Desde que tomou posse, Jair Bolsonaro conduziu um governo isento de oposição. Sem adversários à altura, o presidente costurava sua reeleição alimentando uma superpolarização com o PT e cavalgando a promessa de recuperação da economia. Esse projeto saiu dos trilhos. Deve-se o descarrilamento ao coronavírus, o primeiro opositor real enfrentado por Bolsonaro.
O vírus fez em apenas um mês o que o PT e as legendas do centro não conseguiram fazer em mais de um ano: virou o governo Bolsonaro de ponta-cabeça. Manchará a contabilidade de 2020 com uma retração do PIB equiparável à ruína produzida por Dilma Rousseff nos anos de 2015 e 2016, quando a economia despencou 3,5% e 3,3%, no maior estrago da história.
A diferença é que os tombos provocados pela inépcia de Dilma ajudaram a eleger Bolsonaro. Já o mergulho causado pelo vírus prejudica a reeleição de Bolsonaro. O ajuste fiscal do Ministro Paulo Guedes foi para o beleléu. Para socorrer os brasileiros e as empresas mais frágeis, para acudir estados e municípios, o governo terá de gastar o equivalente ao que economizaria em dez anos com a reforma da Previdência. Passará o resto do mandato correndo atrás do prejuízo.
O vírus expôs os pés de barro de Bolsonaro. O presidente revelou-se um personagem menor do que a crise. Nenhuma outra instituição é tão paradoxal quanto a Presidência da República. O emprego de presidente é uma honraria traiçoeira. O inquilino do Planalto está tão próximo do paraíso quanto do inferno. Num instante, ele é admirado. Noutro, ouve o som das panelas. Ora imagina-se detentor de poderes imperiais, ora descobre que o pior tipo de ilusão que pode acometer um presidente é a ilusão de que preside.
Em condições normais, o poder do presidente concorre com a influência de agentes e fatores cuja ação ultrapassa a duração dos mandatos. Contribuem para restringir os movimentos do presidente o Legislativo, o Judiciário, os empresários, a academia, os movimentos sociais. Bolsonaro vinha toureando as adversidades, alimentando a ideia de que o presidente dirige os rumos do país nesta ou naquela direção. O vírus demonstrou que esse senso comum é um dos mais equivocados enganos da mitologia política.
No final das contas, o poder efetivo de um presidente não vai muito além dos limites dos quatro andares do prédio do Palácio do Planalto e de um grupo de pessoas lotadas em repartições estratégicas. Para além desse horizonte, o comando presidencial se dissipa.
Para complicar, Bolsonaro recusou o papel de líder do gerenciamento da crise. Preferiu terceirizar responsabilidades, culpando o isolamento social decretado por governadores e prefeitos pela recessão e o desemprego que estão por vir. De quebra, o presidente brigou com seu ministro da Saúde, cuja atuação na crise é aprovada por 76% dos brasileiros, segundo o Datafolha.
Bolsonaro arrisca-se a acumular dois prejuízos políticos: se o isolamento funcionar, poupando vidas, o mérito será dos governadores. Se fracassar, a culpa será atribuída à campanha do presidente pela "volta à normalidade". Tudo isso e mais a ruína econômica, que virá de uma maneira ou de outra.
Tudo mudou no cenário político, exceto a oposição, que continua sendo uma espécie de latifúndio improdutivo à espera de alguém que o ocupe.
Por Josias de Souza
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