sábado, 31 de outubro de 2020

O prazer em humilhar generais



O general Rêgo Barros era um alegre propagandista do presidente Jair Bolsonaro. Agora se juntou à tropa dos desiludidos com o capitão.

Em artigo no “Correio Braziliense”, ele criticou um certo líder seduzido por “comentários babosos” e “demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”. “Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste”, escreveu. O general não precisou citar nomes. Seu alvo era Bolsonaro, de quem foi porta-voz.

Rêgo Barros fracassou na tentativa de estabelecer alguma civilidade no trato do governo com a imprensa. Foi sabotado pelo próprio chefe, que o desautorizava diariamente na portaria do Alvorada. Demitido em agosto, ele reforçou o clube dos militares amargurados. O patrono da turma é o ex-ministro Santos Cruz, derrubado pela artilharia dos filhos do presidente.

Varrido do Exército por indisciplina, Bolsonaro parece ter prazer em humilhar oficiais superiores. Na semana passada, ele expôs o general Eduardo Pazuello a uma desmoralização pública. Depois permitiu que um ministro civil chamasse o general Luiz Eduardo Ramos de “Maria Fofoca” e “Banana de Pijama”.

Em seu artigo, Rêgo Barros traçou o destino dos militares que não se curvam ao capitão: “Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas”. O general também criticou aqueles que, pela sobrevivência, optam por uma “confortável mudez”. Só faltou explicar por que ele passou um ano e oito meses no pelotão dos mudos.

Além de silenciar diante de abusos, o ex-porta-voz protagonizou momentos de bajulação explícita. “Em qual cidade nosso presidente chega e não é ovacionado?”, questionou certa vez, ao divulgar uma viagem do chefe.

Os oficiais pendurados no governo não foram vítimas de sequestro. Alistaram-se voluntariamente no projeto de Bolsonaro, em busca de um atalho para voltarem ao poder. Alguns se julgavam capazes de tutelar o presidente extremista. Outros só pensavam em engordar os contracheques.

Hoje muitos generais querem subscrever as queixas de Rêgo Barros. Antes disso, deveriam fazer uma autocrítica. Eles sempre souberam quem era o capitão.

Aversão de Bolsonaro à vacina é aposta de risco




"Procura outro pra pagar a tua vacina", disse Jair Bolsonaro a João Doria na sua tradicional live das noites de quintas-feiras. Ao converter a testagem, a produção, a certificação e a distribuição de vacinas contra a Covid em controvérsia eleitoral, Bolsonaro migra da condição de presidente para a de apostador.

Bolsonaro precisa apostar na ineficácia da vacina a ser fabricada no Instituto Butantan. Se for eficaz, o imunizante chinês, como qualquer outra vacina que se revele capaz de deter o vírus, tende a se tornar um objeto de desejo, pois pesquisa feita pelo Datafolha em agosto revelou que 89% dos brasileiros querem se vacinar.

O presidente já destinou R$ 4,5 bilhões para o desenvolvimento das vacinas de Oxford e do consórcio da OMS. Ainda que todas sejam um sucesso, serão insuficientes para imunizar todos os brasileiros. E Bolsonaro talvez tenha de fazer por pressão o que não fez por opção.

É curioso que o mesmo presidente que pregava a volta a uma hipotética normalidade desde março, quando o coronavírus começou a matar no Brasil, agora se transforme em pregoeiro da não-vacinação, arauto do direito de infectar. Bolsonaro fornece material para que o Supremo lhe imponha uma derrota.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Presidente da Embraer pede paciência a investidores e não descarta novas demissões


O presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto. Foto: Embraer


A duas semanas de divulgar os resultados financeiros do terceiro trimestre, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, pede calma aos investidores. “A mensagem para nossos acionistas é: acreditem na Embraer e tenham um pouquinho de paciência porque vamos chegar lá”, diz, em entrevista exclusiva ao Estadão. 

Segundo ele, a reestruturação feita na companhia e o planejamento estratégico para os próximos cinco anos tornarão a Embraer maior do que era antes da crise da covid-19 e de sofrer o revés da Boeing. Em abril, a americana anunciou que não concluiria a compra da divisão de aviação comercial da brasileira, um acordo de US$ 4,2 bilhões.

No projeto para os próximos anos, a Embraer prevê corte de custos e diversificação, além de apostar em uma recuperação do setor a partir de 2022. 

No mercado, porém, há certa desconfiança, dado que aviões usados ociosos podem dominar as vendas nos próximos anos. Entre os cortes de custos promovidos até agora, está a demissão de 2,5 mil funcionários (12,5% do total). Gomes Neto, no entanto, diz não ser possível descartar novos cortes enquanto a crise não acabar. 

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. 

A Embraer atravessa a crise da covid precisando também se recuperar do acordo fracassado com a Boeing. Foi um erro tentar a parceria com a Boeing?

Não. A parceria foi um movimento estratégico importante para as duas companhias. Infelizmente não deu certo. Então vamos continuar a nossa vida, reintegrando a área de aviação comercial.
A empresa perdeu dinheiro para separar a unidade comercial para entregá-la para a Boeing. Foram R$ 485,5 milhões em 2019.

É verdade. O processo da separação da aviação comercial foi complicado. Envolveu custos enormes. Isso está na arbitragem nos Estados Unidos. Enquanto isso, vamos fazer a lição de casa para superar a crise e preparar a companhia para crescer.

A Embraer dizia que o acordo com a Boeing era essencial porque o setor estava se consolidando e a empresa ficaria fraca para competir com gigantes como a Airbus. Se o acordo era tão importante, como sobreviver sem ele?

Como disse, acho que na época foi um movimento estratégico correto. Infelizmente não deu certo. Agora também tivemos uma mudança grande no panorama, com a covid. O que posso dizer é que temos avançado rapidamente na reintegração da aviação comercial e fizemos um plano estratégico para 2021-2025. Ele é robusto e traz uma perspectiva boa de crescimento e de melhora de rentabilidade.

Soube que estão sendo mantidos dois sistemas de gestão, que vão 'conversar' entre si. Seria como um ‘zíper’, cujos lados podem ser separados caso haja uma venda para outra empresa. Novos acordos estão no radar?

Estamos fazendo essa integração de forma inteligente. Onde faz sentido voltar ao que era antes, estamos voltando. Onde não faz sentido, estamos mantendo, mas trabalhando para simplificar os processos e torná-los mais ágeis, recuperando sinergias. Isso não tem a ver com a estratégia da companhia. Não temos plano de vender a aviação comercial ou nenhuma outra unidade de negócios neste momento. Mas estamos abertos a parcerias que nos permitam abrir novos negócios para a companhia, desenvolver produtos e crescer.

Quando a venda para a Boeing estava para ser concluída, falava-se que a Embraer viraria uma espécie de holding com diferentes negócios de tecnologia e de venda de serviços. Sem o acordo, a estratégia muda?

Vim para a Embraer no ano passado para trabalhar a conclusão do acordo com a Boeing e também para criar uma estratégia para a Embraer continuar. Fizemos um trabalho bacana. Recriamos o espírito de equipe, trouxemos foco no resultado e em simplificar processos. Com a notícia em abril do cancelamento do acordo, trouxemos a aviação comercial para dentro desse espírito. Revisamos esse plano estratégico, já levando em conta os impactos da covid. 

A ideia então é ser o que a Embraer era antes do fracasso do acordo com a Boeing? O foco volta a ser aviação comercial?

Vamos focar na aviação e na defesa, mas também diversificar. Temos negócios com a Marinha e com o Exército. Estamos ampliando os serviços de manutenção e reforma de aeronaves não somente da Embraer, mas de fabricação de terceiros. Devemos lançar uma família de nano satélites. Então, a Embraer não vai voltar a ser igual, vai ser maior do que foi no passado, porque agora, além da diversificação, temos produtos novos, como o C-390 Millenium (cargueiro militar), que é um produto que vai ajudar a gente a crescer. Imaginamos a Embraer, nos próximos cinco anos, atingindo níveis de receita superiores aos do passado e com rentabilidade melhor.

Como fazer isso quando uma pandemia paralisa o setor?

A gente fez esse plano 2021-2025 com o pé no chão. Imaginamos que 2021 ainda vai ser desafiador, sem grande crescimento de vendas. Mas estamos preparando a companhia para, mesmo nesse cenário, ter uma performance financeira muito melhor do que a deste ano. Imaginamos que, a partir de 2022, o mercado volta a crescer. Os segmentos de aviação executiva e de defesa têm sido mais resilientes. Na aviação comercial, a gente imagina que os voos regionais e domésticos terão uma retomada antes dos demais. Isso abre oportunidade para nós (os aviões da Embraer são menores e mais adequados para esses segmentos). 

O sr. falou que até 2025 a companhia vai ser maior do que era antes da crise. Quando o sr. entrou na Embraer, as informações no mercado eram de que sua meta era dobrar o faturamento da companhia em cinco anos. Isso ainda é possível?

No ano passado, quando a gente estava trabalhando na nova Embraer, sem a área comercial, a gente tinha uma expectativa muito otimista. As unidades que ficavam - de defesa, executiva e serviços - tinham boas oportunidades para crescer. Não era dobrar, mas era uma expectativa de crescimento muito importante. Agora, com a aviação comercial dentro, considerando que ela é a mais afetada pela covid, dobrar seria demais. A gente imagina chegar ao fim desses cinco anos com nível de receita maior do que a Embraer já teve e a nossa expectativa é que a rentabilidade melhore substancialmente, porque estamos fazendo esse trabalho de ganho de eficiência. A mensagem para nossos acionistas é: acreditem na Embraer e tenham um pouquinho de paciência porque vamos chegar lá. 

Quanto maior poderá ser esse faturamento em 2025? 

Vamos passar um pouco dos níveis maiores do passado, não é um crescimento exagerado.

A Embraer demitiu 2,5 mil funcionários neste ano e há rumores de que novos desligamentos podem ocorrer antes de dezembro. Isso está no planejamento?


No Estadão

Brasília vive uma realidade de desenho animado




Com a insanidade em alta, a economia em baixa, o Congresso em pé de guerra, o vírus e o desemprego à solta, o Poder brasiliense parece ter perdido o chão. Sob a presidência de uma caricatura, Brasília vive uma rotina de desenho animado. Nos desenhos, quando acaba o chão, os personagens continuam caminhando no vazio. Só despencam quando olham para baixo e se dão conta de que estão pisando em nada. No momento, as autoridades de Brasília evitam olhar para baixo.

O ministro das queimadas especializou-se em atear focos de incêndio nas redes sociais. Primeiro chamou de Maria Fofoca o general da coordenação política. Nada aconteceu, pois a humilhação de militares virou o novo normal depois que o general paraquedista da Saúde foi desautorizado pelo capitão do Planalto. Impune, o piromaníaco do Twitter contra-atacou o presidente da Câmara, chamando-o de Nhonho. Não fui eu, disse o incendiário depois de ter sido lembrado de que o gordinho de seriado infantil controla a pauta da Câmara.

Abatido, o general Maria Fofoca perdeu o controle sobre o centrão. Desgovernado, o grupo que deveria socorrer o Planalto no Legislativo promove uma desavença que trava o funcionamento da Comissão de Orçamento. E o governo convive com o risco de entrar em 2021 sem Orçamento. O xerife do Banco Central procura o Nhonho para avisar que a política está envenenando a economia. Foi alertado de que o problema está no Planalto, não na Câmara. Quem vazou a conversa?, perguntam-se todos, esquecendo-se do essencial: o teor do diálogo.

O ministro das queimadas continua com o fósforo na mão, o general Maria Fofoca finge ser coordenador, o centrão prepara novos botes, o gordinho da Câmara avisa ao Posto Ipiranga que lavou as mãos. E a caricatura do Planalto continua caminhando sobre o vazio. Não estranha nada, não permite que lhe façam perguntas. As autoridades de Brasília evitam olhar para baixo. O que não é difícil, porque na Capital toda autoridade tem o nariz empinado, não importa o tamanho do abismo que está sob os seus pés.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Decreto sobre SUS escancara ausência de rumo



Durou menos de 24 horas o decreto presidencial que colocava unidades do SUS na mira do programa governamental de parceria com a iniciativa privada. Ao editar o decreto que teve de revogar, Jair Bolsonaro se comportou mais ou menos como bombeiro que deflagra um debate sobre regras de combate ao incêndio no meio das chamas, com a mangueira na mão. Dizer que o governo foi inábil é muito pouco para traduzir o que ocorreu. Na verdade, colocar um assunto como esse sobre a mesa no meio da pandemia do coronavírus pode ter levado à morte um tema que é relevante e merecia ser debatido a sério num momento adequado.

Era muito previsível que o decreto produziria ruídos. E o barulho não veio apenas da oposição, mas também do centrão. A pergunta é: para quê? Ao contrário do que ocorre em períodos de calmaria, assessores que têm muitas ideias não são bem-vindos num cenário de adversidade. Há pessoas que se sentem bem ao dar palpites. Na maioria das vezes, agem com a melhor das intenções. Mas, no meio do incêndio, a menos que a ideia se pareça com um extintor, cabe ao presidente descartar.

No caso do debate sobre a gestão privada das unidades básicas de saúde, a ideia veio em má hora por três razões. Primeiro porque, em meio à crise sanitária, o momento é de assegurar que o sistema público de saúde preste a melhor assistência possível à sua clientela. Segundo porque o Ministério da Economia, berço da iniciativa, tem mais o que fazer. Terceiro porque é nula a chance de algo assim ser aprovado no Congresso. Gasta-se tempo e energia com a conversão do que poderia ser um bom debate em barbeiragem.

O Brasil vive uma emergência. Faltam vacina, dinheiro, empregos. A vacinação requer uma coordenação. O que há é balbúrdia. A penúria recomenda atenção com os brasileiros que perderão o auxílio emergencial da pandemia. Ficou para depois da eleição municipal. O desemprego deveria inspirar reformas que restaurassem a confiança do investidor privado. Estão empacadas.

Diante desse quadro, o presidente Jair Bolsonaro e seu principal ministro, Paulo Guedes, acharam que seria uma boa ideia queimar um debate sério sobre a gestão privada de unidades básicas de saúde. Essa iniciativa serviu apenas para expor a falta de rumo.

Por Josias de Souza

XP-Ipesp: Covas lidera e venceria no 2º turno; Boulos empata com Russomanno



Segundo pesquisa XP-Ipesp, o candidato Celso Russomanno (Republicanos) despencou cinco pontos percentuais em uma semana e conta agora com 22% das intenções de voto, em empate técnico com Guilherme Boulos (PSOL), que saltou de 12% para 16%. A margem de erro é de 3,5 pontos para mais ou para menos. Assim, Russomano pode ter entre 18,5 e 25,5, e Boulos, entre 12,5% e 19,5%. Tal empate técnico se dá, como se vê, nos extremos da margem de erro. É difícil, mas possível.

Bruno Covas (PSDB) lidera com 27% (entre 23,5% e 30,5%). Nos extremos da margem de erro, também poderia estar empatado com Russomanno, mas é improvável.

Márcio França, do PSB, marcou 8% (entre 4,5% e 11,5%), e Jilmar Tatto, do PT, 5% (entre 1,5 e 8,5) — em empate técnico com o peessebista.

Entre os demais candidatos que pontuaram estão Arthur Duval (Patriotas), com 4%; Andrea Matarazzo, com 3%; Joice Hasselman, com 2%; Orlando Silva (PCdoB), com 1%, e Marina Helou (Rede), com 1%. Nos extremos da margem de erro, todos estão tecnicamente empatados com o petista, embora seja improvável.

O Ipesp ouviu 800 pessoas, e a margem de confiança é de 95,45%.

SEGUNDO TURNO
Covas lidera todas as simulações num eventual segundo turno: 50% a 37% contra Russomanno, 52% a 25% contra Boulos e 51% a 29% contra Márcio França.

AVALIAÇÃO DAS GESTÕES
A pesquisa apurou como os paulistanos avaliam as respectivas gestões de Covas, do governador João Doria e do presidente Jair Bolsonaro.

A reprovação relativamente baixa do prefeito ajuda a explicar seu desempenho: apenas 22% consideram sua administração ruim ou péssima. Para 35%, é ótima ou boa, e 43% a veem como regular.

A avaliação do governador é bem pior: 22% dizem ser ótima ou boa; para 39% é regular, e 37%, ruim ou péssima.

O campeão da rejeição, na cidade, é mesmo Bolsonaro: para 47%, seu governo é ruim ou péssimo; 27% afirmam ser ótima ou boa, e 24%, regular.

Os bolsonaristas andaram anunciando que o presidente pretende colar ainda mais em Russomanno. Os números da pesquisa desaconselham a proximidade. O candidato sempre foi de chegada, sabemos. Desta feita, no entanto, só mesmo a associação com o "Mito" explica a derrocada.

Por Reinaldo Azevedo

Salles não existe! É o fogo, a motosserra, o mercúrio e a língua do chefe



Ricardo Salles, ministro de Queimadas, Desmatamento e Garimpo Ilegal, sempre tentou ser uma voz influente na extrema direita. É um dos criadores do Movimento Endireita São Paulo. O trocadilho ajuda a fazer dele também ministro do Insulto à Inteligência Alheia. Nunca conseguiu. Não se elegeu nem com a voragem bolsonarista que tomou o país. Mas faz tempo que circula por aí, como uma espécie de chaveiro de alguns endinheirados medianamente influentes.

Lembrem-se de que Jair Bolsonaro não queria um Ministério do Meio Ambiente. Acha que isso é coisa de esquerdista. Pretendia que a área ficasse subordinada ao Ministério da Agricultura. Setores mais lúcidos do agronegócio o convenceram de que seria um desastre misturar a produção agropecuária com as questões ambientais. E estavam certos. Imaginem se a ministra Tereza Cristina tivesse de justificar os desastres ambientais no Pantanal e na Amazônia e, ao mesmo tempo, de defender a sanidade ambiental da nossa soja e da nossa carne.

Bolsonaro manteve o ministério, mas escolheu para o cargo o Sérgio Camargo do Meio Ambiente: Salles. É o cara que detesta a área que é obrigado a gerir. É visível que ele não tem nenhum apreço pelo tema, que despreza os servidores dedicados à causa, que vê com suspeição os órgãos que integram a pasta. E assim faz o tal Camargo à frente da Fundação Palmares. Ambos atuam como inimigos do órgão de Estado sob a sua gestão.

MARIA FOFOCA
Na quinta passada, o ministro do Meio Ambiente desconfiou que o general Luiz Eduardo Ramos havia afirmado a uma coluna do Globo que ele, Salles, gostava de esticar a corda com os militares. Não teve dúvida: chamou Ramos, coordenador político do governo, de "Maria Fofoca". E com uma hashtag: "#mariafofoca". Queria o que conseguiu: gerar uma espécie de corrente nas redes sociais contra o desafeto.

As milícias bolsonaristas se juntaram para malhar o general. Salles ganhou o apoio do deputado Eduardo Bolsonaro e de outros extremistas de direita da Câmara. O presidente na Casa, Rodrigo Maia, saiu em defesa de Ramos no sábado. Escreveu no Twitter: "O ministro Ricardo Salles, não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil, agora decidiu destruir o próprio governo".

No domingo, a "Maria Fofoca" — Ops! O general Ramos — afirmou que estava tudo certo, que não havia crise. Isso depois de Salles ter admitido que havia exagerado...

O rapaz do movimento "Endireita" resolveu responder a Maia só nesta quarta. Chamou-o de "Nhonho!, numa referência a uma personagem do humorístico mexicano "Chaves". É um dos insultos corriqueiros a que os extremistas bolsonaristas recorrem para desqualificar o deputado.

Será que as confusões que Salles arruma enfraquecem a sua posição no governo? Leiam o que informou Rubens Valente, colunista do UOL, no dia 24:

Em meio a crises de grande repercussão - os incêndios no Pantanal e na Amazônia e o crescimento do desmatamento na Amazônia Legal -, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tomou posse como membro dos conselhos de administração de duas empresas concessionárias de serviço público que administram os aeroportos internacionais de Guarulhos (SP) e de Brasília (DF).

Salles foi indicado aos cargos pela Infraero, empresa pública federal vinculada ao Ministério da Infraestrutura, comandado pelo ministro Tarcísio Freitas. Para que Salles pudesse ocupar o cargo na concessionária GRU Airport, um especialista no setor, o secretário nacional de aviação, Ronei Glanzmann, renunciou à sua posição no Conselho.

Como se sabe, a participação em conselhos gera também um rendimento extra.

O que vai fazer Bolsonaro, agora que seu ministro do Meio Ambiente resolveu encruar uma questão que parecia resolvida, insultando o presidente da Câmara? Pela lógica, nada! Afinal, o ministro tem licença para chutar traseiro de general que serve ao governo. Por que seria diferente com Maia?

Prestem atenção! Não há ministro que represente com tanta propriedade o chefe como Ricardo Salles. Nem o militar Eduardo Pazuello se equipara. Este, bem ou mal, pertence a uma corporação em que a influência do presidente é relativa: o Exército. Salles não! Foi tirado da obscuridade por Bolsonaro e só assumiu a pasta em razão dos maus serviços à área que já havia prestado em São Paulo.

Seguirá sendo no poder o chaveiro de alguns endinheirados que veem a área ambiental como um empecilho para os seus negócios. Os outros ministros, todos eles, têm alguma reserva de pudor e nem sempre aparecem vocalizando as barbaridades que defende o chefe.

Salles não tem dessas coisas. Se seus colegas têm certa preocupação em, vamos dizer, dar uma amenizada no que pensa o presidente — isso vale, calculem, até para o general Heleno —, o ministro do Desmatamento, Queimadas e Garimpo ilegal faz o contrário: não há nada que Bolsonaro pense que ele não possa piorar.

Atualização: informa a Folha que o ministro Salles agora nega a autoria do tuíte em que chama Maia de "nhonho" e o atribui a uma possível ação de hacker. A conta está suspensa.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Ex-porta-voz critica Bolsonaro: 'Poder corrompe'



Demitido em 7 de outubro da função de porta-voz da Presidência da República, o general Otávio do Rêgo Barros quebrou o silêncio. Sem mencionar o nome do presidente, comparou-o num artigo de jornal a Júlio César. Bateu com vigor: "Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói!"

O artigo foi publicado no Correio Braziliense nesta terça-feira (27). Nele, Rêgo Barros anotou que "a estabilidade política do império está sob risco." Insinuou que Legislativo e Judiciário devem manter Bolsonaro sob vigilância.

"As demais instituições dessa República —parte da tríade do poder— precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do 'imperador imortal'. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões."

O título do artigo é uma expressão em latim: "Memento mori". Mal traduzindo, seria algo como "lembra-te que vais morrer." Júlio César tinha um escravo sempre do lado para dizer no seu ouvido: "Lembra-te que és mortal." Era para prevenir contra a megalomania. Nos momentos de aclamação, servia para recordar a César que ele também estava sujeito à condição humana.


"Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos", lamentou o general. "Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião."

Num instante em que Bolsonaro renega a Lava Jato e confraterniza com o centrão, Rêgo Barros cutucou: "É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais."

Desprezado por Bolsonaro, o ex-porta-voz fez uma analogia entre o papel que exercia no Planalto e as atribuições de um cochichador de Júlio César. Insinuou que, além de se distanciar dos compromissos de 2018, o presidente faz ouvidos moucos para o "memento mori".

"Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais —escravos modernos— que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos."

Depreende-se do texto do general, que o capitão dá de ombros para todos os que ousam recordar que ele também é mortal. Alguns assessores, escreveu Rêgo Barros, "deixam de ser respeitados". Outros são "abandonador ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas."

O general prosseguiu: "O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal."

Rêgo Barros definiu "discordância leal" como um conceito importado das "forças armadas profissionais". Trata-se de uma "ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso."

Quem lê o artigo fica com a impressão de que Rêgo Barros manda recados para os amigos generais que comandam escrivaninhas no Planalto e na Esplanada. Nos últimos dias, dois desses generais foram humilhados publicamente.

O ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi desautorizado por Bolsonaro depois de comunicar a intenção de adquirir 46 milhões de doses da "vacina chinesa do João Doria", como o presidente batizou o imunizante CoronaVac. "Um manda e o outro obedece", resignou-se Pazuello.

O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, foi chamado de "Maria Fofoca" nas redes sociais pelo colega Ricardo Salles, do Meio Ambiente. E ficou tudo por isso mesmo.

Sempre evitando citar o nome do ex-chefe, Rêgo Barros pareceu incomodado com a percepção de que alguma coisa subiu à cabeça de Bolsonaro, transformando-o numa liderança que imagina desempenhar uma missão especial, de inspiração celestial.

"A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias", escreveu Rêgo Barros. "Não aceita ser contraditada. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste."

Além de recomendar atenção aos outros Poderes, o general exalta o papel de um setor que Bolsonaro abomina: "A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César."

Em última instância, declarou o ex-porta-voz, "a população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade."

Abra-se aqui um parêntese. A menção ao Rubicão não é gratuita. Rêgo Barros não disse em seu artigo, mas o lance mais revelador do caráter de Júlio César foi uma traição. General vitorioso, César conquistara as Gálias. Dividia o poder com Pompeu, que ficara na retaguarda.

Uma lei impedia que um general, vitorioso ou não, entrasse em Roma com seu exército, a não ser em casos específicos determinados pelo Senado, o chamado "triunfo". Mal comparando, o "triunfo", era a versão romana de uma escola de samba. Tinha data e hora para acontecer.

Para evitar golpes de Estado, nenhum exército poderia transpor o Rubicão. César cruzou o riacho, que servia como limite moral. Pronunciou a célebre frase: "Alea jacta est" (A sorte está lançada). Perseguiu Pompeu até mandar matá-lo, em Farsália. Sozinho no poder, iniciou a era do cesarismo —que os famintos de poder cedo ou tarde copiam. Fecha parêntese.

Nas palavras do general Rêgo Barros, cabe à sociedade demarcar um Rubicão imaginário que Bolsonaro não poderia transpor, sob pena de ser punido "rigorosamente". Ao final, caberia à sociedade assumir "o papel de escravo romano", escreveu o ex-porta-voz. "Ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: "Lembra-te da próxima eleição!".

É como se o ex-porta-voz, após conviver com Bolsonaro, tivesse a convicção de que o capitão não vai ao Rubicão beber água.

Não é Nada (Felicio Vitali)



A frase, ainda que muito batida: "Seria engraçado se não fosse trágico", se encaixa bem na situação do eleitor que pediu ao bolsonaro que reduzisse o preço do arroz e, como resposta, ouviu pra "ir comprar arroz na Venezuela". 

Seria engraçado ver o eleitor deste impostor, ser maltratado pela criatura que ele insanamente idolatra. 

Mas passa a ser trágico, quando observamos que o arroz é apenas a ponta do iceberg. Apenas a pontinha do rabo de um monstro que, não demora muito, irá mostrar-se por inteiro e com a sua horrorosa cara, que de feiura só perde para a cara do impostor do seu criador. 

A perspectiva para o Brasil que será entregue daqui a dois anos por este embuste, não é nem um pouco animadora e o país estará muito pior que o país que ele recebeu a dois anos atrás. 

A questão do arroz, que o humilde camponês pediu ao rei medieval, que misericordiamente baixasse o preço e, pela ousadia, levou cem chibatadas, não é nada, insisto, diante do que ainda virá. 

O país economicamente parece um náufrago que a beira da praia, já sem forças, alterna momentos de afogamentos com vigorosas braçadas. 

Só que, com o cansaço cada vez mais frequente, as braçadas passam a ser cada vez mais descoordenadas, até que o país se sucumba ao fatídico desastre, assistido por pobres e incrédulos banhistas de ocasião. Portanto, que cada um se prepare como der e puder. Que seja com sofisticadas boias salva-vidas, câmara de ar ou colchão inflável, pois o mar não vai dar pé nem pra peixe grande, imagina então pra bagre que se assusta com o preço do arroz.

Por Felicio Vitali

Vacina há de ser compulsória; projeto de lei prevê punição a recalcitrantes



Já há um projeto de lei na Câmara estabelecendo punições para quem deixar de tomar a vacina contra a Covid-19 — quando houver uma. Será que alguém pode ser punido por não se vacinar? Será que o governo está obrigado a oferecer a vacina? Vamos ver.

Tão logo haja uma, não há dúvida de que será o Supremo a dar a palavra final sobre sua obrigatoriedade ou não, embora, é bom deixar claro, a Lei 13.979, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, já preveja a vacinação compulsória na Alínea d do Inciso III do Parágrafo 3º.

O PTB recorreu ao tribunal com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra esse dispositivo da lei. Do outro lado, cinco partidos políticos — PCdoB, PSOL, PT, PSB e Cidadania — apelaram a uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para que o governo federal seja obrigado a comprar a Coronavac — caso, claro!, ela esteja disponível, e a população, sem vacinação.

A ação procede. Jair Bolsonaro anulou protocolo de intenções assinado entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan para adquirir 46 milhões de doses. Chegou a dizer que o governo não as compraria ainda que a Coronavac fosse liberada pela Anvisa.

Cabe uma ADPF? Sim. Preceitos fundamentais estabelecidos pela Constituição estariam sendo ignorados se Bolsonaro cumprisse a sua promessa. A Saúde é direito dos cidadãos e dever do Estado, a quem cabe oferecer a assistência e adotar ações preventivas — como a vacinação — para garantir o bem-estar na população nessa área. Mais: a Carta também prevê o trabalho integrado entre os sistemas de saúde municipais, estaduais e federais.

Essas garantias estão nos Artigo 6º, 196, 197 e 198 da Constituição. Não há a menor possibilidade de a vacinação compulsória ser declarada inconstitucional — caso, claro!, se respeite o que está na Carta. É bom lembrar que o ECA (Lei 8.069) já prevê no Artigo 14 a imunização compulsória de crianças.

MAS OBRIGAR COMO?
É evidente que agentes do Estado não vão invadir casas, com a vacina em punho, para imunizar à força. Também não se vai sair por ruas, ônibus, trens e metrôs com uma seringa vingadora. As coisas não se dão assim.

O voto, por exemplo, é obrigatório, lembram-se? Quem não o exerce tem de se justificar ou fica sujeito a restrições de direito impostas pela Lei 4.737 — o Código Eleitoral.

Projeto de lei apresentado pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG) prevê que se aplique àqueles a quem se negar a tomar a vacina contra a Covid-19 as mesmas sanções previstas no Artigo 7º, Parágrafo 1º, Incisos I a VII a referida lei. Além de pagar multa, a pessoa que não tomasse vacina seria impedida de:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;

III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

V - obter passaporte ou carteira de identidade;

VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Todos sabem que defendo a obrigatoriedade da vacina. A questão de saúde pública está acima do direito individual da recusa.

A obrigatoriedade, é evidente, não consiste em aplicar a vacina na porrada, mas em aplicar sanção ou perda de direitos a quem não cumprir a determinação. É isso o que prevê o projeto do deputado.

Novas dificuldades para o recalcitrante têm de se acrescentar a essas. Pode-se instituir o carimbo nos passaportes que já existem. Instituições públicas e espaços privados devem ter a autorização para exigir dos frequentadores atestado de vacinação se assim houverem por bem. O mesmo deve valer para táxis e aplicativos.

No caso do transporte público, a exigência seria inexequível, mas plenamente possível para ônibus executivos ou de viagens longas.

Também é preciso prever os casos, sempre excepcionais, em que pessoas precisam ser dispensadas da vacina. Certamente haverá ocorrências de saúde incompatíveis com a droga. Justificar a ausência à votação — ESTA, SIM, NÃO DEVERIA SER OBRIGATÓRIA!!! — é fácil. No caso da dispensa médica da vacina, seria preciso ser muito rigoroso.

O coronavírus está cobrando um preço altíssimo da população mundial — do Brasil em particular, que está em segundo lugar no mundo em número de mortos, perdendo para os EUA apenas, que, não obstante, contam com menos ocorrências fatais por 100 mil habitantes.

O flagelo da doença e da morte está aí, com seus sortilégios na economia. Os esforços para chegar a uma imunização segura são gigantescos, e seu custo, elevadíssimo.

Não se pode impor a ninguém a autoproteção. Tampouco se pode fazer uma lei que proíba as pessoas de pôr em risco a própria vida ou mesmo de encerrá-la. Mas a ninguém é reservado o direito de arriscar a vida alheia.

Por isso o Estado tem de oferecer a vacina, e o indivíduo tem de tomá-la. Obrigatoriamente.

A vacina é uma autoproteção que também protege o outro.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 27 de outubro de 2020

STF barra lei da ‘pílula do câncer’, criada por Bolsonaro



O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a lei que autorizava o uso da chamada “pílula do câncer”. O projeto que resultou na Lei nº 13.269/2016 é de autoria do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. A decisão foi tomada na última sexta-feira, por maioria de votos. 

O relator, ministro Marco Aurélio Mello, assinalou que compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitir a distribuição de substâncias químicas, segundo protocolos cientificamente validados. Segundo ele, o órgão nunca protocolou pedido de registro da fosfoetanolamina sintética.

O caso chegou ao Supremo por meio de uma ação ajuizada pela Associação Médica Brasileira (AMB), para quem a ausência de testes da substância em seres humanos e de desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais torna inviável a sua liberação. 

Apesar da decisão definitiva, a “pílula do câncer” já estava suspensa desde 2016 quando o plenário havia concedido uma liminar para suspender a eficácia da lei. À época da sanção da medida pela então presidente Dilma Rousseff, Bolsonaro, que era deputado federal, comemorou o resultado e disse que a liberação era uma “vitória da esperança”.

No Radar da Veja.com

Fala de Bolsonaro sobre vacina e remédios é criminosa


Dostoiévski, Anitta (a cantora), leite quente, Ivermectina, hidroxicloroquina... Tudo isso é tão eficaz contra a Covid-19 como andar com um galho de arruda atrás da orelha. No caso de Dostoievski e de Anitta, a cantora, só se conhecem efeitos colaterais positivos.

O presidente Jair Bolsonaro superou a sua própria capacidade de dizer asneiras sobre a Covid-19 e a vacina ao falar a seus apoiadores nesta segunda. Aliás, no tempo em que ele se manteve afastado dos desocupados, convenham, a tensão política baixou bastante. Mas, como se nota, é preciso alimentar os obscurantistas para que estes continuam a produzir... obscurantismo.

Cesse tudo o que a antiga musa canta. É raro que um dito popular coincida com o pensamento científico, não é mesmo? Com frequência, as pesquisas desautorizam as generalizações apressadas, seja nas ciências sociais, seja nas ciências da natureza. Mas, às vezes, acontece a coincidência feliz. Diz o povo com razão: é melhor prevenir do que remediar.

Arrumar um estrago é mais caro do que a trabalho preventivo para evitar que aconteça. E o mesmo vale em saúde pública. Não para Bolsonaro.

Com a cara de quem desconfia de alguma conspiração e induzindo seus fiéis alfabetizados, mas iletrados (alguns com curso universitário), a pensar o mesmo, o presidente fez uma suposta constatação e uma indagação, com aquela sua gramática que só não é mais bárbara do que seu pensamento:
"Todo mundo diz que a vacina que menos demorou até agora foram quatro anos. Eu não sei por que correm em cima dessa. Eu dou a minha opinião pessoal: não é mais barato e mais fácil investir na cura do que até na vacina? Ou jogar nas duas, mas também não esquecer a cura? Eu, por exemplo, sou um testemunho. Eu tomei a hidroxicloroquina. Outros tomaram Ivermectina. Outros tomaram Anitta. E deu certo. E, pelo que tudo indica, todo mundo que tratou precocemente com uma dessas três alternativas aí foi curado."

É mentira! O efeito dessas drogas no que ele chama de "cura" da Covid-19 é o mesmo do leite quente da vovó. Um amigo teve Covid-19 e aproveitou para ler "Os Irmãos Karamazov". Os remédios citados pelo presidente curam a doença tanto quanto Dostoiévski. Será essa conversa liberdade de expressão quando na boca de um presidente? Entendo tratar-se de crime.

Ao fazê-lo, induz a população a desconfiar da vacina, de qualquer uma, e a optar pela automedicação, alheio a eventuais consequências danosas de um falso tratamento. Observem que o presidente não livra da suspeição nem a vacina de Oxford, que conta com o apoio oficial do seu governo, também ela desenvolvida em tempo recorde.

Estou enganado, ou Bolsonaro quer levar uma parcela considerável dos brasileiros a acreditar que a vacina é um desperdício de recursos, que poderiam, então, ser mais bem aproveitados em outra área? É uma variante de sua opinião homicida de que o distanciamento social era desnecessário porque prejudicaria a economia.

QUESTÃO JUDICIAL
O presidente também decidiu peitar de saída o Supremo antes que este tome uma decisão sobre a obrigatoriedade da vacina ou de o governo oferecer a dita-cuja para todo mundo. Disse:
"Temos uma jornada pela frente, onde (sic) parece que foi judicializada essa 'cuestão'. E entendo que não é uma 'cuestão' de Justiça. É uma 'cuestão' de Saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina. Isso não existe".

Quem é o jurista que o instrui? André Mendonça, o terrivelmente sabujo? Quem lhe disse que uma 'cuestão' não pode ser, a um só tempo, "de Saúde e de Justiça"? Certamente o imbecil que o fez ignora os artigos 6º — cláusula pétrea da Constituição — e também o 196 e o 197. A saúde é um direito dos indivíduos e um dever do Estado.

Foi com base nessas disposições que o próprio Bolsonaro sancionou a Lei 13.979, que dá poder ao governante, inclusive aos governadores, para tornar a vacina obrigatória em sua esfera de competência. Talvez o Congresso deva voltar ao tema para impor sanções a quem se negar a tomar vacina sem ter uma justificativa médica. Que tal vetar o acesso a benefícios sociais e a linhas especiais de crédito? Ou instituir o carimbo em passaporte, de modo que o mundo saiba que, sendo brasileiro e não havendo a chancela, não está imunizado e pode carregar o patógeno?

"Autoritário"? Ah, não! Autoritário é reivindicar o direito de se contaminar e de sair por aí como uma bomba que asperge vírus, podendo vitimar pessoas às quais, por razões de saúde, a vacina não seja recomendada. O suicídio é um direito não escrito. Resistir a uma política pública para conter ou combater uma doença contagiosa é crime, segundo o Artigo 268 do Código Penal.

Os fanáticos de Bolsonaro o querem contra a vacina. Sua popularidade aumentou na pandemia. Isso não se deu em razão de suas opiniões sobre a Covid-19, mas do auxílio emergencial. Ocorre que, caso se encoste o ouvido ao peito de um bolsominion, lá bate um coração que rejeita a ajuda, ou porque considera que isso é "socialismo" ou porque acha que só é pobre quem é preguiçoso.

A vacina não deixa de ser uma aposta que o indivíduo faz no coletivo, expressão de um gesto de amor por si mesmo, mas também pelo outro. E esses caras só entendem o exercício da liberdade como expressão do ódio. Por isso, diga-se, chamam sua obsessão pelo politicamente incorreto de "liberdade de expressão", e o suposto direito de contaminar os outros de "liberdade".

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Eleição virou um bufê que serve mais do mesmo



Eleição é como loteria, só que sem um prêmio no final. O voto, na maioria das vezes, é um equívoco renovado a cada dois anos —ora em pleitos gerais, ora em disputas municipais. O eleitor é um cidadão condenado a optar entre o lamentável e o impensável. Tudo continua praticamente igual. A diferença é que a fuzarca passou a ser financiada pelo contribuinte.

O dinheiro sai de dois fundos custeados pelo déficit público: o eleitoral e o partidário. A três semanas do primeiro turno, a Justiça Eleitoral levou à vitrine a escrituração parcial dos partidos. Disputam a sorte nas urnas algo como 550 mil candidatos a vereador e a prefeito. O grosso da verba, informa a Folha, foi para a campanha de 0,8% do total de candidatos.

Até aqui, os partidos distribuíram R$ 807 milhões a algo como 50 mil candidatos. Desse total, R$ 646 milhões —80% do cascalho— escorreram para a caixa registradora dos comitês de cerca de 4.600 candidatos. Num processo que conspira contra a renovação, os oligarcas que mandam nos partidos privilegiam a mesma corriola de sempre. A maioria dos novatos recebe pouco ou nenhum dinheiro.

Em condições normais, não fica bem maldizer os políticos e usar um timbre de seda para falar dos eleitores. Mas eleição é como bufê. O sujeito não pode preparar uma iguaria. Paga adiantado e tem que escolher entre os pratos que estão no balcão —mais do mesmo.

O despautério acontece porque a lei que criou em 2017 o fundo eleitoral não definiu como a verba do Tesouro Nacional seria distribuída pelos partidos. Na prática, instituiu-se uma versão marota de financiamento público das eleições com voto em lista. Nesse modelo, o eleitor perde o direito de escolher o candidato em que vai votar.

domingo, 25 de outubro de 2020

Uso do governo para matar prova é delinquência



Jair Bolsonaro jogou o governo numa operação para matar provas contra o primogênito Flávio Bolsonaro. Mobilizou órgãos como o Gabinete de Segurança Institucional, a Agência Brasileira de Inteligência e a Receita Federal. Por enquanto, foi malsucedido. Mas tornou-se fornecedor de matéria-prima para uma nova investigação.

Se o procurador-geral da República Augusto Aras não tivesse aversão ao ofício de procurar, Bolsonaro estaria em apuros. Não fosse a blindagem que os partidos do centrão oferecem ao governo de Bolsonaro no Congresso, o caso acabaria em Comissão Parlamentar de Inquérito.

Reportagem da revista Época revelou que, em 25 de agosto, Bolsonaro reuniu-se no Planalto com duas advogadas de Flávio: Luciana Pires e Juliana Bierrenbach. Convocou para a conversa o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI, e Alexandre Ramagem, diretor da Abin.

As defensoras do primogênito venderam um peixe podre na reunião. A Receita abrigaria em seus quadros organização criminosa que municiaria o Coaf de dados sigilosos contra empresários, servidores e políticos. Nessa versão, seria ilegal a origem dos dados que encrencaram Flávio e o operador de rachadinhas Fabrício Queiroz no caso de desvio de verbas públicas na Assembleia Legislativa do Rio.

Comprovando-se a teoria, as doutoras Luciana e Juliana teriam novos argumentos para questionar a legalidade das provas, requerendo, uma vez mais, o arquivamento da investigação contra o primogênito. Mobilizados, Heleno e Ramagem não conseguiram obter a comprovação da alegada devassa ilegal.

Flávio procurou o secretário da Receita, José Tostes. Depois, o próprio Bolsonaro chamou Tostes ao Planalto. Filho e pai foram informados de que não há vestígio do alegado vazamento. Informado, o Zero Um ainda procurou Gurjão Barreto, presidente do Serpro, o Serviço Federal de Processamento de Dados do governo. E nada.

Na política, convém evitar dois extremos. Num, estão os políticos incapazes de todo. Noutro, situam-se os políticos capazes de tudo. Bolsonaro frequenta polos. Coloca-se no segundo grupo quando jogar o governo num esforço para blindar o filho e Fabrício Queiroz, seu amigo de mais de três décadas.

O episódio faz lembrar uma passagem da fatídica reunião de 22 de abril, aquela em que Bolsonaro declarou que não iria esperar "foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu" ao mencionar o desejo de trocar "gente da segurança nossa no Rio".

Liberada pelo então ministro Celso de Mello, do Supremo, a gravação é peça do inquérito que apura se Bolsonaro tramou a conversão da PF num aparelho a serviço da família e dos amigos. O presidente ainda nem foi interrogado nessa investigação e já fornece material para a próxima. O uso do governo para matar provas e obstruir o trabalho da Justiça é delinquência.

Bolsonaro destrói o orgulho nacional



Em 1966, o decreto 59.153 do marechal Castello Branco, primeiro presidente militar pós-golpe, estabelecia a Campanha de Erradicação da Varíola, com vacinação em massa para 100% dos brasileiros. Após cinco anos o país já havia se livrado da doença, com erradicação reconhecida e aplaudida pela OMS em 1980. Uma revolução que só foi possível graças a cientistas da União Soviética. No auge da guerra fria.

A rixa entre os Estados Unidos x URSS não impediu que os militares brasileiros, aliados de primeira hora do Tio Sam, utilizassem a tecnologia dos comunistas – um processo de secagem e drenagem do imunizante que, segundo relatos históricos da Fiocruz, possibilitava transportá-lo sem refrigeração e, assim, chegar aos locais mais distantes e quase inacessíveis do país.

Mais de meio século depois, o presidente Jair Bolsonaro alega a procedência comunista para rechaçar a CoronaVac, imunizante contra a Covid-19 desenvolvido pela chinesa Sinovac Biotech com o centenário Instituto Butantan.

Para Bolsonaro, que autorizou seu ministro da Saúde a firmar protocolo pró-vacina com o Butantan para depois voltar atrás e escorraçá-lo, a CoronaVac carrega duas condições insuperáveis: é da China, país vermelho odiado por seus radicais de carteirinha, e do governador de São Paulo João Doria, odiado por ele.

Somam-se aí características típicas do presidente – birra, picuinha, pequenez. E outras de fundo: leviandade e autoritarismo. Sempre cevado por uma trupe de sabujos que a ele presta obediência cega. Um cerco de idólatras que o blinda de ver o que ele deveria ver e que prefere não ver.

Movido pelo instinto eleitoral que só o deixa enxergar 2022 à frente, Bolsonaro pode ter errado no cálculo.

Enquanto a politização da vacina se limitava ao debate extemporâneo sobre a obrigatoriedade ou não de aplicá-la, o embate entre ele e Doria se dava no mesmo plano, com ambos tentando tirar proveito da pandemia.

Tudo mudou com o recuo tresloucado ao aporte de recursos para a CoronaVac.
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Bolsonaro deu a Doria, de bandeja, vantagens que nem em sonho o governador acalentava. A começar pelo batismo “vacina do Doria” que o presidente, com todo o seu ódio, fez viralizar. Ato contínuo, deixou claríssimo, até para os que resistem em crer, que eliminar um futuro adversário é mais importante do que zelar pela saúde dos brasileiros, 89% deles ansiosos por uma vacina.

O destrambelho dos últimos dias reacendeu a revolta de governadores e fez com que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, há dias afastado do combate direto com o presidente, saísse em defesa de Doria. Ao vivo e em cores, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, com direito a chamar o governador de “amigo e aliado”.

Agitou também o Supremo. Nada menos de sete representações partidárias – seis contra e apenas uma em favor do presidente – foram apresentadas na sexta-feira. Cobram do governo responsabilidade vacinal e fixação de um calendário de imunização, além do cumprimento da lei que o próprio Bolsonaro assinou em fevereiro, pela qual as autoridades têm o poder de realizar vacinação compulsória ( Lei 13.979 de 6/2/2020, Art. 3º, Inciso III, alínea d.).

Criou ainda mais uma desnecessária indisposição com os chineses, já fartos com o amém do governo brasileiro às pressões dos Estados Unidos, com chances de surtirem efeito na participação da Huawei no leilão da tecnologia 5G. Uma gracinha para um Donald Trump em fim de mandato que agride o maior parceiro comercial do Brasil.

São mais de U$ 121 bilhões de produtos brasileiros exportados para China, valor três vezes e meia maior do que para os norte-americanos, perfazendo um saldo de U$ 30 bilhões na balança comercial. Vendemos soja e minérios, importamos computadores, celulares, tecnologia e quinquilharias. Insumos fármacos e… vacinas.

Goste ou não o presidente, a mesma chinesa Sinovac está no Brasil com imunizantes contra H1N1 e hepatites. É um dos vários laboratórios internacionais que, associados à expertise das gigantes Fiocruz e Butantan, permitem ao país ter cobertura vacinal decente – que já foi invejável.

Mas até esse orgulho nacional Bolsonaro faz questão de destruir.

Por Mary Zaidan

sábado, 24 de outubro de 2020

Bolsonaro envolve Abin e GSI em reunião com advogados de Flávio sobre ‘rachadinha’





O presidente Jair Bolsonaro participou de uma reunião, em 25 de agosto, com advogados do filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O objetivo foi debater supostas “irregularidades das informações constantes de Relatórios de Investigação Fiscal” produzidos por órgãos federais sobre o senador. Também foram ao encontro o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.

A reunião, que não foi registrada nas agendas oficiais do presidente nem de Augusto Heleno, foi revelada nesta sexta-feira, 23, pela revista Época e confirmada pelo Estadão.

Desde julho de 2018, Flávio Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) por suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A investigação começou a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O trabalho identificou “movimentações financeiras atípicas” de 75 assessores ou ex-assessores de deputados estaduais do Rio.

Fabrício Queiroz, assessor de Flávio quando o filho do presidente era deputado estadual fluminense, foi um dos citados. Ele movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. A quantia era incompatível com a renda dele. O MP suspeita que Queiroz operava, a mando de Flávio, um esquema de “rachadinha”. Ou seja, ele recolheria a maior parte dos salários dos colegas de gabinete, para repassá-lo ao filho do presidente.

Tanto Queiroz como Flávio negam irregularidades. O hoje senador atribui as acusações a “perseguição política”. O verdadeiro alvo seria o governo do presidente, diz. Já o MP do Rio afirma agir tecnicamente e dentro da lei.

Em nota, a defesa de Flávio Bolsonaro afirmou que “levou ao conhecimento do Gabinete de Segurança Institucional as suspeitas de irregularidades” em relatórios sobre Flávio. O motivo seria que os documentos “diferiam, em muito, das características, do conteúdo e da forma dos mesmos Relatórios elaborados em outros casos”.

Ainda segundo os advogados de Flávio, os relatórios anteriores não apontavam qualquer indício de atividade atípica por parte do senador”. O caso foi levado ao GSI “por ter sido praticado contra membro da família” do presidente, argumentaram os advogados.

A assessoria de comunicação do GSI reconheceu que o caso envolvendo o filho do presidente não é um assunto dentro das atribuições legais do órgão e disse, em nota, que a informação de “supostas irregularidades” em relatórios da Receita Federal foi trazida de “maneira informal” pelas advogadas Luciana Pires e Juliana Bieerenbach com a justificativa de que as denúncias atingiam a “integrante da família presidencial”.

“Entretanto, à luz do que nos foi apresentado, o que poderia parecer um assunto de segurança institucional, configurou-se como um tema, tratado no âmbito da Corregedoria da Receita Federal, de cunho interno daquele órgão e já judicializado. Diante disso, o GSI não realizou qualquer ação decorrente. Entendeu que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”, diz a nota. 

CPI

O deputado Alessandro Molon, líder do PSB na Câmara, afirmou nesta sexta-feira que está coletando assinaturas para instalar uma CPI sobre o caso. “É gravíssima a informação de que o presidente usou o cargo e as instituições para tentar livrar o filho de investigação criminal”, escreveu o deputado em seu Twitter. 

Interferência na PF

Bolsonaro é alvo de inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar se ele interferiu politicamente na Polícia Federal (PF), como acusou o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ao deixar o governo. Em reunião com ministros no dia 22 de abril, o presidente disse: “Eu não vou esperar f… minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha.” 

Na época, investigadores que assistiram ao vídeo disseram ao Estadão terem entendido que o presidente vinculou mudanças na Superintendência da PF no Rio à proteção de sua família.

No Estadão

É possível - Felicio Vitali

 

Não se pode duvidar de nada neste governo. Rola uma desconfiança entre os governadores e autoridades estaduais de saúde, de que a ANVISA pode atrasar de propósito a aprovação da vacina de tecnologia chinesa (Coronavac), desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan, até que a vacina da universidade de Oxford fique pronta.

Assim bolsonaro tira o palanque do Doria e pode usar antes a vacina de sua preferência, a de Oxford.

Por pura picuinha política e por um egocentrismo exacerbado e crença xenófoba, o presidente irá atrasar em alguns meses a tão desejada possibilidade de imunização da população.

Em outra circunstância, seria bem feito para os eleitores destes dois impostores, mas dada a gravidade da situação, então é de se lamentar.

E por isso mesmo, a gente se pergunta: será possível?

Sim, é possível!

A ANVISA desde setembro tem um pedido do Instituto Butantan, para autorizar a importação de insumos da vacina e não o fez até agora, segundo ela própria, porque teve algumas trocas de diretores.

Prevê que a autorização será dada somente em meados de novembro. Assim como não dá para acreditar no prazo estipulado, a justificativa parece esdrúxula demais para ser verdadeira.

O histórico de prazo para este tipo de autorização, nunca ultrapassou 10 dias.

Assim de atraso em atraso, com desculpas esfarrapadas, a vacina do Instituto Butantan, que hoje é a mais adiantada e a mais promissora das vacinas em testes, pode ser a última a ser aplicada.

A ANVISA e o Ministério da Saúde desconsideram também, um outro dado importante desta vacina, que é, entre todas, a única que prevê no acordo entre as partes, a transferência total de tecnologia.

Portanto, isto não é justo com o Instituto Butantan, que é o maior fabricante de vacinas do país e de muitos serviços prestados a população brasileira.

Também não é justo com o povo, como não é com os contribuintes em geral e só comprova que temos um demente desprezível no cargo mais elevado do país.

Até porque vai ficar muito difícil a bolsonaro, a ANVISA e ao Ministério da Saúde explicarem para seus ignorantes apoiadores, porque não divulgam que a vacina de Oxford também utiliza matéria prima chinesa em sua composição.

Por Felicio Vitali

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Araújo confessa: atua para Brasil ser pária; delinquência ataca João Cabral


O monumental poeta João Cabral de Melo Neto. No destaque, a mediocridade 
arrogante e a delinquência intelectual de Ernesto Araújo.

Ninguém mais tem o direito de desconfiar de que o Brasil está se tornando um pária no mundo, seja pelas escolhas do governo em matéria de política externa, seja por sua atuação em organismos e fóruns multilaterais, seja por sua política ambiental, seja pelo incentivo à barbárie cultural, à estupidez e à ignorância mais rombuda.

Tudo isso se conjugou nesta quinta no discurso do chanceler Ernesto Araújo durante solenidade de formatura no Instituto Rio Branco. Os formandos escolheram como patrono o diplomata e poeta João Cabral de Melo Neto, que morreu em 1999.

É o autor do célebre poema "Morte e Vida Severina", de 1955, que virou peça de teatro em 1966, com música de Chico Buarque. É, sim, uma obra de crítica social, mas já então a artesania do verso se mostrava evidente num texto que trata das mazelas da seca e das "vidas severinas" que a tudo suportam em busca de alguma transcendência — a esperança que seja.

João Cabral nunca foi esquerdista ou escreveu obra de militância. Ao contrário: parte da crítica engajada apontava o seu alheamento das questões políticas e seu suposto apego excessivo ao formalismo. É preciso ser um tarado ideológico, dotado de uma ignorância profunda, para apontar viés esquerdizante na sua poesia.

Ainda que houvesse, pergunta-se: e daí? Isso impede a boa obra? Arte e política não costumam formar uma mistura tranquila, tampouco eficaz. Assim como as revoluções não geram necessariamente boa poesia, é uma tolice supor que poesia possa fazer revolução, embora, por óbvio, a arte se deixe marcar por seu tempo. Mas aquela que permanece transcende as disputas mundanas.

João Cabral foi um poeta gigantesco, seja pelo rigor formal, seja pela dimensão humana, transcendente e, a seu modo, metafísica da obra, que passou longe de vulgatas do pensamento de esquerda ou de direita. Toda arte carrega, é evidente, valores ideológicos intrínsecos, mas estes não são o desiderato do discurso artístico.

Acontece que o olavista — discípulo do astrólogo Olavo de Carvalho — Ernesto Araújo não passa de um prosélito medíocre e de um recém-convertido ao pensamento de extrema direita. Então as brutalidades que o seu mestre consegue sigilar num discurso mais elaborado — quando não está dedicado a proferir palavrões e a fazer digressões sobre o orifício excretor alheio —, ele o faz de modo grosseiro, extravasando a sua ignorância arrogante.

O pêndulo de Bolsonaro vinha se deslocando para o centro, ainda que muito distante dele. Para os acordos com o Centrão, a conversa vale. Mas é evidente que decidiu que é chegada a hora de fazer concessões a seus soldados de extrema-direita. O ataque à vacina do Instituto Butantan é um sinal para juntar a tropa. E o mesmo se diga do discurso de Araújo.

O chanceler resolveu deixar claro como Brasil vê o mundo e como nele se vê, com ataques à ONU e, claro, genuflexão no altar de Donald Trump. Afirmou:
"Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, por exemplo, os presidentes Bolsonaro e Trump foram praticamente os únicos a falar em liberdade. Naquela organização, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala em liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária. Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, do lado de fora, do que ser um conviva no banquete do cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e dos semicorruptos. É bom ser pária. Esse pária aqui, esse Brasil; essa política do povo brasileiro, essa política externa Severina -- digamos assim -- tem conseguido resultados".

É mesmo? Quais resultados?

Que o agronegócio ouça. Que os industriais fiquem atentos. Que os mercados abram os ouvidos. Por alinhamento ideológico, o ministro das Relações Exteriores resolveu transformar o país num pária internacional e se orgulha disso.

O último resultado vistoso de Araújo foi a imposição de sobretaxa, pelos EUA, para o alumínio brasileiro.

Aí ele resolveu falar sobre o que não sabe e não leu, não sem deixar claro que, na sua mentalidade, o papel das Severinas e Severinos é servir a gente como Araújo, mas crendo em Deus e temendo o comunismo.

Contou que uma emprega doméstica que trabalhava em sua casa na década de 80 chamava-se... Severina. E que ela odiava o comunismo porque este é "contra Deus".

E atacou João Cabral, que teria se voltado "para o lado errado, para o lado do marxismo e da esquerda".

E mandou ver:
"Sua utopia, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, constituía em substituir esse Brasil sofrido, pobre e problemático por um não-Brasil. Um Brasil sem patriotismo, sujeito, naquela época, aos desígnios de Moscou e, hoje, nesse novo conceito de comunismo brasileiro, sujeito aos desígnios sabe-se lá de quem".

É tanta bobagem reunida que nem errado ele consegue ser.

Chulo, vulgar e ignorante, acusou a esquerda de reduzir tudo a "conceitos como gênero e raça" e de querer promover "a ditadura do politicamente correto e da criação de órgãos de controle da verdade".

Sempre que um extremista de direita ataca o que chama de "ditadura do politicamente correto", fiquem certos: está com vontade de ofender mulheres, negros e gays e acha um absurdo que a lei puna o que ele considera ser "liberdade de expressão".

E emendou frases de efeito:
"Todo isentão é escravo de algum marxista defunto. Tratar os conservadores de ideológicos é o epítome da prática marxista-leninista: chame-os do que você é, acuse-os do que você faz".

"Isentão" é vocabulário de blogueiro arruaceiro e fascistoide.

Não perguntem a Araújo em que livro Lênin escreveu essa frase, que é carne de vaca do olavismo, porque ele terá de perguntar ao mestre, que responderia: "Sei lá eu, porra! Isso sou eu lendo Lênin".

Ah, sim: a questão ambiental seria só uma orquestração da esquerda, também parte da "estratégia comunista". E, terríveis que são, os esquerdistas aproveitaram o coronavírus para tentar implementar um "gigantesco aparato prescritivo, destinado a reformatar e controlar todas as relações sociais e econômicas do planeta". A isso ele chamou "covidismo".

Não era um discurso no hospício. Era o chanceler brasileiro numa cerimônia de formatura.

Que as pesquisas se cumpram e que Biden vença a eleição nos EUA. Quem sabe as escolhas do povo americano façam com que nos livremos da delinquência intelectual no Itamaraty.

Por Reinaldo Azevedo