Não foi somente o banco americano Lehman Brothers a ser vitimado pela crise financeira que assolou o mundo em 2008. À época, uma grande montadora de veículos esteve à beira da falência e exigiu do governo americano uma ajuda que contraria todo o pensamento capitalista. Sob a batuta de Barack Obama, os Estados Unidos tornaram-se sócios da General Motors — a única forma de evitar que o gigante fechasse as portas. Na crise atual, causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), uma grande companhia também foi lançada à beira do precipício. E os próprios gestores, ressalte-se, têm muita culpa nisso. Trata-se da Boeing, que já perdeu o posto de maior fabricante de aeronaves do planeta e agora está prostrada aos pés do presidente americano Donald Trump por uma salvação à la GM em 2009. O pior: sem a benevolência presidencial, a empresa pode gerar um tsunami econômico com potencial de arrastar uma cadeia inteira de fornecedores e fabricantes do setor, inclusive a brasileira Embraer.
O acordo de compra entre a Boeing e a Embraer, que embolsou 4,2 bilhões de dólares (22 bilhões de reais) com a venda de sua linha de produção de jatos comerciais de médio alcance, só não será cancelado de vez porque está num estágio tão avançado que sairia mais caro desfazer o trato do que mantê-lo. No entanto, executivos da Boeing olham para o valor pago pela companhia brasileira e não escondem a frustração com o seu valor atual de mercado, reduzido a 1,3 bilhão de dólares (6,8 bilhões de reais). Com 25 bilhões de dólares em caixa e um gigantesco passivo para resolver — decorrente da queda de duas aeronaves do novíssimo 737 MAX e do cancelamento de pedidos de centenas de unidades do modelo —, a empresa americana teme não sobreviver até o fim do ano, conforme declaração recente de seu recém-empossado presidente, Dave Calhoun. Por isso pede desesperadamente um socorro de 60 bilhões de dólares. “Existe um risco enorme de ter de fechar a produção da linha de jatos sem uma ajuda do governo”, diz o consultor Richard Aboulafia, do Teal Group.
A agora subsidiária Embraer também já começa a sentir os efeitos da crise. Funcionários entraram em férias coletivas e diretores que controlam a produção da linha de jatos E2 — a joia da coroa da brasileira e o motivo da cobiça dos americanos — estão recebendo ligações de companhias aéreas sobre a possibilidade de postergar a entrega. “A Embraer tem recebido pedidos pontuais de clientes para adiar entregas de curto prazo e ainda não é possível estimar o impacto nas entregas de aeronaves ao longo do ano”, declara a companhia em nota.
Devido às restrições de diversos países às viagens de avião — como o próprio Brasil, que limitou o tráfego aéreo nacional a 170 voos diários —, a grande maioria das companhias aéreas vive dias de penúria. Por aqui, uma intermediária de grande porte que atua entre as agências de turismo e as empresas de aviação, a Brementur, conseguiu na Justiça barrar a cobrança de 40 000 bilhetes. Os voos foram cancelados, mas, com recursos cada vez mais escassos, as companhias aéreas tentaram cobrar das agências os valores para manter o fluxo de caixa. O bom senso prevaleceu, mas custará caro às transportadoras. Diferentemente do que ocorre com outros segmentos, o setor de aviação sofre há anos com um mercado mal ajustado. Regulamentação excessiva e custos crescentes, muitos em dólar, estabeleceram desafios difíceis de ser superados. A grave situação da Boeing, aliada ao cataclismo do coronavírus, abalou um mercado frágil — a organização australiana Center for Aviation prevê que boa parte das companhias do ramo poderá falir até maio se não tiver suporte dos governos. Ao mesmo tempo, a aviação comercial é um dos setores essenciais para a retomada da economia pós-crise. Tomara que essas empresas saiam do chão para que a economia decole no cenário pós-pandemia.
Publicado em VEJA, edição nº 2681
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