarçáveis matizes partidários, as principais críticas da carta são consensuais entre os setores mais moderados e esclarecidos da sociedade brasileira e internacional. A própria CNBB já criticou as políticas do governo na área ambiental e indígena e acompanhou outras instituições nas denúncias do movimento Pacto Pela Vida à participação do governo nas crises sanitária, social e política. No todo, a carta é um importante sinal de que as instâncias religiosas, após tentarem se manter neutras em tantas controvérsias políticas, estão chegando a um ponto de saturação, sugerindo um possível esvaziamento do que há de apoio ao governo na comunidade católica.

Em uma passagem do Evangelho de Lucas, Jesus, instado a solucionar uma disputa patrimonial entre dois irmãos, responde: “Quem me designou juiz de vocês?”. Então ele adverte contra os perigos das ambições terrenas, e acusa a hipocrisia daqueles que leem com exatidão os sinais meteorológicos no céu, mas negligenciam os sinais do tempo presente. “Quando algum de vocês estiver indo com seu adversário para o magistrado, faça tudo para se reconciliar com ele no caminho; para que ele não o arraste ao juiz, o juiz o entregue ao oficial de justiça, e o oficial de justiça o jogue na prisão.”

Embora os bispos não tenham sido exímios nesta arte da reconciliação – longe disso –, a sua carta é mais um sério alerta de que o governo caminha na direção do abismo. Já passou da hora de o presidente aprender a ler os sinais.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Pazuello nomeia amiga sem experiência em saúde ou gestão para chefiar ministério em PE


A nova representante do Ministério da Saúde em Pernambuco, Paula Amorim, indicada no mês passado
A nova representante do Ministério da Saúde em Pernambuco, Paula Amorim, indicada no mês passado - Paula Amorim no WhatsApp

O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, indicou como representante da pasta em Pernambuco uma amiga próxima sem experiência em saúde ou gestão pública.

Em meio à pandemia da Covid-19, Paula Amorim teve a nomeação para o cargo comissionado, no qual ganha cerca de R$ 10 mil, efetivada no dia 15 de junho.

Segundo a assessoria de Pazuello, ele e ela são amigos “há cerca de 30 anos, apresentados por conhecidos em comum”, e a nomeação se baseou na “relação de confiança e amizade” entre ambos.

O ministério afirma que experiência na área de saúde não é um pré-requisito - Pazuello, afinal, é um oficial de intendência do Exército. Paula foi escolhida, diz a assessoria, por sua capacidade de articulação no estado, embora a pasta não tenha informado quais exatamente seriam suas credenciais no campo.

Ela é, segundo informou ao núcleo estadual, administradora de empresas.

Entre alguns dos cerca de cem servidores do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde em Pernambuco, a chegada da nova chefe gerou contrariedade.

Segundo relatos recolhidos pela Folha com pessoas que pediram anonimato, a falta de familiaridade de Paula com os assuntos de saúde pública está gerando entraves decisórios.

No dia 16 de julho, a Advocacia-Geral da União procurou o órgão para queixar-se de não ter recebido resposta sobre um ofício enviado em 9 de junho para a área de recursos humanos, pouco antes de Paula assumir.

A nova coordenadora afirmou à Folha, por telefone, que não estava trabalhando antes de ser chamada para o cargo. Ela é econômica sobre sua suposta experiência pregressa. Afirma ter sido no passado “assessora de um governador”, mas não disse qual ou quando.

“Eu fiquei uns 40 dias no ministério, me inteirando”, disse ela, que negou ter havido problemas desde que assumiu. “Não chegou até mim.”

No ministério, a avaliação por ora é a mesma. Eventuais atrasos ou queixas por ora são debitados do momento de transição na coordenação.

O núcleo é responsável pela coordenação de esforços com secretarias municipais e estadual do setor, algo vital no combate à pandemia da Covid-19.

O estado registrou na segunda (27) 546 casos, elevando o número de infecções a 89.678. Sua curva de mortes está em queda, com 45 notificações novas, ante um total de 6.421.

Ela afirma que os coordenadores estaduais são considerados pelo ministro “seus olhos e braços” nas ações de ponta. A ordem é para que “interagíssemos mais com as prefeituras”.

Paula substituiu a enfermeira Kamila Correia, que estava havia quase três anos no cargo e não quis conceder entrevista.

Pazuello começou a mexer nos cargos nos estados apesar de ser interino —ele assumiu em 15 de junho, após a queda do breve Nelson Teich, que passou apenas 28 dias na cadeira.

Outras coordenações regionais, com a do Rio, também têm novos chefes.

Na pasta, o ministro ocupou mais de duas dezenas de postos com militares da ativa e da reserva, o que gerou contestação na área da saúde.

O general tem sofrido pressões diversas, a começar por seus chefes nominais, a cúpula do serviço ativo do Exército. Ainda assim, o presidente Jair Bolsonaro afirma que ele permanecerá interinamente por "um bom tempo" no posto.

A adoção de diretrizes polêmicas do governo rende diversas críticas ao general, que até por ser da ativa gera uma identificação automática entre a administração e as Forças Armadas.

Entre elas, além da militarização do ministério, a tentativa de mudar critérios de divulgação de dados da pandemia e a promoção da hidroxicloroquina, remédio sem comprovação clínica comprovada no tratamento da Covid-19.

Devido à sua gestão, o Exército foi acusado pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes de associar-se a "um genocídio", expressão que gerou uma reação institucional, com representação do Ministério da Defesa contra o magistrado na Procuradoria-Geral da República.

Na Folha

A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares


Alvo de ação do Facebook trabalha ao lado do presidente e integra ‘gabinete do ódio’; Jair Bolsonaro

O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.

Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.

Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.

Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.

Sua estratégia ficou clara: queria ganhar, sim, mas não bastava. Maia precisava perder. Uma rusga que atravessou o ano e ancorou na pandemia.

Errou também o presidente por desconhecimento das regras da articulação, dos princípios e dos ritos na relação entre os Poderes e entre estes e as unidades da Federação.

Numa conferência recente sobre a intrincada conjuntura política do País o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo fez uma paródia do jargão para cunhar outra expressão que define este tipo de confluência de desastres em uma mesma situação: “o errado perfeito”. Do manual do erro, Bolsonaro não deixou nada de fora, cumpriu todos. Tanto que, com um piparote, a grande aliança que solucionaria seus problemas voou pelos ares.

A primeira lição que o presidente deveria aprender com o revés é que a articulação política exige ciência, por mais que a palavra atinja seus brios. Não se coordena a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo apenas com um general afável, competente relações públicas, e alguns líderes neófitos e inexperientes membros do baixo clero parlamentar.

Os exemplos de fracassos e sucessos de governos anteriores ensinam também a quem quer aprender. Não é necessário ao governo ter um Luiz Carlos Santos que, segundo a lenda, dava nó em fumaça. Muitos depois dele, e sem a sua experiência e habilidade, saíram-se bem.

Uma segunda lição é que para se ter uma boa articulação política é preciso ter, primeiro, uma política. Representada em um projeto de governo a que se possa aderir, em torno do qual estabelecer negociação e dividir tarefas de execução. Sem isto não dá para fazer nada, a não ser acertos aleatórios e pontuais, geralmente descumpridos de parte a parte.

O articulador precisa contar com a total confiança do presidente e inspirar confiança e respeito dos seus interlocutores. Voz de comando não funciona: articulação política não é uma guerra nem uma campanha eleitoral. Ah, importante: tem de reconhecer a importância e respeitar a oposição.

Em um governo forte, com base no Congresso, plano de trabalho, unidade dos ministros, a articulação flui. Mas se é um governo desorientado, como o de Jair Bolsonaro, com um presidente que não tem autoridade além da conferida pelo cargo, assiste-se a uma derrota atrás da outra.

Neste caso, o que costuma acontecer é a base ter o governo e não o governo ter a base.

No Estadão

A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental


Amazônia: somente 4% das unidades de conservação estão devidamente instaladas

Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.

Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.

E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.

A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.

Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.

terça-feira, 28 de julho de 2020

O governo perdeu: por que 63 votos de Maia valem mais do que 158 de Lira




Arthur Lira, líder do PP e do Centrão, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O governo tentou fazer o primeiro atropelar o segundo. Aconteceu o contrário - Press/Estadão Conteúdo; Marcelo Camargo/Agência Brasil
Arthur Lira, líder do PP e do Centrão, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara.
O governo tentou fazer o primeiro atropelar o segundo. Aconteceu o contrário

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, é dono de uma virtude rara na política: o tempo só lhe faz bem, nunca mal. Aprendeu como poucos a virtude da temperança. Também sabe esperar. E sempre que lhe é dado fazer a defesa institucional do Poder que representa, ele não hesita. Pode-se discordar dele aqui e ali — e eu mesmo tenho discordâncias —, mas duvido que se possa apontar um só ato seu, à frente da Presidência da Câmara, que desonre a cadeira. Por isso mesmo, é alvo do ódio da súcia nas redes sociais que se identifica com Bolsonaro.

O governo decidiu, como se sabe, e repito expressão que já empreguei aqui, comprar o "fundão do Centrão" para formar uma base mínima que afaste o impeachment. Bastam 172 deputados para isso. A coordenação política do governo, ou coisa parecida, passou a atuar para isolar Maia, tentando minar a sua liderança.

Para tanto, resolveu contar com os préstimos de Arthur Lira (AL), líder do PP, uma das expressões do tal Centrão e hoje instrumento de Jair Bolsonaro na Câmara. Maia reagiu com a frieza de um bloco de gelo. Não partiu para o confronto. Partiu para a articulação política legítima. É o que deve fazer um deputado e um presidente da Câmara.

O Centrão se formou por ocasião da Comissão do Orçamento. Começou juntando praticamente todo mundo, exceção feita às esquerdas. Chegou a ter 351 deputados. Algumas siglas foram se afastando, como o PSDB, um pedaço do PSL e o Republicanos. Ainda assim tinha uma força considerável, com DEM, MDB, PL, PP, PSD, SD, PTB, PROS e Avante: 221 membros.

No esforço de isolar Maia, o Planalto foi para o dando que se recebe e atraiu PP, PL, PSD e também membros do Republicanos, embora este já não fosse mais "Centrão". Lira passou a ser o braço de Bolsonaro na Câmara, buscando articular, desde já, sua candidatura à Presidência da Casa. É um político que se move com desenvoltura nos bastidores. De crítico do governo Bolsonaro, que se negava a negociar com o Congresso, virou amigo de fé, irmão e camarada do presidente.

Do ponto de vista dos parceiros que arrebanha, a eficiência de um líder com essas características se mede pela capacidade de receber cargos do governo para distribuir para a patota. E Lira se sai bem. Do ponto de vista do governo, é preciso entregar votos. E aí a coisa desandou numa votação importante.

O governo decidiu torpedear a PEC do Fundeb. Resistiu até a última hora. E Lira ali, firme, tentando comandar a obstrução. Mas não conseguiu liderar nem mesmo aqueles a quem premiou, na condição de intermediário, com cargos. Maia comandou a defesa da PEC do Fundeb e aplicou uma surra vigorosa no governo, que acabou aderindo ao texto na última hora. Ao governo, pareceu que Lira é melhor para reivindicar e distribuir cargos do que para entregar votos. A muitos de seus pares, restou a sensação de que a eficiência em abocanhar cargos não é sinônimo de liderança política.

DEM E MDB FORA
Pois bem: DEM e MDB anunciaram nesta segunda que estão fora do Centrão. Aqueles 351 deputados do começo do ano, depois reduzidos a 221, serão agora 158. Ainda se trata de uma massa considerável de deputados. A questão é saber se eles votarão unidos. O Fundeb deixou claro que não. Mais: para assumir a condição de homem de confiança do governo, Lira teve de comprar a pauta de Paulo Guedes, que não é exatamente um homem popular no Congresso.

É claro que essa movimentação já tem como horizonte próximo a disputa pela Presidência da Câmara. Juntos, MDB (35) e DEM (28) contam com 63 deputados. Em si, claro!, é pouco para lançar um candidato à Presidência da Casa. Mas já se sabe que Lira deve tentar disputar. Se acontecer, será sob os auspícios de Bolsonaro, é certo.

Como a esquerda e assemelhados não têm condições de lançar um nome, o provável é que, mais uma vez, seja atraída para a órbita de Maia e para o nome que contar com o seu apoio. Fala-se aqui de 153 deputados. Somados aos 63 de MDB e DEM, temos uma massa de 216. Nessas condições, é razoável supor que o grupo atraia os 31 deputados do PSDB e pelo menos metade da bancada do PSL — algo em torno de 20. Potencialmente ao menos, o total sobe para 267. São necessários 256 votos para eleger o presidente da Casa. Os 10 deputados do Podemos podem se juntar à turma: 277.

Sim, é claro! As coisas não são exatamente assim, como na ponta do lápis. Há integrantes desse grupo que poderiam migrar para a candidatura de Lira — ou alguma outra —, mas quem disse que aqueles 158 que sobraram no Centrão fecham integralmente com o atual líder do PP? E há os desgarrados que vão votar naquele que vai ganhar.

NÃO ACONTECEU
Faço aqui uma matemática de tendências, não uma tabela contábil. Uma coisa, no entanto, é inequívoca: a saída do MDB e do DEM do bloco do Centrão indica que Maia sobreviveu com folga à tentativa do Planalto de tratorá-lo. O esmagamento não aconteceu. Muito pelo contrário.

Na prática, os 63 deputados de DEM e MDB, aliados de Maia (com uma exceção ou outra), valem muito mais do que os 158 que estariam sob a liderança de Lira. Como já vimos, diga-se, não estão incondicionalmente.

Tentando enfraquecer o presidente da Câmara, o Planalto acabou por fortalecê-lo.

Por Reinaldo Azevedo

Ato da AGU pró-extremistas é ilegal; advogado-geral tem de ser acionado


José Levi Mello do Amaral Júnior, advogado-geral da União. Chegou com boa reputação. Se rendê-la no altar do bolsonarismo, vai calciná-la - AGU/Divulgação
José Levi Mello do Amaral Júnior, advogado-geral da União. Chegou
com boa reputação. Se rendê-la no altar do bolsonarismo, vai calciná-la

Não há nenhuma incompatibilidade entre levar adiante as investigações sobre a origem das agressões à ordem democrática praticadas por extremistas do bolsonarismo — e é preciso que respondam na esfera penal pelas agressões que praticam — e a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou que alguns perfis sejam retirados das redes sociais. Sim, ele está certo. Sim, ele fez bem. Sim, ele está amparado na lei.

Antes que continue, uma observação: é claro que uma mensagem ou outra desses perfis nada mais são do que exercício da liberdade de expressão. Mas são exceções em meio a uma pletora de incitação ao ódio e à ilegalidade. Digamos que uma página que faça o incitamento ao terrorismo publique uma receita de bolo de laranja. Se e quando tirada do ar, não terá sido por causa do bolo de laranja.

Bandidos, por cinismo, fingem não saber a diferença entre crime e liberdade de expressão, embora só pratiquem crimes. Democratas, por nefelibatismo — vivem com a cabeça nas nuvens —, tendem a não saber a diferença entre liberdade de expressão e crime, embora só pratiquem liberdade de expressão. Costumam se deixar seduzir pelo discurso dos canalhas, apontando agressão a um direito fundamental onde há apenas cumprimento da lei.

EXOTISMO E ILEGALIDADE
Ainda que eu estivesse entre os que viam com reservas o despacho de Moraes, estas logo se dissipariam ao saber que ninguém menos do que a Advocacia Geral da União, cujo titular é José Levi Mello do Amaral Júnior, resolveu recorrer ao Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a decisão do ministro. Atendeu a uma determinação do presidente Jair Bolsonaro.

Raramente se assistiu a exotismo dessa natureza. E também a uma ilegalidade tão flagrante.

Uma nota: Amaral Júnior chegou à AGU com a reputação de pessoa séria. Ela está sendo torrada. Se não consegue resistir à pressão do presidente para fazer a coisa errada, que peça demissão. Ou, então, entregue a sua biografia ao bolsonarismo.

Afinal, qual é o trabalho da AGU? O site da instituição responde:
"A AGU, órgão responsável pela representação judicial da União e consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, é composta por advogados da União, que atendem pela Administração direta, Procuradores da Fazenda Nacional, com competência restrita à matéria tributária, Procuradores Federais que atuam junto às autarquias e fundações, Procuradores do Banco Central, que atuam exclusivamente perante aquela instituição e Servidores Administrativos, que auxiliam em todos os setores do órgão."

Quais são os indivíduos que tiveram seus respectivos perfis suspensos nas redes sociais? Vamos ver: o ex-deputado Roberto Jefferson, que é presidente do PTB; a extremista de direita Sara Winter; o blogueiro oficialista Allan dos Santos e os empresários Luciano Hang, das lojas Havan, e Edgard Corona, das academias Smart Fit.

Muito bem! Ainda que você discorde da decisão — E NÃO É O MEU CASO —, pergunto: cabe à AGU, cuja tarefa é basicamente fazer a defesa dos órgãos que compõem a União, entrar com uma Adin em defesa de militantes bolsonaristas? Allan dos Santos, Sara Winter, Luciano Hang e Edgard Corona não dispõem de advogados? O que a Advocacia Geral da União tem com isso?

Atenção! Cabe a AGU fazer também a defesa do Supremo — e nunca, por óbvio, atuar contar o próprio tribunal, como é o caso. Trata-se de um desvirtuamento asqueroso das funções desse ente do Estado brasileiro.

"Não adianta tentar tresmudar, disfarçar que é para defender a liberdade de expressão, liberdade de comunicação, estado democrático de direito. Isso é politicagem pura para defender esses disseminadores de notícias falsas e odiosas, incentivadoras da ruptura institucional", afirmou o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Na mosca! Ou "nas moscas".

Não custa lembrar que André Mendonça, ministro da Justiça — que continua a dar vexame e a flertar com o perigo em outro assunto—, chegou a entrar com um habeas corpus preventivo em favor do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, também um absurdo sem precedentes.

Edson Fachin é o relator da Adin de autoria da AGU. Imaginem vocês: um ministro do STF é convidado a anuir com a suposta inconstitucionalidade de uma decisão tomada por um membro do próprio tribunal, e o autor da ação é ninguém menos do que um ente que tem, entre as suas atribuições, defender esse mesmo tribunal.

Ou por outra: a AGU se junta a militantes bolsonaristas, sob o estímulo do presidente da República, contra o tribunal que ela deveria defender. E ainda convida um ministro da corte a fazer a mesmo. Eis a melhor evidência de que Alexandre de Moraes não exagerou, não é mesmo? O que se relata aqui tem mais cara de organização criminosa do que de atuação regular de entes do estado.

Essa ação absolutamente ilegal da AGU não pode passar impune.

PARA ENCERRAR
Espero que Edson Fachin mande a ADI para o lixo quando for pautada pela presidência do STF em razão da ilegitimidade do impetrante. A menos, agora, que, entre as funções da AGU esteja fazer a defesa de amigos do presidente Jair Bolsonaro.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Profissionais da saúde denunciam Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional


Denúncia aponta postura de

O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado neste domingo (26/07) no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e genocídio devido à sua postura diante da pandemia de covid-19. A representação criminal foi apresentada por uma coalizão de organizações que, juntas, representam mais de um milhão de profissionais da saúde e foi endereçada à procuradora-geral da Corte, Fatou Bensouda, segundo noticiaram os portais UOL e G1.

Bolsonaro já é alvo de outras quatro denúncias no Tribunal, com sede na Holanda – três delas por sua atuação na crise sanitária provocada pelo novo coronavírus e uma por crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais. A nova denúncia é a primeira feita por profissionais da saúde, que afirmam que o presidente cometeu "falhas graves e mortais na condução da pandemia de covid-19".

O grupo que protocolou a queixa, liderado pela Rede Sindical Brasileira UNISaúde, alega que Bolsonaro coloca os profissionais da saúde e toda a população em risco ao "adotar ações negligentes e irresponsáveis"; defender a hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a doença; e promover sucessivas aglomerações, nas quais costuma comparecer sem máscara. Além disso, o grupo salienta o fato de o Brasil estar há mais de dois meses sem ministro da Saúde.

No documento de 64 páginas, os profissionais destacam também a postura de "menosprezo, descaso e negacionismo" do presidente, que teve como consequências desastrosas o crescimento da disseminação do vírus e o "total estrangulamento dos serviços de saúde". A representação solicita que a Corte acate o pedido, que peça ao governo federal as informações necessárias e que convoque Bolsonaro a depor.

"O governo Bolsonaro deveria ser considerado culpado por sua insensível atuação frente à pandemia e por recusar-se a proteger os trabalhadores da saúde do Brasil assim como a população brasileira, à qual ele prometeu defender quando se tornou presidente", disse Marcio Monzane, secretário regional da UNI Americas, braço regional da federação internacional sindical UNI Global Union, citado pelo UOL.

Desde o começo da pandemia, Bolsonaro vem negando a gravidade da situação, fato que, aliado à política ambiental, vem deteriorando a imagem do Brasil no cenário internacional. Por diversas vezes, o presidente declarou ser contrários às medidas de isolamento social e chegou a dizer que "ficar em casa é coisa de covarde".

Além disso, promoveu aglomeração ao participar de eventos públicos, cumprimentar apoiadores e circular pelo comércio. Ao conversar com jornalistas após ser diagnosticado com covid-19, tirou a máscara e, na semana passada, após testar positivo para o coronavírus novamente, passeou de moto e conversou com garis sem usar a proteção.

Bolsonaro é um ferrenho defensor da hidroxicloroquina e da cloroquina chegou a tomar o medicamento ao vivo em uma transmissão na internet, apesar de o uso dos medicamentos antimaláricos no tratamento da covid-19 ser desaconselhado pela Sociedade Brasileira de Infectologia.

Dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram o cargo desde o começo da pandemia por discordarem das medidas propostas pelo governo. Até o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que Bolsonaro considera um aliado, mencionou o Brasil como exemplo negativo no combate à covid-19.
Tribunal de Haia

O Brasil apoiou a criação do Tribunal Penal Internacional, em 1998. Atualmente, a Corte conta com a participação de cerca de 120 Estados e é responsável por julgar indivíduos acusados de crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Em abril, Bolsonaro foi denunciado em Haia pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), que alegam que o presidente praticou crime contra a humanidade ao incentivar ações que aumentam o risco de proliferação da covid-19.

Em junho, o tribunal atendeu pedido protocolado pelo PDT e atualmente analisa denúncia por crime contra humanidade pela postura de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia. O PDT argumenta que Bolsonaro tem contrariado recomendações para reduzir o ritmo de contágio, contribuindo, assim, para um colapso do sistema de saúde, e destaca que inúmeras vezes o presidente ignorou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 2019, Bolsonaro se tornou alvo de denúncia em Haia acusado de incitação ao genocídio de povos indígenas e crimes contra a humanidade por minar a fiscalização de crimes ambientais na Amazônia. A denúncia foi apresentada pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – a Comissão Arns, uma entidade civil que reúne juristas e acadêmicos com a finalidade de denunciar violações aos direitos humanos.

Cinco meses após a confirmação do primeiro caso no país, em 26 de fevereiro, o Brasil chegou neste domingo à marca de 2.419.091 infecções e 87.004 óbitos por covid-19.

Por Microsoft News

sábado, 25 de julho de 2020

Sobra cloroquina e faltam os remédios anti-Covid


Jair Bolsonaro segura caixa de cloroquina do lado de fora do Palácio da Alvorada - REUTERS/Adriano Machado

A obsessão de Jair Bolsonaro pela cloroquina transformou-se num processo judicial esperando na fila para acontecer. Documentos internos do Ministério da Saúde revelam que, sob o comando interino do general Eduardo Pazuello, a pasta abarrotou os seus estoques de cloroquina e deixou faltar medicamentos vitais para o tratamento de pacientes de covid-19 internados em UTIs. Fez isso contrariando alertas dos técnicos do próprio ministério.

A barbeiragem sanitária está documentada em atas de reuniões do Comitê de Operações de Emergência do Ministério da Saúde. Os encontros ocorreram entre abril e junho. O Jornal Nacional obteve cópias de alguns desses documentos. Exibiu-os na noite de sexta-feira. Em 25 de maio, o comitê discutiu a compra de cloroquina. Decidiu-se adquirir 3 toneladas de insumo farmacêutico ativo para a produção do medicamento.

A ata da reunião revela que os técnicos fizeram um alerta: "Devido à atual situação, não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois, caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas." O comando do ministério deu de ombros.

O general Pazuello tornou-se ministro interino graças à cloroquina. O oncologista Nelson Teich pediu demissão do cargo de titular da Saúde 28 dias depois de tomar posse porque se recusou a avalizar a cloroquinomania de Bolsonaro. Dez dias depois da saída do doutor, o general Pazuello alterou o protocolo da Saúde sobre a cloroquina. Autorizou a prescrição do medicamento inclusive para pacientes com sintomas leves da covid-19 —exatamente como queria Bolsonaro.

A abundância de cloroquina contrastava com a escassez de remédios realmente úteis no tratamento dos pacientes com covid-19. Em reunião ocorrida em 29 de maio, os técnicos do comitê emergencial da Saúde revelavam-se apreensivos com os baixos estoques de medicamentos como analgésicos e sedativos, indispensáveis para entubar pacientes levados à UTI.

Nada menos que 267 insumos estavam com "risco de desabastecimento", anota a ata da reunião. Quem lê o documento é estimulado a suspeitar que o governo estava mais preocupado em ocultar o problema do que em resolvê-lo. O documento anota uma observação "importante", Diz o seguinte: "Não fazer divulgação dos dados."

O comitê da Saúde reuniu-se novamente em 3 de julho. Àquela altura, havia em estoque 4 milhões de comprimidos de cloroquina. A ata registra: "Alguns estados não quiseram receber a cloroquina, com isso ficou em estoque para devolução mais de 1,4 milhão de comprimidos". Nessa ocasião, proliferavam estudos internacionais atestando a ineficácia da cloroquina no tratamento da covid-19.

No mês de junho, governadores de 23 estados e do Distrito Federal subscreveram uma carta conjunta, Nela, pediam ao Ministério da Saúde que fizesse "uma compra centralizada no mercado nacional ou aquisição, por intermédio da Opas, no mercado internacional."

Foi contra esse pano de fundo que a representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu a abertura de auditoria para investigar a superprodução de cloroquina pelo Exército, por ordem de Bolsonaro. A estimativa é que o volume de produção tenha aumentado 84 vezes entre março e abril. O TCU deve apurar a suspeita de desperdício de dinheiro público. A chance de algo assim acabar bem é remota.

Ouvido nesta sexta-feira, o ministério alegou que o estoque hipertrofiado de cloroquina pode ser usado também no tratamento de doenças crônicas e malária. Mas isso já vinha sendo assegurado antes da pandemia, sem aquisições mirabolantes. Pelas contas da pasta da Saúde, o estoque de cloroquina no seu almoxarifado é, hoje, de 472 mil comprimidos.

Ainda infectado pelo coronavírus, Bolsonaro comporta-se como garoto-propaganda da cloroquina. Oferece o medicamento até para as emas dos jardins do Alvorada.

Por Josias de Souza

Pesquisa injeta Moro na disputa Bolsonaro X PT


Marcos Oliveira/Agência Senado; Fernando Frazão/Agência Brasil

A sucessão de 2022 ainda é um ponto longínquo no calendário. Pesquisas eleitorais feitas com muita antecedência servem apenas como sinalização de tendências. Assim deve ser lida a sondagem do instituto Paraná Pesquisas, divulgada pela revista Veja. Revela que, se a eleição presidencial fosse hoje, Jair Bolsonaro e Sergio Moro teriam boas chances de disputar um segundo turno.

No cenário mais provável, o presidente tem 29% das preferências do eleitorado. O ex-ministro ficou com 17,1%. Fernando Haddad, Ciro Gomes, Luciano Huck, João Amoêdo, João Doria, Guilherme Boulos e Wilson Wietzel têm, juntos, 38,9%. Esse percentual, somado ao total dos que dizem não ter nenhum candidato ou não sabem em quem vão votar, vai a 53,8%. Significa dizer que mais da metade do eleitorado estaria disponível num segundo turno.

Quais são as duas sinalizações mais fortes da pesquisa? A primeira delas é a capacidade de Bolsonaro de resistir à tempestade que despeja raios e trovões sobre a conjuntura política e econômica. O vale-vírus de R$ 600 tem grande papel nisso. A segunda sinalização é o desejo de parte do eleitorado de despolarizar a próxima sucessão presidencial, colocando alguém no meio da briga entre o bolsonarismo e o petismo. No momento, a principal ameaça à reeleição de Bolsonaro não é o PT, mas o ex-juiz da Lava Jato.

Num hipotético segundo turno entre Bolsonaro e Moro, o presidente largaria com 44,7% das preferências, 9,7 pontos percentuais à frente do seu ex-ministro da Justiça, que aparece com 35%. Os dois iriam disputar aqueles 53,8% dos votos despejados nas candidaturas que ficariam para trás no primeiro turno.

Nesse ponto, Bolsonaro teria de lidar com a rejeição ao seu nome. Segundo a pesquisa, 48,1% dos brasileiros desaprovam a gestão de Bolsonaro. Ou seja: o presidente teria que molhar a camisa para evitar que Moro fosse beneficiado pelo voto útil —aquele voto que o eleitor dá a um candidato não por gostar dele, mas para evitar a vitória do outro.

Isso explica porque Sergio Moro tem sido tão atacado pelos bolsonaristas. Chamam-no de "traidor". Hoje, interessa a Bolsonaro restabelecer a polarização com o PT. De resto, é preciso levar em conta um ator que terá papel muito relevante na próxima eleição: o doutor imponderável.

A influência do imponderável vai depender, por exemplo, da dimensão da crise econômica e dos movimentos da língua de Fabrício Queiroz. Ou da disposição do eleitor de centro para acreditar na veracidade desse Bolsonaro light que está em cena e na capacidade de Moro de lidar com problemas que extrapolem a pauta judicial de combate à corrupção. Muita água passará por baixo dessa ponte.

Ação sigilosa do governo Bolsonaro mira professores e policiais antifascistas



O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários, um dos quais ex-secretário nacional de direitos humanos e atual relator da ONU sobre direitos humanos na Síria, todos críticos do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

O ministério produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas.

A atividade contra os antifascistas, conforme documentos aos quais o UOL teve acesso, é realizada por uma unidade do ministério pouco conhecida, a Seopi (Secretaria de Operações Integradas), uma das cinco secretarias subordinadas ao ministro André Mendonça.

A secretaria é dirigida por um delegado da Polícia Civil do Distrito Federal e tem uma Diretoria de Inteligência chefiada por um servidor com formação militar —ambos foram nomeados em maio por Mendonça.

Investida das atribuições de serviço de "inteligência" por um decreto do presidente Jair Bolsonaro, o de nº 9.662 de 1º de janeiro de 2019, a Seopi não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial. Assim, vem agindo nos mesmos moldes dos outros órgãos que realizam normalmente há anos o trabalho de inteligência no governo, como o CIE (Centro de Inteligência do Exército) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Procurado pelo UOL, o ministério afirmou que integra o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) e que a inteligência na segurança pública faz "ações especializadas" com o objetivo de "subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio" (veja mais abaixo).

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Públicou classificou a medida de "arbitrária, que remete aos tempos da ditadura militar, e cujo intuito claro é o de intimidar e constranger servidores públicos da área de segurança que se posicionam contra as incontáveis ações e declarações beligerantes e radicais do atual presidente da República". A organização se solidarizou com os profissionais.
Dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país

Além da PF e do CIE, o documento produzido pelo Ministério da Justiça foi endereçado a vários órgãos públicos, como Polícia Rodoviária Federal, a Casa Civil da Presidência da República, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Força Nacional e três "centros de inteligência" vinculados à Seopi no Sul, Norte e Nordeste do país.

Os centros funcionam como pontos de reunião e intercâmbio de informações entre o Ministério da Justiça e policiais civis e militares que são recrutados pelo ministério.

Assim, o dossiê do Ministério da Justiça se espalhou pelas administrações públicas federal e estaduais e não se sabe a consequência dessa disseminação. Pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.

"Aliança popular antifascismo"

Na primeira quinzena de junho, a Seopi produziu um relatório sobre o assunto "Ações de Grupos Antifa e Policiais Antifascismo". O relatório foi confeccionado poucos dias depois da divulgação, no dia 5 de junho, de um manifesto intitulado "Policiais antifascismo em defesa da democracia popular", subscrito por 503 servidores da área de segurança, aposentados e na ativa, incluindo policiais civis e militares, penais, rodoviários, peritos criminais, papiloscopistas, escrivães, bombeiros e guardas municipais.

No manifesto, o movimento se diz suprapartidário e denuncia um "projeto de neutralização dos movimentos populares de resistência, propondo uma "aliança popular antifascismo".

Segundo o manifesto, o movimento deveria ter participação de sindicatos, entidades de classe, movimentos populares, estudantes, artistas e outros. O documento pede ainda uma reação "às ameaças civis-militares de ruptura institucional".

Poucos dias antes, em 22 de maio, o general e ministro do GSI, Augusto Heleno, havia divulgado uma "nota à nação brasileira", na qual disse que a eventual apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro —tema de consulta do STF (Supremo Tribunal Federal) à PGR (Procuradoria-Geral da República)— poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".
Bolsonaro citou "marginais, terroristas" ao se referir a antifascistas

O manifesto foi usado pelo Ministério da Justiça para embasar a apuração sobre os servidores, mas não foi o único argumento. Em 31 de maio, protestos antifascistas ocorreram em capitais como São Paulo e Curitiba.

Os protestos foram alvo de um pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro no dia 5 de junho, mesmo dia do manifesto dos policiais antifascistas. Ele discursou numa solenidade em Águas Lindas (GO) contra "grupos de marginais, terroristas, querendo se movimentar para quebrar o Brasil".

O relatório do Ministério da Justiça foi produzido menos de uma semana depois das declarações de Bolsonaro. Após citar os protestos de 31 de maio, o relatório afirma: "Verificamos alguns policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologia antifascistas".

O texto da Seopi menciona a época do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, quando foi divulgado um outro documento intitulado "Manifesto de policiais pela legalidade democrática". O relatório da Seopi afirma que "74 agentes de segurança pública assinam o referido documento, o qual posiciona-se com as mesmas diretrizes que estão sendo difundidas atualmente com os antifas", a abreviatura dos que integram os movimentos antifascistas.

579 nomes entraram na lista de antifascistas

A Seopi somou as assinaturas dos dois manifestos e montou um anexo, em tabela de arquivo Excel, com uma "relação de servidores da área de segurança pública identificados como mais atuantes". Os 579 nomes foram divididos por estado da federação.

Além desse anexo, a Seopi incluiu os dois manifestos, de 2016 e 2020, uma série de "notícias relacionadas a policiais antifascismo" e cópias em PDF do livro "Antifa - o manual antifascista", do professor de história Mark Bray, e de um certo "manual de terrorismo BR".

Encontrado na internet e escrito em linguagem adolescente, esse "manual" diz ter receitas para fabricação de bombas caseiras e atos de "anarquia".

A Seopi não faz qualquer explicação que permita ligar esse "manual" aos antifascistas. Não há registro de que "antifas" tenham participado de qualquer ato terrorista em território nacional.

Formadores de opinião do movimento foram monitorados

O relatório do Ministério da Justiça diz que "além desses servidores foi possível identificar alguns formadores de opinião, professores, juristas e o atual secretário de estado de articulação da cidadania do Pará [sic], defensores desse movimento".

Os alvos, todos acompanhados de fotografias, são os professores universitários Paulo Sérgio Pinheiro (integrante da Comissão Arns de direitos humanos, presidente da comissão independente internacional da ONU sobre a República Árabe da Síria desde 2011, com sede em Genebra, nomeado pelo conselho de direitos humanos da ONU, ex-secretário nacional de direitos humanos no governo de FHC e ex-integrante da Comissão da Verdade); Luiz Eduardo Soares (cientista político, secretário nacional de Segurança Pública no primeiro governo Lula e co-autor do livro "Elite da Tropa" [Objetiva, 2006]); e Ricardo Balestreri (secretário estadual de Articulação da Cidadania do governo do Pará e ex-presidente da Anistia Internacional no Brasil). Há também um quarto nome da academia, Alex Agra Ramos, bacharel em ciências políticas na Bahia.

Em nota, a Comissão Arns de direitos humanos declarou repúdio à ação do Ministério da Justiça. "Essa lista de pessoas monitoradas lembra em tudo, e por tudo, inclusive em número, a lista de pessoas 'indesejáveis' divulgada dias após a eleição de 2018 por eleitores do candidato vitorioso, em nítido tom de
ameaça, pelo fato de proclamarem em pronunciamentos e subscrição de manifestos suas convicções democráticas."

"O Professor Paulo Sérgio Pinheiro é, para nosso orgulho, membro fundador e primeiro presidente da Comissão Arns", continou. "Exigimos que o Ministro da Justiça venha a público explicar-se sobre a notícia, desmentindo-a se falsa, estando vedada a utilização do argumento do “sigilo”, mecanismo legal para proteção da democracia e da sociedade, não podendo acobertar ações insidiosas contra o Estado de Direito e os que o defendem."

No relatório, a Seopi cita como "destaque na mídia" uma entrevista concedida por Pinheiro ao UOL em fevereiro de 2019 intitulada "Discurso violento de líderes cria clima de 'liberou geral'". Curiosamente, ao longo da entrevista Pinheiro sequer menciona as palavras fascismo, antifascismo ou antifascistas nem associa Bolsonaro e o governo a nada parecido.

Sobre Soares, a Seopi destacou um texto intitulado "apelo à unidade antifascista", na qual ele fala em "ameaças seguidas de golpe por parte do garimpeiro genocida do Planalto" e vê o "avanço do fascismo". Ele pede que a esquerda se una em torno da "ameaça".

No seu relatório, a Seopi reproduziu ainda a página de Balestreri no Facebook e uma foto do secretário.

Policiais antifascismo dizem já haver retaliações

Dois policiais civis entrevistados pela coluna que integram o "movimento de policiais antifascismo", Luiz Felipe de Oliveira Teixeira, 57, do Rio Grande do Sul, e Pedro Paulo Chaves, 34, do Rio Grande do Norte, disseram que agentes da segurança pública já vinham sofrendo retaliações mesmo antes do relatório da Seopi.

Em abril, um promotor de Justiça de Natal pediu a abertura de um inquérito após Chaves dizer num vídeo que eles iriam investigar a quebra da estratégia do isolamento social durante a pandemia por manifestantes pró-Bolsonaro que organizaram carreatas nas ruas de Natal e Mossoró.

Teixeira disse que, no Rio Grande do Sul, policiais que integram o movimento antifascista passam a ser preteridos em algumas operações, deixando de receber diárias de viagem. Além disso, comentários dos antifascistas em redes sociais podem render processos administrativos disciplinares.

Ambos concordam que os textos de Soares e de Balestreri são referências nos debates sobre antifascismo e segurança pública. "[Soares] investe muito num ponto que é realmente expressivo, que é a questão da cultura, como se pensa a polícia pela sociedade, o que se espera de um policial na sociedade. É um dos grandes problemas da segurança pública. É aquela visão do 'policial jagunço', que está ali para resolver os problemas de alguém em detrimento dos direitos e da integridade de um outro, que muitas vezes está numa situação de delinquente ou não, está inferiorizado economicamente."

Chaves e Teixeira afirmam que o movimento é pacífico, tem cerca de 500 integrantes no país e começou a ganhar força em 2017, a partir de uma troca de experiências durante o Fórum Social Mundial daquele ano. Eles disseram que, para ser aceito como membro, o policial precisa ter algumas características. Segundo Chaves, tem que ser "antifascista, contra Bolsonaro e ser de esquerda".

"Nosso antifascismo vem antes de Bolsonaro, é contra as instituições —basta ver como as coisas funcionam dentro de uma Polícia Militar— mas também do lado de fora, nas periferias, na guerra às drogas, na relação das polícias com a juventude. Nosso antifascismo não é contra Bolsonaro, ele que se aliou ao fascismo, então ele é um elemento de aversão", disse Chaves.

Em nota, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul rechaçou "as afirmações feitas por um policial civil aposentado, servidor que demonstra desconhecer as rotinas atuais da instituição".

"Não há por parte da Polícia Civil qualquer ingerência na vida privada e na liberdade de expressão dos policiais civis ou retaliação aos seus servidores com relação às suas posições ideológicas, sejam elas quais forem", continuou. A entidade negou, ainda, que procedimentos administrativos tenham sido instaurados contra servidores por comentários em redes sociais

Dossiê tem "acesso restrito" e poderia ficar em sigilo por 100 anos

Para contornar a LAI (Lei de Acesso à Informação), a Seopi carimbou os documentos sobre os antifascistas como "de acesso restrito".

A LAI prevê três tipos de sigilo sobre uma informação produzida pelo Executivo: ultrassecreto (que deverá ser divulgada num prazo máximo de 25 anos), secreto (15 anos) e reservado (cinco anos).

Uma única menção a "acesso restrito" aparece na lei e no decreto que a regulamentou, o de número 7724/2012, no ponto que trata de "informações pessoais".

O artigo 55 do decreto diz que informações relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão "acesso restrito a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que se referirem, independentemente de classificação de sigilo, pelo máximo de cem anos". Ou seja, segundo o critério adotado pela Seopi as informações que produziu só poderiam ser conhecidas daqui a um século.

Antes estrutura de apoio a investigações, Seopi age agora com foco político

Até janeiro de 2019, as atividades da Seopi eram desenvolvidas por uma coordenadoria. Na gestão do ministro Sergio Moro (2019-2020), e a partir do decreto presidencial 9662, de janeiro de 2020, a coordenadoria foi elevada a Secretaria.

O decreto de Bolsonaro que estabeleceu as competências da Seopi diz que cabe a ela assessorar o ministro "nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração com os órgãos de segurança pública federais, estaduais, municipais e distrital". Afirma ainda que ela pode "estimular e induzir a investigação de infrações penais, de maneira integrada e uniforme com as polícias federal e civil".

Durante o governo de Temer e parte do governo Bolsonaro, a coordenadoria de inteligência e depois a Seopi atuaram principalmente fomentando investigações, nos estados, sobre crimes como pornografia infantil, pedofilia e exploração sexual, o que resultou numa série de operações chamada "Luz na infância".

Essas operações eram subsidiadas pelo Ministério da Justiça, mas desencadeadas pelas polícias civis nos estados, sob acompanhamento judicial. Os documentos obtidos pelo UOL mostram que a Seopi agora transbordou para o campo político.

Os chefes da secretaria

A Seopi é comandada desde maio por Jeferson Lisbôa Gimenes, um delegado da Polícia Civil do DF nomeado para o cargo por André Mendonça.

Sob o comando da Seopi está a Dint (Diretoria de Inteligência), chefiada por Gilson Libório de Oliveira Mendes, um ex-assessor especial do atual ministro da Justiça na AGU (Advocacia Geral da União) e também nomeado por Mendonça para o cargo.

Mendes tem muitas ligações com o meio militar. O currículo informa que ele se formou "mestre em aplicações militares" na EsAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais), uma instituição de elite do Exército conhecida como "a casa do capitão", em 1992, e foi bacharel em ciências militares pela Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em 1982.

Em 2018, ele deu uma aula na Escola de Inteligência Militar do Exército, em Brasília. É sob o controle de Gimenes e Mendes que se desenvolve a ação contra os servidores antifascistas.

Posição do Ministério da Justiça

O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi procurado pelo UOL com uma série de indagações, como a origem e o destino do levantamento, se o ministro André Mendonça autorizou ou teve conhecimento do trabalho, quais são os objetivos e os resultados do levantamento e por que houve a inclusão de um "manual de terrorismo" entre os anexos, já que não há registro de atividades "terroristas" praticadas por movimentos antifascistas em território nacional.

O ministério preferiu não responder às dúvidas pontuais e emitiu a seguinte nota, que segue na íntegra:

"O Sistema Brasileiro de Inteligência (instituído pela Lei nº 9.883/1999) é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo. A atividade de Inteligência de Segurança Pública é realizada por meio do exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças potenciais ou reais. O objetivo é subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio. Como agência central do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Decreto 3695/2000), cabe à Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência."

Na Folha