sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta contra João Cândido desonra a Marinha, não o marinheiro


O almirante Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha, tenta barrar homenagem a João Cândido

Depois de 114 anos, a Marinha continua a açoitar a memória de João Cândido. O comandante Marcos Sampaio Olsen pediu aos deputados que rejeitem a inclusão do navegante negro no Livro de Heróis da Pátria. Alegou que ele teria deixado um “reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro”.

No início da República, a Marinha ainda submetia os praças a castigos físicos. A Lei Áurea, que abolira a escravidão em terra firme, não havia chegado aos navios de guerra.

Em 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi amarrado ao mastro de um encouraçado e levou 250 chicotadas. A surra motivou a Revolta da Chibata, que obrigaria a Força Naval a suspender a rotina de maus-tratos.

Em carta enviada à Câmara, Olsen classificou o motim como “fato opróbrio” (vergonhoso) e “deplorável página da história nacional”. Descreveu seus participantes como “abjetos marinheiros”, que teriam ferido a hierarquia e a disciplina para “chantagear a nação”.

O almirante reconheceu que os castigos físicos eram “equivocados”, mas tratou João Cândido, líder do levante, como um “insurgente” a serviço da “subversão”. Com essa retórica embolorada, conclamou os parlamentares a negarem a homenagem oficial.

O projeto já foi aprovado no Senado. Agora é debatido na Comissão de Cultura da Câmara. Em audiência na quarta-feira, um representante da Marinha leu a correspondência de Olsen e acrescentou que a revolta sempre será considerada um episódio “inaceitável”.

O historiador Álvaro Pereira do Nascimento, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, classificou a renitência como um “erro grave”. “A Marinha tem que assumir seus erros. Não haverá como apagar isso da História”, advertiu.

Preso, torturado e expulso da corporação, João Cândido morreu na pobreza, em 1969. Décadas depois, é reverenciado como símbolo da luta contra o racismo. A carta de Olsen desonra a Marinha, não a memória do marinheiro.

Desvio da 'pixcaretagem' no Siafi já soma notáveis R$ 15,2 milhões



Quando a Polícia Federal começou a puxar os fios, imaginou-se que os larápios infiltrados no Siafi, o sistema de pagamentos do governo federal, conseguiram desviar, via Pix, R$ 3,5 milhões. Aos pouquinhos, o novelo se revela maior do que se imaginava. Notícia veiculada pelo Estadão informa que a "pixcaretagem" já soma notáveis R$ 15,2 milhões.

Desse total, apenas R$ 2 milhões foram efetivamente recuperados. Descobriu-se que uma parte do dinheiro foi parar numa conta no exterior. Coisa de R$ 1,5 milhão. Refazendo o percurso da verba, os investigadores verificaram que os desvios sorveram recursos do Ministério da Gestão e da Inovação e do Tribunal Superior Eleitoral.

Na penúltima descoberta, a Polícia Federal farejou o assalto de R$ 1,2 milhão do orçamento do TSE. Reservada para o pagamento de uma empresa de tecnologia contratada pela Corte eleitoral, a G4F, a verba foi transferida, em 16 de abril, para três contas bancárias que nada têm a ver com a empresa que prestou o serviço.

Procurado, o TSE não quis se manifestar. Alegou que a investigação corre em sigilo. A pasta da Gestão também optou pelo silêncio. O Tesouro Nacional limitou-se a reiterar o teor de nota divulgada no início da semana. Nela, o órgão anotou que as operações realizadas pelos invasores "não causaram prejuízos à integridade do sistema".

Em benefício da dúvida, pode-se considerar que a "integridade" do Siafi foi restaurada depois das invasões. Entretanto, fica cada vez mais difícil, à medida que as investigações avançam, chamar de íntegra uma plataforma eletrônica cuja suposta invulnerabilidade resultou em desvios avaliados, por ora, em R$ 15,2 milhões.

Ação de Lira contra Felipe Neto expõe contradição, sim, mas é da fascistada



Se há coisa que não combina com a militância de extrema-direita é critério, escala, grau. Sectarismos não enxergam matizes. Ou os fatos existem para servir às suas convicções ou que se danem. As milícias digitais bolsonaristas estão em polvorosa. Felipe Neto, que tem tido um comportamento exemplar em defesa da democracia e do estado de direito, participou, no dia 23, por intermédio de um vídeo, de um simpósio na Câmara cujo tema era "regulação de plataformas digitais e a urgência de uma agenda".

Num determinado momento, ao criticar a decisão de Arthur Lira (PP-AL) de retirar de tramitação o PL 2630 -- aquele que regulava as "big techs" --, afirmou:
"É preciso, fundamentalmente, que a gente altere a percepção em relação ao que é um projeto de lei como era o 2.630. Que foi, infelizmente, triturado pelo excrementíssimo Arthur Lira. Se não tivermos o povo do nosso lado, os deputados não vão votar, a gente já sabe como funciona".

O presidente da Câmara não gostou do superlativo -- um trocadilho com "excelentíssimo" -- e anunciou em nota:
"No mesmo dia 23 de abril passado em que soube que o cidadão Felipe Neto fez comentários injuriosos, ofensivos e gratuitos ao Presidente da Câmara dos Deputados, a vítima apresentou a notícia crime à delegacia da Polícia Legislativa Federal para as providências cabíveis no âmbito criminal
Considerando que os fatos acima relatados podem configurar a prática de crimes contra a honra, ocorridos nas dependências da Câmara dos Deputados, determino a adoção das providências cabíveis, no que tange à competência dessa Polícia Legislativa".

PL das armas aprovado na CCJ viola Constituição e expõe um lobby

 

Professora é ameaçada por mãe de aluna após corrigir redação que acusava Moraes de ‘acabar com leis’



Uma professora de escola pública do Distrito Federal foi ameaçada pela mãe de uma aluna após corrigir uma redação que acusava o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de “acabar com as leis” do País. A responsável pela adolescente, que estuda no segundo ano do ensino médio, disse que não aceitaria que a filha fosse “doutrinada” e “esfregaria o celular na cara” da docente para comprovar que ela estava errada.

A ameaça se deu na última quarta-feira, 17, após uma atividade de redação no Centro de Ensino Médio 01 do Gama, uma escola pública localizada a 35 quilômetros da sede do STF. O caso foi revelado pelo Metrópoles e confirmado pelo Estadão.

A professora explicou para a aluna que, de acordo com a Constituição Federal, a função de elaborar leis cabe ao Poder Legislativo, e não ao Judiciário. A estudante repassou o que a docente disse para a mãe que, inicialmente, enviou um áudio via WhatsApp acusando a escola de “doutrinação”.

O diretor do colégio relatou a deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) que a mãe disse que era amiga dos deputados Nikolas Ferreira (PL-MG), do deputado Gustavo Gayer (PL-GO) e do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), que são aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A responsável chegou a ir presencialmente na escola, onde disse à coordenação da instituição que ia “procurar os direitos” dela.

O Estadão procurou Cleitinho Azevedo, Gustavo Gayer e Nikolas Ferreira, mas não obteve retorno até o momento.

Após o episódio, a aluna foi transferida da escola após um acordo entre a instituição e a responsável pela estudante. A professora pediu licença médica por 30 dias por conta do trauma psicológico sofrido após as ameaças. A direção do colégio discute uma possível transferência da docente.

Em nota, a Secretaria de Educação do Distrito Federal afirmou que “agiu prontamente” após ser informada sobre o pedido de transferência da aluna. A pasta disse também que a situação está sob supervisão direta da Coordenação Regional de Ensino (CRE) do Gama e que, se for necessário, tomará outras medidas administrativas.

“Reiteramos o compromisso da Secretaria de Educação com a segurança e o bem-estar de todos os envolvidos no ambiente escolar. A escola é um espaço de aprendizado e convivência pacífica, onde se promove a cultura da paz, e a pasta repudia veementemente qualquer forma de violência, seja ela de natureza moral ou física. Reafirmamos nosso empenho em manter um ambiente escolar seguro e acolhedor para todos os alunos, professores e funcionários”, afirmou a secretaria.

A secretária de Educação do Distrito Federal, Hélvia Paranaguá, afirmou ao Estadão que a pasta trabalha na promoção de um ambiente escolar pacífico e harmonioso. “O foco está centrado na promoção da cultura de paz, visando não apenas ao desenvolvimento acadêmico, mas também ao bem-estar emocional e social dos alunos. Acreditamos que um ambiente escolar acolhedor é essencial para o sucesso educacional e o crescimento pessoal dos estudantes”, disse.

No Estadão

quinta-feira, 25 de abril de 2024

'Fator rua' inibe o ímpeto de Moraes, avalia bolsonarismo



Ao arquivar o caso dos pernoites de Bolsonaro na embaixada da Hungria sem impor novas sanções cautelares ao hóspede, Alexandre de Moraes deixou em êxtase o bolsonarismo.

Após celebrar a novidade numa conversa com o próprio Bolsonaro, na tarde desta quarta-feira, um parlamentar aliado enxergou no encerramento do caso uma "autocontenção" de Moraes. Atribuiu a decisão do ministro do Supremo ao que chamou de "fator rua".

Nessa versão, os atos políticos realizados na Avenida Paulista, em fevereiro, e em Copacabana, no último domingo, teriam elevado o "custo político do cerco judicial" a Bolsonaro.

Repetindo um argumento que ecoa entre os bolsonaristas desde a Semana Santa, o parlamentar declarou que "falta coragem" a Moraes para impor a Bolsonaro um tratamento semelhante ao que vem sendo dispensado ao seu ex-ajudante de ordens.

"Encarcerar Mauro Cid é uma coisa. Outra coisa bem diferente é prender Bolsonaro sem uma sentença", repetiu o congressista. "O barulho seria grande."

Moraes escorou sua decisão nos mesmos argumentos técnicos expostos em parecer da Procuradoria-Geral da República. Concluiu que não há evidências de que Bolsonaro buscou asilo na embaixada da Hungria. Portanto, não violou a medida cautelar que o proíbe de se ausentar do país.

Bolsonaro chegou à embaixada da húngara na noite de 12 de fevereiro e deixou o prédio no dia 14. Quatro dias antes, a Polícia Federal havia apreendido o seu passaporte.

Disseminou-se a percepção segundo a qual o capitão refugiou-se na embaixada para fugir de uma eventual orden de prisão, não para renovar contatos com autoridades da autocracia amiga de Viktor Orbán.

Ao segurar a caneta, Moraes sinalizou a intenção de customizar os seus embates conforme as especificações do cliente. Estimulou nos partidários do investigado mais ilustre a ilusão de que Bolsonaro realizará, em algum momento, a grande façanha de desfritar todos os ovos que a Polícia Federal levou à frigideira dos seus inquéritos.

Josias: Não dá para tratar animal como se fosse bagagem

 


Não se trata de uma fatalidade a morte do cachorro Joca ao ser transportado por uma companhia aérea, afirmou o colunista Josias de Souza no UOL News da manhã de hoje (24).

A Anac e o Ministerio de Portos e Aeroportos anunciaram no fim da manhã que vão investigar a morte do cachorro.

O que aconteceu

Joca deveria ser levado do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) para Sinop (MT), onde seu tutor o aguardava, mas foi parar em Fortaleza. Após a constatação do erro no destino do animal, ele retornou a Guarulhos, mas chegou morto no aeroporto em São Paulo.

Família acusa a Gol de negligência. ''Olha aqui, cachorro do meu filho, saiu para ir para Sinop, um irresponsável enviou ele para Fortaleza, não contente, mandaram de voltar sem nenhuma avaliação de um veterinário, o cachorro está aqui dentro, morto. Eles mataram um Golden de 4 anos'', relatou Marcia Martin.

O que diz a Gol

Em nota, a Gol informou que houve "uma falha operacional" no transporte do animal e disse lamentar o ocorrido. A empresa também afirmou que o cão recebeu cuidados, mas, "infelizmente, logo após o pouso do voo em Guarulhos, vindo de Fortaleza, fomos surpreendidos pelo falecimento do animal".

Gol também disse que instaurou sindicância interna para apurar o ocorrido. "A Companhia está oferecendo todo o suporte necessário ao tutor e a apuração dos detalhes do ocorrido está sendo conduzida com prioridade total pelo nosso time. Nos solidarizamos com o sofrimento do tutor do Joca. Entendemos a sua dor e lamentamos profundamente a perda do seu animal de estimação."

UOL News 1ª Edição com Fabíola Cidral, Josias, Sakamoto, Maierovitch e Thais Bilenky | ÍNTEGRA 25/04

 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Josias: Punição de Deltan por PowerPoint acusando Lula ocorre tardiamente

 


A punição contra o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol pelo "caso do PowerPoint" contra o presidente Lula, em 2016, ocorre "muito tardiamente", disse o colunista Josias de Souza no UOL News da manhã desta terça-feira (23).

A ministra Cármen Lúcia, do STF, negou nesta segunda-feira (22) recurso para suspender a decisão que condenou Dallagnol a indenizar em R$ 75 mil o presidente Lula.

Relembre o caso

Em 2016, então chefe da força-tarefa da Lava Jato, Dallagnol fez uma apresentação de PowerPoint para acusar Lula, que era investigado pela operação, de chefiar uma organização criminosa. Posteriormente, os processos foram anulados após o STF considerar o ex-juiz Sergio Moro parcial na condução da investigação.

Em março de 2022, o STJ condenou Deltan Dallagnol ao pagamento de R$ 75 mil em danos morais a Lula. Na ocasião, Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula e atual ministro do STF, questionou a conduta funcional de Dallagnol. Segundo ele, o ex-procurador e outros integrantes da Lava Jato usaram a apresentação de PowerPoint para acusar o ex-presidente de atuar como "comandante e maestro de uma organização criminosa".

Para o STJ, o ex- procurador usou termos desabonadores e linguagem não técnica em relação ao então ex-presidente.

Reinaldo: TikTok prova que EUA apelam à nacionalização por sua 'segurança'

 

'Frente Ampla' de Nunes em SP traduz a busca do centro impossível

 

Entre extrema direita e democracia, há um fascistoide em pele de cordeiro



Há um mal-estar no Brasil chamado "Síndrome da Falta do Centro". Parece um problema de física, eventualmente de metafísica, mas não! Falo sobre política. Em alguns setores, o que se tem ainda é saudade — e há muito de justeza nisto — do finado PSDB. PSDB? Vamos de Torquato Neto, que foi cantado pelos Titãs: "Mas de repente a madrugada mudou/ e certamente/ aquele trem já passou/ e se passou/ passou daqui pra melhor/ foi!". Talvez não tenha sido para melhor, mas que foi, ah, isso foi. Já era!

Essa nostalgia do "centro" é sentida de modo mais agudo em algumas áreas. Na imprensa, é muito frequente. Há certa dificuldade por ali em se pronunciar e em se admitir a palavra "direita". Ela ainda se confunde com palavrão, falta de educação, modos rudes, ódio aos pobres. Quando há uma exposição mais clara do ideário e quando se o submete à história das ideias, o diagnóstico é inequívoco: "direitismo". Mas ainda há relutância: "Não, eu sou 'de centro'. Parece mais delicado.

E, se há alguém que me acompanha até aqui e avalia que estou demonizando o "direitismo", bem, ou não está entendendo, ou não estou sendo suficientemente claro. Respeitados os fundamentos da democracia representativa e as garantias individuais e públicas — e isso, hoje, se traduz por acatar os fundamentos da Constituição (da nossa, não da de outros) —, os direitistas deveriam ter a coragem de assumir o que pensam sem receio.

Eu tenho problemas com as chamadas "palavras-caixa" ou "palavras-gaveta". Hoje, a mais abarrotada de coisas incompreendidas, generalizações, simplismos e bobagens é "polarização". O que se sabe, com certeza, é que é preciso superá-la, exorcizá-la, esconjurá-la... Os que mais a pronunciam, diga-se, como um marco a ser superado são os covardes e preguiçosos (com frequência, as duas coisas), sem coragem ou disposição para combater a fascistização da política empreendida por Jair Bolsonaro e sua súcia. E, por óbvio, neste ponto, já me tornei eu mesmo, segundo essa turma, um agente da... polarização! Então ela não existe? Sim. Mas qual?

QUAL POLARIZAÇÃO?
Não é difícil identificar o discurso e a prática de extrema-direita no Brasil. Mas ou a polarização se faz de dois polos, ou se tem um erro de registro. Ou me contam agora -- por favor, não deixem para depois e matem a minha curiosidade -- onde está a extrema-esquerda que tensiona com o bolsonarismo, ou se está diante de uma fraude conceitual. E por que isso é importante? Porque aquela "Síndrome da Falta do Centro" é alimentada também por essa falácia. A ilação é verossímil, sim; é crível. Mas estupidamente falsa.

Um pouco mais sobre a polarização, antes que avance. Se há, hoje, no Brasil polos que tensionam a corda, tal tensão não é provocada, de um lado, pela extrema-direita e, de outro, pela extrema esquerda. A oposição principal se manifesta entre os que pretendem romper os fundamentos da democracia expressos na Constituição de 1988 (e pouco importa quanto defeitos tenha a Carta) e os que desejam preservá-los.

Sabem por que a "Síndrome da Falta de Centro" tem como demiurgo de sua fantasia literalmente um fantasma? Porque inexiste o meio-termo entre os que querem democracia e os que não querem.

Quando se fala do centrismo como um ente que rejeita as disrupções tanto à esquerda — de caráter revolucionário ou freneticamente reformista a ponto de impedir a consolidação de instituições — como à direita, com suas ações disruptivas de caráter fascistizante, então se está a falar de algo que realmente existe: trata-se da tal "democracia liberal" ou "democracia burguesa", que assumiu, no tempo, muitas vezes, as feições de social-democracia, modelo com o qual a direita conviveu muito bem também para conter a esquerda.

Observem: se a democracia é o meio-termo que rejeita os extremos disruptivos, inexiste um centro virtuoso se o "outro" de um dos polos é o próprio regime de liberdades. Esse lugar implica a morte do próprio regime. Eis aí o que se pode chamar de "Armadilha Turca". O "Partido da Justiça e Desenvolvimento", uma legenda disruptiva de acento religioso, decidiu que o seu "outro" era a democracia laica, que passou a ser tratada como um extremismo. Erdogan é um ditador que vai se perpetuando por meio de eleições, e parte considerável dos democratas está na cadeia.

GOVERNO DE CENTRO-DIREITA?
Num evento com empresários na segunda, o ex-ministro José Dirceu fez a seguinte afirmação:
"O presidente Lula montou um governo que não é um governo de centro-esquerda, não. É um governo de centro-direita. Eu falo isso, todo mundo fica indignado, às vezes, dentro do PT. Porque realmente parte do PL, o PP e o PR, de certa forma, estão na base do governo. Porque isso é exigência do momento histórico e político que nós vivemos. Então acredito que Lula não optou pela polarização ou radicalização. Por que o Brasil está radicalizado, polarizado? Por causa do discurso que foi feito ontem no Rio de Janeiro: que é um fundamentalismo religioso com ataque à democracia. E ainda chamando o apoio da direita internacional e da direita norte-americana: não só do ex-presidente Trump como do Musk. Essa é a realidade que o Brasil está vivendo hoje".

Dirceu alterou a sua fala depois, por meio de nota, e continuou a dizer a verdade, embora deslocando o governo para a centro-esquerda:
"A assessoria de imprensa do ex-ministro José Dirceu (PT) esclarece que ele avalia o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como 'um governo de centro-esquerda, apoiado por partidos de direita', e não um governo de centro-direita, como acabou afirmando durante o Seminário Brasil Hoje, promovido pela Esfera Brasil.
Sua fala se deu no contexto de análise da atual polarização política, reforçando a ideia de que o governo se pauta pelo diálogo, com o ingresso de partidos como PP e Republicanos - 'uma exigência do momento histórico em que vivemos'.
A ideia de um governo de centro-esquerda, apoiado por forças de direita para consolidar uma maioria no Congresso e conquistar uma base social mais ampla já foi externada inclusive em entrevistas do ex-ministro à imprensa."

RETOMO
O governo é de "centro-direita" -- como acho que é -- ou de "centro-esquerda"? Tanto faz. De fato, a "polarização" se dá entre um governo democrático, com forte presença da direita, e o, na expressão do líder petista, "fundamentalismo religioso com ataque à democracia". Silas Malafaia pregou abertamente no evento de domingo que os comandantes militares imponham ao Senado o impeachment de Alexandre de Moraes. Bolsonaro o abraçou no palco e apoiou a mão em seu ombro. O golpista continua a pregar... o golpe.

"Você repudia, Reinaldo, que se tente uma alternativa de centro para a eleição de 2026?" Eu não repudio nada. Quero saber a que, ou a quem, chamam de "centrista", já que, para esses de que falo, o centrismo de Lula — e com viés à direita — não serve. Falaram-me outro dia até de Tarcísio de Freitas para esse posto — aquele que tem Guilherme Derrite como secretário de Segurança Pública, que considera Bolsonaro o maior líder popular do Brasil, que comparece a ato golpista ou que é saudado no palanque do golpismo.

VOLTANDO AO COMEÇO E ENCERRANDO
Iniciei este texto falando sobre os que padecem da "Síndrome da Falta de Centro" e depois apontei que, em muitos casos, trata-se de direitistas que pretendem passar um verniz nas suas convicções. Observei que isso nem seria necessário desde que abraçassem a democracia como valor inegociável.

Encerro trazendo, mais uma vez, Tarcísio ao debate. É evidente que ele goza da boa vontade de parte considerável da imprensa, não? Fiel discípulo de Bolsonaro, busca trânsito também em setores que são hostilizados pelo ídolo. Não abre mão de ser um deles, mas pretende, com Derrite e tudo, exibir uma face mais civilizada.

Qualquer um que se apresente, chame-se Tarcísio ou J. Pinto Fernandes, para ser um "centro" entre a extrema-direita e o regime democrático será apenas e tão-somente o candidato a coveiro da própria democracia. O meio-termo entre o bolsonarismo e a Constituição será só um fascistoide em pele de cordeiro.

domingo, 21 de abril de 2024

Indefeso, Bolsonaro prioriza a demonização do algoz Moraes





Bolsonaro abomina a realidade, mas sabe que é o único lugar onde um político investigado pode arrumar uma defesa decente. Percebendo-se indefeso, o capitão recorre à empulhação de atos como o deste domingo, em Copacabana.

Os quatro anos de sua Presidência caótica revelaram que há sempre duas razões para as estratégias que Bolsonaro adota: a declarada e a real. A concentração de poderes nas mãos de Alexandre de Moraes fornece material para a confusão.

No gogó, Bolsonaro mantém Moraes na alça de mira porque o Brasil está "perto de uma ditadura" e "o mundo toma conhecimento do quanto está ameaçada a nossa liberdade de expressão." No mundo real, o personagem assemelha-se a um náufrago criminal que agarra o jacaré imaginando que é um tronco.

Tridente e chifres

Na composição da fábula do afogado, Bolsonaro e seus operadores escoram-se numa regra importada da propaganda. Baseia-se na personalização. Com um rótulo bem definido, qualquer coisa pode ser vendida.

Mestre da maledicência, Bolsonaro aprendeu em três décadas de vivência política que o mal, como abstração, é difícil de ser enxergado. Mas basta dar ao mal um tridente e um par de chifres e o sujeito passa a ter um inimigo para o qual transferir suas culpas. O demônio do bolsonarismo é Moraes.

A estratégia de Bolsonaro está crivada de ironia. Em 2018, conquistou o Planalto surfando a Lava Jato. Ao acomodar Sergio Moro na sua equipe ministerial, ajudou a arruinar a operação, pavimentando a trilha de suspeição que levaria à anulação das sentenças e à ressurreição de Lula. Agora, tenta grudar em Moraes a logomarca do lavajatismo.

Xerife-Geral da República

O bolsonarismo se esfalfa para colar em Moraes rótulos que o Supremo atribuiu a Moro: um juiz superpoderoso, autoconvertido em Xerife-Geral da República, que concentra em seu gabinete processos de grande repercussão e instrumentaliza o Direito em busca de resultados.

Nessa versão, Moraes mimetizaria os métodos de Moro. Obteve a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid após mantê-lo preso por quatro meses. Como se desejasse produzir um novo delator, conserva atrás das grades desde agosto do ano passado, sem condenação, o ex-diretor bolsonarista da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques.

Na gênese da concentração de poderes nas mãos de Moraes está o inquérito sobre fake news. Foi aberto em 2019 pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, à revelia da Procuradoria-Geral da República. Moraes foi escolhido relator sem sorteio.

Princípio do juiz natural

Sobrevieram outros inquéritos, como o que investiga os atos antidemocráticos e o que apura as perversões das milícias digitais. Em condições normais, seriam sorteados novos relatores. Mas considerou-se que os crimes sob apuração tinham conexão com o inquérito inaugural.

Desse modo, abriu-se uma brecha para que a defesa de Bolsonaro sustente a tese segundo a qual o Supremo subverte duplamente o princípio do juiz natural. Primeiro porque indeferiu recurso para que Bolsonaro, um ex-presidente sem foro privilegiado, fosse enviado à primeira instância.

Segundo porque o Supremo teria torturado suas próprias regras para manter nas mãos de Moraes todos os inquéritos que aproximam Bolsonaro da cadeia —da falsificação dos cartões de vacina à comercialização de joias da União, passando pelo mais grave: a tentativa de golpe que desaguou no 8 de janeiro.

Mistificação messiânica

Do ponto de vista jurídico, a tática do bolsonarismo é de uma ineficácia hedionda. Não há falatório capaz de eliminar as culpas do investigado. Afora a delação de Mauro Cid, a responsabilidade criminal de Bolsonaro está escorada em sólidas provas materiais e testemunhais.

Sob o prisma político, eventos como o da Avenida Paulista, em fevereiro, e o de Copacabana, neste domingo, fornecem a um investigado metaforicamente jurado de morte a possibilidade de se comportar como se estivesse cheio de vida. Faltando-lhe uma defesa crível, Bolsonaro apela à mistificação messiânica que hipnotiza os seus devotos.

A presença da evangélica Michelle Bolsonaro e do pastor Silas Malafaia nos palanques não é casual. Servindo-se da oratória da dupla, o capitão como que transforma as suas ovelhas em adeptas de uma religião.

Devoção renitente

Potencializa-se uma devoção dogmática que estimula os fiéis do mito a aceitar todas as presunções da divindade presumida a seu próprio respeito. Em matéria criminal, isso inclui concordar com o dogma segundo o qual Bolsonaro tem uma missão na Terra de inspiração divina e, portanto, indiscutível.

Um pedaço do bolsonarismo percebeu em 2022 que era possível fazer quase tudo por Jair Messias, exceto papel de bobo. Desvinculando-se da seita, esse naco do eleitorado preferiu preservar a democracia.

Os devotos renitentes são mais assustadores, porque não estão sendo cínicos. Eles acreditam mesmo que a autocanonização de Bolsonaro dá a ele o direito de desafiar não só a Justiça, mas o próprio bom senso.

Brincando de corda

Escorado na credulidade alheia, Bolsonaro joga com o tempo. Aposta que a evolução do calendário converterá a proteção da democracia, que dá à toga de Alexandre Moraes uma aparência de capa do super-homem, num assunto tão secundário quanto o combate à corrupção, que fez a fama pretérita de Sergio Moro.

Questionando a legitimidade de Moraes, Bolsonaro imagina que poderá livrar-se da inelegibilidade e da cadeia para a qual as provas o empurram esgrimindo questões processuais. Brinca de corda, esticando-a, sem se dar conta da natureza do nó que lhe roça o pescoço.

Proferidas na primeira instância, as sentenças de Moro foram tisnadas pela Vaza Jato e anuladas pela mesma Suprema Corte que julgará as ações penais que o procurador-geral Paulo Gonet se equipa para formular. Para salvar Bolsonaro, o Supremo precisaria anular a si mesmo.

O É DA COISA: Nunes Marques e a decisão sobre bicheiro; Bolsonaro e o golpe

 Alexandre de Moraes como alvo de parte da imprensa é expressão de decadência


 

sábado, 20 de abril de 2024

Em Copacabana, Bolsonaro age à maneira do punguista de praia



Entre a Avenida Paulista e Copacabana, Bolsonaro modulou sua estratégia. Em São Paulo, prevaleceu o bom-mocismo da "pacificação" e da "anistia". No vídeo da convocação para o ato do Rio de Janeiro, ressurgiu o mau-caratismo da desinformação em estado bruto.

Para estimular os devotos a desperdiçarem um naco do domingo no seu comício, Bolsonaro disse que o Brasil está "perto de uma ditadura". Surfando a onda fabricada por Elon Musk, afirmou que "o mundo inteiro toma conhecimento do quanto esta ameaça a nossa liberdade de expressão."

Não é verdade que Bolsonaro tem dupla personalidade. Ele possui três: a que exibe, a que tem de fato e a que imagina ter. Na personalidade da pose, Bolsonaro é um perseguido político. Na real, é um golpista à espera de sentença. Na versão imaginária, é um cultor do Estado democrático de Direito.

Misturando-se numa mesma coqueteleira todas as contradições que compõem a personalidade tripla de Bolsonaro -a máscara, a imagem nua no espelho e a desconexão com a realidade— obtém-se o protótipo de um batedor de carteira ideológico.

Ao dizer que o Brasil roça uma ditadura, apresentando-se como herói de uma guerra contra o cerceamento à liberdade de expressão, Bolsonaro comporta-se mais ou menos como um punguista de praia que, pilhado numa tentativa de tomar de assalto a democracia, sai gritando "pega ladrão".

Bolsonaro tem de ser preso se incitar desobediência à Justiça

 

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Decisões de Moraes sobre redes sociais necessitam da luz do sol



Em reação ao escoamento de despachos sigilosos de Alexandre de Moraes em relatório levado à vitrine por uma comissão do Congresso dos Estados Unidos, o Supremo Tribunal Federal emitiu uma nota que oscila entre a inutilidade e a insignificância. O texto rebate as insinuações de que Moraes flerta com a censura ao excluir postagens e suspender perfis nas redes sociais com dois argumentos.

Num trecho, a nota da Suprema Corte sustenta que não há no material divulgado "decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão". Noutro, anota que "todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação".

A manifestação é inútil porque não extingue a maledicência. É insignificante porque esquiva-se de abordar o essencial. Confrontada com os propósitos eleitorais do deputado Jim Jordan, o aliado de Donald Trump que preside o comitê do Congresso que promoveu o vazamento, com o oportunismo de Elon Musk, o bilionário da plataforma X que forneceu o material, a nota do Supremo não chega a lugar nenhum.

O propósito do relatório norte-americano vem denunciado no título do cartapácio de 541 páginas: "O ataque contra liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil". O objetivo é desgastar Joe Biden na disputa com Donald Trump pelo trono da Casa Branca. Lá, como cá, a mentira e a desinformação intoxicam a política.

A intenção de Elon Musk foi explicitada desde o dia em que defendeu o impeachment de Moraes e prometeu que publicaria em breve as ordens do magistrado que "violam as leis brasileiras" e atentam contra a "liberdade de expressão. Além de movimentar a sua rede, em declínio, Musk fornece munição para que Bolsonaro desfile pela conjuntura a sua pose de vítima. Algo que voltará a fazer em ato marcado para domingo, no Rio de Janeiro.

A melhor vacina à disposição do Supremo para se imunizar contra a politicagem e a mentira é a transparência. As decisões de Moraes necessitam da luz do sol. E a maior caridade que o Supremo poderia fazer a si mesmo e ao seu ministro é promoção de uma exibição ampla e irrestrita.

Questionado sobre o vazamento promovido pela parceria de Musk com os aliados de Trump, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso foi sintético. "É um problema de política interna dos Estados Unidos", disse. Engano.

Louis Brandeis, um magistrado progressista que abrilhantou a Suprema Corte dos EUA entre 1916 e 1939, deixou como legado uma frase que ilustra magnificamente a serventia da transparência para o Poder Judiciário: "A luz do Sol é o melhor detergente". O comentário se ajusta com hedionda perfeição à conjuntura atual.


Nunes Marques tem leitura particular da atuação do bicheiro Rogério Andrade

 

'Dane-se' de Tarcísio é a raiz de criança ferida e tiro no Metrô

 

Reinaldo Azevedo: Objetivo com Operação Musk e manifestação é o caos pró-impunidade

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Musk telegrafou para Xandão drone que disparou nos EUA



Elon Musk incorporou o método dos aiatolás do Irã. Telegrafou o ataque com 72 horas de antecedência. Esboçou na segunda-feira, em documento entregue ao Supremo Tribunal Federal, o vazamento de decisões sigilosas de Alexandre de Moraes feito nesta quarta-feira por uma comissão do Congresso dos Estados Unidos. Subscrito por advogados da X Brasil, o documento camuflou a investida sob parágrafos bem-comportados.

As ordens do Supremo serão "integralmente cumpridas", anotaram os prepostos de Elon Musk, antes de avisar que o Comitê Jurídico da Câmara dos Estados Unidos havia intimado a matriz da plartaforma a entregar "todas as ordens" recebidas de Xandão "relacionadas à moderação, exclusão, supressão, restrição ou redução da circulação de conteúdo", além do "bloqueio de contas".

Numa vã tentativa de lavar as mãos de Musk, a X Brasil disse no ofício "registrou à autoridade norte-americana que os referidos documentos solicitados são confidenciais e se encontram resguardados por sigilo judicial". Alegou ter solicitado a manutenção da "conficidencialidade". Comprometeu-se a avisar Xandão sobre desdobramentos "relevantes", tudo "em nome da transparência."

Deu-se o previsível. Comandado pelo deputado Jim Jondam, devoto de Donald Trump e admirador de Bolsonaro, o comitê da Câmara norte-americana levou decisões de Moraes à vitrine, apresentado-as como parte de uma "campanha de censura no Brasil." O relatório anota que o Supremo e o TSE ordenaram a exclusão de 150 perfis do X.

Num esforço para misturar Executivo com Judiciário, o trumpismo sustenta a tese de que o "governo brasileiro" tenta forçar a rede de Musk e outras plataformas a censurar mais de 300 contas. Avisado com antecedência, Moraes poderia ter se vacinado contra o ataque terceirizado por Musk a deputados americanos. Abstedo-se de levantar os seus próprios sigilos, o relator-geral assiste à queda do drone inimigo num local onde seu domo de ferro não funciona.

SP torna a inteligência artificial um convite à ignorância natural



A ânsia da Secretaria de Educação de São Paulo de conduzir os 3,5 milhões de alunos da rede estadual de ensino à era da modernidade produziu mais um anúncio inusitado. Sob o comando do empresário Renato Feder, a repartição informou que passará a utilizar uma ferramenta tecnológica, o ChatGPT, para produzir aulas digitais. Documento oficial informou aos professores, antes responsáveis pela formulação do conteúdo, que passarão apenas a "avaliar" as aulas geradas pela inteligência artificial.

Receoso da má repercussão da novidade, o governador Tarcísio de Freitas apressou-se em declarar que não se pode "deixar de usar a tecnologia por preconceito". Hummmmmm.... Afirmou que a coisa será usada "com parcimônia, com todas as reservas necessárias". Disse que "nada vai substituir o papel do professor, até porque a responsabilidade dentro da sala de aula é do professor".

O histórico da administração de Feder aconselha a plateia a tomar as declarações de Tarcísio com a "parcimônia" e "todas as reservas necessárias." Em agosto do ano passado, a Secretaria de Educação paulista anunciara que abriria mão dos livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação. O secretário considerou-os "rasos e superficiais". Feder absteve-se de informar em que avaliação técnica escorou sua avaliação. Limitou-se a dizer que os livros impressos seriam substituídos por slides de produção própria.

A realidade prevaleceu sobre a fantasia, pois dezenas de milhares de alunos não dispõem de equipamentos eletrônicos para acessar o conteúdo eletrônico. A maioria da escolas da rede pública tampouco possui equipamentos para imprimir as apostilas. Uma notícia veiculada pelo UOL produziu o inevitável recuo. Descobriu-se que os slides da secretaria de Feder, além de "rasos e superficiais", continham erros crassos. Em vez de educar, desinformavam.

Anotavam, por exemplo, que foi Pedro 2º e não a princesa Isabel quem assinou a Lei Áurea. Propalavam que, "em 1961, quando ele era prefeito de São Paulo", Jânio Quadros assinou "um decreto vetando o uso de biquínis nas praias da cidade". Nessa época, Jânio era presidente da República. Jamais vetou o vestuário de duas peças nas praias paulistanas. Nem poderia, pois elas não existem.

Contra esse histórico marcado pela desinteligência, a adoção da inteligência artificial como ferramenta para a produção de material didático digital para os alunos de São Paulo pode ser apenas mais um convite para o exercício da ignorância natural.

Bomba de Musk vendida por golpistas é biribinha. E outro herói 'moralista'


"Bomba" preparada por Elon Musk (esq.) e Jim Jordan não passa de biribinha. Um relatório ridículo

Ah...

Lá estão os bolsonaristas no X a anunciar a suposta "bomba" de Elon Musk contra Alexandre de Moraes... Sim, é vergonhoso, é constrangedor, é ridículo... A bomba não passa de uma biribinha ridícula. Fazer o quê? O bando trumpista da Comissão de Justiça da Câmara dos EUA divulgou um "relatório" que lista ordens expedidas pelo TSE e pelo STF, no âmbito de inquéritos sigilosos, determinando a suspensão de perfis do próprio X e de páginas de outras redes.

Quem lidera a iniciativa é o presidente da Comissão, um delinquente político disfarçado de deputado chamado Jim Jordan, um ex-lutador e ex-técnico de "wrestling" — a "luta livre", que, no Brasil, sempre teve outro significado. Já explico por que isso é relevante para o perfil desse "patriota" republicano.

VIRAMOS COLÔNIA?

Ah, sim: os bravos dizem que a comissão dará continuidade à investigação e que pretendem discutir "medidas legislativas" em defesa da liberdade de expressão. É mesmo? Uau! Ainda teremos um PL ou uma PEC escrita por algum deputado americano???

Como o ridículo não tem limites, ignorando a efetiva independência entre os Poderes no Brasil, os autores do relatório solicitam eventuais trocas de mensagens havidas entre funcionários do Departamento de Estado dos EUA e a diplomacia brasileira ou o governo propriamente sobre decisões tomadas por Moraes referentes à suspensão de perfis no X. Hein???

Ah, sim: eles também querem saber que providências o governo dos EUA pretende tomar. Huuummm... Que tal mandar um porta-aviões?

Boa parte dos "casos denunciados", que denúncias não são, era de conhecimento público. A grande "bomba" é só mais uma fraude destinada a manter mobilizada a extrema-direita. Mais: entre os documentos vazados, há, por exemplo, ameaças claras a Moraes e evidências de outras práticas criminosas.

GOLPISMO CONTINUA

Eis aí: pode-se perceber, mais uma vez, o modo escolhido por Jair Bolsonaro para tentar se livrar da condenação e da cadeia: intimidar a Justiça -- agora com o auxílio de, digamos, "forças externas". O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou um vídeo de seu pai expressando gratidão a Musk e afirmando que houve censura no Brasil "antes, durante e depois das eleições".

O próprio empresário retuitou conteúdo de um usuário do X sobre o "relatório" com a seguinte mensagem, marcando o nome de Moraes: "As ações de censura contra representantes eleitos exigidas por @alexandre violam a legislação brasileira".

Bem, estamos no teatro do absurdo. Não há censura nem violação da legislação brasileira. Ainda que assim fosse, Musk não é juiz.

O vomitório nas redes, em especial no X, é impressionante. Vendem a incautos a farsa de que o Congresso americano ou o governo dos EUA poderiam tomar alguma decisão contra o STF para, como é mesmo?, "restaurar a liberdade de expressão" no Brasil.

ASSÉDIO, ESTUPRO E OMISSÃO

Jordan, usado para lavar o vazamento feito por Musk, é um "patriota" americano notável. Votou contra o reconhecimento da vitória de Joe Biden e apoiou ações judiciais contestando o resultado das eleições.

Antes de ser um "conservador" tão loquaz, atuou, entre 1987 e 1995, como assistente técnico dos atletas de "wrestling" da Universidade Estadual de Ohio. Richard Strauss, o médico que acompanhava os treinamentos, se matou em 2005, quando começaram a pipocar contra ele denúncias por assédio sexual.

A universidade deu início a uma investigação independente só em 2018 e concluiu que pelo menos 177 estudantes sofreram abusos que iam de carícias íntimas a exames genitais e retais desnecessários. Pessoas envolvidas com a apuração sustentaram que não havia como Jordan ignorar o que se passava. Ele, no entanto, se negou a colaborar com a investigação e acusou, como de hábito, uma conspiração política.

"O que isso tem a ver com o caso da divulgação do dossiê picareta, Reinaldo?" Diria que nada e tudo. É "nada" porque, efetivamente, não há relação entre as duas coisas. É "tudo" porque ainda não inventaram nenhum prosélito estridente, desses que batem no peito exaltando as próprias virtudes, muito especialmente as morais, que não tenha um pé, quando não os dois, na sordidez. O doutor Strauss não resistia a rapazes de "collant". Até aí, bem. O problema é que usou o seu poder para manter relações abusivas. Jordan, esse amante da liberdade aqui no Brasil, preferiu ignorar a violência e se negou a colaborar com a investigação em seu país.

Esses "patriotas" sem pátria são iguais em toda parte.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

PCC consolidou-se como máfia



Notabilizado internacionalmente pelo comércio de drogas, tráfico de armas e pelos assaltos, o Primeiro Comando da Capital consolidou-se no universo dos empreendimentos formais.

Não é de hoje que, mimetizando seus congêneres estrangeiros, o PCC infiltrou-se na política, cooptou agentes públicos, virou CNPJ e passou a firmar contratos com o Estado.

A novidade é que o aparato de controle estatal começa a roçar, com décadas de atraso, os subterrâneos da lavanderia do dinheiro do crime por meio da distribuição de dividendos de empresas formalmente constituídas.Um par de operações deflagradas pelo Gaeco, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo, sinaliza que não é impossível combater a delinquência organizada.

A fórmula que conduz ao êxito contém dois ingredientes manjados: cooperação entre órgãos estaduais e federais e uso de dados de Inteligência.

Juntos, o Gaeco, a PF, a Receita Federal e o Coaf seguiram o rastro do dinheiro para desbaratar esquema que vincula o PCC a empresas de ônibus contratadas pela prefeitura de São Paulo.

Desvendou-se também um arranjo que liga a facção a prestadoras de serviço privado de limpeza e vigilância contratadas por órgãos públicos de municípios paulistas e até do governo estadual.

O crime organizou-se porque o Estado, esculhambado, perdeu os fios de todas meadas —se é que um dia chegou a encontrar. Estudando o novelo, Brasília poderia costurar um modelo de cooperação nacional.

Entretanto, o Ministério da Justiça e o Congresso lidam com outras prioridades. Entre elas o projeto de lei que proíbe a "saidinha" de presos, parcialmente vetado por Lula.

As autoridades dizem a todo instante que estão profundamente preocupadas com o aumento do crime organizado. Convém ajustar a lamúria. A criminalidade opera noutro patamar.

Ultraorganizado, o PCC consolidou-se como máfia. A maior facção do país percebeu que, fomalizado, o crime compensa muito mais.

CNJ e o caso escandaloso da 'fundação' ilegal homologada pela juíza Hardt


Sessão do CNJ que julgou o afastamento de juízes. Conselho ainda tem de decidir se vai abrir processo administrativo contra magistrados Imagem: Reprodução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revogou nesta terça a suspensão da juíza Gabriela Hardt. Nem por isso se apaga a homologação de uma lambança que traz a assinatura da doutora e que, atenção!, foi suspensa por intervenção, então, do ministro Alexandre de Moraes. Explico tudo neste texto. Hardt volta ao posto por enquanto, mas o conselho ainda não votou a abertura ou não de processo administrativo para investigar sua conduta e a dos demais. Vamos por partes.

As respectivas suspensões de Hardt e do juiz Danilo Pereira Júnior, ex e atual titulares da 13ª Vara Federal de Curitiba, foram rejeitadas por oito a sete. Na trave! Ela compõe hoje a 3ª Turma Recursal do Paraná. Menos sorte tiveram os desembargadores Carlos Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, que continuarão longe do TRF-4 — nesse caso, por 9 a 6. O corregedor do CNJ, Luís Felipe Salomão (STJ), havia afastado os quatro na segunda. Mais um tantinho do caso: Flores, Lima e Pereira Junior — este atuando temporariamente à época no tribunal — são acusados de ignorar um julgado do STF ao atuar no afastamento de Eduardo Appio, outro ex-titular da 13ª Vara.

O presidente do STF e do CNJ, Roberto Barroso, abriu divergência e votou contra a decisão de Salomão. Opôs-se a ela com muita veemência. E o fez por dois motivos: considerou que não cabia ao corregedor um ato monocrático à véspera da sessão do Conselho que trataria do assunto, mas também avançou no mérito. Disse não ver ilegalidades nos atos dos juízes. O corregedor votou pela abertura de inquérito administrativo em todos os casos. Barroso pediu vista.

UM POUCO DE MEMÓRIA

No dia 8 de março de 2019, escrevi neste UOL sobre o fato de a Lava Jato ter decidido destinar à criação de uma fundação de direito privado 50% de uma multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras. Outro tanto ficaria reservado para eventual ressarcimento a um grupo de acionistas minoritários que já tinha até advogado constituído. Salomão pede que se apure também a possibilidade de ter havido na lambança toda corrupção e peculato. Mas vamos ao que estava nesta coluna há cinco anos.

O acordo espúrio, imoral, sem leis que o amparem, entre o Ministério Público Federal, as "Autoridades Norte-Americanas" (como gosta Deltan Dallagnol, com maiúsculas) e a Petrobras, que pode resultar na criação de uma das mais ricas fundações de direito privado do país, foi homologado pela celebrada Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba.

É aquela magistrada que foi bastante aplaudida por alguns setores por ter condenado Lula no caso do sítio de Atibaia. É bem verdade que, em sua sentença, ela acabou trocando "sítio" por "apartamento" — aquele de Guarujá, que era matéria do outro processo, de que foi juiz o agora ministro bolsonarista Sérgio Moro? Se alguém pensou em algo como "copia/cola" é porque está de maus bofes. Afinal, gente, cumpre-nos o dever da franqueza, né? Pouco importa se sítio ou apartamento, o que interessa é condenar. A Justiça atravessou um novo umbral no país. Mas deixo essa questão de lado agora. Voltemos à homologação do acordo feito pela juíza rigorosa. A íntegra está aqui.

No caso do acordo, a doutora topa quase tudo. Já explico. Sim, ela gostou desse negócio de se criar, com o dinheiro da multa paga pela Petrobras e que tem ser recolhido ao Tesouro, uma fundação de direito privado. Ela não especifica — porque não existe — em que lei os bravos da Lava Jato se basearam para criar a fundação.

Não cita a lei, mas aprecia a coisa. E sua justificativa se baseia numa mistura de suposta defesa do interesse público com prêmio por mérito. Escreve ela sobre a destinação de metade da multa que a Petrobras pagou no Brasil e que vai financiar a tal fundação de direito privado:

"será utilizada à constituição de uma fundação permanente, na forma de 'endowment', e destina-se remédio dos efeitos da corrupção e ao fomento de atividades voltadas à implementação de uma agenda anticorrupção. Isso é especialmente importante já que os investimentos públicos, notoriamente escassos, para a implementação de medidas de combate à corrupção estão usualmente sujeitos a contingenciamentos orçamentários. Assim, na análise deste Juízo, não há dúvida que o acordo atende ao interesse público."

Entenderam? Como, a seu juízo, faltam recursos para se combater adequadamente a corrupção, então por que não usar a grana da multa da Petrobras para essa finalidade, ainda que seja numa fundação privada? Insista-se: ela não ancora seu despacho em lei nenhuma. Prefere deferir o arranjo exótico tendo como justificativa a falta de recursos para o combate à corrupção. Mas não fica só nisso. Ela vai dizer agora por que o MPF teria não o direito, mas a licença moral para fazer tal coisa:
"Cumpre observar o protagonismo do MPF e da Petrobrás na obtenção da concessão no acordo desta com as autoridades dos Estados Unidos. Sem a intervenção do MPF e da Petrobrás, muito provavelmente não seria possível a amortização de 80% da multa milionária pactuada no acordo com as autoridades daquele país, mediante pagamentos e investimentos de interesse coletivo no território nacional".

Embora seja da turma, ela não é louca. Sabe que a chance de, como se diz, essa coisa "dar ruim" é gigantesca. E aí faz o que me parece bater nos píncaros do escândalo: simplesmente se omite. Escreve ela:

"Consta do acordo que a formação do comitê de curadoria social, responsável pela supervisão da constituição do fundo, seria aprovada pelo Juízo (item 2.4.3.2). A providência é desnecessária. Não tem o Juízo condições de avaliar a reputação e a capacidade técnica dos possíveis integrantes do grupo. Então, a formação do Comitê, por delegação do Juízo, competirá ao MPF. Caberá ao MPF adotar as providências necessárias à formação do Comitê, apenas informando o Juízo quem são as pessoas que o integrarão e quais foram os critérios de seleção. Depois de constituída, a composição e gestão da fundação não se sujeitarão à prévia franquia jurisdicional."

Traduzindo: a juíza autoriza a aberração, diz que atende ao interesse público, alega a carência de recursos como uma das motivações para dar a autorização, aponta os méritos do MPF (como se este, reitero, estivesse cumprindo um papel excepcional, fora de sua competência regular), mas, na hora de se comprometer com o monstrengo legal — que não se sustenta em nada —, pula fora, se exime, não quer saber.

Pode não ser agora, doutora Gabriela, mas seu despacho entrará para a história como uma das maiores deformidades do direito brasileiro. A síntese fica assim:
1: a juíza homologou o acordo;
2: a juíza não citou uma miserável lei que o ampare;
3: a juíza o justifica alegando carência de recursos para combater a corrupção;
4: a juíza acata a fundação como fruto dos méritos do MPF;
5: mas a juíza não quer se comprometer com o a excrescência que ela homologou.

Servidores públicos fazem o que prevê a lei. O que está fora dela, se feito, é ilegal. Simples assim.

ALEXANDRE DE MORAES

No dia 15 de março, uma semana depois daquele texto que escrevi, o ministro Alexandre de Moraes sustou os efeitos do acordo e expôs a sua escancarada ilegalidade. Escreveu ele:

"A atuação do MPF perante o Juízo da 13ª Vara Federal nos inquéritos e nas ações penais da Lava-Jato, a priori, jamais tornaria esse órgão prevento para a 'execução' do acordo celebrado nos Estados Unidos, mesmo considerada a relação entre o Non Prosecution Agreeement [o pacto firmado] e os fatos investigados no Brasi. Importante destacar, ainda, que os termos do acordo realizado entre a Petrobras e o governo norte-americano, além de não indicarem os órgãos do MPF/PR como sendo as 'autoridades brasileiras' destinatárias do pagamento da multa, igualmente jamais indicaram a obrigatoriedade ou mesmo a necessidade de o depósito dos ser realizado perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba"

Mais um pouco?
"Em relação ao destinatário do pagamento dos US$ 682.526.000,00 (80% do valor da multa), o acordo sempre se referiu a 'Brazil' e 'Brazilian authorities', sem indicar qualquer órgão brasileiro específico."

A íntregra está aqui. Ou por outra: não cabia à Força Tarefa fazer o acordo que fez com autoridades americanas e com a Petrobras. Tendo-o feito, a destinação que se pretendia dar ao dinheiro era manifestamente. A íntegra da liminar então concedida por Moraes está aqui.

ENCERRO
Considerando que o CNJ trataria da questão no dia seguinte, acho, sim, que Salomão poderia ter se dispensado do afastamento cautelar dos juízes, embora mantido em parte. Não entro em minudências, mas me parece que o TRF-4, com efeito, ignorou julgado do STF em procedimentos para o afastamento de Appio.

Quanto à manifesta ilegalidade da tal fundação, que não avançou por sustada pelo STF, os fatos falam por si.

No relatório final da correição na 13ª Vara Federal de Curitiba, Salomão escreveu:
"Tal procedimento caracterizou-se pelo atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras (com) a finalidade de se obter o retorno dos valores na forma de pagamento de multa pela Petrobras às autoridades americanas, a partir de acordo sui generis de assunção de compromisso para destinação do dinheiro público -- para fins privados e interesses particulares (fundação a ser gerida a favor dos interesses dos mesmos)".

E, para não variar, também não faltaram as conversinhas fora dos autos:
"O que a correição descobriu, juntando as pontas e os fatos, é que a homologação do acordo cível (em juízo criminal absolutamente incompetente) ocorreu após a juíza GABRIELA HARDT discutir e analisar, previamente e fora dos autos, por meio de conversas por aplicativo de mensagens (admitido em depoimento prestado pela magistrada durante a Correição), os termos de 'acordo de assunção de compromisso".

Pode até ser que haja gente querendo se vingar de Gabriela Hardt. O que se vê acima lida apenas com matéria de justiça.

PS: Ah, sim. O lavajatismo resolveu lembrar que foi Lula a indicar Salomão para o STJ. É mesmo? E quem indicou Roberto Barroso, que votou contra os afastamentos e, tudo indica, vai se opor à abertira de investigação? Não teria sido a petista Dilma Rousseff?