Em edição extra do Diário Oficial da União, o presidente Jair Bolsonaro nomeou André Mendonça, atual advogado-geral da União, para o Ministério da Justiça e o delegado Alexandre Ramagem, seu amigo pessoal e dos filhos, para a diretoria-geral da Polícia Federal. Nomes de tal sorte pavorosos circularam para o cargo antes ocupado por Sergio Moro que a indicação de Mendonça chega a ser um alívio. Aqui e ali, já tentou sustentar o insustentável? Já! Não fosse assim, não seria ministro de Bolsonaro. Mas se esforça para ser correto.
Com Ramagem, a coisa é de outra natureza. Ele está no centro da crise entre Bolsonaro e Sergio Moro. Pululam ações na Justiça para impedir a sua posse. Já escrevi aqui e reitero: segundo os mesmos critérios que impediram a posse de Lula como ministro da Casa Civil, Ramagem tem de ter obstada sua nomeação para o comando da PF. Não é porque seja amigo da Família Bolsonaro. Isso é o de menos. Mas porque existe a evidência de que Bolsonaro queria tirar Maurício Valeixo e nomear seu chapa com o manifesto desejo de interferir em investigação que afeta aliados seus. Só por isso, diga-se, ele é agora um presidente investigado.
Não há como ignorar. Conversa entre Moro e Bolsonaro, revelada pelo ex-juiz, evidencia que o presidente manifestou, mais uma vez, o desejo de tirar Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal ao comentar nota publicada por um site informando que aliados seus estariam sob investigação. Em mensagem enviada ao então ministro, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) faz lobby em favor de Ramagem e diz se comprometer a apoiar a indicação de Moro para o Supremo.
Vale dizer: tanto a demissão de Valeixo como a indicação de Ramagem não estão ancoradas no interesse público. Quando, em março de 2016, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminares a dois mandados de segurança que pediam a suspensão da indicação de Lula para a chefia da Casa Civil, havia uma evidência — que, mais tarde, descobriu-se forjada pelos vazamentos seletivos praticados por Moro — de que a escolha do nome do líder petista buscaria apenas livrá-lo de eventual decisão judicial. Não atenderia, pois, ao interesse público.
Ora, o que determina o caput do Artigo 37 da Constituição? Lembro:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".
Lembra, então, o ministro nas liminares o conceito dos chamados "ilícitos atípicos", que são atos que, embora legais na aparência, servem justamente à transgressão... legal! E um desses ilícitos é justamente o ato que serve ao "desvio de finalidade". Pergunta-se: é em benefício da Polícia Federal e da população que Bolsonaro quer Ramagem no lugar de Valeixo? Ora, a sua mensagem diz que não. Há uma grave denúncia do ex-ministro dizendo que não. Há a mensagem da deputada dizendo que não. E mais espantoso ainda: há o testemunho de Bolsonaro, naquele seu pronunciamento, dizendo que não.
A Justiça vai decidir se permite que o Estado de direito seja esbulhado. Lembro que Cármen Lúcia — e, nesse caso, parece ter exorbitado — suspendeu a posse da então deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho porque ela tinha tido uma pendenga na Justiça Trabalhista. A ministra foi sensível à argumentação de um grupo de advogados que via na nomeação uma agressão ao princípio da moralidade.
Nem vou entrar em minudências agora. Apenas lembro que o Supremo já suspendeu posse de pessoas nomeadas para o ministério. Não estará fazendo nada de inédito se impedir a posse de um delegado-geral da Polícia Federal. A evidência a recomendar que se barrasse Lula existia, embora tenha sido manipulada por Moro — sem contar que se tratava de gravação ilegal, divulgada também ilegalmente. Não havia como saber à época. No caso de Cristiane, parece ter falado uma certa prevenção contra o governo Temer. Mas tudo isso deve ficar de lado agora.
Os depoimentos de Moro e Bolsonaro dando conta da interferência indevida na Política Federal (o presidente a confessou sem querer!!!) e as mensagens tornadas públicas são atos de vontade, sem nenhuma manipulação.
A Justiça, nas democracias, exerce também o papel de Poder Moderador. A vontade de Bolsonaro de controlar órgãos de Estado e colocá-los a serviço do seu governo, de suas convicções e dos interesses de seu grupo é real. Vejam a interferência em setor do Exército para impedir rastreamento de armas e munições.
Não é possível que tenhamos um presidente que será alvo de uma investigação criminal e que o fruto dessa possível ação criminosa — a nomeação de Ramagem — seja aceita pela Justiça.
Por Reinaldo Azevedo
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