segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Eleitor dá cartão amarelo para Bolsonaro, PT e Lula



A eleição de 2022 ainda está distante, mas o pleito municipal de 2020 deixa uma sinalização clara do eleitorado: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o PT e o ex-presidente Lula são os principais derrotados e saem do jogo político com cartões amarelos. 

Bolsonaro viu a maioria dos candidatos que apoiou naufragar, seja no primeiro turno ou no segundo turno. Quando os candidatos levavam bandeiras bolsonaristas, escondiam o presidente da República, como em Vitória, caso do vencedor delegado Pazolini. 

Bolsonaro perdeu tempo de 2018, quando saiu consagrado das urnas, para cá, não organizou um partido que aglutinasse a extrema direita, e viu vitoriosos como Pazolini se afastando à medida que sua reprovação foi aumentando em todas as capitais do país, menos em Macapá.

No Rio de Janeiro, o presidente ainda testemunhou uma derrota acachapante em sua base eleitoral, com o candidato Marcelo Crivella não sendo bem sucedido após apostar em uma fórmula Bolsonaro-Religião-Fakenews.

O mandatário maior do país ainda viu o vencedor carioca Eduardo Paes dando entrevista ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Um importante sinal, diga-se de passagem. Maia marca um distanciamento maior de Bolsonaro e avisa para o país que o candidato dele ganhou.

O PT também não teve vida fácil e saiu tão derrotado quanto Bolsonaro. Viu seus dois candidatos no segundo turno perderem, em Recife e em Vitória, e uma nova esquerda se organizando ao redor de lideranças como Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, que perderam os pleitos, mas saíram maiores. O PT não poderá mais tratar essas lideranças, e seus partidos, como periféricos.

O ex-presidente Lula viu seus candidatos serem derrotados no primeiro turno e no segundo turno, como em um efeito dominó, pagando o preço da insistência em candidatos poucos competitivos. Mas o petista tem o atenuante que Bolsonaro não tem, por estar estar fora da cadeira presidencial.

Enquanto Bolsonaro, o PT e Lula saíram derrotados, o centro e a boa gestão saem vitoriosos. Partidos como o DEM, com candidatos se aproximando do centro, caso do próprio Paes no Rio, viram o número de prefeituras duplicarem, assim como outros partidos que fizeram o mesmo movimento, caso de PP e PSD.

Isso também já havia sido a tônica do primeiro turno, quando candidatos claramente ao centro, como Alexandre Kalil (PSD), em Belo Horizonte, com boa gestão na pandemia ou já experimentos, foram bem sucedidos nas eleições.

Em São Paulo, Bruno Covas também é exemplo dessa boa gestão aprovada na pandemia, apesar do importante desempenho de Guilherme Boulos, segundo colocado agora repaginado, com nova importância na esquerda e sendo o grande fenômeno de 2020.

Com todas essas sinalizações, e a esquerda se reorganizando, com vitórias de João Campos (PSB), em Recife, de Edmilson Rodrigues (PSOL), em Belém, e de José Sarto (PDT), em Fortaleza, o governador de São Paulo, João Doria, sai com o sentimento de que apostar em se aproximar do centro foi uma boa opção.

Mesmo que Bruno Covas tenha escondido o governador em sua campanha, João Doria poderá usar a prefeitura de São Paulo, a mais importante e populosa do país, como trampolim em 2022. O caminho ainda é longo (o próprio PSDB foi mal em 2018 com mais de 700 prefeituras), a fotografia é de momento, mas vai se desenhando.

domingo, 29 de novembro de 2020

Bolsonaro faz sete gols nas urnas, todos contra



Jair Bolsonaro declarou apoio nas redes sociais a sete candidatos a prefeito. Assim que as urnas do primeiro turno começaram a ser abertas, apagou o post no Facebook. Mas não conseguiu passar uma borracha no vexame. Fez sete gols, todos contra.

No primeiro tempo, os preferidos de Bolsonaro naufragaram em cinco municípios: São Paulo (Celso Russomanno), Belo Horizonte (Bruno Engler), Manaus (Coronel Menezes), Santos (Ivan Sartori), Recife (Delegada Patrícia).

Neste segundo turno, o presidente deve amargar as duas derrotas que faltavam para que o seu desaproveitamento fosse de 100%. No Rio de Janeiro, Bolsonaro afunda abraçado a Marcelo Crivella (Republicanos). Em Fortaleza, naufraga junto com o Capitão Wagner (Pros).

Ibope e Datafolha apresentaram números idênticos na última rodada de pesquisas sobre o Rio. Em votos válidos, Eduardo Paes (DEM) prevalece sobre Crivella por um placar elástico: 68% a 32%. Em Fortaleza, o Ibope atribuiu a José Sarto (PDT) 61% das intenções de votos válidos, ante 32% amealhados pelo Capitão Wagner.

O envolvimento de Bolsonaro na refrega municipal expôs uma incongruência: o capitão acha que é uma coisa. Mas seu desempenho como cabo eleitoral indica que ele vai virando outra coisa. A popularidade do presidente caiu em 23 das 26 capitais onde houve eleição.

sábado, 28 de novembro de 2020

Moraes prorroga inquérito sobre interferência de Bolsonaro na PF



O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira, 27, prorrogar por mais 60 dias o inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Esta é a quarta extensão do inquérito, instaurado no final de abril – as outras três haviam sido determinadas pelo ex-ministro Celso de Mello, que se aposentou em outubro. Este tipo de medida é comum quando a polícia precisa de mais tempo para concluir as apurações.

A decisão de Moraes vem no dia seguinte à Advocacia-Geral da União (AGU) incluir no inquérito uma petição informando que Bolsonaro abre mão de depor na investigação. A oitiva do presidente é uma das últimas diligências que ainda estavam pendentes, segundo a delegada Christiane Correa Machado, que conduz o inquérito.

Na petição destinada a Moraes, o presidente ainda pede que os autos do inquérito sejam submetidos imediatamente à PF para elaboração do relatório final da apuração e, em seguida, à Procuradoria-Geral da República (PGR), à qual cabe decidir se oferece denúncia ou arquiva a investigação. O ministro, no entanto, determinou à PGR que se manifeste sobre o pedido de Bolsonaro em até cinco dias.

Celso de Mello havia decidido que o depoimento do presidente seria colhido de forma presencial, decisão que gerou desgaste entre o Supremo e o Planalto – a AGU havia recorrido para que o depoimento pudesse ser entregue por escrito. O entendimento de Mello acabou suspenso pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, até que o plenário da Corte decidisse a respeito.

O julgamento do recurso foi iniciado no começo de outubro, com o voto de Celso de Mello, contrário à tese da defesa do presidente, mas acabou suspenso e não foi retomado até o momento.

Até o momento, a PF colheu depoimentos do ex-ministro e do ex-diretor-geral da PF, dos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), do empresário Paulo Marinho, ex-aliado do presidente, e delegados da Polícia Federal.

Acusação de Moro

O inquérito foi aberto por Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, depois que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro pediu demissão e acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal por meio das trocas do então diretor-geral, Maurício Leite Valeixo, e do superintendente da PF no Rio de Janeiro. Valeixo foi demitido à revelia de Moro, que pediu para deixar o cargo no mesmo dia.

Em entrevista coletiva após pedir demissão e em seu depoimento aos investigadores, Moro disse que o presidente pretendia fazer as mudanças para ter na PF um diretor com quem pudesse “interagir” e que lhe fornecesse relatórios de inteligência.

O escolhido por Bolsonaro para substituir Valeixo acabou sendo o delegado da PF e diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente. Alexandre de Moraes, no entanto, barrou a posse de Ramagem por entender que havia indícios de “desvio de finalidade” na nomeação. Bolsonaro, então indicou o delegado Rolando Alexandre de Souza para o cargo.

Foi no âmbito desta investigação que Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto. Na reunião, o presidente reclamou dos sistemas de informação da Abin e da PF e afirmou que apenas o seu sistema “particular” funcionava. Bolsonaro declarou no encontro que havia tentado trocar a “segurança” de sua família no Rio de Janeiro e, não tendo “conseguido”, estava disposto a trocar até um ministro para fazê-lo.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse.

Segundo Moro, a menção a “segurança” se refere à Superintendência da Polícia Federal no Rio, onde o presidente teria buscado interferir politicamente em função de investigações de pessoas próximas a ele. Bolsonaro alega que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio, que fica a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). O presidente, no entanto, também cita “amigos”, que, ao contrário de sua família, não têm direito a escolta de seguranças do GSI.

Para a Advocacia-Geral da União, o vídeo da reunião ministerial “demonstrou completamente infundadas quaisquer das ilações que deram ensejo ao presente Inquérito, o mesmo valendo para todos os demais elementos probatórios coletados nos presentes autos”.

Na Veja

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Bolsonaro cumpre promessa e desconstrói o Brasil


Jair Bolsonaro durante jantar em Washington em março do ano passado. À sua esquerda, o delinquente e extremista de direita Steve Bannon; à sua direita, Olavo de Carvalho e Ernesto Araújo. Ali ele anunciou: tinha vindo para desconstruir, não para construir

O governo de Jair Bolsonaro acaba de comprar mais um conflito estúpido com a China; ainda não reconheceu a eleição de Joe Biden nos EUA; acusou recentemente países europeus de comprar madeira ilegal do Brasil —o que os tornaria, quando menos, corresponsáveis pelo desmatamento— e é hostil à Argentina, um dos principais clientes, ainda que em declínio, da combalida indústria brasileira.

O festejado acordo UE-Mercosul é agora só miragem, e o ingresso do país na OCDE vai ficando mais distante. Bolsonaro é hoje um dos líderes mais isolados no planeta. Em seu rosto, percebem-se laivos de nanico orgulhoso, que não se dobra à grande conspiração contra os homens justos. Não é sem razão que suas honras viris mereceram o reconhecimento de Vladimir Putin.

Em nota oficial, a embaixada da China reagiu, em termos apropriadamente duros, à acusação feita por Eduardo Bolsonaro —filho de Jair e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara— de que os chineses pretendem usar a tecnologia 5G para praticar espionagem. O texto lembra que o país governado por Xi Jinping, a quem o “capitão” claramente se opôs na reunião virtual do Brics, responde por 33,5% das exportações brasileiras.

Se não cabia ao Itamaraty pedir desculpas —afinal, não se tratou de manifestação de governo—, menos apropriado seria reagir com críticas adicionais à China, como se a nota dura da embaixada representasse uma ofensa ao próprio governo. Mas foi precisamente o que aconteceu. O Ministério das Relações Exteriores tomou as dores do filho do presidente.

Assim, a família Bolsonaro e o grupo de lunáticos que o cerca —incluindo Ernesto Araújo, o chanceler— confundem a própria pantomima com a história e os interesses do país. Os malucos têm uma certeza: a China precisa da soja brasileira, da carne brasileira, do ferro brasileiro. Logo, não pode advir desse confronto mal nenhum ao país, e a ameaça de retaliação seria pura bravata.

Não ocorre a esses gênios da raça que os chineses não precisam abrir mão das commodities brasileiras. Causariam um estrago considerável ao agronegócio, e ao nosso país, se comprassem menos soja, menos carne e menos ferro do Brasil. Até em briga de rua, no meu tempo de ser moleque, a gente avaliava antes as consequências de um confronto. A noção de honra, às vezes, a tanto nos obrigava. Mas nenhum de nós podia fazer mal nenhum a não ser à própria cara. Esses celerados estão empenhando o futuro do país. Alguma surpresa?

Não. O Brasil tem uma elite econômica temerária —é claro que há notáveis exceções—, capaz de flertar com o caos sob o pretexto de salvar o país do demônio. O “mal”, no caso, segundo essa gente, acaba se confundindo com a cara média do povo brasileiro, que é meio preta e pode morrer de susto, bala, vício ou asfixia num hipermercado. Já em 2018 eu me perguntava, e a questão permanece, por que setores do empresariado e do mercado financeiro imaginavam que Bolsonaro poderia ser a solução para as suas angústias.

Em parte, sei a resposta. O ódio à política, liderado pela Lava Jato, levou pesos pesados do PIB brasileiro a acreditar numa espécie de purificação mística. Se os “espertos”, na narrativa escatológica então inventada, haviam criado o país da corrupção e da impunidade, talvez nos faltassem brutalidade e crueza em estado puro.

E existia a personagem que encarnava todos esses baixos instintos —tudo aquilo que a civilização, na verdade, deve reprimir pelo caminho da educação e do decoro para que a vida em sociedade seja possível. E Bolsonaro chegou lá, com seu séquito de neófitos arrogantes e truculentos, vocalizando os preconceitos mais sórdidos sob o pretexto de conjurar, então, as forças do mal que teriam se entranhado no país.

Em março do ano passado, numa reunião com forças conservadoras em Washington, o presidente foi profético sobre o próprio governo: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa.”

Homem de palavra. Ele está desconstruindo o Brasil.

Por Reinaldo Azevedo

Ministério da Saúde tem R$ 3,4 bilhões 'parados' desde maio no orçamento emergencial de combate à pandemia


Além dos R$ 3,4 bilhões, o Ministério da Saúde tem outros cerca de R$ 2,2 bilhões não empenhados também oriundos de MPs emergenciais Foto: NELSON ALMEIDA / AFP


O Ministério da Saúde não usou R$ 3,4 bilhões liberados na forma de crédito extraordinário em maio deste ano para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Passados seis meses da aprovação do recurso emergencial, a pasta nem sequer empenhou (reservou o montante para desembolso posterior) os valores.

As cifras "paradas" no orçamento do Ministério da Saúde estão contidas em duas Medidas Provisórias (MPs) de crédito emergencial editadas pelo governo e aprovadas posteriormente no Congresso. Já no caso de outros R$ 74,7 milhões, o recurso simplesmente não pode mais ser usado, porque três MPs perderam a validade sem que a pasta tenha empenhado todos os valores previstos nelas.

Os dados são inéditos e foram levantados pela Comissão de Financiamento e Orçamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ligado ao Ministério da Saúde, com informações oficiais até 24 de novembro. Para Getúlio Vargas, conselheiro do CNS e membro da Cofin, o levantamento aponta a falta de planejamento do governo.

— A demora no empenho e os recursos não utilizados de MPs que já venceram representam a falta de planejamento e de prioridade por parte do governo federal e do Ministério da Saúde na coordenação das ações de combate à pandemia — ressalta Vargas.

Para Francisco Funcia, consultor do Conselho Nacional de Saúde, a morosidade não tem justificativa:

— Não é justificável, num cenário de emergência sanitária, em que há a abertura do crédito extraordinário com flexibilização de procedimentos administrativos para facilitar a execução, ficar seis meses sem usar o recurso.

Além dos R$ 3,4 bilhões, o Ministério da Saúde tem outros cerca de R$ 2,2 bilhões não empenhados também oriundos de MPs emergenciais. O total, portanto, é de R$ 5,6 bilhões, que corresponde a 12,8% dos créditos extraordinários liberados à pasta para a pandemia: R$ 44,2 bilhões.

Esse montante de R$ 2,2 bilhões não empenhados vem de duas MPs mais recentes, de setembro, relacionadas à vacina. Entende-se, neste caso, que é natural o recurso ainda não ter sido empregado, uma vez que os estudos sobre imunizantes estão em desenvolvimento.

O conselheiro Vargas afirma que não cabe minimizar os valores não usados sob a justificativa de que o montante total empenhado pelo Ministério da Saúde de recursos disponibilizados via MP é de R$ 38,6 bilhões.

— Proporcionalmente ao total pode parecer pouco, mas é um valor muito importante para quem tem necessidades na ponta. Quantos respiradores, testes, leitos podem ser custeados com esses recursos não utilizados? — questiona Vargas.

Pasta investirá R$ 6 bi, diz Pazuello

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação deste texto. O ministro Eduardo Pazuello afirmou nesta quinta-feira que a pasta vai investir cerca de R$ 6 bilhões que tem no seu orçamento para a Covid-19, sem dar detalhes da origem dos recursos ou quanto tempo eles estão parados.

Alvo de críticas por uma condução considerada falha da pasta no enfrentamento da pandemia, Pazuello falou da aplicação dos recursos durante evento sobre assistência a prematuros no país. Ele rechaçou preocupações sobre o destino do dinheiro e enfatizou que a pasta vem trabalhando no combate ao novo coronavírus.

Segundo Pazuello, o recurso mencionado será empregado, conforme medidas pactuadas com secretários estaduais e municipais de Saúde, na abertura e manutenção de leitos em unidades de terapia intensiva (UTI) ao longo de 2021, cirurgias eletivas que foram represadas pela pandemia, e nas ações para fazer a vacinação da Covid-19.

— Não tem nada que não esteja planejado — afirmou o ministro.

Em O Globo

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

O Homem do Castelo Alto (Felicio Vitali)



Seria muito bom se os apoiadores deste governo, deixassem um pouco o negacionismo de lado e saíssem desta realidade paralela que vivem, para entrar no mundo real. 

Neste mundo onde existe uma pandemia que já matou mais de 170 mil brasileiros e que está longe de ser controlada, dado a irresponsabilidade do presidente e a incapacidade dos que o rodeiam. 

Neste mundo real, que mostra a tristeza de ainda existir o racismo estrutural e o racismo de raiz mesmo. Aquele que violentamente mata no interior de um supermercado, com plateia e tudo. Aquele que faz pessoas lamentarem mais a destruição de uma vidraça que a morte de uma pessoa. 

Só no mundo do faz de conta é que se finge o combate a corrupção, enquanto o que realmente interessa, é impor pautas retrógradas, como a religiosa, a de costumes e a do conservadorismo arcaico. Que ainda se incomoda com a ascensão dos menos favorecidos e quer impor na marra a falácia da meritocracia. 

É neste mundinho que o ministro da economia, também conhecido pela alcunha de "Posto Ipiranga", deu uma entrevista. 

Mais uma vez desfiou suas promessas inconclusivas e se meteu a falar de assuntos que não lhe diz respeito, enquanto quem devia, fica no mais completo silêncio. 

No seu mundo, Paulo Guedes, que já enganou o chamado "mercado", prometeu acabar com o déficit público em um ano, faturar 3 trilhões de reais com vendas de imóveis, fazer a maior privatização já vista. Mas na realidade, o déficit só fez crescer, não vendeu um casebre e não fechou e nem vendeu uma estatal sequer e ainda abriu mais dois mostrengos para atender os anseios de militares. Uma para assuntos marinhos e outra para os assuntos espaciais. Talvez pra provar que o mar tem fim e que a terra não é redonda. 

Como diz o editorial do Estadão de hoje, "um ministro que tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai, portanto, desconhece como chegar lá". 

Parados no tempo, enquanto o mundo, o global e real, trabalha pra controlar a pandemia e recuperar a economia, os negacionistas brasileiros queimam as nossas florestas, destroem o nosso eco sistema, sonham com a riqueza do nióbio, falseiam a reeleição do Trump, chutam a China e cospem na Europa. 

Mas tem uma coisa que o brasileiro jamais poderá negar, é que não sabia que seria assim. Nunca um candidato se mostrou tão inapropriado para o cargo, em todos os aspectos que poderiam ser analisados, já numa campanha eleitoral. 

Sabíamos que se tratava de um Ignorante, mal educado, corrupto e desonesto, chupim, aproveitador e nepotista, mentiroso e cínico, egoísta, egocêntrico, leniente, tendencioso, apático, autoritário, vingativo, arrogante, fanático, cruel, destrutivo e maquiavélico, superficial e imaturo, manipulador, ciumento, inseguro e indeciso, racista, homofóbico e misógino. E no entanto, mesmo assim foi eleito com todos esses predicados. 

Considerando que os apoiadores continuarão a viver na outra dimensão "FECHADOS COM BOLSONARO", como se vivessem dentro do livro "O Homem do Castelo Alto", nos resta esperar que a parte mais lúcida dos brasileiros, considere 2018 como um importante aprendizado para 2022 e quando for votar, que leve apenas o cérebro à urna e deixe em casa o fígado de molho no chá de boldo.

 Por Felicio Vitali

Aras desmoraliza os terraplanistas da vacina; é o que prevê a Constituição


Augusto Aras, procurador-geral da República: posição sobre duas ADIs que estão no Supremo é impecável.
É o triunfo da Constituição Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

De tal maneira o governo Bolsonaro nos habituou ao absurdo e ao despropósito quando o assunto é Covid-19 — e, sejamos francos, em quaisquer outros — que, quando diante de uma decisão correta de um órgão público, logo nos vemos compelidos a aplaudir o óbvio. Estamos um tanto curtidos pela burrice, pela estupidez e pela permanente agressão à ciência.

Nesta quarta, houve duas manifestações importantes da Procuradoria Geral da República — ou, para individualizar a responsabilidade, de Augusto Aras, o titular do órgão. É importante chamar as pessoas por seus respectivos nomes em tempos em que covardes gostam de se esconder atrás da máscara cinzenta da burocracia para mascarar a sua falta de compromisso com o combate à Covid 19.

Aras se manifestou sobre duas das ações que estão no STF que dizem respeito ao enfrentamento da pandemia e que têm como relator o ministro Ricardo Lewandowski. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.586, movida pelo PDT, pede que o tribunal defina que cabe aos estados e municípios "determinar a vacinação compulsória da população, além de decidir outras medidas associadas de enfrentamento da pandemia desde que que estejam amparadas em evidências científicas e acarretem maior proteção ao bem jurídico transindividual".

Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.587, movida pelo PTB — cuja orientação, sob o comando do ex-deputado e ex-presidiário Roberto Jefferson está virando uma caricatura sórdida do extremismo de direta —, quer que o Supremo declare sem efeito a alínea "d" do Inciso III do Artigo 3º da Lei 13.979, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro no início da chegada da pandemia ao Brasil, que pode tornar a vacinação obrigatória.

A resposta de Augusto Aras, nos dois casos, foi correta e precisa.

De acordo com o que informa o site da PGR, Aras "defende que, obedecidos os trâmites legais em vigor, embasados em critérios técnicos e científicos que garantam a segurança e a eficácia da medida, 'é válida a imposição à população de vacinação obrigatória em determinados contextos, previamente delineados pela legislação, nas situações a serem concretamente definidas por ato das autoridades competentes'. Ele destaca que há situações imprevisíveis e de grandes e graves proporções que exigem do Poder Público a adoção de medidas impositivas, direcionadas ao bem comum, para proteção imediata e indispensável de direitos fundamentais de todos, individual e coletivamente considerados."

O procurador-geral responde, assim, à patuscada do PTB, que, acreditem, teve a cara de pau de recorrer ao princípio a "proteção à vida" para tentar impedir que o poder público decida em favor da obrigatoriedade da vacina. Como bem escreveu Aras, resguardados critérios objetivos, a imposição da vacina é a saída para a garantia dos direitos fundamentais de cada um e de todos. Se assim decidir a autoridade competente, não se estará diante da violação de nenhum direito fundamental. Ao contrário, só assim este pode ser garantido.

Muito bem! Mas a quem cabe decidir em favor dessa obrigatoriedade? Podem fazê-los os Estados e municípios, como quer o PDT?

Ao se posicionar sobre a petição tresloucada do PTB, Aras considerou:
"É válida a previsão de vacinação obrigatória como medida possível a ser adotada pelo Poder Público para enfrentamento da epidemia de covid-19, caso definida como forma de melhor realizar o direito fundamental à saúde, respeitadas as limitações legais".

Logo, como desdobramento lógico dessa avaliação, o procurador-geral defende que é da União a competência primária para definir a obrigatoriedade ou não da vacinação, mas, segundo diz, em linha com o que definiu o Supremo sobre medidas de distanciamento social para conter a expansão do vírus, também os Estados, não os municípios, podem optar pela vacinação compulsória, levando em conta a realidade local caso o Ministério da Saúde não garanta a imunização da população segundo os adequados critérios técnicos e científicos.

E o procurador-geral observa, com correção, que o Poder Público não pode — e não conheço ninguém que defenda tal ponto de vista — impor a vacina à força. O meio adequado de estabelecer essa obrigatoriedade é a aplicação de sanções administrativas posteriores, obedecendo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Como exemplo, ele lembra que a Lei 6.259/1975, prevê a apresentação anual do atestado de vacinação para o recebimento do salário-família".

Isso significa que o ordenamento jurídico em curso reconhece como legal a restrição de direitos e de benefícios, ou mesmo uma sanção, nos limites da razoabilidade, para quem resistir à obrigatoriedade da vacina se assim definida pelo poder público.

As hostes bolsonaristas, em declínio, vão estrilar. Fazer o quê? Muitos deles têm a certeza de que a Terra é plana.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Brasil sofre com o caos mental do clã Bolsonaro



O governo de Jair Bolsonaro vai se transformando numa espécie de centro terapêutico para tratar a esquizofrenia do presidente e da família dele. A China leva os Bolsonaro para o divã. No seu penúltimo surto, Eduardo Bolsonaro escreveu no Twitter que o Brasil se afasta de tecnologia chinesa para o 5G, e que apoia iniciativa do presidente americano Donald Trump de criar uma aliança global sem espionagem da China para um 5G seguro.

Como disse o vice-presidente Hamilton Mourão num surto anterior, se o personagem se chamasse Eduardo Bananinha ninguém daria importância. Mas ele é filho do bananão. E o pai também produz polêmicas sobre a China com a mesma naturalidade com que a bananeira dá bananas. Ainda outro dia disse que a "vacina chinesa do João Doria" não é confiável.

A embaixada da China reagiu. Faltaram modos à resposta chinesa. Mas sobrou clareza. Afirmou-se que as manifestações do bananinha "solapam" as relações do Brasil com a China. Mantido o tom, disse a embaixada, os bananas vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil. Os chineses sabem o que querem. O Brasil, talvez não.

Em maio de 2019, em visita à China, Mourão disse que via com bons olhos a atuação Huawei, gigante do 5G chinês, no Brasil. Já havia a guerra China-Estados Unidos. O Brasil "não pode se atirar para um lado só de uma hora para a outra", disse o vice-presidente na ocasião, num lampejo de lucidez. Em outubro do ano passado, após encontrar o presidente chinês Xi Jinping em Pequim, Bolsonaro disse que desejava "fortalecer" o comércio e "ampliar novos horizontes" nas relações com os chineses. Hoje, os Bolsonaro estão maníacos com a China e depressivos com a derrocada de Donald Trump. Seria um equívoco dizer que a primeira-família sofre de insanidade. Na verdade, os Bolsonaro se deliciam com ela. Quem sofre com o caos mental da família é o Brasil.

China reage a ataque boçal de Eduardo e acena até com retaliação comercial


Yang Wanming, embaixador da China no Brasil. Elevou-se a temperatura da reação à estupidez e à burrice de Eduardo Bolsonaro Imagem: Adriano Machado/Reuters

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se comporta como um arruaceiro qualquer. Mas, infelizmente, ele não o é. Trata-se de um arruaceiro a um só tempo qualificado — em razão do cargo que ocupa e dos vínculos familiares que possui — e desqualificado, dada a mistura de irresponsabilidade e vulgaridade das coisas que costuma espalhar por aí.

Além de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o parlamentar é filho do presidente da República e, ainda que possa parecer estranho falar nestes termos, é o candidato a intelectual da família. E, como se sabe, aquele que ocupa o Palácio do Planalto não costuma divergir de suas crias. Percebe-se que Jair é o tipo de pai tóxico: autoritário com os outros, mas permissivo com os filhos desde que estes se mostrem truculentos e arrogantes.

A Embaixada da China em Brasília — e isso quer dizer a China ela mesma — teve nesta terça a mais dura reação aos ataques permanentemente desfechados por bolsonaristas ao país. Não é a primeira manifestação de incômodo. Desta feita, no entanto, o maior parceiro comercial do Brasil acenou explicitamente com retaliação comercial. A questão agora é saber se Jair Bolsonaro está disposto a pagar o preço — que nós pagaríamos, é claro!

Na noite de segunda, Eduardo postou nas redes sociais mensagens em que afirma a adesão do Brasil a programa "Clean Network", lançado pelo governo Trump, "criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China". Não parou por aí. Citou um suposto endosso do ministro Paulo Guedes à iniciativa e emendou:
"O programa ao qual o Brasil aderiu pretende proteger seus participantes de invasões e violações às informações particulares de cidadãos e empresas. Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China".

As postagens foram posteriormente apagadas.

A reação da embaixada chinesa veio muitos tons acima de tudo o que se viu até agora. Não só o país formalizou uma queixa ao Itamaraty como tornou publica uma nota em que diz, por exemplo:
"Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Prestam-se a seguir os ditames dos EUA no uso abusivo do conceito de segurança nacional para caluniar a China e cercear as atividades de empresas chinesas. Isso é totalmente inaceitável para o lado chinês e manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento. A parte chinesa já fez gestão formal ao lado brasileiro pelos canais diplomáticos".

Observem que, se os chineses julgassem irrelevante o ataque boçal, a resposta se limitaria a conversas ao pé do ouvido entre os diplomatas. A nota, no entanto, eleva a questão a um novo patamar. Pela primeira vez, os chineses lembraram a parceria comercial entre os dois países, de que o Brasil é beneficiário, e não somete para exaltar os laços de amizade entre as duas nações. Afirma o texto:

"Ao longo dos 46 anos de relações diplomáticas, a parceria sino-brasileira conheceu um rápido desenvolvimento graças aos esforços de ambas as partes. A China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil há 11 anos consecutivos e é também um dos países com mais investimentos no Brasil. Entre janeiro e outubro, as exportações brasileiras para a China foram de US$ 58,459 bilhões, respondendo por 33,5% do total de exportações do Brasil. As cooperações na telecomunicação e em outros setores foram construídas sobre bases sólidas e alcançaram avanços a passos largos."

Mais adiante, afirma:
"Na contracorrente da opinião pública brasileira, o deputado Eduardo Bolsonaro e algumas personalidades têm produzido uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil. Acreditamos que a sociedade brasileira, em geral, não endossa nem aceita esse tipo de postura."

E aí, vem, sim, a ameaça explícita:
"Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil."

O tom da nota transforma a questão num incidente diplomático.

Leia a íntegra da nota da embaixada da China no Brasil

Segue a íntegra da nota da embaixada da China com críticas severas às bobagens escritas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP):

Em um fio de mensagens publicado no Twitter, dia 23 de novembro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro acusou o Partido Comunista da China e empresas chinesas de praticar espionagem cibernética e defendeu a iniciativa dos EUA de criar uma aliança internacional que discrimina a tecnologia 5G da China. Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Prestam-se a seguir os ditames dos EUA no uso abusivo do conceito de segurança nacional para caluniar a China e cercear as atividades de empresas chinesas. Isso é totalmente inaceitável para o lado chinês e manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento. A parte chinesa já fez gestão formal ao lado brasileiro pelos canais diplomáticos.

Ao longo dos 46 anos de relações diplomáticas, a parceria sino-brasileira conheceu um rápido desenvolvimento graças aos esforços de ambas as partes. A China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil há 11 anos consecutivos e é também um dos países com mais investimentos no Brasil. Entre janeiro e outubro, as exportações brasileiras para a China foram de US$ 58,459 bilhões, respondendo por 33,5% do total de exportações do Brasil. As cooperações na telecomunicação e em outros setores foram construídas sobre bases sólidas e alcançaram avanços a passos largos. A China tem apoiado o Brasil no enfrentamento da pandemia da COVID-19, assegurando o suprimento de materiais, fornecendo assistência humanitária e compartilhando experiências. Os fatos comprovam, repetidas vezes, que a China é um amigo e um parceiro do Brasil e que a cooperação bilateral impulsiona o progresso de ambos os países e traz benefícios para os dois povos. Uma parceria bilateral estável e sadia está em sintonia com os interesses fundamentais e de longo prazo de ambas as partes, e, por isso mesmo, conta com o apoio de amplos setores da sociedade brasileira. Devemos continuar a expandir nossa parceria em diversas áreas, sempre alicerçados no respeito mútuo, na igualdade e no benefício recíproco.

Como firme defensora da segurança cibernética internacional, a China lançou a Iniciativa Global sobre Segurança de Dados a fim de construir um ambiente digital de abertura, equidade, imparcialidade e não discriminação. O governo chinês incentiva empresas chinesas a operar com base em ciência, fatos e leis enquanto se opõe a qualquer tipo de especulação e difamação injustificada contra empresas chinesas. Os EUA têm um histórico indecente em matéria de segurança de dados. Certos políticos norte-americanos interferem na construção da rede 5G em outros países e fabricam mentiras sobre uma suposta espionagem cibernética chinesa, além de bloquear a Huawei visando alcançar uma hegemonia digital exclusiva. Comportamentos como esses constituem uma verdadeira ameaça à segurança global de dados.

Na contracorrente da opinião pública brasileira, o deputado Eduardo Bolsonaro e algumas personalidades têm produzido uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira e do mútuo benefício que ela propicia, solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil. Acreditamos que a sociedade brasileira, em geral, não endossa nem aceita esse tipo de postura. Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da extrema direita norte-americana, cessar as desinformações e calúnias sobre a China e a amizade sino-brasileira, e evitar ir longe demais no caminho equivocado, tendo em vista os interesses de ambos os povos e a tendência geral da parceria bilateral. Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Indústria encosta negócios na pauta antirracista


João Alberto Silveira Freitas, que foi assassinado aos 40 anos em um mercado Carrefour de Porto Alegre, é enterrado na capital gaúcha Imagem: Hygino Vasconcellos/UOL

O melhor momento para realizar uma mudança é antes que ela seja necessária. O Carrefour se deu conta disso tarde demais. Frequenta a conjuntura como uma logomarca hemorrágica. Mas coisas sensatas também acontecem. A inépcia da rede de supermercados tornou-se uma oportunidade que seus fornecedores aproveitam.

Onze grandes indústrias de bens de consumo, todas presentes nas gôndolas do Carrefour, enxergaram no assassinato de João Alberto Silveira Freitas, o Nego Beto, um ensejo para assumir o compromisso público de combater o racismo. Decidiram transformar a equidade racial num ativo empresarial.

A exemplo do sapo de Guimarães Rosa, não é por boniteza, mas por precisão que as indústrias decidiram dar os seus pulos, encostando os negócios na agenda antirracista. Pelas contas do IBGE, 56,10% da população brasileira se declara preta ou parda.

Significa dizer que algo como 109 milhões de consumidores ostentam a mesma tonalidade de pele do Nego Beto, o cliente que foi espancado até a morte na garagem de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre.

Enrolaram-se na bandeira antirracismo gigantes do porte de Coca-Cola, Danone, BRF, General Mills, Heineken, Kellogg's, L'Oréal, Mars, Mondeléz, Nestlé e Pepsico. Juntas, empregam no Brasil mais de 235 mil pessoas. Reconheceram por escrito uma obviedade que Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão ignoram: há, sim, racismo no Brasil.

Anotaram uma trivialidade: "Ocorrem diariamente atitudes que perpetuam o preconceito, a exclusão, as desigualdades e a violência." Assumiram dois compromissos: divulgar um plano de ação e prestar contas regularmente de sua implementação.

Execuções como a que ocorreu no Carrefour de Porto Alegre não acontecem por acaso. Mesmo descontando-se a estupidez humana, vigias terceirizados de um supermercado não agiriam com tamanho descaso pela vida e destemor pelas consequências dos seus atos se não soubessem que o seu descaso é compartilhado.

Sabiam que estavam sendo filmados. E levaram a truculência às últimas inconsequências. É como se eles se sentissem implicitamente autorizados. Essa autorização tácita à brutalidade ocorre corriqueiramente no Brasil. E atinge majoritariamente aqueles que o general Mourão chama de "cidadãos de cor".

O comerciante encomenda a morte do pivete incômodo. O comandante avalia que a punição clandestina é necessária, já que os tribunais não dão conta do serviço; o cidadão dito de bem acredita que a polícia e o vigia do supermercado —que em muitos casos são a mesma pessoa— têm que matar mesmo, para que ele possa andar tranquilo pelas ruas e realizar as suas compras.

Num ambiente assim, é louvável que grandes empresas se juntem para informar que não concordam com a brutalização que leva uma parte da sociedade a ser tratada como uma excrescência indesejável e descartável. Espera-se que o plano de ação seja vistoso e sua execução inspiradora.

Desde Gilberto Freyre que a miscigenação é vista como um traço positivo da formação brasileira. De fato, a mistura enriqueceu a cultura popular, beneficiária da confluência de três tradições. Mas não serve como prova da inexistência de racismo no Brasil, como alega Bolsonaro. No máximo serve como evidência de que o brasileiro racista é um sujeito que jamais mandou examinar sua árvore genealógica.

Por Josias de Souza

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Encalhe de testes expõe um apagão de logística



Submetido a um descalabro —o risco de perda de validade de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do coronavírusJair Bolsonaro culpou governadores e prefeitos: "Todo o material foi enviado para Estados e municípios. Se algum Estado ou município não utilizou deve apresentar seus motivos", disse o presidente nas redes sociais. Bolsonaro tenta negar o que o próprio Ministério da Saúde já admitiu. Os testes não foram enviados à rede hospitalar pública.

Em plena fase de recrudescimento da pandemia, estão guardados num armazém do governo federal no Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, quase 7 milhões de testes do tipo PCR, o mais eficaz. É mais do que os 5 milhões de testes já aplicados no SUS desde on início da pandemia. O prazo de validade dos testes encalhados expira entre dezembro e janeiro. O material custou R$ 290 milhões. A chance de virar lixo é real.

O governo está diante de algo muito parecido com um apagão de logística. Ironicamente, a logística é justamente a especialidade do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello. O desperdício de testes veio à luz numa notícia do Estadão. Chega num instante em que o país se inquieta com a falta de transparência do governo na elaboração de um plano de distribuição das vacinas que estão por vir.

Em vez de tranquilizar a população, Bolsonaro oferece mais razões para preocupação. O presidente ainda não notou. Mas cada vez que declara que determinado problema não é seu, sua atitude se transforma no próprio problema. Como sempre, também no caso dos testes, os culpados são os outros: governadores e prefeitos. Bolsonaro só conhece um tipo de autocrítica: a autocrítica a favor. Comporta-se como se estivesse sempre liberado de todo o exame do mal —principalmente o mais difícil, que é o autoexame.

“Maricas empoderadas”



A eleição de 30 transexuais e travestis, 24 gays, 20 lésbicas e 7 bissexuais para vereador em todas as regiões do país alegra, conforta e não deixa dúvidas: a retrógrada, machista e homofóbica agenda comportamental do presidente Jair Bolsonaro definitivamente não emplacou. Vitória comemorada com bom-humor e fina ironia pelo presidente da Aliança Nacional LGBTI+ Toni Reis: “as maricas estão empoderadas”.

A frase foi a única referência que o ativista fez ao presidente, sem nem mesmo citá-lo nominalmente, na entrevista ao Congresso em Foco, um dia depois do primeiro turno das eleições municipais. Reis atribuiu o sucesso aos avanços obtidos junto ao STF, “que garantiu a identidade, o casamento, o combate à discriminação”, à repercussão do assassinato de Marielle Franco, que fez “nascer muitas Marielles”, e até ao papa Francisco, que descriminalizou a união homoafetiva.

Ainda que seja fruto de anos de luta árdua, o crescimento acentuado de LGBTI+ nos parlamentos municipais – o número de eleitos foi três vezes superior ao de 2016 – é mais um revés para o já tão derrotado Bolsonaro. Aponta com precisão que sua ojeriza aos gays e as piadinhas bestas têm efeito nulo ou até mesmo avesso ao que ele gostaria. Algo que, como homofóbico assumido, o presidente deve ter dificuldade para processar e compreender.

Bolsonaro não inventou a homofobia. Tampouco está só nesse delito hediondo. Mas chama atenção a insistência dele em se declarar homofóbico.

“Seria incapaz de amar um filho homossexual” ou “não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo”, ou ainda “ter filho gay é falta de porrada”, são afirmações que não precisam de tradução para tipificar o crime.

“Eu tenho imunidade para falar que sou homofóbico, sim, com muito orgulho, se é pra defender as crianças nas escolas”, disse em 2013, acrescentando que os LGBTs não teriam “sossego” com ele. Na época, reclamava de dois homens e duas mulheres se beijando em público, em frente de “ nossos filhos menor de idade (sic)”.

A imunidade parlamentar salvadora não se aplica ao presidente da República. Sem meias palavras isso quer dizer que Bolsonaro pode ser punido por homofobia, crime que em junho de 2019 o Supremo equiparou ao racismo, tornando-o inafiançável e imprescritível.

Bolsonaro sabe disso.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, a baixaria e as agressões reveladas foram tantas que pouca importância se deu a uma frase dita pelo presidente: “Eu tenho certeza que vão me condenar por homofobia, oito anos por homofobia”.

Certamente devido ao temor expressado pelo capitão, a Advocacia-Geral da União entrou, em outubro, com recurso no STF questionando o entendimento da Corte sobre homofobia. Estranhamente, a AGU levou um ano e quatro meses para se movimentar. E o fez poucos dias antes de Bolsonaro reincidir na homofobia explícita – a brincadeira de mau gosto com o cor-de-rosa do guaraná Jesus, que o faria virar “boiola igual maranhense”.

Na cola do presidente e apoiado por ele, o cambaleante e desesperado Marcelo Crivella, que disputa o segundo turno no Rio, achou por bem escancarar sua homofobia. Chamou de “viado” o governador paulista, demonstrando que não ouviu ou não entendeu o berro das urnas.

Chefe de um governo política e economicamente desgovernado, Bolsonaro perdeu peso e densidade nas eleições municipais, sendo derrotado também em sua narrativa obscurantista. Restaram-lhe as “melhores qualidades masculinas”, elogio-chacota feito pelo espertíssimo Vladimir Putin ao ver o presidente brasileiro sem pai nem mãe após a derrocada de Donald Trump.

Os brasileiros escolheram o progresso e a diversidade. Melhor: boa parte dos vereadores LGBTI+ eleitos diz não querer transformar seus mandatos em nichos de gênero. Pretendem, claro, continuar lutando contra a intolerância e a discriminação, mas têm bandeiras variadas que vão do meio ambiente à mobilidade urbana, moradia e até saneamento básico. O mesmo se escuta de mulheres e negros, maiorias que ainda são minonitárias.

A pluralidade venceu. Mas não há espaço para descuido.

Por Mary Zaidan

Um governo perdido - Editorial do Estadão



O presidente Jair Bolsonaro tem descuidado de tarefas básicas de um governo, como a articulação política para a aprovação das leis orçamentárias. Além de dificultar a retomada de que tanto o País precisa, essa omissão naquilo que é o cerne de um governo – definir prioridades e atuar em consonância – leva o governo Bolsonaro a perder qualquer resquício de identidade. Na segunda-feira passada, por exemplo, o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Luiz Ramos, foi ao Twitter comemorar, como se fossem próprios, resultados eleitorais de partidos do Centrão. Descumprindo suas tarefas e se esquecendo de suas promessas, o governo agora se assume como o próprio Centrão.

Segundo o general Luiz Ramos, a esquerda, e não o bolsonarismo, foi a grande derrotada das eleições de domingo passado. O argumento de sua tese é de que “os partidos aliados às pautas e ideais do governo Bolsonaro saíram vitoriosos”. O general referia-se a PSD, PP, DEM e MDB.

É uma mudança e tanto. Em 2018, os partidos do Centrão eram, nas palavras do general Heleno, a “materialização da impunidade”. Na ocasião, o atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional chegou a parodiar um famoso samba, cantando: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. A letra original diz “ladrão”, em vez de Centrão. Agora, são esses partidos os grandes aliados das pautas e ideais do governo Bolsonaro.

Sem rumo, o governo não faz o que lhe cabe. Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a insistir na urgência de votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/19, que foi apresentada pelo Executivo no fim do ano passado. Ao prever mecanismos para reduzir despesas públicas, a PEC Emergencial é fundamental para diminuir o déficit primário, permitir a realização de despesas sociais e assegurar o Orçamento de 2021.

No entanto, o governo federal faz vista grossa ao tema, como se ele não fosse de sua responsabilidade. Governar exige decisões difíceis e, perante elas, o presidente Jair Bolsonaro tem manifestado uma paralisia desconcertante. Ao falar do papel do Executivo na coordenação da pauta de votações, Rodrigo Maia lembrou que “o governo não pode transferir ao Poder Legislativo decisões que cabem a quem venceu as eleições”; no caso, as presidenciais de 2018.

Como se sabe, partidos do Centrão – justamente alguns daqueles que o general Luiz Ramos chama de grandes aliados do governo – têm obstruído a pauta de votação da Câmara dos Deputados, bem como impedido a instauração da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Contrariando acordo entre os partidos da base feito em fevereiro, o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), deseja agora um nome alinhado ao Centrão na presidência da comissão.

O impasse tem causado atrasos importantes. O Congresso ainda não votou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. O governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021 se a LDO não for aprovada, bem como o Orçamento. Trata-se, portanto, de ponto essencial para o governo federal. No entanto, sem aparentar nenhuma preocupação com esses detalhes – que deveriam ser prioridade do País e do próprio Executivo federal –, o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares preferem fustigar partidos de esquerda valendo-se de resultados eleitorais do Centrão.

Se o governo Bolsonaro está tão interessado nas eleições de 2022, alimentando desde já intrigas com seus supostos inimigos, deveria ouvir o alerta do presidente da Câmara. “Olhando para 2022, eu penso que tem coisas mais decisivas do que até o próprio resultado eleitoral (de domingo passado). Os próximos meses no Parlamento para o governo federal terão peso muito maior do que o resultado das eleições de 2020”, disse Rodrigo Maia. Parece óbvio, mas é preciso recordar. Para buscar eventual reeleição, antes é preciso exercer de fato o mandato conquistado nas urnas em 2018. Já se vai a hora de governar.

Extrema direita teme negros mobilizados. E a fala delinquente de Bolsonaro



Por que o vídeo completo, evidenciando que foi João Alberto Silveira Freitas a desferir o primeiro soco assanhou a extrema direita? Porque seria a prova de que não estamos diante de um caso de racismo. É mesmo? Será que, nos milhares de supermercados e lojas do país, nunca antes um branco se exaltou? Mas só os pretos morrem por isso? Só a eles pode ser aplicada, extrajudicialmente, a pena de morte, que nem sequer existe no ordenamento judicial brasileiro? Há o esforço deliberado de negar o caráter também racial da ocorrência porque a evidência embute um óbvio risco político.

Para lembrar: até outubro, 10 crianças morreram vítimas de balas perdidas no Rio. Os projéteis acharam seus corpos pretos. Desnecessário dizer que a morte de uma criança branca, nas mesmas circunstâncias, em Copacabana, geraria justa comoção. Afinal, vidas brancas importam. E devem importar. E as pretas?

A taxa de homicídios de negros no país saltou 11,5% de 2008 a 2018 (de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes). A de morte de não-negros caiu 12,9% no mesmo período (de 15,9 para 13,9 por 100 mil). Os dados são do Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Vidas pretas importam?

É claro que não cabe a governantes exacerbar tensões raciais no país. Daí a negarem o óbvio vai uma grande diferença. Hamilton Mourão, vice-presidente, apressou-se em contestar o caráter também racista da execução havida no Carrefour Evocou a fantasia da miscigenada democracia racial no país.

O presidente Jair Bolsonaro, que não perde uma só oportunidade de relegar o país à cloaca do mundo, resolveu fazer discurso negacionista na reunião virtual do G-20 neste sábado. Sem nem sequer fazer referência ao episódio, disparou:
"Somos um povo miscigenado. Brancos negros e índios edificaram o corpo e espírito de um povo rico e maravilhoso. Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la. E colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças. Sempre mascarados de lutas por direitos, igualdade ou justiça social. Tudo em busca de poder."

Durante a ditadura, chamava-se qualquer mobilização popular de ação movida por pessoas que tinham "ideologias exóticas", alheias à dita "índole pacífica" do povo brasileiro... Para Bolsonaro, esse negócio de negros reivindicando direitos também é coisa que vem de fora. Os nossos, segundo a sua visão de mundo, devem morrer em silêncio, sem protestar. Também faria parte de nossa índole.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 22 de novembro de 2020

Bolsonaro injeta escárnio no caso da rachadinha



A Justiça, como se sabe, é cega. Mas certos magistrados desenvolvem requintados mecanismos de audição. Tome-se o caso do desembargador Bernardo Garcez. É corregedor-geral de Justiça do Rio de Janeiro. Integra a Turma Especial do Tribunal de Justiça do estado. É esse colegiado que julgará o processo sobre o caso da rachadinha, estrelado por Flávio Bolsonaro. Na última sexta-feira, o doutor e suas orelhas estiveram com o pai do investigado. Sem alarde, permaneceram com Jair Bolsonaro por duas horas, no Palácio do Planalto.

O encontro com o desembargador foi solicitado pelo presidente da República. Sobre o que conversaram? O Planalto não informa. O Tribunal de Justiça do Rio alega que o colóquio foi sobre "assuntos gerais de interesse da administração pública." Hummmm... Nada relacionado com processos judiciais. Então, tá! Mencionaram-se dois exemplos: 1) Os desafios do Judiciário durante a pandemia; 2) A participação do chefe da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio num comitê de modernização de ambiente de negócios.

Bolsonaro dá as costas para o coronavírus sob o falso argumento de que foi chutado para escanteio pelo Supremo. Recusa-se a instituir uma coordenação nacional para a pandemia. De repente, posiciona-se junto à bandeira do córner para recolocar a bola em jogo. Preocupa-se agora com os "desafios do Judiciário" na guerra contra o vírus. Poderia reunir-se com Luiz Fux, presidente da Suprema Corte. Mas prefere prestigiar o doutor Bernardo Garcez que, por acaso, participará do julgamento do Zero Um. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.

Não fosse o faro de Bolsonaro, ninguém imaginaria, de resto, que o talento para a "modernização do ambiente de negócios" estivesse escondido justamente na Turma Especial do Tribunal de Justiça do Rio, em meio às folhas do processo que enroscou Flávio Bolsonaro num esquema que resultou num desvio estimado em R$ 6 milhões. O presidente não se cansa de surpreender o país. Revela agora uma insuspeitada habilidade para reconhecer méritos excepcionais.

Bem verdade que a aproximação de Bolsonaro com Bernardo Garcez deixa o desembargador em constrangedora posição. Na hora de julgar o primogênito, se exibir posições favoráveis ao investigado, o magistrado não se livrará dos comentários maledicentes. De nada adiantará dizer que decidiu conforme suas convicções. Existe algo mais suspeito do que uma conduta absolutamente irrepreensível?

Sob Bolsonaro, o escárnio vai adquirindo na Presidência da República uma doce, uma persuasiva, uma admirável naturalidade.

sábado, 21 de novembro de 2020

O Corruptômetro - (Felicio Vitali)

 


O brasileiro é um povo peculiar. Deveria ser estudado, mas não pela NASA, como sugere algumas postagens que vemos pela Internet, e sim por cientistas sociais, antropólogos e até por extraterrestres de planetas planos.

Trata-se de um o povo único no mundo a determinar um valor para definir  a corrupção. O nosso "corruptômetro", por exemplo, é pessoal, variável e transferível. Uma quantia de dinheiro pode significar se uma corrupção, a depender do indivíduo, é imperdoável, mais ou menos ou muito menos.

No caso da primeira dama, nossa nouvelle madame, o corruptômetro não acha que 89 mil reais seja uma quantia digna de considerações.

Há até quem diga, e não são poucos, que este valor comparado aos milhões dos adversários políticos, chega a ser ridículo. Como dizem os americanos trumpistas: "Peanut!!!" Ninharia!!

Nem os 7,5 milhões de reais, tirado da saúde em plena pandemia para o programa social da moça, foi considerado.

Portanto, pula, vira a página que não é merecedor de investigações constrangedoras, carimba o PGR, com a sua cegueira opcional e seletiva.

Porém, 15 mil reais no cofrinho traseiro de um senador, amigo de cama e mesa, como definiu o presidente da república, já é motivo para a rígida "condenação branca".

Aquela que o sujeito cai pra cima: substituição do pai pelo filho. Os negócios da família não são interrompidos, satisfaz a turba, a imprensa esquece e o amigão de cama e mesa agradece. Apesar do mau cheiro, livrou-se de ser atingido pelos respingos.

Já um xampu, um pacote de biscoito ou de manteiga, nas mãos de um pobre, de um negro, sem o devido comprovante do caixa do supermercado, o esperto corruptômetro já manda uma cana brava. É condenação direta e não precisa nem da justiça. Um cabo e dois soldados definem: prisão perpétua.

Oxalá, o periculoso cidadão ainda há de dar graças à deus, porque a turma da arminha ruminante é extremamente rígida contra o crime e tem como lema e epitáfio: "bandido bom é bandido morto". Afinal, pra eles meritocracia é tudo e pobre só é pobre porque quer.

Por Felicio Vitali

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A Embraer e a Porsche lançam combo de jato executivo e carro esportivo


FEITOS UM PARA O OUTRO - A dupla Phenom 300E e Porsche 911 Turbo S: integração nas cores, nas formas e até no acabamento - Embraer/Divulgação

Após decolar de Roma, o piloto sobrevoa o Mar Adriático, mas logo gira à esquerda em direção ao norte, ganhando altitude e seguindo para Berlim a 800 quilômetros por hora. Em menos de noventa minutos pousa no aeroporto de Brandemburgo, onde troca o avião por um carro da mesma cor e idêntico acabamento. Ele vence o trânsito dos arredores e logo acessa a Autobahn 24, rodovia de 230 quilômetros de extensão, cujo maior trecho não tem limite de velocidade. Seu destino é Hamburgo, que também tem aeroporto. Mas quem vai lhe tirar o prazer de dirigir até lá a 300 quilômetros por hora? No dia seguinte, ele fará o caminho de volta a Berlim para decolar em seu Phenom 300E, já reabastecido, rumo a Londres, onde tem uma reunião de negócios. Seu Porsche 911 Turbo S ficará guardado no hangar até a volta.

A aventura europeia descrita acima parece roteiro de James Bond, mas pode ser a realidade do futuro proprietário do Duet, uma série limitada que combina um dos jatos executivos mais vendidos do mundo com uma lenda entre os apaixonados por carros. Trata-se de um lançamento exclusivo da brasileira Embraer, em parceria com a alemã Porsche, limitado a dez pares. A entrega será feita um ano após a entrada do pedido e, quando for vendido o último conjunto, ele não será produzido novamente. O luxo, considerado uma oportunidade única de ter o melhor de dois mundos, está sendo oferecido por 11 milhões de dólares, cerca de 60 milhões de reais.

Enquanto o Porsche 911 Turbo S é a versão top de linha de um dos carros mais rápidos que o dinheiro pode comprar (ele vai de zero a 100 quilômetros por hora em 2,7 segundos, com velocidade máxima de 330 quilômetros por hora), o Phenom 300 (e sua geração mais recente denominada “E”) é um jato leve, campeão de vendas, que, desde seu lançamento, em 2009, tem levado alguma vantagem no segmento no qual competem marcas como Learjet e Citation, entre outras. O piloto e empresário Márcio Jumpei, publisher da revista especializada HiGH, disse a VEJA que é difícil superar a aeronave brasileira nessa categoria: “O Phenom é ágil, atinge 960 quilômetros por hora, tem uma excelente cabine e é de fácil manutenção. Além disso, a versão 300E trouxe ainda mais tração, luxo e recursos”.

Parceria de empresas no marketing de produtos não é uma iniciativa inédita. No entanto, interpretar o Duet como uma venda casada para milionários seria uma simplificação injusta do conceito. Quem pousa os olhos simultaneamente no jato e no esportivo tem a sensação de que eles saíram como uma peça única de uma mesma fábrica. O design aerodinâmico do Porsche parece extensão do Phenom, e vice-versa: sem rebites nem emendas, pelo menos não que possam ser vistos. Howard Hughes, o lendário cineasta e aviador americano dos anos 1930 e 1940, obcecado por fuselagem “sem costuras”, provavelmente ficaria mesmerizado ao ver esse dueto.

A edição numerada tem características que não podem ser encontradas separadamente. Os assentos da cabine do avião (seis individuais e um duplo) têm acabamento em couro que reproduz o design e a tonalidade dos bancos do carro, enquanto o painel e a direção deste dão a sensação de voo do outro — respeitando obviamente as regras de certificação internacionais, pois as premissas anatômicas, por questão de segurança, devem ser adequadas a cada veículo. O 911 Turbo S traz cronômetro de aviação, avisos de No Step (“não pise”, típicos de aeronave) nas áreas sensíveis e o número de registro do Phenom gravado no spoiler traseiro. A pintura cinza prateada metálica deve ser reproduzida na fuselagem e, até onde foi possível apurar, o cliente não terá a opção de escolher outra cor. Em compensação, vai levar mimos como relógio de pulso e malas personalizadas do Duet. Saber quem será esse cliente, por sinal, é a maior curiosidade de quem acompanha o mercado.

A Embraer não informa se já existe lista de espera ou de quais países estariam vindo os pedidos, mas conclui-se que o comprador em potencial, além do alto poder aquisitivo, não seja um executivo com piloto, mas sim um executivo piloto. “O Phenom, apesar de ter cockpit com duplo comando, foi projetado para ser pilotado por uma só pessoa”, diz Jumpei. Ao que tudo indica, o público-alvo do Duet não será alguém disposto a compartilhar o deleite de dirigir e pilotar. O prazer muitas vezes é pessoal e intransferível, quase egoísta, mas profundamente humano. Infelizmente, neste caso, para poucos.

Publicado em VEJA edição nº 2714

Crivella ruma para a derrota no modo desespero



As duas coisas mais perigosas da democracia são o voto livre e o eleitor prisioneiro de sua consciência. Juntos, eles deixaram Marcelo Crivella fora de si, levando-o a exibir o que tem por dentro. Candidato à reeleição, o prefeito do Rio de Janeiro passou a operar no 'modo desespero'.

De acordo com o Datafolha, Crivella está 42 pontos percentuais atrás do seu antagonista Eduardo Paes. O prefeito amealha 29% dos votos válidos, contra 71% atribuídos a Paes. Significa dizer que o prefeito tonou-se um candidato favorito a fazer do seu adversário o próximo prefeito do Rio. Daí o desespero.

Num par de vídeos, Crivella chamou o governador paulista João Doria de "veado" e "vagabundo". Insinuou que o rival Eduardo Paes troca o apoio do PSOL pela promessa de entregar à legenda a Secretaria de Educação. Tudo isso com o propósito de instituir a "pedofilia nas escolas" do Rio de Janeiro.

Crivella declarou: "Eu fico imaginando um irmão meu evangélico, metodista, assembleiano, alguém da Universal. Jesus disse que o Reino de Deus é das crianças. Jesus se comparou às crianças. E nós vamos aceitar pedofilia na escola? No ensino infantil?"

Postulante à reeleição, o prefeito talvez não tenha amealhado votos. Mas ganhou uma nota de repúdio de Doria e pelo menos dois processos judiciais —um de Paes e outro do PSOL

Pastor licenciado da igreja Universal, Crivella costuma invocar com muita frequência o nome de Deus. Ele existe. Está em toda parte. Mas de maneira geral o demônio passou a comandar a campanha do irmão Crivella.

Por Josias de Souza