segunda-feira, 20 de abril de 2020

Bolsonaro corrói instituições um pouco por dia todo dia


A Justiça, nas democracias, tem como parâmetro a Constituição votada livremente. É ela que, para o estado de direito, reflete a vontade do povo, não as maiorias ou os barulhentos de ocasião - Foto: Pedro Augusto Pinho

Prestem atenção a uma questão relevante. A cada dia, o presidente Jair Bolsonaro avança um pouco com sua retórica golpista. Não é segredo para nenhum jurista que, mais uma vez, neste domingo, o presidente cometeu crime de responsabilidade. Para ficar nos temos do Artigo 4º, seus atos atentaram "contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra":

II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV - A segurança interna do país:
VIII - O cumprimento das decisões judiciárias"

Esse Artigo 4º da Lei 1.079, que é de 1950, está praticamente repetido no Artigo 85 da Constituição de 1988. E depois há a especificação da conduta, vejam lá. É claro que é crime de responsabilidade. 

Mas não só. Também estamos diante de crime comum. O presidente afronta o Artigo 268 do Código Penal, entre outros, e vários artigo da Lei 7.170, de segurança nacional, que foi recepcionada pela Constituição de 1988, em especial o 17, o 18, o 22 e o 23. 

Entes e personalidades, inclusive do Supremo, se manifestaram em defesa da democracia neste domingo. Fazem bem, claro! Mas eis que descobrimos um sistema que se mostra, sim, poroso ao chorume do golpismo.

Seis partidos entraram com notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo por quatro crimes tipificados em artigos do Código Penal: 132: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente; 268: Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa; 286: incitação ao crime; 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Sim, cometeu todos esses crimes comuns, além daqueles outros que remetem à Lei de Segurança Nacional. Marco Aurélio encaminhou o pedido para parecer da Procuradoria Geral da República. Augusto Aras, o titular da PGR, disse não ver nada de exorbitante nos atos e falas do presidente e recomendou o arquivamento. É evidente que Marco Aurélio não iria além e não determinaria a abertura de inquérito sem o endosso do procurador-geral. E assim fará Aras enquanto puder: vai se omitir.

Os crimes de responsabilidade, vejam post abaixo, tem de seguir outro caminho, a partir de denúncia oferecida à Câmara dos Deputados. De qualquer modo, convenham, anda a faltar uma articulação mais clara evidenciando que as ações de Bolsonaro violam a ordem legal e a ordem Constitucional.

Uma coisa é certa: a democracia está sendo corroída um pouco por dia. Se não houver manifestações inequívocas de repúdio à cantilena golpista que resultem em ações legais, passaremos por momentos muito difíceis. Custa a crer que militares preparados da cúpula das Três Forças se deixem seduzir por golpismo de quinta categoria — notando sempre que inexistem o golpismo de padrão mais elevado. Mas, como diz o povo, em rio que já teve piranha, cumpre que jacaré nade de costas, não é? 

O absurdo às vezes acontece. Depois acaba se desfazendo. Mas é inevitável fazer a pergunta: a que custo?

Por Reinaldo Azevedo

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