domingo, 28 de fevereiro de 2021

Bolsonaro engasga com jacaré e engole elefante



O coronavírus não é o único agente infeccioso que atormenta o Brasil. Jair Bolsonaro foi infectado por um vírus que elimina do organismo humano as enzimas que produzem o senso do ridículo. Depois de inventar efeitos colaterais inexistentes para retardar a compra da vacina da Pfizer, com registro definitivo da Anvisa, o presidente autorizou o Ministério da Saúde a investir R$ 1,614 bilhão na aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, vacina indiana ainda não testada.

Chama-se Bharat Biotech o laboratório que produz a Covaxin na Índia. É representado no Brasil pela Precisa Medicamentos. Responsável pela negociação com a pasta da Saúde, a empresa é investigada pelo Ministério Público no Distrito Federal por suspeita de fraude na venda de testes anti-Covid para o governo de Brasília. Negócio de R$ 21 milhões.

A Pfizer tenta vender vacinas ao governo brasileiro desde meados do ano passado. O ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e sua equipe deram de ombros. Nessa época, Jair Bolsonaro, um presidente sem comprovação científica, apostava que a "gripezinha" seria contida por meio de "tratamento precoce" baseado num coquetel de medicamentos estrelado pela hidroxicloroquina.

'Se você virar um jacaré...'

Em dezembro, quando a vacina da Pfizer começou a ser aplicada no exterior, Bolsonaro soava desconexo. Chamava a segunda onda da Covid de "conversinha", sustentava que a pandemia estava no "finalzinho" e criticava as cláusulas leoninas do contrato oferecido pela Pfizer valendo-se de um enredo fabuloso sobre os hipotéticos efeitos zoogenéticos da vacina:

Eis o que declarou Bolsonaro: "Se você virar um jacaré, é problema de você, pô! Se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso".



O Supremo Tribunal Federal acabara de decidir, num julgamento que consumira duas tardes, que o poder público pode impor sanções a pessoas que não quiserem se vacinar. Defensor da liberdade do cidadão de infectar, Bolsonaro considerou a decisão inócua. "Nem vacina tem, não vai ter pra todo mundo", declarou, como que confessando a própria incompetência.

Programa de vacinação sem vacinas!

O presidente implicou também com a CoronaVac, vacina que chegou ao Brasil graças a uma parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan. Declarou que não compraria a "vacina chinesa do João Doria" nem mesmo se a Anvisa aprovasse. A Anvisa autorizou o uso emergencial. E o capitão, a contragosto, teve de autorizar a compra.

Tanta falta de nexo levou o governo a iniciar o plano nacional de vacinação contra a Covid sem vacinas. Mesmo com o complemento das doses da vacina de Oxford, trazidas via Fiocruz, a produção do Butantan resultou numa imunização a conta-gotas. No momento, vacinaram-se cerca de 3% dos brasileiros.

O ritmo de tartaruga manca levou o Senado a colocar em pé uma proposta que inclui uma espécie de artigo-jacaré. Autoriza a União, os estados e os municípios a assumirem os riscos que o contrato da Pfizer transfere para os compradores de vacinas.

Álibi para justificar a inépcia

A permissão do Legislativo é desnecessária, inócua e enganosa. É desnecessária porque não há vestígio de efeitos colaterais dignos de nota nos países em que a vacina da Pfizer foi utilizada em grande escala. Ao contrário, os resultados são alvissareiros.

É inócua porque, havendo reações adversas provocadas por uma vacina com o carimbo da Anvisa, os processos judiciais viriam de qualquer jeito.

A autorização legislativa é enganosa porque sua única finalidade é oferecer a um governo confuso o álibi para justificar a protelação criminosa da compra de uma das vacinas mais eficazes do mercado. Pazuello agora diz que a encrenca da Pfizer subiu do Ministério da Saúde para o Planalto. E começa a alegar que a compra depende de autorização do Congresso. Lorota.

A escassez de lógica chamou a atenção da representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. O subprocurador-geral Lucas Furtado pediu ao TCU que ordene a suspensão do contrato de compra dos 20 milhões de doses da Covaxin. Pede que a verba seja redirecionada para a "aquisição de vacinas com eficácia comprovada, já existentes no mercado, a exemplo da vacina Pfizer".

A falta que faz uma epidemia de ridículo!

Furtado sustenta que a pasta do general Pazuello opera de costas para a ciência. Realça que a compra de vacina cujos testes não foram concluídos atrasará ainda mais a lenta vacinação dos brasileiros

O subprocurador-geral injeta no debate uma dose de obviedades: "A situação se mostra mais alarmante quando o governo federal critica a aquisição de vacinas já aprovadas para uso no Brasil e que já passaram por todas as fases de testes e agora opta pela aquisição de vacina sem eficácia comprovada, mesmo com opções comprovadamente eficazes disponíveis no mercado".

São devastadores os efeitos do vírus que suprime do organismo de Bolsonaro as enzimas do senso do ridículo. O presidente engasga com um jacaré que só existe na sua cabeça e engole um elefante indiano que até o TCU já enxergou. O brasileiro que aguarda na fila por um par de doses de vacina fica tentado a exclamar: "Ah, que país extraordinário seria o Brasil se de repente, por milagre, baixasse no Planalto uma epidemia de ridículo!"

Por Josias de Souza


sábado, 27 de fevereiro de 2021

Missão de Bolsonaro é revelar que inferno existe



O Brasil sempre foi o mais antigo país do futuro do planeta. Sob Bolsonaro, isso está mudando. Antes, o Brasil era mundialmente conhecido como o país do jeito para tudo. De repente, passou a ser visto como um país que não tem jeito.

O Brasil equilibrou-se por tanto tempo na beirada do vácuo que acreditou que o abismo, a exemplo do inferno da escatologia cristã, era mais uma ficção admonitória do que a realidade de uma crise terminal. A ficção tornou-se real.

Sumiu a ideia de que o Brasil está à beira do abismo. O país experimenta a vivência do abismo. No buraco, contabiliza há 37 dias uma média de mais de mil cadáveres a cada 24 horas. Chora os mais de 250 mil mortos em um ano de pandemia.

Absorvido pela celebração ou execração do bicampeonato do Flamengo, o brasileiro demora a notar que o Brasil morre junto com as vítimas do vírus. E, suprema desgraça, o país ainda não foi para o céu.

Bolsonaro se autoimpôs a missão revolucionária de revelar ao Brasil que o inferno existe. Ele não dispõe de um plano de ação. Tem apenas um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."



A verdade que interessa a Bolsonaro, presidente "imbrochável", é a mais profunda. Mesmo que as profundezas enlouqueçam o Brasil. Na sua busca por uma verdade sem limites, o presidente comanda o governo do não-planejamento.

Bolsonaro é a síntese do erro total. Ele faz o pior o melhor que pode. Nas últimas 48 horas, criticou o uso de máscaras e o isolamento social. Recusa-se a cometer erros novos. É como se quisesse provar que é errando que se aprende... a errar.

Contra as máscaras, Bolsonaro esgrimiu uma enquete mequetrefe como se fosse o estudo de uma universidade alemã. Contra o isolamento, disse que uma nova rodada de auxílio emergencial deveria ser bancada não pela União, mas por governadores e prefeitos malvados que pregam o lema do "fiquem em casa".



Uma morte é uma fatalidade. Meia dúzia, uma tragédia. Mais de 250 mil, para Bolsonaro, é apenas mais uma estatística. Quando havia mil mortos, Bolsonaro falou em "gripezinha". Aos 5 mil, queixou-se da "histeria".

Quando perguntaram a Bolsonaro sobre os 10 mil corpos, disse "não sou coveiro". Na marca de 20 mil, perguntou: "E daí?". Aos 30 mil mortos, declarou que "todo mundo morre um dia".

No recorde de 40 mil, Bolsonaro fez um convite: "Invadam hospitais e filmem leitos vazios". Com 50 mil mortos, continuava assegurando que "a hidroxicloroquina salva". Na ultrapassagem dos 100 mil cadáveres, declarou "vamos tocar a vida".

Agora, às voltas com mais de 250 mil mortos, Bolsonaro continua soando como Bolsonaro. Depois de tantas frases perversas, de Pazuello, de conspiração antivacina... depois de tantas barbaridades, não resta ao brasileiro senão enfrentar a tragédia.

Bolsonaro não é o problema do Brasil. O país é que é o problema dele. É possível enxergar um lado positivo na crise que Bolsonaro potencializa, mesmo que seja necessário procurar um pouco. Devagarinho, o caos transforma o Brasil num lugar perfeito para a construção de algo inteiramente novo.

Por Josias de Souza


Barroso sinaliza em despacho que PEC da impunidade pode acabar no Supremo



O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu pedido do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) para suspender a tramitação da proposta de emenda constitucional que amplia a imunidade dos congressistas. Entretanto, o ministro sinalizou em seu despacho que o tema pode resultar em questionamento judicial que levará o Supremo a avaliar a legalidade da chamada PEC da impunidade.

Barroso realçou que é preciso respeitar a cláusula pétrea da Constituição prevê a separação entre os poderes. Esclareceu que essa cláusula permanente será violada "se a mudança constitucional efetivamente interferir com o núcleo essencial das competências próprias do Poder Judiciário".

Cabe ao Supremo, como se sabe, o papel de guardião dos mandamentos constitucionais. "É preciso aguardar, assim, a evolução do processo legislativo, para verificar se resulta em texto incompatível com a Constituição", escreveu Barroso, como se desejasse avisar que não é do Congresso a palavra final sobre questões como a prisão em flagrante de deputados e senadores.

O ministro disse a proposta de emenda constitucional que surgiu na Câmara traz "apreensão à sociedade". Mas considerou que não se justifica "um controle preventivo que impeça o debate". Ele esmiuçou seu raciocínio:

"De fato, o objeto da PEC número 3/2021 envolve mudanças nos limites da imunidade parlamentar e no procedimento de decretação de prisão e outras medidas cautelares em face de deputados e senadores. A mera deliberação em tese acerca de tais matérias não é vedada pela Constituição".

De resto, Barroso avaliou em sua decisão que não se deve desconsiderar a hipótese de que a sensatez prevaleça no debate legislativo. "É legítimo ter-se a expectativa de que, ao longo da tramitação, a proposta seja aperfeiçoada e desmereça o epíteto de PEC da Impunidade".

Nesta sexta-feira, faltou voto a Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara, para impor a votação em plenário, a toque de caixa, da PEC que exala um odor de impunidade. Restabeleceu-se o rito legislativo. A emenda migrou da pauta do plenário para uma comissão especial, onde será debatida.

Por Josias de Souza

Corte de gastos ou de Guedes? Malandragem com Saúde e Educação fora da PEC


Márcio Bittar e Paulo Guedes: senador tentou ser o Leporello do Don Juan "duzmercádus", mas não conseguiu sustentar aberração com Saúde e Educação Imagem: Reprodução

Ora, mas que dúvida!

Temos um Ministério da Economia que usa uma teoria muito conhecida nas escolas que estudam o assunto mundo afora. É conhecida pela expressão "Se colar, colou".

Assim foi com a PEC emergencial que está no Senado. Paulo Guedes pediu — e quer isto desde sempre — e o senador Mário Bittar (MDB-AC) atendeu: o texto teria de trazer a desvinculação dos orçamentos de saúde e educação, que hoje tem mínimos constitucionalmente definidos.

É pouco ainda para o custeio das duas áreas, especialmente no caso da Saúde em tempos de pandemia, mas é um volume gigantesco de dinheiro. São as duas maiores dotações orçamentárias do país.

Lembro de novo: hoje, os Estados são obrigados a investir em Saúde 12% da arrecadação, e os municípios, 15%. Na Educação, os dois entes têm de aplicar 25%. No caso da União, os valores, a partir de 2017, têm de ser corrigidos pela inflação: a Saúde recebia, então, 15% da Receita Corrente Líquida, e a Educação, 18% dos impostos federais.

É evidente que só quer acabar com essa vinculação quem está disposto a usar os recursos das duas áreas para fazer frente a outras despesas.

Reitere-se: esse é, desde sempre, um desejo de Paulo Guedes. Ele se assenta na cascata de que os gestores sabem onde lhes aperta o calo e, pois, usariam os recursos com mais sabedoria. O Brasil real — não o do liberalismo ideal ou do idealismo liberal do ministro — nos diz que acabará faltando ainda mais dinheiro para Saúde e Educação, já subfinanciadas, e acabará sobrando para chafariz e obra tocada por aquele empreiteiro amigo.

Chega às raias da psicopatia fazer agora essa postulação, com o país à beira do caos na saúde.

Bittar, relator da PEC, admitiu a derrota e já se deu por convencido de que não haveria a menor chance de o troço passar nem mesmo no Senado. Na Câmara, a reação seria ainda maior.

Na versão primeira da PEC, pretendia-se ainda contar com a possibilidade de reduzir a jornada e o salário do funcionalismo. Também isso ficou de fora.

O governo exige alguma forma de ajuste das contas com vistas ao futuro para pagar o auxílio emergencial. Nos bastidores, circula a conversa de que, se não houver uma proposta que contente Guedes, ele pode cair fora do governo. Será? Sei não...

Acho que faz esse tipo de ameaça aquele cuja saída é indesejada por quase todos, de modo que a possibilidade de pedido de demissão gera temores.

Digam-me cá: Guedes se encaixa no perfil?

Acho bom ele não dizer isso com muita clareza. Ou aí é que não haverá corte nenhum de gastos. Só haverá corte de Guedes.

Por Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Bolsonaro é inimigo com máscara de presidente




Muita gente acredita que o maior problema de Bolsonaro é saber por onde começar a gestão da pandemia. Engano. O seu maior problema é saber onde parar. Costuma-se dizer que o chefe da nação não gosta de usar máscara. Lorota. Instalou-se no Planalto um inimigo camuflado sob a máscara de presidente.

O Brasil foi transformado numa zona de guerra. O vírus não é o único adversário. Os brasileiros estão sendo violentamente atacados pelo governo. A biblioteca do Palácio da Alvorada virou trincheira. É dali que, em transmissões ao vivo, Bolsonaro faz ataques regulares. Cada frase é um míssil que atinge o país.

"Pessoal, começam a aparecer estudos aqui —não vou entrar em detalhes, né?—sobre o uso de máscaras", disparou o inimigo durante sua penúltima live. "Num primeiro momento aqui, uma universidade alemã fala que elas são prejudiciais a crianças. Começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das máscaras..."

Bolsonaro é o efeito colateral de si mesmo. Cada gesto estapafúrdio que ele encena sob a máscara de presidente parece ter sido planejado para confundir o brasileiro, obrigando-o a usar a palavra "estapafúrdio" —um vocábulo quase tão esdrúxulo quanto Pazuello, outro morteiro que atinge a nação.

Num instante em que os mortos da Covid ultrapassam a marca macabra de 250 mil, o capitão do Planalto invade a Petrobras. E o general da Saúde envia para o Amapá as doses de vacina destinadas ao Amazonas.

Aguarda-se a explicação que o general Joaquim Silva e Luna, novo chefe da estatal petroleira, dará sobre as artimanhas logísticas que levam o colega Pazuello a tomar decisões como uma dona de casa cega que guarda sal numa lata de açúcar, na qual está escrito café.

Num bombardeio de dezembro, Bolsonaro soltou sobre o campo de batalha a previsão de que o Brasil vive "um finalzinho de pandemia". Hoje, decorridos dois meses, o país vive a pior fase da pandemia —um caos crescente, com viés de colapso nacional.

Segundo Pazuello, o esdrúxulo, há na praça uma mutação viral que multiplica por três o poder de contágio. O que não impede o presidente mascarado de realizar ataques frontais à inteligência alheia.

"Quem quer auxílio emergencial e a cidade está fechada... Vão cobrar do prefeito, vão cobrar do governador, já que ele quer que você fique em casa eternamente e quer mandar a conta para nós pagarmos."

O presidente mascarado revela-se capaz de tudo, exceto de se enxergar como um corresponsável pela devastação sanitária. O estapafúrdio não se reconhece no reflexo do espelho.

Por Josias de Souza

Fim do inquérito: Maia é outra vítima do modo lavajatista de arrasar o país



A Procuradoria Geral da República pediu ao STF para arquivar o inquérito que investigava se a Odebrecht havia feito repasses irregulares ao deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a seu pai, Cesar Maia.

Na Era da Destruição da Política, que preparava o terreno para a ascensão de Bolsonaro, Maia foi um dos acusados pela baciada de delatores da empreiteira. Duvido que tenha havido algo parecido no mundo. Ou que ainda haverá.

Seu nome foi parar na boca do sapo das redes sociais, mas ele sobreviveu politicamente, o que foi bom. Resistiu a dois anos de iniquidades do governo Bolsonaro, mantendo a racionalidade necessária na Câmara.

No pedido que faz agora de arquivamento, afirma a PGR:
"Forçoso reconhecer que a apuração não reuniu até o momento suporte probatório mínimo (justa causa em sentido estrito) que ampare o oferecimento de denúncia. Assim, não havendo lastro probatório mínimo para o oferecimento de denúncia com perspectiva de êxito, justifica-se o arquivamento deste inquérito".

Há um outro inquérito que apura supostas doações irregulares da OAS.

Talvez o país um dia ainda se livre desse flagelo. Delatores caem nas teias da investigação, fazem as acusações e, por um bom tempo, suas palavras viram lei. E os acusados que se virem.

Depois de toda a expiação pública, vem agora uma espécie de "nada consta". Vale dizer: só há a palavra dos delatores, interessados em obter vantagens com a delação. Não há uma miserável prova que evidencie o que disseram.

Tanto melhor, claro!, que seja essa a posição da PGR.

Mas sabemos qual é o custo do modo que as delações assumiram no Brasil.

Foi esse método de combate à corrupção que nos empurrou para a lama em que estamos.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Balanço da Petrobras faz da intervenção de Bolsonaro caso para psiquiatria





Sob Jair Bolsonaro, a parte mais difícil do sucesso é encontrar alguém que reconheça o mérito. Empurrado pelo inquilino do Planalto em direção à porta de saída, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, levou à vitrine números que o deixam bem na foto.

A estatal petrolífera fechou o ano pandêmico de 2020 com lucro de R$ 7,1 bilhões. O resultado líquido do quarto trimestre do ano passado foi um recorde: R$ 59,89 bilhões. Podendo soltar fogos junto com Castello Branco, o presidente da República preferiu puxar-lhe o tapete.

Casatello Branco fez soar o bumbo do autoelogio: "A produtividade está subindo, a companhia está focada em investir em ativos de classe mundial e possui uma grande carteira de ativos não prioritários à venda. Nós entregamos nossas promessas."

Indicado por Paulo Guedes em 2019, Castello Branco vai à galeria dos ex-presidentes da Petrobras como um caso raro de executivo. Foi enviado ao olho da rua por excesso de mérito.

Depois que os resultados da companhia ganharam o noticiário restou a impressão de que a intervenção militar que Bolsonaro promove na Petrobras é um caso menos de governança do que psiquiátrico.

Lira diz que parlamentares precisam de blindagem para enfrentar criminosos



Articulador da mexida constitucional que torna a prisão em flagrante de congressistas praticamente impossível, o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, justificou assim a novidade:

"Proteger o mandato é garantir que os parlamentares possam enfrentar interesses econômicos poderosos ou votar leis contra organizações criminosas perigosas, tendo a garantia de poder defender a sociedade e o povo sem sofrer retaliações."

Como se vê, a primeira vítima da articulação de Lira é a semântica. Quando a Câmara é chefiada por um réu e esse personagem, protagonista de duas ações penais no Supremo, define uma emenda que institui a impunidade parlamentar como arma de guerra contra o poder econômico e o crime organizado, você sabe que está no centro de uma crise de significado ou numa roda de cínicos.

Quando os deputados, hipotéticos defensores do povo, autorizam a tramitação legislativa do cinismo, como fizeram na noite desta quarta-feira por 304 votos a 154, você percebe que a crise é terminal. A Câmara vive uma espécie de surto pilântrico. O "significado" perdeu o significado.

Realizada em ritmo de toque de caixa, a votação prossegue nesta quinta-feira. Se as mudanças tricotadas por Lira, líder do centrão, já estivessem em vigor, o deputado Daniel Silveira não estaria preso por atentar contra a democracia e ameaçar a integridade física dos ministros do Supremo. O mandato da deputada Flordelis, acusada de mandar matar o marido, não teria sido suspenso.

Doravante, nenhuma revelação conseguirá abalar a imunidade e o prestígio de um parlamentar. Todos continuarão circulando livremente pelos corredores do Legislativo certos de que nada afetará os seus bons nomes ou os seus mandatos, exceto, talvez, a pedofilia ou o terrorismo. Delações ou conversas gravadas viram asteriscos. Vídeo tóxico em rede social torna-se diversão infantil.

Autoconvertido em herói da resistência, Arthur Lira assegura ao país que não deseja senão imunizar os parlamentares contra retaliações do poder econômico e do crime organizado. Para não dizer que o presidente da Câmara é um cínico, deve-se deduzir que também é uma vítima de sua própria confusão semântica.

Lira não sabe que o grosso dos parlamentares —ele inclusive— mantém com o poder econômico uma relação de submissão, não de enfrentamento. Desconhece que a maioria dos partidos políticos —entre eles o seu PP— tornaram-se uma outra modalidade de organização criminosa.

Há mais de um século, o historiador Capistrano de Abreu propôs uma Constituição sucinta para o Brasil. Teria apenas dois artigos.

Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.

Artigo 2º: Revogam-se as disposições em contrário.

Se essa Constituição de Capistrano estivesse em vigor, a presidência de Lira na Câmara seria antirrepublicana. E a reforma articulada por ele, inconstitucional. Entretanto, o Legislativo vive uma crise de significado.

Por Josias de Souza

Bolsonaro pode fugir da imprensa, não do espelho



Há no jornalismo uma máxima segundo a qual não existe pergunta constrangedora. O que constrange é a resposta. Jair Bolsonaro não suporta a imprensa que o imprensa. Quando imprensado, insulta, ameaça ou simplesmente sai de fininho, como fez nesta quarta-feira (24/02) em Rio Branco, no Acre.

Um repórter tentou questionar: "Presidente, qual a avaliação que o senhor fez da decisão do STJ ontem de derrubar a quebra dos sigilos fiscais...". Não houve tempo para mencionar o nome do primogênito Flávio Bolsonaro. O presidente cuidou de atalhar: "Acabou a entrevista".

Bolsonaro já deu respostas piores. "Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai", declarou, por exemplo, quando um repórter quis saber se dispunha de comprovante de um empréstimo de R$ 40 mil que disse ter feito ao operador de rachadinhas Fabrício Queiroz.

"Estou com vontade de encher a tua boca na porrada", disse o capitão ao repórter que ousou inquiri-lo sobre os depósitos feitos por Queiroz e a mulher dele na conta da primeira-dama Michelle. Somaram não R$ 40 mil, mas R$ 89 mil.

A imprensa tem incontáveis defeitos. Mas desperta os instintos primitivos de Bolsonaro por conta de uma de suas principais virtudes: o cumprimento da missão jornalística de ajustar as aparências à realidade e não adaptar a realidade às aparências, como parece preferir o capitão.

Não é papel da imprensa apoiar ou se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo aquilo que tenha interesse público. Bolsonaro vive às turras com a imprensa porque é um personagem paradoxal.

Cavalgando a democracia, o capitão já acumula 30 anos de mandatos eletivos. Mas não se constrange de submeter o brasileiro ao constrangimento de ouvir comentários como o que fez no último sábado: "Se tivesse que depender de mim, não seria esse o regime que estaríamos vivendo."

Por sorte, o regime democrático brasileiro não depende de Bolsonaro. Enquanto vigorar a democracia, os presidentes continuarão devendo explicações à sociedade.

O capitão logo perceberá que fugir da imprensa não resolve o problema. Qualquer autoridade com meia dúzia de seguranças pode se livrar de um grupo de repórteres. Difícil mesmo é escapar do espelho, cujo reflexo produz avaliações de uma franqueza irretocável.



Por Josias de Souza

Caso Flávio: Investigue-se tudo! Bobagens que servem a Moro, não aos fatos



Chega a ser cansativo ter de insistir no óbvio, mas vamos lá. Num país em que investigadores — principalmente Ministério Público, secundado pela Polícia — se tornaram a principal referência para debater leis e, sobretudo, o devido processo legal, a chance de se chegar a um bom lugar é muito difícil. Fomos sequestrados pelo punitivismo a qualquer custo, não importa muito o alvo. E, nesse particular, até que a democracia às avessas vai bem, né? E isso quer dizer que vamos muito mal. Sim, foi esse ambiente que levou Jair Bolsonaro ao poder. E, curiosamente, um dos rebentos do bolsonarismo — em sentido literal — foi parar no centro do debate: Flávio Bolsonaro.

Estamos com um problema: ou anunciamos claramente à sociedade que há quatro ministros de um tribunal superior no Brasil, justamente o de sua Câmara criminal, que votam contra os autos só para agradar ao presidente da República e sua grei — e não podemos parar nessa constatação —, ou vamos nos ater aos autos para saber se há ou não uma ilegalidade na origem na investigação. Não houve? Vamos demonstrar.

Não fiquemos apenas na esfera das ilações. Ora, se há uma ilegalidade na origem da quebra do sigilo, isso contamina o resto. E assim tem de ser. Convém que os especialistas sejam ouvidos a respeito dessa questão. "Investigadores" sempre falarão a favor de sua investigação e contra os investigados.

PECULATO NA VEIA
Eu não tenho a menor dúvida de que se praticou peculato no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O depoimento de Fabrício Queiroz -- vamos ver se isso também se perde com a decisão do STJ, por extensão -- já o evidenciou. Ele confessou que parte dos salários dos funcionários era sequestrada por ele -- sem o conhecimento do chefe, claro... --, mas não para enriquecimento ilícito. Segundo o ex-faz-tudo de Flávio, a grana servia para contratar, de maneira clandestina, pessoas para trabalhar no gabinete.

Isso é peculato.

Definem o caput do Artigo 312 do Código Penal e seu Parágrafo 1º:
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Como se vê, a destinação do dinheiro roubado não muda o tipo penal.

Ainda que a confissão de Queiroz se torne sem efeito, há um fato criminosos envolvendo dinheiro público. Digam-me onde está escrito que o Ministério Público do Rio está proibido de dar início a uma nova investigação para apurar essa e outras práticas criminosas envolvidas no caso conhecido como "rachadinha".

Há certos juízos que são espantosos. Há países em que se pode investigar um fato criminoso uma única vez. Não é o nosso caso. Por aqui, enquanto o crime não prescrever, a investigação pode ser aberta 800 vezes se preciso. O que não se admite é o uso da prova que foi considerada ilegal. Procedimentos legais devem, então, buscar as provas lícitas.

O jurista Pedro Serrano, professor de direito da PUC-SP, afirma ao jornal O Globo:
"O promotor pode fazer um novo pedido de quebra de sigilo para embasar a investigação e caberá à Justiça concedê-lo ou não, com uma decisão devidamente fundamentada. Enquanto o crime não prescrever, o Estado ainda pode investigá-lo".

A mesma coisa afirma Armando Mesquita Neto, especialista em Direito Penal Econômico:
"A decisão do STJ não vai ser o suficiente para impedir a continuidade das investigações, já que os fatos e indícios se mantêm. No máximo, levará a um atraso. Não é uma nulidade que impede o julgamento do caso adiante. Um novo pedido do MP partirá daquilo que se tornou conhecido na quebra anterior. Inevitavelmente, será mais objetivo e focará em pessoas e empresas determinantes para as conclusões da investigação."

DESSERVIÇO
Presta-se um desserviço ao direito, aos fatos e à objetividade tratar o caso de Flávio como se ele estivesse recebendo uma sentença absolutória. Isso é mentira. O que os ministros do STJ viram no processo foi, para ser genérico, um déficit de fundamentação do juiz.

Houve, por exemplo, uma quebra generalizada de sigilo, sem a devida justificação, que, com efeito, não concorre para a boa prática do direito. Isso recebe um nome dos meios jurídicos: "fishing exploration".

Atenção! Vai em caixa alta mesmo: NÃO HÁ UMA MISERÁVEL PROVA QUE TENHA SIDO COLHIDA ATÉ AQUI QUE ESTEJA AO ABRIGO DE UMA NOVA INVESTIGAÇÃO. Isso é conversa mole. Isso não existe. Ou me digam em que diploma legal está.

Há a confissão de Fabrício. Se não puder ser usada como prova, nada impede que se parta dela, por exemplo, para que se tenha início uma nova investigação, dentro do devido processo legal, colhendo provas lícitas. E, obviamente, Flávio Bolsonaro não está imune à investigação.

Repita-se Serrano: "O promotor pode fazer um novo pedido de quebra de sigilo para embasar a investigação e caberá à Justiça concedê-lo ou não, com uma decisão devidamente fundamentada". Repita-se Mesquita Neto: "Um novo pedido do MP partirá daquilo que se tornou conhecido na quebra anterior. Inevitavelmente, será mais objetivo e focará em pessoas e empresas determinantes para as conclusões da investigação".

Destaque-se mais: os ministros do STJ não declararam a inocência de Flávio. Apontaram a cadeia que resultou em provas considerada ilícitas.

CASO LULA
Tolices idênticas às ditas no caso Flávio são repetidas quando se trata de Lula e da óbvia suspeição de Sergio Moro. Caso esta seja mesmo declarada pela Segunda Turma do Supremo, processo e condenação estão anulados. Quem disse que o Ministério Público está impedido de dar início a uma nova investigação? Mas que se faça dentro da lei.

E uma outra analogia cabe nesse caso. Por ilícitas, as provas não podem ser usadas em juízo. Mas se sabe que um crime foi cometido. A confissão de Fabrício, por exemplo, deixou isso claro.

Que se faça a nova investigação. Também as falas de procuradores capturadas pelo Telegram — captura ilícita — apontam para um crime grave: a investigação ilegal de ministros de um tribunal superior. Não podem ser usadas como provas. Mas ensejam a abertura de investigação.

Vamos botar a bola no chão.

Achincalhar a Justiça quando ela cumpre a sua obrigação sempre acaba interessando a maus atores. Serviu ao bolsonarismo em 2018. A quem se pretende que sirva em 2022? A Sergio Moro?

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um caso de amor correspondido livra Flávio Bolsonaro do pior



Em 29 de abril último, ao dar posse a André Mendonça, o sucessor do ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro assim referiu-se a João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça, presente à cerimônia:

– Prezado Noronha. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência.

Menos de três meses depois, Noronha aproveitou as férias do Judiciário para soltar Fabrício Queiroz. Mandou-o para prisão domiciliar. Para não parecer pouco, estendeu o benefício à mulher de Queiroz, que havia fugido. A ela caberia cuidar do marido.

O caso de amor à primeira vista entre o presidente e o juiz culminou com a decisão tomada pela Quinta Turma do tribunal de anular a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro (Patriotas), acusado de desvio de dinheiro público.

Noronha foi o primeiro dos quatro votos favoráveis ao filho mais velho de Bolsonaro. O voto do relator da ação foi contra. Flávio celebrou a decisão ao lado do seu advogado, Frederico Wassef, em cuja casa, no interior de São Paulo, Queiroz fora preso.

Em seu voto, que deixou eufórico o presidente da República, Noronha acusou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Banco Central, de promover “indevida intromissão na devida intimidade e privacidade” de Flávio.

O Coaf monitora atividades financeiras consideradas suspeitas. Foi com base num relatório seu que o Ministério Público do Rio denunciou Flávio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Um esquema que lhe rendeu 6 milhões de reais.

O mutirão para tirar Flávio do sufoco envolveu muita gente dos três Poderes da República. A saída de Moro do governo deveu-se à interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, segundo o ex-ministro. A Agência Brasileira de Inteligência deu uma mão.

A Receita Federal foi pressionada para que não criasse problemas. O Conselho de Ética do Senado ficou desativado para não ter que examinar pedidos de abertura de processos contra Flávio por quebra de decoro. Até o Supremo Tribunal Federal ajudou.

Em setembro próximo, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, será aberta uma vaga de ministro no Supremo. Noronha sonha com ela, mas também Mendonça, Augusto Aras, Procurador-Geral da República, e outros nomes menos cotados.

Aras já tem quem o substitua na Procuradoria-Geral: Lindôra Araújo, a procuradora que com muito orgulho não esconde os telefonemas que recebe de Bolsonaro. Ela liderou a investigação que resultou na queda de Wilson Witzel, governador do Rio.

O Superior Tribunal de Justiça voltará a julgar a partir da próxima terça-feira novas ações movidas pela defesa de Flávio. A tendência é aceitar todas. E assim será posto um ponto final no suplício de dois anos vivido com galhardia pela família presidencial brasileira.

Por Ricardo Noblat

STJ ensaia converter rachadinha de Flávio Bolsonaro num castelo de areia



É grande o esforço dos tribunais superiores de Brasília para presentear Flávio Bolsonaro com um enterro de provas vivas. Num instante em que Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, está sentado em cima do recurso que pede a devolução do processo sobre o célebre caso da rachadinha à primeira instância, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal. Com isso, amputou uma perna da ação criminal em que o primogênito de Jair Bolsonaro é acusado de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa.

Por 4 votos a 1, a turma do STJ considerou que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, autorizou a abertura dos sigilos sem fundamentar adequadamente a providência. Itabaiana já não é o juiz do caso. No seu esforço para fugir de um veredicto, Flávio Bolsonaro pediu e obteve a prerrogativa de ser julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio, o foro especial dos deputados estaduais, função que ele exercia na época dos crimes.

A mudança de foro não havia prejudicado as provas coletadas na 27ª Vara Criminal do Rio, onde o juiz Itabaiana mastiga marimbondos. Entretanto, a defesa do Zero Um, inconformada com a possibilidade real de condenação do seu cliente, foi bater à porta do STJ pela enésima vez. Relator das aflições de Flávio Bolsonaro na terceira instância, o ministro Felix Fischer, outro magistrado que come ferrões, indeferiu o recurso. Nesse ponto, entrou em cena o ministro João Otávio Noronha. É de sua autoria o voto divergente adotado pela maioria da turma do STJ.

Abra-se, por oportuno, um parêntese: Otávio Noronha é um magistrado que desfruta da estima de Jair Bolsonaro. "Foi amor à primeira vista", disse o presidente, em abril do ano passado. Noronha sonha em ser indicado pelo presidente para o Supremo, na vaga a ser aberta no final deste semestre com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.

Suprema coincidência: Três meses depois de ouvir a declaração de amor do presidente da República, Otávio Noronha viu aterrissar sobre sua mesa, num plantão judicial, pedido de prisão domiciliar de Fabrício Queiroz, o operador de rachadinhas da família Bolsonaro. O ministro aquiesceu. Transferiu Queiroz de um cárcere de Bangu 8 para o conforto do domicílio. Estendeu o benefício à mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que ainda nem havia sido presa. Estava foragida. Fecha parêntese.

No voto divergente sobre as quebras de sigilo do Zero Um, Otávio Noronha sustentou que o juiz Itabaiana, o comedor de marimbondos da 27ª Vara Criminal do Rio, foi ligeiro e superficial ao afastar o direito dos investigados à inviolabilidade dos seus dados bancários e fiscais. De fato, o magistrado acatou com um parágrafo o pedido que o Ministério Público fundamentara em 87 páginas. Essas páginas compõem os autos. De resto, ao deferir nova quebra de sigilo dois meses depois, Itabaiana esmiuçou a decisão anterior.

Entretanto, nada foi levado em conta pela maioria da 5ª Turma do STJ. Por isso, subiram no telhado todas as provas coletadas em consequência da abertura dos sigilos de Flávio e dos demais investigados. O flagelo poderia ser contornado a partir de um novo pedido do Ministério Público ao juiz Itabaiana, que teria a oportunidade de reescrever o seu despacho, reafirmando a decisão. O diabo é que o caso Mas o caso subiu para o Tribunal de Justiça. A Promotoria do Rio recorreu ao Supremo. Mas Gilmar Mendes continua sentado em cima dele.

Há mais: a mesma 5ª Turma julgará na próxima terça-feira outros recursos de Flávio Bolsonaro. Entre eles o que reivindica o declaração de incompetência do juiz Itabaiana para atuar no caso da rachadinha. Alega-se que estava claro desde o início que Flávio Bolsonaro, embora já fosse deputado estadual, tinha direito a foro privilegiado. Tanto que o Tribunal de Justiça avocou o processo. A jurisprudência do Supremo não autoriza a conclusão. Mas Gilmar Mendes empurra com a barriga o julgamento do recurso em que a Promotoria pede a devolução dos autos ao comedor de marimbondos da primeira instância.



A evolução da encrenca cobra a formulação de hipóteses. Na pior das hipóteses, Flávio Bolsonaro abriu o caminho para adiar o seu pesadelo até a prescrição dos crimes. Na melhor das hipóteses, aproximou-se do sonho de todo réu em apuros: a anulação das provas. Arma-se um cenário muito parecido com o que levou ao sepultamento da Operação Castelo de Areia.

Trata-se de operação deflagrada em 2009 para investigar crimes atribuídos à empreiteira Camargo Corrêa: lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção e financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Nesse caso, o STJ também decidiu anular as provas obtidas pela PF. Alegou-se que a investigação estava escorada em uma denúncia anônima - que, por si só, não poderia servir de base para quebras de sigilo. A Odebrecht voltaria à alça de mira noutra operação: a Lava Jato. Seus executivos assinaram acordos de delação premiada.

Por Josias de Souza

PEC emergencial traz marca da perfeita idiotia do liberal latino-americano



Deveria haver uma diferença entre ser um liberal e ser um perfeito idiota latino-americano — no caso, de direita. Faço aqui, claro, uma referência, ao livro "Manual do Pefeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa — que, confesso, já achei circunstancialmente mais engraçado.

O texto faz uma crítica dura, às vezes mais galhofeira do que técnica, a teses da esquerda latino-americana que são caudatárias de um anti-imperialismo meio mofado. Ocorre que os ventos mudaram no continente, muitos liberais chegaram ao poder e não conseguiram se livrar do bolor antipovo. É triste, mas é assim.

Por que essa introdução? Vamos ver. O governo vai ter de pagar o auxílio emergencial com PEC ou sem PEC. A rigor, é irrelevante porque isso será feito com aumento da dívida. O desembolso não está condicionado a corte nenhum de despesa. Sim, isso vai gerar barulho. Mas cumpriria indagar: cortar de onde?

É nesse ponto que não consigo alcançar, vamos dizer, o "amanhã" de certos críticos. Aí não há alternativa: ou não se dá o benefício — e a miséria vai campear, com riscos também políticos —, ou, então, paga-se o necessário, vamos dizer, fora do controle regular de despesas. Também neste ano, esse desembolso fica fora do teto de gastos, que foi pensado, de resto, para um país sem pandemia.

A equação é fácil? Não é.

FIM DOS PISOS
Ocorre que a tal PEC chega aos senadores, relatada pelo governista Márcio Bittar (MDB-AC), com o fim dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Lembro: os Estados são obrigados a investir em Saúde 12% da arrecadação, e os municípios, 15%. Na Educação, os dois entes têm de aplicar 25%. No caso da União, os valores, a partir de 2017, têm de ser corrigidos pela inflação: a Saúde recebia, então, 15% da Receita Corrente Líquida, e a Educação, 18% dos impostos federais.

Quando é que a gente descobre que um governo está sem eixo?

Quando se vê na iminência de emitir dívida para pagar o auxílio emergencial — afastando, assim, o risco do caos —, mas propondo, em plena pandemia, o fim dos pisos justamente em saúde e educação. Essa é uma ambição antiga de Paulo Guedes, diga-se, quando ainda não se ouvia falar de coronavírus.

Ora, é evidente que só se propõe uma coisa como essa porque se parte do princípio de que se avançaria sobre o dinheiro das duas áreas para enfrentar outras despesas. Não fosse essa certeza, por que a mudança?

Bittar tem um raciocínio singelo, que o liberalismo perfeitamente idiota costuma fazer:
"[A ideia é] devolver aos municípios, aos estados e à União o poder de legislar uma das leis mais importantes, que é a do orçamento. Até porque, vincular o orçamento da União, que é o único país democrático no mundo que tem esse grau de vinculação, não resolveu nada. Nós gastamos 6,3% do PIB nacional com educação e estamos com educação brasileira entre as 20 piores nações do mundo"

Pois é...

Não sei se é o único país do mundo que tem esse grau de vinculação. Sei que é supinamente estúpido afirmar que o país gasta 6,3% do PIB para ter uma das piores educações do mundo, sugerindo, e só assim seu raciocínio tem coerência interna, ainda que tola, que a redução de tal percentual poderia trazer mais qualidade ou seria irrelevante.

Dados da OCDE relativos a 2018 colocam o Brasil em 37º lugar em gastos per capita com Saúde, por exemplo, dada a lista das 44 economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. Não parece ser muito honroso. Por que introduzir na tal PEC emergencial algo que, fica claro, não será aprovado?

A desvinculação gerou uma chuva de protestos no Senado, de praticamente todos os partidos.

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentou contemporizar:
"O que nós vamos propor é que possamos sentar os líderes partidários para entendermos justamente o alcance dessa desvinculação e se ela deve ser mantida ou não no texto. Não vai ser imposta a posição do senador Márcio Bittar e nem a minha própria posição em relação a isso".

Podem conversar à vontade.

Não passa. E é bom que não passe.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Câmara irá dificultar prisão em flagrante de parlamentares enrolados no STF



Na definição de Arthur Lira, presidente da Câmara, o deputado Daniel Silveira é "um ponto fora da curva". Convém não discutir com Lira, um especialista na geometria do poder. Líder do centrão, o chefe da Câmara é a própria curva. Frequenta duas ações penais no Supremo Tribunal Federal na condição de réu. Articula a elaboração de projeto de lei destinado a puxar os pontos de volta para a curva, dificultando a expedição de novos mandados de prisão contra parlamentares.

Começam a funcionar na Câmara, simultaneamente, dois colegiados: o Conselho de Ética, que juntava teias de aranha numa fase de inoperância que já durava mais de um ano, e um novíssimo grupo de trabalho criado para regulamentar o artigo da Constituição que estabelece que os congressistas não poderão ser presos, exceto em flagrante por crime inafiançável.

No Conselho, serão julgados os pedidos de cassação dos mandatos de Daniel Silveira, o deputado bolsonarista que se enroscou depois de ameaçar ministros da Suprema Corte; e a colega Flordelis, acusada de mandar matar o marido. No grupo constituído por Lira, será esmiuçado o artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade dos parlamentares. O objetivo, naturalmente, é restringir novas prisões.

Cogita-se reescrever também a Lei de Segurança Nacional, ferramenta editada pela ditadura militar que foi usada para enquadrar Silveira. É entulho antigo. Deveria ter sido removido há três décadas. Vem sendo usado pelo Governo Bolsonaro contra jornalistas. Mas só agora os deputados acordaram.

Chama-se Margarete Coelho a deputada escolhida para exercer a função de relatora da proposta sobre a imunidade dos parlamentares. Ela é filiada ao PP, o mesmo partido de Arthur Lira. Presidiu a comissão sobre o pacote anticrime do então ministro da Justiça Sergio Moro —um projeto que passou por uma lipoaspiração no Congresso. Retirou-se do texto, por exemplo, o artigo que autorizava a prisão de larápios condenados na segunda instância do Judiciário.

Os resultados dos dois esforços da Câmara —os pedidos de punição e a proposta anti-flagrante— desaguarão no plenário da Câmara. Ali, um pedaço do centrão já cogita impor a Daniel Silveira uma suspensão do mandato por alguns meses, pena alternativa à cassação. Quanto às prisões em flagrante, forma-se uma densa maioria a favor de cortar as asas do Supremo.

Ironicamente, continuam no gavetão dos assuntos pendentes do Congresso inúmeros pedidos de cassação. Há o caso do Zero Três Eduardo Bolsonaro, acusado de fazer apologia ao AI-5. Há a rachadinha do Zero Um Flávio Bolsonaro. Ou a encrenca do deputado do centrão Wilson Santiago, acusado de desviar verbas que socorreriam vítimas da seca no Nordeste. Ou ainda o flagrante do senador bolsonarista Chico Rodrigues, que escondeu dinheiro nas nádegas.

O excesso de pendências indica que a agitação do Legislativo deve ser acompanhada com muita cautela. Não é porque o plenário da Câmara avalizou a prisão de um "ponto fora da curva" que as coisas mudaram. Nas próximas semanas, convém não confundir medo com honestidade, pose com dignidade, cargo eletivo com propriedade e, sobretudo, bagunça com atividade. Continuam sendo enormes e insondáveis os poderes da curva.

Por Josias de Souza

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Efeito Bolsonaro faz ações da Petrobrás caírem 20%; Ibovespa recua 5%



As ações da Petrobrás começaram a semana com forte queda, que chegou a 20%, puxando o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, que recua 5%, e também os papéis de outras estatais, como Eletrobrás e Banco do Brasil. A Petrobrás perdeu R$ 85,7 bilhões em valor de mercado só na primeira hora da sessão desta segunda. Na sexta, a perda de valor já havia sido de R$ 28,2 bilhões, para R$ 365,6 bilhões.

A desvalorização é uma reação do mercado financeiro à interferência do presidente Jair Bolsonaro no comando da petroleira. Na sexta-feira, 19, ele indicou o general e ex-ministro da Defesa Joaquim Silva e Luna, atualmente diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional, para assumir a presidência da Petrobrás e um assento no conselho de administração da estatal.

Às 12h24, as ações ON da Petrobrás tinham queda de 19,19% e as PN, de 19,06%. Eletrobrás ON caía 4,609% e as ações do Banco do Brasil recuavam 12,14%. O Ibovespa registrava perdas de 5,25%. O dólar, em alta desde a abertura dos negócios, avançava 1,99%, cotado a R$ 5,4926.

Na Bolsa de Nova York, o American Depositary Receipts (ADR) da Petrobrás, recibos de ações negociadas por lá, despencava mais de 16% no pré-mercado.

Pelo menos seis bancos e casas de investimento cortaram a recomendação dos papéis da Petrobrás - XP, Guide, Safra, BTG Pactual, Credit Suisse e Bradesco BBI -, apontando os riscos à política de preços da empresa pode com a mudança na presidência e também a nebulosidade que isso traz para outras iniciativas da empresa, como a venda de ativos não essenciais e a alocação de capital no pré-sal, considerado mais rentável.

Ainda no fim de semana, a XP rebaixou a recomendação das ações da Petrobrás para "venda", de "neutro" anteriormente. Também revisou o preço-alvo do papel de R$ 32 para R$ 24.

No Safra, o preço-alvo para as ações passou de R$ 40 para R$ 29,50. "O principal motivo é a incerteza trazida pela maior interferência do governo na empresa, em vez de uma opinião negativa sobre o Luna. Esperamos mais volatilidade no preço das ações e limite de valorização no curto prazo", escreveram os analistas Conrado Vegner e Victor Chen.

Para o BTG Pactual, "o controle de preços dos combustíveis em meio ao aumento do petróleo é a razão óbvia para se preocupar, mas pode nem ser a principal". "Com o ano eleitoral se aproximando, nossa principal preocupação fica com o que o novo CEO e sua nova diretoria implicam para a alocação de capital e, mais importante, o fluxo de dividendos; e a venda de ativos não essenciais, principalmente a venda de refinarias e seus preços, com compradores agora podendo retirar propostas ou oferecer um tíquete muito menor", diz o relatório assinado pelos analistas Thiago Duarte, Pedro Soares e Daniel Guardiola. 

Para membros do conselho de administração da Petrobrás, que têm reunião marcada para terça-feira, 23, a mudança no comando da empresa é vista como inevitável. Alguns conselheiros da estatal estudam votar pela recondução do presidente Roberto Castello Branco, mas o estatuto dá poder à União para fazer a troca.

O mercado também acompanha novas mudanças prometidas por Bolsonaro. No sábado, ele disse que fará trocas no governo envolvendo o primeiro escalão. "Eu não tenho medo de mudar, não. Semana que vem deve ter mais mudança aí para... E mudança comigo não é de bagrinho, não, é tubarão", disse a apoiadores. "Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também", completou.

No Estadão

Ex-membro da equipe econômica iguala Bolsonaro a Dilma e Guedes a Mantega



A intervenção militar que Jair Bolsonaro promoveu na Petrobras destravou a língua de ex-auxiliares de Paulo Guedes que haviam desembarcado do Ministério da Economia silenciando os seus rancores. Ex-secretário de Desburocratização, o economista Paulo Uebel igualou Bolsonaro a Dilma Rousseff. E equiparou Guedes ao antecessor petista Guido Mantega.

"Nunca o governo Bolsonaro foi tão parecido com o governo Dilma como hoje", escreveu Uebel numa rede social. "Nesse momento, Guido Mantega faria absolutamente o mesmo que Paulo Guedes está fazendo. Essa similaridade deve arrepiar qualquer cidadão de bem! Não podemos desistir do Brasil."

Uebel desistiu do governo há seis meses. Era responsável pela reforma administrativa, que permaneceu na gaveta de Bolsonaro por um ano antes de ser enviada ao Congresso. Bateu em retirada junto com o empresário Salim Mattar, o ex-secretário de Desestatização que se frustrou por não conseguir vender estatais.

A exemplo de Uebel, Salim também expôs numa rede social sua indignação com a troca de comando na Petrobras. Sai Roberto Castello Branco —homem de Guedes—, entra o general Joaquim Silva e Luna —que segue o modelo Pazuello de administração: "Um manda, o outro obedece".

"Mais um dia acordo inconformado e indignado com o rumo do Brasil", escreveu Salim. "Esta nova interferência na Petrobras só confirma que é preciso privatizar TODAS as estatais e, assim, reduzir o tamanho do estado."

Na ponta do lápis, Guedes perdeu algo como 15 auxiliares. Em agosto do ano passado, quando Uebel e Salim chamaram o caminhão de mudança, o ministro foi compelido a reconhecer que sua pasta convivia com uma "debandada".

Tomados pelas palavras, outros integrantes da equipe econômica podem deixar o governo. A única diferença entre os economistas que desertaram e os que permanecem na trincheira de Guedes é que os desertores não precisam fingir que confiam na conversão de Bolsonaro ao liberalismo.

Sem travas na língua, Paulo Uebel identifica um quê de populismo eleitoral na aversão de Bolsonaro à política de preços da Petrobras. "As empresas estatais não devem ser usadas para gerar votos. Isso viola os princípios da administração pública e contraria as boas práticas de governança. Lamentável esse episódio!"

Para Uebel, Castello Branco caiu em desgraça junto a Bolsonaro "por estar fazendo o trabalho certo: blindar uma empresa estatal contra o uso político, contra o populismo."

A evocação de Dilma e Mantega dá uma ideia do nível da frustração dos economistas que Guedes recrutou para sua equipe. Produziu-se sob Dilma uma ruína econômica em que a inépcia misturou-se à ausência de governo.

Nessa época, a pasta da Economia chamava-se Ministério da Fazenda. Mantega apenas enfeitava a poltrona. Dilma foi a ministra. Quando Bolsonaro declarou que havia encontrado um Posto Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, imaginou-se que o presidente daria mão forte ao seu ministro.

Ao comparar seu ex-chefe a Mantega, Paulo Uebel diz em voz alta o que os sobreviventes da equipe econômica sussurram entre quatro paredes: Paulo Guedes leva longe demais sua crença na fábula do superministro.

 

 Por Josias de Souza

Toffoli: dinheiro de fora financiou ataque às instituições. Cana na canalha



Em entrevista ao programa Canal Livre, que foi ao ar no começo da madrugada desta segunda, na Band, Dias Toffoli, ministro do Supremo, deu uma informação que, tudo indica, é de extrema gravidade. Disse:

"[Houve] financiamento estrangeiro, internacional, a atores que usam as redes sociais para fazer campanhas contra as instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional."

E acrescentou:
"Está em curso o aprofundamento desses dados de investigação pelo ministro Alexandre de Moraes, o que é gravíssimo".

Toffoli, como se sabe, foi muito criticado por ter aberto de ofício o inquérito que investiga a campanha organizada contra o Supremo. A pedido da Procuradoria Geral da República, um outro inquérito foi aberto para investigar os atos antidemocráticos, em favor do fechamento do STF e do Congresso. Ambos têm Moraes como relator.

Eis aí. Sempre apoiei o inquérito porque sempre reconheci a sua legalidade. O Artigo 43 do Regimento Interno do tribunal confere essa competência ao presidente da Corte. Lá se lê:
"Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro".

Obviamente, nestes tempos, a sede do tribunal não se restringe ao prédio, ao edifício. Fosse assim, as sessões virtuais seriam ilegais na sua origem. Com a devida vênia, é conversa de quem pretende empurrar a coisa com a barriga, sem investigar nada.

Com base no mesmo fundamento, Humberto Martins, presidente do STJ, instaurou inquérito para apurar se integrantes da Corte foram ilegalmente investigados — nesse caso, trata-se do Artigo 58 do Regimento do tribunal, de conteúdo idêntico ao do STF.

Eis aí: é claro que os que atacaram o ministro não vão fazer agora a autocrítica. Um fascistoide como Daniel Silveira está na cadeia no âmbito desse inquérito. E com o endosso de 364 de seus pares na Câmara: 71%.

Se os tribunais estão sob "Contempt of Court" (ataque ou desprezo à Corte) e se os órgãos aos quais cumpre tomar a providência não o fazem tempestivamente ou de modo eficaz, as cortes no Brasil e em todas as democracias do mundo têm o direito de se defender. Ou é o próprio direito que vai para o lixo.

A propósito: se a PGR, de 2014, quando começou a Lava Jato, a esta data, tivesse contido a depredação contínua dos tribunais, promovida pelos procuradores da força-tarefa, será que o ódio à Justiça no Brasil teria se disseminado com tanta força? Minha pergunta é retórica: sei que não. Mas houve omissão permanente, só rompida, ainda que timidamente, por Augusto Aras. Permitiu-se que a Lava Jato fizesse das redes sociais o patíbulo do STF. Mas voltemos ao ponto.

É claro que é preocupante o que diz Toffoli, mas não surpreendente. Existem extremistas de direita e fascistoides organizados em todo o mundo. E aqui também. A era das redes sociais facilitou enormemente a sua conexão. Precisamos saber que grupos são esses, como se organizaram, de onde veio o dinheiro.

Já tinha dado para perceber que essa gente é muito mais profissionalizada do que se supunha incialmente. Que houvesse uma forma robusta de financiamento, era possível presumir. São evidentes, vamos dizer assim, os sinais exteriores de grana e riqueza.

Vamos ver. A face mais conhecida da extrema direita populista, de viés fascistoide, é Steve Bannon, o ex-assessor de Trump que tenta criar uma internacional da canalha. No Brasil, Eduardo Bolsonaro se coloca como seu operador. Chegou a realizar por aqui uma tal Cúpula Conservadora das Américas.

Não se sabe se Bannon tem alguma relação com esse financiamento externo. Lembro seu nome porque é alguém que anseia a internacionalização de sua postulação... nacional-populista — por mais estúpida que a formulação pareça.

A democracia ainda será grata a Toffoli e a Moraes — já tem razões para tanto. Assim que o inquérito foi instaurado, o ânimo da fascistada arrefeceu. Daniel Silveira achou que poderia usar a imunidade parlamentar para avançar o sinal, abusando de prerrogativa constitucional. Mas a própria Constituição veta o abuso.

Se houve financiamento externo para atos antidemocráticos e para a campanha contra o Supremo, fazer o quê? Lei de Segurança Nacional paras os bacanas.

Artigo 18
Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

Artigo 23
Incitar:
I - a subversão da ordem política ou social;

II - a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições

III - à luta com violência entre as classes sociais;

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Ah, sim: esta mesma lei, na Alínea "a" do Inciso II do Artigo 4º afirma:
"São circunstâncias que sempre agravam a pena ter o agente praticado o crime com o auxílio, de qualquer espécie, de governo, organização internacional ou grupos estrangeiros".

Se o dinheiro irrigou, por exemplo, direta ou indiretamente, a ação de alguns parlamentares aloprados, que apoiaram os atos fascistoides, esperar o quê? A denúncia da Procuradoria Geral da República. Para que possam virar réus, ser condenados (as), presos (as) perder o mandato e se tornar inelegíveis.

E quem não tiver mandato? Bem, se estiver delinquindo ainda agora, com evidências de que usufrui ainda do financiamento externo, resta a prisão preventiva. É o que define o Artigo 312 do Código de Processo Penal.

Em nome da democracia e do estado de direito.

Por Reinaldo Azevedo