quinta-feira, 30 de abril de 2020

Bolsonaro pressiona Receita Federal a perdoar dívidas de igreja evangélica


Bolsonaro pressiona Receita Federal a perdoar dívidas de igreja ...

O presidente Jair Bolsonaro se reuniu na última segunda-feira, 27, no Palácio do Planalto com o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, e com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, no encontro, a portas fechadas, o presidente cobrou uma solução para dívidas tributárias que as igrejas possuem com o Fisco. Bolsonaro já ordenou à equipe econômica "resolver o assunto", mas a queda de braço continua por resistência do órgão.

Um eventual perdão das dívidas traria prejuízo às contas públicas. A Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por R. R. Soares (com quem o presidente já se encontrou em outras ocasiões), acumula R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União - terceira maior dívida numa lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão. A mesma igreja ainda tem outros dois processos em curso no Carf, tribunal administrativo da Receita, que envolvem autuações de R$ 44 milhões em valores históricos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.(...)

Leia íntegra no Estadão.

Brasil viveu 13 dias que não deveriam ter acontecido


Brasil viveu 13 dias que não deveriam ter acontecido - 29/04/2020 ...

A desnomeação de Alexandre Ramagem para o posto de diretor-geral da Polícia Federal, nas pegadas da decisão do Supremo Tribunal Federal, serve de moldura para um período de 13 dias marcantes —13 dias que não deveriam ter acontecido. Nesse período, foram praticados atos que pioraram um governo que já é ruim. 

Afastaram-se do governo dois ministros populares: Henrique Mandetta, da Saúde; e Sergio Moro, da Justiça. Ambos realizavam um trabalho bem avaliado pela clientela. Mandetta e Moro foram substituídos por personagens que estariam mais bem-postos se continuassem exercendo suas atividades anteriores. 

Como consultor da área de Saúde, o oncologista Nelson Teich não estaria submetendo o Brasil ao vexame de assistir à movimentação de um ministro sem norte em meio a uma guerra sanitária que já produziu mais de 5 mil cadáveres. "E daí?", pergunta o presidente.

Como Advogado-Geral da União, o doutor André Mendonça não viveria o constrangimento de enfiar em sua biografia o título de ministro da Justiça de meia-tigela, sem o controle da cumbuca da Polícia Federal.

O ideal seria que todos os atos que o Planalto enviou para o Diário Oficial nos últimos 13 dias fossem desfeitos. Mas não há como reverter certas tolices. E mesmo a sandice desfeita por uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, pode ser ressuscitada, pois Jair Bolsonaro disse que não abandonou o "sonho" de acomodar Ramagem, o amigo dos filhos investigados, na chefia da Polícia Federal.

Por uma questão de protocolo, a confusão é chamada de presidente. Afinal, a confusão foi eleita por 57,7 milhões de eleitores. Mas o fato de todos chamarem a confusão de presidente não faz de Bolsonaro nada além de um personagem confuso. Nas últimas duas semanas, o Brasil foi presidido pela confusão. O presidente fez opção preferencial pela confusão.

Confundindo general com generalidade, recusou conselhos das fardas que o cercam. Confundindo presidente com divindade, atropelou o interesse público. Confundindo obsessão com legalidade, violou a Constituição. Confundindo cargo com propriedade, Bolsonaro acha que pode fazer o que bem entende. Não pode.

Por Josias de Souza

Outra evidência: Ramagem já buscava substitutos para os alvos de Bolsonaro


Reprodução

Se restava alguma dúvida de que Alexandre Ramagem, impedido de assumir o comando da Polícia Federal por liminar concedida por Alexandre de Moraes, tinha tarefas a cumprir caso assumisse o posto, bem, agora não mais. Leiam o que informa o "Painel", da Folha:

Largada
Nos seus primeiros movimentos como diretor-geral da Polícia Federal, antes de sua nomeação ser suspensa no Supremo, Alexandre Ramagem procurava um nome para substituir o superintendente do Rio de Janeiro, um dos locais mais sensíveis e polêmicos em relação à família Bolsonaro. De acordo com relatos, o delegado também indicou que faria mudanças em São Paulo e em Minas Gerais. A expectativa era a de que policiais do Norte ganhassem espaço no órgão sob novo comando.

De novo
Carlos Henrique Oliveira está na chefia do Rio há menos de cinco meses. Ele tomou posse em dezembro do ano passado, após um imbróglio com sua nomeação, que durou de agosto até novembro. O delegado foi escolha de Maurício Valeixo, ex-diretor-geral, e foi elogiado por Ramagem na primeira reunião, nesta terça (28).

Lista
Nos bastidores, Ramagem pediu sugestões de nomes para o comando do Rio, mas ainda não tinha escolhido. Para São Paulo, Alexandre Saraiva, superintendente da PF do Amazonas, estava na lista de cotados. Seu nome foi parte da primeira crise envolvendo o presidente da República e o órgão, em agosto do ano passado.

Ajuda
No discurso de saída, o ex-ministro Sergio Moro disse que o presidente queria trocar o diretor-geral e as chefias de Rio e Pernambuco sem motivos razoáveis.
(...)

RETOMO
A informação só reforça o acerto da decisão de Moraes. Nada disso, claro!, é surpreendente, ainda que lamentável. Não se estava a escolher alguém para chefiar um órgão de Estado, mas um procurador dos interesses do presidente Jair Bolsonaro na PF.

Vamos ver qual vai ser agora o destino de Ramagem. Perdeu o posto na Abin. Se Bolsonaro não o indicar para outro cargo de confiança, volta a se integrar aos quadros da PF como delegado.

E, sim, é preciso ficar atento para saber quem o presidente pretende indicar para a vaga. A sua determinação em indicar Ramagem — e a fúria que se seguiu ao se contrariado — indica que ele considera esse um posto estratégico para seus interesses políticos.

Por Reinaldo Azevedo

Bolsonaro anuncia recurso. Será? Não pode fazer cônsul o cavalo Incitatus


Repordução

Jair Bolsonaro é um tigre de papel, ancorado em alguns generais e com milícias digitais que criam a fama do mito. Depois de a Advocacia Geral da União afirmar que não iria recorrer da decisão tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu, por meio de liminar, a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, veio o papo, roncado com o rancor do ressentimento impotente: "É dever dela [AGU] recorrer. Quem manda sou eu, e eu quero o Ramagem lá."

Pode querer. Caso se realize, não será tão cedo. O que ele vai fazer? Nomear uma segunda vez? De novo, os que entendem que a nomeação frauda a Constituição iriam recorrer. E, por óbvio, o caso iria parar outra vez nas mãos de Alexandre de Moraes. É o princípio da prevenção. Nesse caso, nem prevenção seria, mas loucura. Bolsonaro pretende repetir o ato impugnado? 

Ocorre que já não há mais do que recorrer. A decisão, suspensa pela liminar, já não existe porque a nomeação foi revogada. O recurso, diga-se, chegaria às mãos do ministro. E, por óbvio, ele teria de arquivá-lo apontando a perda de objeto. Não existe mais o ato presidencial que motivou o Mandado de Segurança. A liminar suspendeu os efeitos de um ato que já não está mais no mundo. Recorrer contra o quê?

Não! Bolsonaro não manda nada nesse caso. Quem manda é a Constituição.

O presidente ainda não entendeu como funciona um modelo baseado, então, no mandamento constitucional. Ele tem uma reserva exclusiva de competência, sim, garantida pela Carta e, nesse caso, por uma lei. Mas isso não o torna senhor absoluto para nomear quem lhe der na telha. As funções privativas de um presidente da República só podem ser exercidas segundo o que dispõe a Carta Magna. Que parte é tão difícil de assimilar?

Bolsonaro não pode, por exemplo, nomear um asno -- aquele apropriadamente chamado, de quatro patas -- para um cargo na República, como Calígula, nascido no ano 12 e assassinado em 41, teria ameaçado fazer com Incitatus, seu adorado cavalo, que ele queria cônsul.

É provável que não tenha acontecido. Suetônio (62-141), que difama bastante o imperador -- e também a outros em "Os Doze Césares" -- assevera que aconteceu. Deve ser mentira: nasceu 21 anos depois da morte do difamado. Contou o que ouviu dizer.

De todo modo, Bolsonaro poderia se distrair com a vida de Calígula, ainda que contada pelas lentes distorcidas de Suetônio, que primeiro caracteriza um príncipe exemplar para depois pintar um monstro.

Sem que tenha vivido a primeira experiência, convém que Bolsonaro não se entregue aos delírios da segunda. Segundo Suetônio, a um interlocutor e depois a outro, o imperador disse frases como: "Lembra-te que me é lícito agir contra quem bem entenda", e "Podem me odiar, contanto que me temam!".

Costumava, está no livro, ao beijar o pescoço de mulheres que resolvia tomar para si, recitar-lhes aos ouvidos: "Esta bela cabeça cairá quando eu quiser." Repetidamente asseverava que ainda faria Cesônia, sua mulher, confessar, por meio de tortura, por que o amava tanto. Foi brutalmente deposto e assassinado aos 29 anos, tendo reinado três anos, dez meses e oito dias.

Ainda que Suetônio tenha fantasiado bastante, o livro "Os 12 Césares" é uma espécie de advertência contra os efeitos colaterais do poder e os mecanismos de paranoia e mistificação que, adormecidos ou nem tanto, ele acorda. Calígula, o bom e o mau pintados pelo autor, não tinha uma Constituição a seguir. Bolsonaro tem. Aquele, se quisesse, daria carne humana de comer aos leões ainda que não o tenha feito, como está no livro. Bolsonaro exerce o poder segundo regras.

LEVAR A VOTO

De resto, ainda que o recurso fosse cabível, ainda que restasse objeto, cabe ao relator -- o próprio Alexandre de Moraes -- decidir em que momento estaria apto a levar a questão a voto. Luiz Fux, por exemplo, demorou três anos para submeter aos colegas a sua liminar que estendeu a todos os juízes e membros do MP o auxílio-moradia. Na sequência, cumpriria ao presidente da Corte pautar o tema.

Assim, parece que Ramagem não vai ocupar tão cedo o cargo de diretor-geral da PF. Afinal, Bolsonaro não é o Calígula de Suetônio. E ainda que fosse... Aliás, convém não tentar ser.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Alexandre de Moraes suspende nomeação de Ramagem na PF



Relator dos inquéritos que investigam bolsonaristas por fake news e atos contra a democracia, Alexandre de Moares acaba de suspender a nomeação do amigo de Carlos Bolsonaro para o comando da Polícia Federal.

Na decisão, o ministro diz que Alexandre Ramagem não deve assumir porque não cabe ao presidente moldar poderes.

“Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, escreve o ministro

Na decisão, ministro ainda lembra que Ramagem, como amigo da família Bolsonaro, não dispõe de imparcialidade suficiente para comandar a Polícia Federal sem atrair suspeitas de que favorece o presidente com informações privilegiadas e vazamentos de inquéritos, incluindo os que correm no STF. “Agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”, lembra o ministro.

A decisão do ministro vem acompanhada de um forte recado ao presidente. Anota o ministro, em citação bibliográfica: “‘O Executivo forte, o Executivo criador, o Executivo poderoso é a necessidade técnica da democracia’, porém ‘o exercício irresponsável, o Executivo pessoal, é a ditadura’”.

O ministro ainda lembra Bolsonaro de que “a escolha e nomeação do diretor da Polícia Federal pelo presidenteda República, mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Jacques Chevallier, ‘o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito’”. 

Moraes ainda escreve sobre o “princípio da impessoalidade”, atropelado por Bolsonaro ao colocar um amigo da família no comando de um órgão que investiga seus filhos e aliados. “O princípio da impessoalidade está diretamente relacionado com o princípio da supremacia ou preponderância do interesse público, também conhecido por princípio da finalidade pública, consistente no direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum e constituindo-se em verdadeiro vetor de interpretação do administrador público na edição dos atos administrativos”, escreve o ministro.

A decisão também aborda outro princípio caro à Constituição. “Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade; deverá ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e Justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”.

Moraes faz esse registro para, na sequência, lembrar ao presidente o dever de “observância ao ‘senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das instituições”. “O Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringirá ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, devendo entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, em fiel observância ao ‘senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das Instituições’”, escreve o ministro.

Moraes avança ainda mais duro: “Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir”.

A decisão ainda lembra que, ao Judiciário, cabe o papel de exercer o juízo de “verificação de exatidão do exercício” das decisões do presidente da República, “verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica do ato administrativo com os fatos”.

Se ausente a coerência, escreve Moraes, o ato administrativo “estará viciado por infringência ao ordenamento jurídico e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa, de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias, pois o exame da legalidade, moralidade e impessoalidade”.

“Ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada”, segue Moraes.

O ministro firma, uma vez mais, que o abuso de poder cometido pelo presidente da República deve ser combatido pelo Judiciário. “O controle jurisdicional do ato administrativo, em face do desvio de poder no exercício das competências administrativas, deve ser realizado, imprescindivelmente, em confronto com os princípios constitucionais da administração pública, obrigatórios ao chefe do Poder Executivo.

No Radar da Veja

Bolsonaro sobre 474 mortos: "E daí?" E o tédio mortal do ministro Teich


Reprodução

"E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre".


Essa foi a reação do presidente Jair Bolsonaro nesta terça ao ser informado do número de mortes por Covid-19.

Como viemos parar nesse buraco moral? O fato é que estamos nele.

O Brasil registrou nesta terça um recorde de mortes em razão da doença: 474. Já são 5.017 os mortos contabilizados pelo Ministério da Saúde, que reconhece uma lista de apenas 1.156 óbitos em investigação. A subnotificação, no entanto, é brutal e autodemonstrável, por exemplo, no caos que enfrentam os sistemas de saúde e funerário de cidades como Manaus e Belém. Na capital fluminense não há mais leitos disponíveis. Belo Horizonte mandou abrir 1.900 covas. Estão começando a se popularizar os contêineres frigoríficos para estocar carne humana, essa carne brasileira que tem sido tão barateada.

Assistimos a cenas inéditas, com caixões sendo empilhados em covas coletivas, a exemplo do que se vê na capital do Amazonas. O país da "gripezinha", como Bolsonaro chamou a doença, ocupa o 9º lugar no ranking de mortos — já superou a China (4.512) nesse particular — e o 14º em número de contaminações: 71.886. E, no entanto, as autoridades federais, entre perplexas e raivosas, não conseguem nem mesmo se solidarizar com as famílias atingidas.

Além da Covid-19 e das outras moléstias que já matavam no país, há uma doença ainda mais grave que anda por aí a nos assombrar e que, esta sim, pode nos inviabilizar porque nada de útil sairá de uma vivência assim: a impiedade, a falta de empatia, o desrespeito com a vida, o alheamento, a alienação. Já vimos grandes correntes de solidariedade se formar no país em momentos de tragédia. Hoje, no entanto, assistimos a uma espécie de suspensão coletiva do juízo e do padrão mínimo de decência.

É claro que não é um sentimento generalizado. Talvez nem seja majoritário. Mas é escandalosamente perceptível para que não seja apontado. Assim como os pulmões do doente de Covid-19 assumem, nos exames de imagem, o aspecto de um vidro fosco, parece que os espíritos também estão se deixando ofuscar pela estupidez, pelo dane-se, pelo "quer que eu faça o quê?"

No caso da indagação de Bolsonaro, a resposta é bastante simples. Bastaria que não tivesse ideologizado a questão, insistindo numa insana e homicida exortação a que as pessoas saíssem do isolamento social. Bastaria que não tentasse convencê-las de que deveriam levar uma rotina normal em nome da economia porque, afinal, "todo mundo vai morrer um dia". Bastaria, na condição de chefe de Estado, a expressão de alguma solidariedade, de algum compadecimento genuíno, de alguma, enfim, empatia.

Mas o presidente que temos parece incapaz de se colocar um pouco que seja no lugar do outro que sofre. Por isso justificou e defendeu a tortura em reiteradas declarações. Para o torturador ou para quem faz a apologia de tal prática, o que é o torturado? É uma "coisa" da qual se deve arrancar uma confissão. Assim como os corpos empilhados em Manaus. É claro que Bolsonaro está também fazendo história e escrevendo a sua biografia. As vítimas potenciais do caos, no entanto, não têm como esperar pelo ajuste de contas.

Os sistemas de saúde de todos os grandes centros estão sob pressão. Não era uma gripezinha. A cada dia, descobrimos que sabemos ainda pouco sobre a doença. Todas as teses de Bolsonaro estavam erradas. Só não nos tornamos um vale de desgraçados de dimensões continentais porque a sua pregação não triunfou — embora ele certamente tenha prejudicado em parte a eficácia do isolamento horizontal. A doença atrapalhou os seus planos. E, por isso, parece que ele não perdoa os doentes.

Na entrevista desta terça, o ministro Nelson Teich, com o aspecto de burocrata de funerária de filme B, afirmou, como um autômato, que as mortes cresceram, contrariando sua expectativa, e tratou do assunto, ele também, com a compaixão que a gente sente por um bloco de gelo. Ninguém espera certamente de um médico que se deixe tomar de emoção quando está examinando um paciente ou fazendo uma cirurgia. Tudo o que esperamos dele é racionalidade, técnica, frieza, apego à ciência, ao saber firmado, à memória científica de casos afins etc. Não é fácil. Por isso mesmo, é preciso ter um espírito especialmente talhado para a função.

Ocorre que, além de médico, Teich é agora um homem público, que lida com a saúde e o destino de milhões de pessoas. Seu despreparo para exercer a função — que não é a de estatístico, ainda que ele fosse bom nisso, mas não parece ser — é de tal sorte evidente que chego quase a me compadecer do da sua falta de identificação com a condição humana. Nem se trata de acusá-lo de desprezo olímpico, o que se exerceria com retórica agressiva. Não! Acho que devemos temer o seu tédio diante dos corpos empilhados.

Todos terão, fiquem certos, suas respectivas histórias contadas.

Há, sim, uma guerra contra o vírus. E haveremos de identificar os generais da morte.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 28 de abril de 2020

O tiro que Eduardo Bolsonaro deu no próprio pé



Está pronta e assinada a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de negar o pedido feito pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido) para que seja encerrada a CPI Mista das Fake News. A decisão será anunciada hoje.

Instalada em setembro do ano passado, a CPI deveria ter encerrado seus trabalhos no último dia 14. Mas o prazo de funcionamento foi prorrogado por mais 180 dias, exigência de 34 senadores e 209 deputados. O Zero Três não gostou disso.

Entrou então com um mandato de segurança no Supremo alegando que a CPI tem se prestado a perseguir apoiadores do seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Se não fosse possível barrar sua continuação, que se anulassem algumas de suas sessões.

Que sessões? Aquelas onde ele, Eduardo, foi alvo de denúncias. Numa delas, a deputada Joyce Hasselman (PSL-SP), ex-líder do governo na Câmara, apresentou provas de que Eduardo é ligado a um esquema de distribuição de falsas notícias.

Com a decisão de Gilmar, a CPI voltará a funcionar – desta vez virtualmente, até que passe a pandemia do coronavírus. A CPI e o inquérito sobre Fake News presidido no Supremo pelo ministro Alexandre de Moraes aterrorizam a família Bolsonaro. Com razão.

Por Ricardo Noblat

Mendonça na Justiça e Ramagem na PF: é preciso barrar nomeação de delegado


Edição especial do Diário Oficial com a nomeação de Mendonça, uma solução razoável, e a de Ramagem, um absurdo que, dados os fatos, fere a Constituição - Reprodução

Em edição extra do Diário Oficial da União, o presidente Jair Bolsonaro nomeou André Mendonça, atual advogado-geral da União, para o Ministério da Justiça e o delegado Alexandre Ramagem, seu amigo pessoal e dos filhos, para a diretoria-geral da Polícia Federal. Nomes de tal sorte pavorosos circularam para o cargo antes ocupado por Sergio Moro que a indicação de Mendonça chega a ser um alívio. Aqui e ali, já tentou sustentar o insustentável? Já! Não fosse assim, não seria ministro de Bolsonaro. Mas se esforça para ser correto.

Com Ramagem, a coisa é de outra natureza. Ele está no centro da crise entre Bolsonaro e Sergio Moro. Pululam ações na Justiça para impedir a sua posse. Já escrevi aqui e reitero: segundo os mesmos critérios que impediram a posse de Lula como ministro da Casa Civil, Ramagem tem de ter obstada sua nomeação para o comando da PF. Não é porque seja amigo da Família Bolsonaro. Isso é o de menos. Mas porque existe a evidência de que Bolsonaro queria tirar Maurício Valeixo e nomear seu chapa com o manifesto desejo de interferir em investigação que afeta aliados seus. Só por isso, diga-se, ele é agora um presidente investigado.

Não há como ignorar. Conversa entre Moro e Bolsonaro, revelada pelo ex-juiz, evidencia que o presidente manifestou, mais uma vez, o desejo de tirar Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal ao comentar nota publicada por um site informando que aliados seus estariam sob investigação. Em mensagem enviada ao então ministro, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) faz lobby em favor de Ramagem e diz se comprometer a apoiar a indicação de Moro para o Supremo.

Vale dizer: tanto a demissão de Valeixo como a indicação de Ramagem não estão ancoradas no interesse público. Quando, em março de 2016, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminares a dois mandados de segurança que pediam a suspensão da indicação de Lula para a chefia da Casa Civil, havia uma evidência — que, mais tarde, descobriu-se forjada pelos vazamentos seletivos praticados por Moro — de que a escolha do nome do líder petista buscaria apenas livrá-lo de eventual decisão judicial. Não atenderia, pois, ao interesse público.

Ora, o que determina o caput do Artigo 37 da Constituição? Lembro:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Lembra, então, o ministro nas liminares o conceito dos chamados "ilícitos atípicos", que são atos que, embora legais na aparência, servem justamente à transgressão... legal! E um desses ilícitos é justamente o ato que serve ao "desvio de finalidade". Pergunta-se: é em benefício da Polícia Federal e da população que Bolsonaro quer Ramagem no lugar de Valeixo? Ora, a sua mensagem diz que não. Há uma grave denúncia do ex-ministro dizendo que não. Há a mensagem da deputada dizendo que não. E mais espantoso ainda: há o testemunho de Bolsonaro, naquele seu pronunciamento, dizendo que não.

A Justiça vai decidir se permite que o Estado de direito seja esbulhado. Lembro que Cármen Lúcia — e, nesse caso, parece ter exorbitado — suspendeu a posse da então deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho porque ela tinha tido uma pendenga na Justiça Trabalhista. A ministra foi sensível à argumentação de um grupo de advogados que via na nomeação uma agressão ao princípio da moralidade.

Nem vou entrar em minudências agora. Apenas lembro que o Supremo já suspendeu posse de pessoas nomeadas para o ministério. Não estará fazendo nada de inédito se impedir a posse de um delegado-geral da Polícia Federal. A evidência a recomendar que se barrasse Lula existia, embora tenha sido manipulada por Moro — sem contar que se tratava de gravação ilegal, divulgada também ilegalmente. Não havia como saber à época. No caso de Cristiane, parece ter falado uma certa prevenção contra o governo Temer. Mas tudo isso deve ficar de lado agora.

Os depoimentos de Moro e Bolsonaro dando conta da interferência indevida na Política Federal (o presidente a confessou sem querer!!!) e as mensagens tornadas públicas são atos de vontade, sem nenhuma manipulação.

A Justiça, nas democracias, exerce também o papel de Poder Moderador. A vontade de Bolsonaro de controlar órgãos de Estado e colocá-los a serviço do seu governo, de suas convicções e dos interesses de seu grupo é real. Vejam a interferência em setor do Exército para impedir rastreamento de armas e munições.

Não é possível que tenhamos um presidente que será alvo de uma investigação criminal e que o fruto dessa possível ação criminosa — a nomeação de Ramagem — seja aceita pela Justiça.

Por Reinaldo Azevedo

Assim que quebrarem, Estados devem mandar conta a Alcolumbre. Ele resolverá


Jair Bolsonaro e Davi Alcolumbre. Presidente do Senado está deixando que o vírus da desordem, que corrói o Executivo, comece a colonizar também o Congresso - Foto: Marcos Corrêa/PR

Sabem o que há de errado com o plano de ajuda aos Estados aprovado pela Câmara? Nada! Paulo Guedes resolveu enroscar com ele por falta de imaginação — afinal, sabem como é, seu credo dito liberal tem de ser mantido... E Jair Bolsonaro se opõe porque está na sua cruzada contra Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa. O Planalto, então, decidiu apelar a Davi Alcolumbre.

O presidente do Senado (DEM-AP) vai relatar um projeto alternativo de socorro aos Estados. De quanto, não se sabe. Vai propor, por exemplo, o congelamento dos salários dos servidores federais, estaduais e municipais por 18 meses. Até aí, vá lá. A esmagadora maioria dos trabalhadores da iniciativa privada ou perdeu emprego ou teve salário reduzido. Em dias como os que vivemos, penso, no entanto, que isso caracteriza falta de foco. Mas é defensável. 

O problema é a forma da reposição. Os números vão aparecendo ao sabor de quem faz a conta. Aqueles R$ 40 bilhões que Guedes dizia querer repassar aos Estados eram, na verdade, R$ 22 bilhões. Como se diz em Dois Córregos, não preenche nem a cova do dente. O governo acena com a reposição por quatro meses, não mais por três. Mas o valor ainda não está definido. Nem os critérios de distribuição.

A Câmara votou o texto mais objetivo possível: faz-se simplesmente a reposição segundo a arrecadação do ano passado. Incluindo renegociação de dívida com bancos estatais, calcula-se que custaria, em seis meses, R$ 89,5 bilhões. O governo faz contas mirabolantes por aí. Chegou a espalhar a bobagem de que a proposta da Câmara poderia custar R$ 280 bilhões.

Em 2019, o ICMS de todos os Estados arrecadou R$ 509,79 bilhões. Como se trata de reposição por seis meses, se a arrecadação fosse zero, metade desses R$ 509,79 ainda fica longe de R$ 280 bilhões... O número era obviamente mentiroso.

O que mais espanta a lógica é o governo afirmar que não pode fazer a reposição segundo a arrecadação porque, não sabendo de quanto será a queda, fica-se no indeterminado. Mas é indeterminado mesmo. E não se trata de argumentar que, sob o coronavírus, vale tudo. Ocorre que a União tem um colchão de que os Estados não dispõem: a PEC do Orçamento Paralelo, ou de Guerra, criada na Câmara e dada de presente para Bolsonaro e Guedes. O que tiver de gasto extra, joga-se nos ombros (!!!) do vírus e se pode brincar que o teto de gastos está valendo.

Mas os Estados e municípios não têm essa licença. A eles sobraram as despesas extras brutais por causa da pandemia — e o socorro da União nesse particular é sempre insuficiente, além de demorado — e os cofres vazios de quem não pode emitir título. De onde vão tirar o dinheiro?

O Brasil anda tão esquisito — e isso, obviamente, não quer dizer que seja bom — que deveria ser o Senado, a Casa que representa as unidades da Federação, a se ocupar com mais cuidado da solvência dos entes federativos. Em vez disso, mergulhado em sua guerra mesquinha, o governo federal — um desastre em várias frentes — consegue meter uma cunha no Congresso, jogando uma Casa contra a outra.

Bem, que os senadores arquem, então, com a responsabilidade pelo que virá caso resolvam se alinhar com o governo federal nessa questão. Se e quando faltar dinheiro para pagar PMs e médicos, os governadores podem adotar aquele estilo Bolsonaro de ser e recomendar: "Vão cobrar do Davi. O Guedes disse pra ele que o dinheiro era suficiente, mas acabou".

De resto, não entendi também como funciona o congelamento. É "per capita"? Não pode aumentar e pronto? Ou se vai congelar o valor da folha de salários? Como se vai operar o controle de gastos de serviços terceirizados? Também estão congelados, por vontade de Guedes, os contratos com prestadoras de serviço? Mais: pensa-se ainda numa fórmula mista para compensar os Estados que misture critérios de arrecadação e de população... É feitiçaria.

Em lugar de uma fórmula simples, que tem como referência o que arrecadaram entes federativos que não dispõem da generosa PEC do Orçamento Paralelo, tenta-se uma charada grega, redigida em aramaico e interpretada por leitores de búlgaro antigo.

O resultado, daqui a pouco, serão Estados quebrados, com o pires na mão.

É assim que vão chegar os bilhões prometidos por Paulo Guedes nesta segunda...

Estamos diante de uma curiosa fórmula, e não é inédita neste governo, que consiste em fazer tudo errado na esperança de que o resultado seja bom.

Uma pena ver Alcolumbre cair nessa conversa. Há outros temas para buscar protagonismo. Ser protagonista da quebra dos Estados parece ter mérito duvidoso.

A menos que o Senado consiga um pacote ainda melhor para os Estados e cidades, aí vou aplaudir, as duas Casas do Congresso se dividem em favor de um governo insano.

O Congresso vinha sendo uma espécie de âncora de confiança do sistema. Os patógenos da loucura já começaram a colonizá-lo também.

Por Reinaldo Azevedo

Datafolha: 52% avaliam que Moro falou a verdade, enquanto 20% acreditam em Bolsonaro


O presidente Jair Bolsonaro 24/04/2020 Foto: Alan Santos / Divulgação

Pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira mostra que a população brasileira se divide sobre a abertura de um processo de impeachmente contra Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente, revela o estudo, ainda mantém apoio de 33% da população, mesmo após as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Segio Moro.

De acordo com o levantamento feito por telefone nesta segunda-feira, 45% querem que a Câmara dos Deputados abra um processo de impeachment contra o presidente, enquanto 48% rejeitam a medida e 6% não sabem opinar.

Datafolha: população se divide em relação a impeachment de Bolsonaro, que preserva apoio de 33% Foto: Editoria de Arte

O apoio à renúncia do presidente cresceu em relação a uma pesquisa feita também por telefone de 1º a 3 de abril. Para 46%, esse é o caminho correto e 50% são contra a inciativa. Em abril, 59% eram contra a renúncia e 37% a favor.

Não foi registrado, porém, grande mudança na avaliação geral do presidente detectada em uma pesquisa realizada em dezembro de forma presencial. Na pesquisa atual, consideram Bolsonaro ruim ou péssimo 38%, contra 36% do último levantamento. Outros 33% o avaliam como bom ou ótimo (antes eram 36%) e 25%, como regular. Em dezembro, o índice era de 32%.

A melhor avaliação do presidente se concentra nas regiões Norte e Centro-Oeste, com 41% de aprovação, e entre os mais ricos (41%). A maior rejeição é entre os nordestinos (43%) e moradores do Sudeste (41%).

O Datafolha também questinou os entrevistados sobre a guerra de versão entre Moro e Bolsonaro. Para 52% dos ouvidos, o ex-ministro é quem fala a verdade no caso. Já 20% acreditam no presidente. Outros 6% que não creem em nenhum dos dois. Para 3%, ambos estão certos. Enquanto 19% não souberam responder 19%.

O Datafolha ouviu 1.503 pessoas por telefone. A margem de erro é de três pontos percentuais.

Em O Globo

Celso de Mello manda PGR analisar pedido de Randolfe para apreender celular de Zambelli



O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello determinou que a Procuradoria-Geral da República analise um pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede) para que o celular e outros aparelhos eletrônicos da deputada federal Carla Zambelli (PSL) sejam apreendidos e periciados para ‘ratificar o verdadeiro teor’ das conversas mantidas pela parlamentar com ex-Ministro Moro’.
A decisão se dá no mesmo despacho em que o decano da Corte autorizou abertura de inquérito para investigar as acusações do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro sobre suposta interferência política na Polícia Federal. O ministro também autorizou a PF a ouvir Moro em até 60 dias. 

Em seu pedido, Randolfe afirmou que ‘a prova produzida já parece não ser mais controvertida, já que ambas as partes concordaram no recorte da conversa exibido à imprensa’. “Contudo, para que tenha real validade jurídica no âmbito de qualquer instrução probatória, é necessário que a prova tenha sua validade lastreada pelo Estado investigador”.

“Comunique-se à douta Procuradoria-Geral da República, mediante cópia, o teor da presente decisão, solicitando-lhe, ainda, que se manifeste sobre o pleito formulado pelo Senhor Senador Randolph Rodrigues”, decidiu o decano.

Até o momento, o ex-ministro já exibiu mensagens de WhatsApp em que Bolsonaro cita investigações contra aliados no Congresso, para exigir: “Mais um motivo para a troca”.

Também mostrou uma conversa com a deputada federal Carla Zambelli, em que ela pede para que o ministro aceite uma vaga no STF em setembro, e também a troca na PF, pelo diretor da Abin. “Va em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer o JB prometer”.

“Prezada, não estou à venda”, responde Moro.

A deputada federal Carla Zambelli exibiu, depois, em entrevista à CNN Brasil, imagens de conversas com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em que pede ao chefe da pasta: ‘Se o PR exonerar o Valeixo, o sr topa conversar para ver um nome que atenda a ambos?’ – PR é uma referência a Presidente da República. Na conversa, a parlamentar também pede para que o ministro não deixe o cargo. O Estado também obteve acesso ao material.

No Estadão

‘Estadão’ garante na Justiça direito de obter laudos de exame de Bolsonaro


‘Estado’ garante na Justiça direito de obter laudos de exame de Bolsonaro

O “Estado de S. Paulo” garantiu nesta segunda-feira, 27, na Justiça Federal o direito de obter os testes de covid-19 feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Por decisão da juíza Ana Lúcia Petri Betto, a União terá um prazo de 48 horas para fornecer “os laudos de todos os exames” feitos pelo presidente da República para identificar a infecção ou não pelo novo coronavírus. Bolsonaro já disse que o resultado dos exames deu negativo, mas se recusou até hoje a divulgar os papéis.

“No atual momento de pandemia que assola não só Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência. Repise-se que ‘todo poder emana do povo’ (art. 1º, parágrafo único, da CF/88), de modo que os mandantes do poder têm o direito de serem informados quanto ao real estado de saúde do representante eleito”, observou a juíza, ao atender ao pedido feito pelo Estado – leia a decisão aqui.

“Portanto, sob qualquer ângulo que se analise a questão, a recusa no fornecimento dos laudos dos exames é ilegítima, devendo prevalecer a transparência e o direito de acesso à informação pública”, concluiu Ana Lúcia.

Antes mesmo de ser oficialmente notificada, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou à Justiça Federal de São Paulo uma manifestação em que se opõe à divulgação do resultado do exame de Bolsonaro. Em seis páginas, a AGU diz que o pedido deve ser negado, sob a alegação de que a “intimidade e a privacidade são direitos individuais”. Procurado, o Planalto disse que não irá se manifestar. 

Depois de questionar sucessivas vezes o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação do resultado do exame, o “Estado de S. Paulo” entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalística”. 

A ação do Estado foi assinada pelo advogado Afranio Affonso Ferreira Neto. “Mais do que a liberdade de expressão e o direito de informar, essa decisão garante o direito a receber informação. Um direito que não é titulado pela imprensa, mas pela coletividade”, afirmou Ferreira Neto. “Por mais que se alegue direito à intimidade, ou algumas outras defesas que a União arguiu, não se pode negar ao mandante, que é o povo, o direito de acesso ao atestado de saúde do mandatário. O presidente já disse que testou negativo. Então por que a recusa? Por que a defesa da recusa de não mostrar os comprovantes disso?”, completou.

Para os advogados do jornal, a velocidade de agravamento do quadro sanitário do País “exige informações corretas e precisas a respeito do tema e respostas rápidas e incisivas do Judiciário, especialmente diante da notória postura errática, desdenhosa e negacionista do Presidente da República em relação à pandemia da covid-19”.

“Não se pode ignorar que Jair Bolsonaro detém o mais proeminente mandato da administração pública do Brasil. A sociedade tem interesse permanente, portanto, em conhecer o estado de saúde do seu mandatário e, por conseguinte, acompanhar a sua sanidade para comandar o País”, afirmou o Estado ao entrar com a ação na Justiça. 

Bolsonaro fez o teste para detectar o novo coronavírus nos dias 12 e 17 de março, após voltar de missão oficial nos Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente Donald Trump. Nas duas ocasiões, Bolsonaro informou, via redes sociais, que os testes deram negativo para a doença, mas não exibiu cópia dos resultados.

Pelo menos 23 pessoas que acompanharam o presidente brasileiro na viagem aos Estados Unidos foram diagnosticadas posteriormente com a doença. Entre eles, auxiliares próximos, como o secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

Bolsonaro disse no mês passado que poderia fazer um novo teste para saber se contraiu o vírus. “Fiz dois testes, talvez faça mais um até, talvez, porque sou uma pessoa que tem contato com muita gente. Recebo orientação médica”, afirmou ele ao deixar o Palácio da Alvorada no dia 20 de março.

A Presidência da República se recusou a fornecer as informações ao Estado via Lei de Acesso à Informação, argumentando que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.
Presidente já minimizou pandemia: ‘gripezinha’

Ao longo das últimas semanas, o presidente tem descumprido orientações da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde, fazendo passeios por regiões administrativas do Distrito Federal, cumprimentando populares e formando aglomerações em torno de sua pessoa.

Bolsonaro já minimizou a gravidade da pandemia, referindo-se ao novo coronavírus como “gripezinha” ou “resfriadinho”. Nesta segunda-feira, o total de mortes por covid-19 chegou a 4.543 no Brasil. O número de pessoas infectadas já é de 66.501.

“A despeito da gravidade desse cenário, o Presidente da República segue minimizando a crise sanitária, em descompasso com as medidas preconizadas à população para conter a proliferação do vírus. Nesse cenário de menosprezo à doença, natural que a sociedade passasse a questionar o seu relato a respeito de sua condição de saúde, veiculado em rede social sem documento comprobatório”, sustenta a defesa do Estado.

No Estadão

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Bolsonaro exalta seu modelo de ministro: Weintraub



Depois que Bolsonaro empurrou para fora do governo Henrique Mandetta e Sergio Moro, a dupla mais popular da Esplanada, uma interrogação pisca nos letreiros de Brasília: Quem será o próximo? O presidente mostrou aos ministros sobreviventes o caminho que conduz à estabilidade no emprego na sua gestão: basta imitar Abraham Weintraub, o deseducado titular do Ministério da Educação.

"Aqui tem ministro que apanha todo dia, como o Abraham Weintraub", disse Bolsonaro, rodeado de potenciais vítimas do desapreço que passou a sentir por Sergio Moro (53% de aprovação na pasta da Justiça) e Henrique Mandetta (70% de menções ótimo ou bom no gerenciamento da crise do coronavírus). Nas palavras de Bolsonaro, Weintraub "luta contra uma doutrinação de décadas." E vem conseguindo "demonstrar que a educação no Brasil nunca esteve tão mal."

Veja bem: Bolsonaro convocou toda a equipe ministerial para testemunhar sua tentativa malsucedida de reagir às acusações de Moro. Podendo escolher como exemplo qualquer ministro da ala sensata do governo —Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) ou Paulo Guedes (Economia), por exemplo—, preferiu enaltecer um representante do bloco circense.

Weintraub, o preferido de Bolsonaro, especializa-se em tocar bumbo nas redes sociais e produzir encrencas. Na penúltima, criou uma briga com a China. A colega Tereza Cristina teve de suar a blusa para reverter. O deseducado chefe da Educação disputa o título de principal estorvo do governo com o antichanceler Ernesto Araújo e o antiambientalista Ricardo Salles.

Enquanto Weintraub, Ernesto e Salles desfrutam da estabilidade que Bolsonaro concede aos áulicos, o prestígio de Paulo Guedes sobe no telhado. A agenda liberal do ministro da Economia passou a disputar espaço com um projeto nacional-desenvolvimentista para a fase pós-vírus. 

A novidade tem a aparência de uma versão chinfrim do antigo PAC, o programa de aceleração do crescimento dos governos do PT. A pergunta continua piscando no letreiro: Quem será o próximo? A resposta depende da resolução de um outro mistério: a quem temperatura ferve o Posto Ipiranga.

Por Josias de Souza

Em carta, delegados federais pedem ‘distância republicana’ a Bolsonaro



Em carta divulgada neste domingo, 26, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal pediu ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) que mantenha uma “distância republicana” da instituição, além de exigir a criação de um projeto de emenda constitucional prevendo autonomias para a PF.

A reação da instituição ocorre em meio a especulação de que o presidente irá indicar o delegado Alexandre Ramagem, amigo íntimo da família Bolsonaro, para o posto de diretor-geral da Polícia Federal, até então ocupado por Mauricio Aleixo, demitido na semana passada e pivô do confronto entre Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Aleixo foi exonerado após recusa de Moro em trocar a chefia da PF e atender pedido do presidente para colocar no lugar alguém que ele pudesse ligar e pedir detalhes de relatórios de investigação. Diante da pressão, Moro deixou o cargo e acusou Bolsonaro de uma série de crimes de responsabilidade envolvendo a PF.

Na mesma carta, a associação pediu ao presidente que dê autonomia ao próximo diretor-geral da corporação para montar sua equipe e definir as investigações com base em aspectos técnicos “sem obrigações de repassar informações ao Governo Federal, ou instaurar ou deixar de instaurar investigações por interesse político ou intervir em qualquer outra já existente”. “Tais medidas irão construir um ambiente institucional menos tenso e, certamente constituirão um legado de seu governo para o Brasil”, escreveu a associação de delegados. 

Ramagem é amigo do vereador Carlos Bolsonaro, com quem confraternizou em uma festa de Ano-Novo na última virada de ano. O filho do presidente é investigado pela PF acusado de ser o mandante do chamado gabinete do ódio, estrutura montada no Palácio do Planalto que arregimenta um exército virtual focado em atacar desafetos do presidente nas redes sociais com apoio de empresários.

Na Veja.com

Ataque de Bolsonaro à democracia produz união rara no Supremo



O papel de guarda da democracia e da Constituição, somado à pandemia do coronavírus, têm feito o Supremo Tribunal Federal (STF) viver um momento de rara união nos últimos tempos. Ministros que eram desafetos ferrenhos, e que já protagonizaram cenas públicas de conflitos, têm votado juntos e até mostram concordância nas redes sociais.

“Estamos mantendo a tradição”, disse à coluna um ministro e ex-presidente do STF. “Quando a questão é o Brasil vamos nos unir sempre”. Segundo o magistrado, o ponto que permite superar qualquer divisão é a defesa da Constituição “que subordina a todos, inclusive nós”. Justamente a Constituição foi ameaçada naquela manifestação de domingo 19, em frente ao Forte Apache, ou Quartel-General do Exército, em Brasília, com a participação do presidente Jair Bolsonaro.

“É tão agressivo o que aconteceu naquele domingo, quando o presidente da República participou de um ato antidemocrático no Exército em meio a uma pandemia que exige o isolamento social, que todo mundo ficou na mesma posição. Todas as vezes que se ataca e se ultraja a democracia, o guarda da constituição, o guarda da democracia, se une. O institucional fica maior que o individual”, explicou este ministro do STF.

O magistrado lembra um fato que chamou a atenção de quem acompanha as redes sociais. No dia da adesão de Bolsonaro ao ato pró-intervenção militar, em Brasilia, quando o presidente fez, na definição desse ministro, um “detestável discurso” entrecortado por acessos de tosse, houve uma cena de pacificação no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso reagiu com uma firme declaração no twitter contra a saudosismo à ditadura militar. Gilmar Mendes logo retuitou.

“É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia. Defender a Constituição e as instituições democráticas faz parte do meu papel e do meu dever. Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons (Martin Luther King)”, dizia a mensagem de Barroso que foi compartilhada por Gilmar. Os dois ministros, como se sabe, tiveram brigas públicas inesquecíveis, como em março de 2018, quando Barroso disse que a vida de Gilmar que era “ofender as pessoas”.

Mesmo na época da ditadura o STF tentou defender a Constituição. Logo após o golpe de 1964, que levou o país a 21 anos de regime militar, o então presidente Castello Branco, em “visita de cortesia” ao tribunal, pediu que o STF seguisse “as orientações da revolução”. Na ocasião o então presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, apesar do histórico de apoio ao golpe, afirmou que a mais alta corte do país não deveria ser submetida à nenhuma ideologia.

A união do STF, explique-se, não significa que os ministros terão sempre votações unânimes, mas até tem acontecido em ações em relação ao coronavírus. Algumas delas derrotando inclusive atos discricionários do Executivo. Nas últimas semanas, por exemplo, os ministros decidiram que os governos estaduais e municipais têm competência para definir regras de isolamento e de quarentena, além de determinar restrições de transporte e trânsito em rodovias durante a pandemia do coronavírus. 

A decisão unânime irritou o presidente da República e ele deu demonstrações públicas disso. Os nove ministros que participaram da sessão por videoconferência votaram da mesma forma. Em outra decisão unânime recente os ministros aprovaram súmula que fixa que a imunidade tributária dada pela Constituição a papel, jornal, livros e periódicos também se aplica aos livros digitais e seus componentes.

Na última semana, a corte se dividiu ao julgar questionamento sobre possibilidade de que Medidas Provisórias (MPs) sejam instruídas por sessão remota no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal mediante a emissão de parecer por parlamentar previamente designado, em substituição à Comissão Mista. Estava para terminar 5 a 5, quando o presidente do STF, Dias Toffoli, pediu vista.

Nas votações de “varejo”, explica outro ministro ouvido pela coluna, as divergências continuam, o antagonismo permanece e pode até haver discussões polêmicas. No “atacado”, quando se fala em democracia constitucional, “vamos estar juntos”. E agora “o momento é de atacado”, conclui. “Temos responsabilidade histórica, e quando a democracia foi atacada daquela maneira no ato em frente ao Exército, tivemos de lembrar que somos a guarda da Constituição e da Democracia”, afirmou.

Ele conta que Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello não se falam, nem se cumprimentam há quatro anos, mas em votos recentes há citações recíprocas. No dia a dia, continuam opostos, cada um olhando o mundo e o Brasil à sua maneira. Isso não mudou.

Mas diante dos arroubos do presidente Jair Bolsonaro, que geram crises quase diárias, a tendência tem sido de união. Segundo a avaliação de um dos magistrados ouvido pela coluna, a gravidade da situação leva o tribunal ao seu papel principal: o de assumir a responsabilidade de submeter todos à Constituição. Inclusive o presidente da República.

Na Veja.com

domingo, 26 de abril de 2020

PF identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema criminoso de fake news


PF identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema ...

Em inquérito sigiloso conduzido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, como
um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news. 

Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho, chamado por ele de 02 e vereador do Rio de Janeiro pelo partido Republicanos.

Para o presidente, tirar Valeixo da direção da PF poderia abrir caminho para obter informações da investigação do Supremo ou inclusive trocar o grupo de delegados responsáveis pelo caso.

Um dos quatro delegados que atuam no inquérito é Igor Romário de Paula, que coordenou a Lava Jato em Curitiba quando Sergio Moro, agora ex-ministro da Justiça, ​era o juiz da operação.

Valeixo, diretor da PF demitido por Bolsonaro, foi superintendente da polícia no Paraná no mesmo período e escalado por Moro para o comando da polícia.

Não à toa, na sexta-feira (24), logo após Moro anunciar publicamente sua demissão do Ministério da Justiça, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo, determinou que a PF mantenha os delegados no caso.

O inquérito foi aberto em março do ano passado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar o uso de notícias falsas para ameaçar e caluniar ministros do tribunal.

Carlos é investigado sob a suspeita de ser um dos líderes de grupo que monta notícias falsas e age para intimidar e ameaçar autoridades públicas na internet. A Polícia Federal também investiga a participação de seu irmão Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP.

A partir de depoimentos e indícios já coletados, a PF agora busca um conjunto de provas que sustente um indiciamento ao fim da investigação.

Procurado pela Folha por escrito e por telefone, o chefe de gabinete de Carlos não respondeu aos contatos.

Após a publicação da reportagem, Carlos compartilhou o texto em uma rede social acompanhado da seguinte mensagem: "Esquema criminoso de... NOTÍCIAS FALSAS O nome em si já é uma piada completa! Corrupção, tráfico, lavagem, licitações? Não! E notaram que nunca falam que notícias seriam essas? É muito mais fácil apontar manipulação feita pela grande mídia. Matéria lixo!".

O vereador acrescentou: "Não é necessário esquema de notícia pra falar o que penso sobre drácula, amante, botafogo, nervosinho, aproveitadores, sabotadores, ou sobre quem quer que seja! Há quem faça isso, e são aqueles que mais acusam. Sabemos quem é amiguinho dos jornalistas que direcionam ataques!".

Para o lugar de Valeixo, no comando da PF, Bolsonaro escolheu Alexandre Ramagem, hoje diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ramagem é amigo de Carlos Bolsonaro, exatamente um dos alvos do inquérito da PF que tramita no STF. 

Os dois se aproximaram durante a campanha eleitoral de 2018, quando Ramagem atuou no comando da segurança do então candidato presidencial Bolsonaro após a facada que ele sofreu em Juiz de Fora (MG). 

Carlos foi quem convenceu o pai a indicar Ramagem para o lugar de Valeixo. Os dois ficaram ainda mais próximos quando Ramagem teve cargo de assessor especial no Planalto nos primeiros meses de governo. Carlos é apontado como o mentor do chamado "gabinete do ódio", instalado no Planalto para detratar adversários políticos. 

Segundo aliados de Moro, ao mesmo tempo que a PF avançava sobre o inquérito das fake news, Bolsonaro aumentava a pressão para trocar Valeixo. 

A exoneração de Valeixo do cargo de diretor-geral da corporação levou Moro a pedir demissão. Ele acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na polícia

Na quinta-feira (23), Moro e Bolsonaro haviam se encontrado e a pauta da reunião foi a saída de Valeixo. A demissão de Moro foi antecipada pela Folha no mesmo dia. 

Nos últimos meses, o presidente pediu a Valeixo informações sobre os trabalhos da polícia, em reuniões e por telefone. Segundo a Folha apurou, Bolsonaro nunca recebeu dele dados sigilosos.

Bolsonaro enviou mensagem no início da manhã de quinta a Moro com um link do site Antagonista com uma notícia sobre o inquérito das fake news intitulada "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas".

"Mais um motivo para a troca", disse o presidente a Moro se referindo à sua intenção de tirar Valeixo.

Moro respondeu a Bolsonaro argumentando que a investigação, além de não ter sido pedida por Valeixo, era conduzida por Moraes, do STF.

O mesmo grupo de delegados do inquérito das fake news comanda a investigação aberta na terça-feira (21), também por Moraes, para apurar os protestos pró-golpe militar realizados no domingo passado e que contaram, em Brasília, com a participação de Bolsonaro.

Assim como no caso das fake news, o ministro do STF determinou que os delegados não podem ser substituídos. O gesto é uma forma de blindar as apurações dos interesses pessoais e familiares do presidente da República.

Há uma expectativa dentro do Supremo de que os dois inquéritos, das fake news e dos protestos, se cruzem em algum momento. Há suspeita de que empresários que financiaram esse esquema de notícias falsas também estejam envolvidos no patrocínio das manifestações.

Coincidentemente, Bolsonaro apertou o cerco a Valeixo após a abertura dessa nova investigação.

Dentro do STF, pessoas próximas a Moraes avaliam que ele deve encerrar logo a investigação das fake news para se dedicar à dos protestos.

O inquérito foi aberto a pedido do procurador-geral, Augusto Aras, e envolveria pelo menos dois deputados apoiadores de Bolsonaro.

O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por "atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF".

Interlocutores do procurador-geral afirmam que, inicialmente, Bolsonaro não será investigado. Alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizar as manifestações, ele pode vir a ser alvo do inquérito.

Em sua decisão, Moraes cita a Constituição e salienta que o ato, como descrito pelo PGR, "revela-se gravíssimo, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas Instituições republicanas".​
Apurações no entorno de Bolsonaro

Inquérito das fake news

Em março de 2019, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news que atingem a honra e a segurança dos membros da corte e de seus familiares. Paralelamente, em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no Congresso.

Desde então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis que fazem parte do arco de apoio do presidente da República. Tanto a apuração do STF quanto a da comissão, com a ajuda de um policial federal, envolvem a suspeita de que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estejam por trás do “gabinete do ódio” supostamente mantido pelo Palácio do Planalto para atacar desafetos políticos 

Caso Queiroz 

Em agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da Polícia Federal no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade. A corporação passava por momento delicado na ocasião, especialmente após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial militar aposentado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente. 

A suspeita da promotoria é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados. Esse caso específico não está com a PF, mas o órgão tocava investigações envolvendo personagens em comum 

Partidos do centrão 

O isolamento político de Bolsonaro o levou a começar a negociar com os partidos do centrão (PP, PL, Republicanos, PTB, Solidariedade e PSD). Vários integrantes das siglas que formam o bloco são alvos da Operação Lava Jato, que teve em Sergio Moro seu principal personagem até o final de 2018.

Alguns parlamentares suspeitam que o afastamento de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e o consequente enfraquecimento de Moro tenha entrado no acerto que Bolsonaro tem costurado com o bloco

Ato pró-golpe

A pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, corre uma investigação sobre os atos antidemocráticos dos quais Bolsonaro participou no domingo (19), em Brasília. O presidente pode ter cometido mais um crime de responsabilidade ao discursar na manifestação que pedia um novo AI-5 e o fechamento do Congresso.

A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo.

Na Folha

sábado, 25 de abril de 2020

Justiça aperta o cerco em torno de Bolsonaro e dos seus filhos



Ao despedir-se, ontem, do governo da maneira belicosa como o fez depois de servi-lo sem grande sucesso nos últimos 15 meses e 24 dias, o ex-ministro Sérgio Moro, da Justiça, cravou uma estaca no coração do presidente Jair Bolsonaro.

O melhor dos cenários que o futuro reserva a Bolsonaro é o de terminar seu mandato em 2022 arrastando correntes. Chegaria ao final como uma espécie de zumbi, sem condições de disputar a reeleição para não colher uma derrota.

Impensável até a semana passada, o cenário que parece o mais provável é o de Bolsonaro ser apeado do poder por meio de um processo de impeachment que poderá ser aberto ainda este ano ou no começo do próximo, tão logo permita o coronavírus.

No exato momento em que o presidente fez mais uma fala à Nação para rebater o que disse Moro e repetir mais uma vez que é ele quem manda, pelo menos duas iniciativas do Poder Judiciário mostraram que ele manda cada vez menos.

Augusto Aras, Procurador-Geral da República, pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para apurar possíveis crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro – entre eles, falsidade ideológica, prevaricação e obstrução de justiça.

O pedido encontra amparo nas denúncias feitas por Moro. O ex-ministro contou, por exemplo, que Bolsonaro tentou várias vezes interferir em investigações da Polícia Federal em defesa dele mesmo e de políticos que o apoiam ou prometem apoiá-lo.

O relator do pedido de Aras será o ministro Celso de Mello. Seu colega Alexandre de Moraes ordenou à Polícia Federal que os quatro delegados que cuidam de dois processos em curso não sejam removidos dos seus postos nem trocados por outros.

Um dos processos, presidido pelo próprio ministro, tem a ver com a distribuição nas redes sociais de notícias falsas que atingiram a imagem do tribunal e de vários dos seus membros. Bolsonaro teme que o processo complique a vida de alguns dos seus filhos.

O outro processo poderá complicar ainda mais a vida de Bolsonaro. Alexandre de Moraes quer saber quem foi que planejou e financiou manifestações de ruas a favor da volta da ditadura. Bolsonaro participou de uma delas em frente ao QG do Exército.

Não bastasse, na próxima semana a família Bolsonaro amargará outra derrota. O ministro Gilmar Mendes rejeitará o pedido do deputado Eduardo Bolsonaro para que seja encerrada no Congresso a CPI sobre notícias falsas.

Recentemente, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, negou um pedido de habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro alegando que “há fortes indícios de materialidade e autoria de crimes” atribuídos ao primogênito de Bolsonaro.

Quando Flávio era deputado estadual no Rio de Janeiro, os funcionários lotados em seu gabinete foram obrigados a devolver parte dos seus salários. Batizado de “rachadinha”, o esquema era administrado por Fabrício Queiroz, chefe do gabinete.

Onde está Queiroz? Sumiu outra vez depois de ter sido localizado em São Paulo pela VEJA. À distância, acompanha as aflições da família que o protegeu durante tantos anos e que foi por ele protegida.

Por Ricardo Noblat

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Aras pede inquérito contra Bolsonaro no STF para apurar crimes em interferência na PF


O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente Jair Bolsonaro Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Jair Bolsonaro para investigar as tentativas de interferência nos trabalhos da Polícia Federal, relatadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em pronunciamento nesta sexta-feira no qual ele pediu demissão.

Algumas horas após o pronunciamento, Aras assistiu à gravação do anúncio de demissão do ex-ministro e pediu à sua equipe uma análise jurídica sobre possíveis crimes cometidos pelo presidente em sua conduta. A equipe analisou que existem indícios de que a conduta de Bolsonaro pode ser enquadrada em delitos como obstrução à investigação de organização criminosa e advocacia administrativa. Com isso, Aras decidiu enviar ao STF um pedido de abertura de inquérito. O pedido de abertura de inquérito foi enviado ao STF no fim da tarde desta sexta-feira.

O pedido feito por Aras apura os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada. No pedido, Aras registra que, caso as declarações de Moro não se comprovem, pode ficar caracterizado o crime de denunciação caluniosa.

"A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa", escreveu no pedido.

Na solicitação, o procurador-geral sugere ao STF que, antes de deliberar sobre a abertura da investigação, tome o depoimento de Moro, para que ele preste esclarecimentos formalmente sobre os possíveis crimes envolvidos na conduta do presidente e possa apresentar provas dessas interferências.

O antecessor de Bolsonaro na Presidência, Michel Temer (MDB), chegou a ser formalmente investigado durante o exercício do cargo e foi denunciado três vezes pela Procuradoria-Geral da República (PGR) enquanto ainda era presidente.

Pela Constituição, um presidente da República só pode ser responsabilizado por atos que ocorreram durante o exercício do seu mandato. No caso da conduta de Bolsonaro, trata-se de fatos ocorridos durante o exercício do mandato, por isso a PGR pode, em tese, pedir investigação e denunciá-lo no exercício do cargo. O inquérito pode ser aberto por decisão monocrática de um ministro do STF.

Caso se comprovem as suspeitas e seja oferecida denúncia, entretanto, essa denúncia precisa ser encaminhada à Câmara dos Deputados, a quem cabe apreciar a abertura do processo. No caso de Temer, as três denúncias foram barradas pela Câmara e, por isso, ele passou a responder aos processos somente após deixar a Presidência.

Segundo Moro, Bolsonaro manifestou preocupação com inquéritos em curso no STF que podem lhe atingir e disse que tinha interesse em mexer na PF para frear esses inquéritos. Há duas investigações que atingem aliados do presidente: o inquérito das fake news, aberto no ano passado, e outra investigação mais recente solicitada nesta semana por Aras para investigar a organização de manifestações antidemocráticas e pró-ditadura militar. Ambas tramitam sob relatoria do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Moro também afirmou que Bolsonaro queria ter acesso a informações de inteligência da PF, o que o ministro considerou inaceitável.

O Globo

Moro tem provas contra Bolsonaro


O ministro da Justiça Sérgio Moro durante o anúncio de sua saída no governo na manhã desta quinta, 24.
Foto: Gabriela Biló/Estadão

As acusações de Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro estão respaldadas em provas documentais. Interlocutores do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública relataram ao Estado que Moro e Bolsonaro tiveram inúmeras conversas, pessoais e de governo, especialmente pelo WhatsApp, canal usado pelo presidente para dar ordens aos subordinados.

Essas fontes observaram que Moro tem uma experiência de 22 anos na função de juiz criminal e sabe, como poucos, que não se acusa alguém sem provas concretas. Pelo menos sete crimes que Bolsonaro teria cometido foram apontados pelo ex-ministro no pronunciamento que fez nesta sexta-feira. Moro surpreendeu até sua equipe ao revelar com detalhes que o presidente manifestou interesse em interferir na autonomia da Polícia Federal. Ordens que ele nunca repassou. Bolsonaro nunca teve uma conversa a sós com o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.

Na avaliação de experientes investigadores que acompanham o ex-ministro, a acusação mais grave apontada por Moro foi o interesse de Bolsonaro em controlar a PF para ter acesso a investigações sigilosas – muitas das quais comandadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna na Polícia Federal por esse motivo”, afirmou o ministro na entrevista.

É munição nova à disposição dos opositores do governo. O Palácio do Planalto já enfrenta inquérito no Supremo na área das fake news. Conforme o Estado revelou, as investigações conduzidas pela PF sobre o caso já chegaram a empresários que teriam financiado ataques nas redes sociais a opositores de Bolsonaro.

A mira dos investigadores é o grupo comandado pelo “gabinete do ódio”, liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro (RJ), filho do presidente da República. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), irmão de Carlos, foi ao Supremo para tentar impedir a continuidade da CPI das Fake News, que também mira os financiadores da rede que destrói reputações de qualquer um que critique o presidente. Os próprios ministros do Supremo costumam ser alvo.

A PF não investiga o caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho zero um do presidente, e o seu ex-assessor Fabrício Queiroz. O parlamentar é suspeito de desviar dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Assessores de Flavio repassavam parte do salário para Queiroz. A primeira-dama Michele Bolsonaro chegou a receber valores de Queiroz. Esse caso é conduzido pelo Ministério Público Estadual.

No discurso de despedida, Moro revelou que não aceitou interferência política na PF. O delegado Maurício Valeixo foi exonerado do cargo nesta sexta-feira. A reportagem apurou que, ontem à noite, o delegado soube que o Diário Oficial da União traria sua exoneração. Ele pediu para deixar o cargo no início do ano, após pressões para troca do superintendente da PF no Rio de Janeiro, base eleitoral de Bolsonaro, mas foi surpreendido com a demissão agora, sem que a troca tivesse sido costurada com o ministro da Justiça.

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