sábado, 29 de fevereiro de 2020

Demétrio Magnoli – O Povo e o Exército


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Engana-se quem interpretou a militarização do núcleo político do governo como sinal de marginalização dos extremistas do bolsonaro-olavismo. Depois de recolher suas bravatas vazias contra a ditadura de Maduro, Jair Bolsonaro inspira-se no chavismo para ensaiar uma ruptura institucional. “O Povo e o Exército” —a fórmula chavista orienta os dois motins paralelos estimulados pelo presidente contra a democracia. A estratégia avança à sombra do temor dos líderes parlamentares e dos comandantes militares, que se curvam diante do espectro disforme das redes sociais.

O motim da PM do Ceará distingue-se de tantos tumultos policiais anteriores porque brotou no terreno da política, apenas tomando carona em reivindicações corporativas. Há meses, as redes virtuais olavistas operam nos quartéis das PMs. Um vereador-sargento de Sobral ligado às hostes de Bolsonaro insuflou os amotinados. O clã presidencial mal esconde seu apoio à baderna.

A letra da lei não assusta os arruaceiros que copiam os métodos das facções. Quando Cid Gomes avançou, irresponsavelmente, com uma escavadeira, exprimia uma justa indignação. Aceitaremos, de braços cruzados, a transmutação da PM em milícia politizada? Sim, claro, respondeu Sergio Moro: “o governo federal veio para serenar os ânimos, não para acirrar”.

No lugar de cercar os quartéis invadidos, cortar luz e água, exigir a rendição dos amotinados, as forças federais limitaram-se a substituir a polícia no patrulhamento das ruas, oferecendo aos bandidos em uniforme um tempo extra para o exercício da chantagem. “Serenar os ânimos”: o governo estadual, desarmado, deve enfrentar sozinho os milicianos armados. A novela ruma às conclusões previsíveis: negociação e, lá adiante, anistia. O crime compensa.

O 15 de março nasceu da divisão no entorno militar de Bolsonaro. A adesão de Augusto Heleno ao extremismo abriu caminho para a convocação de marchas contra o Congresso, que têm o respaldo explícito do presidente. Não se trata, ainda, de consumar a ruptura, mas de testar a espinha dorsal das instituições democráticas. A meta é acuar, intimidar. Os alvos explícitos são os parlamentares e o STF. Mas, paralelamente, investe-se na agitação da oficialidade: o Povo e o Exército.

As declarações evasivas de Hamilton Mourão evidenciam uma rendição. Protestos contra o Congresso certamente “fazem parte da democracia”, mas não uma convocação a eles oriunda do chefe do Executivo. Os paralelos apropriados são com a “marcha sobre Roma” de Mussolini ou os cercos à Assembleia Nacional promovidos por Maduro. Celso de Mello foi ao ponto quando disse que Bolsonaro “desconhece o valor da ordem constitucional” e, portanto, “não está à altura do cargo que exerce”.

No início, o cordão de generais do Planalto definia limites à retórica presidencial. Desde a demissão de Santos Cruz e o bombardeio virtual contra Mourão, os homens estrelados baixaram a cabeça. Como no caso das PMs, as redes extremistas engajam-se na cooptação de oficiais da ativa de escalão intermediário, ameaçando a disciplina militar. Santos Cruz tem razão ao alertar para o risco de “confundir o Exército com assuntos temporários de governo, partidos políticos e pessoas”.

Bolsonaro imagina que é capaz de mobilizar incontáveis milhões pois enxerga nas suas redes sociais a imagem do Povo. Os líderes do Congresso e os comandos das Forças Armadas compartilham a ilusão presidencial. Daí, o temor geral de pronunciar a palavra “Basta!”.

Os chefes militares renunciam a prestar continência à Constituição e repelir a politização dos quartéis. Os políticos vacilam diante do imperativo de deflagrar um processo de impeachment. A opção pelo apaziguamento encorajará os extremistas a avançar mais um passo, testando uma nova fronteira. Às vezes, as democracias morrem de uma enfermidade chamada medo.

Marco Antonio Villa - Estagnação e a sucessão presidencial



O cenário construído na passagem do ano já se desfez. Tanto no campo político, como no campo econômico. Foi criado artificialmente um quadro de bonança econômica. Dava a impressão de que o mundo inteiro estava interessando em investir no Brasil. Mas já era evidente o distanciamento do discurso em relação à realidade econômica. Os dados da balança comercial de 2019 eram preocupantes. Mesmo mantendo superávit, o valor foi o menor desde 2015. E o mês de janeiro apresentou déficit, o primeiro desde fevereiro de 2015. Diversamente de janeiro de 2019, quando o saldo da balança foi de pouco mais de US$ 1,6 bilhão. A retirada de capital estrangeiro da bolsa é outro dado preocupante. No ano passado foram embora R$ 44,5 bilhões.

Mas, para piorar, só no último mês de janeiro e início de fevereiro, a fuga foi de R$ 23 bilhões. Caso se mantenha esta tendência, não vai causar admiração no primeiro semestre seja atingido o total do ano anterior. O dólar atingiu em fevereiro a maior cotação da história e o real foi a moeda que mais se desvalorizou neste ano, comparativamente com outras aqui da América Latina.

Assim, o crescimento do PIB para 2020 estará muito distante da meta inicial. O “mercado” e as autoridades do ministério da Economia propalavam aos quatro ventos que o Brasil cresceria 2,5%. Nada indica que vá ocorrer. Não custa recordar que no ano passado a estimativa inicial era de até 2,5%. Ao longo dos meses as projeções foram caindo. Hoje, pois, o dado final ainda não foi divulgado, espera-se uma taxa inferior a 1%, menos da metade da estimada em janeiro de 2019. E consultorias já, ainda em fevereiro, estão refazendo os cálculos para este ano. Algumas falam em 2%.

O curioso é que nenhum consultor fica sequer ruborizado. Os erros abissais são sistemáticos. A explosão do crescimento econômico iria só aumentar em 2021 e 2022. Desta forma estaria viabilizada uma reeleição tranquila de Jair Bolsonaro. Bastaria ao presidente melhorar a articulação política com o Congresso Nacional, ampliar a base de sustentação nas duas casas e aguardar o voto popular. Isto porque, naturalmente, os políticos iriam buscar o guarda chuva eleitoral do bolsonarismo em busca da popularidade e dos êxitos da sua gestão presidencial. Não foi nem necessário esperar o Carnaval chegar para que tudo isso ruísse – e antes da quarta-feira de Cinzas. A tendência é justamente oposta à desenhada pelas Polianas de plantão.

E quem diz que o rei está nu é chamado de “impatriótico.”

Planalto vira puxadinho das redes sociais do capitão


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Há dois Bolsonaros na praça. O primeiro personifica a nova política, combate as notícias falsas e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O segundo é muito parecido com o outro, só que mente um pouco. 

Na sua penúltima transmissão ao vivo pela internet, na noite de quinta-feira, o presidente mentiu sobre os vídeos que trombeteou dias atrás pelo WhatsApp para colocar o asfalto contra o Congresso. Ele disse que os vídeos que divulgou referiam-se a uma convocação de 2015. 

O problema é que as peças exibem a facada da campanha de 2018 e a posse de 1º de janeiro de 2019. 

Bolsonaro intercalou durante a transmissão uma irritação ensaiada com a imprensa e uma certa hipocrisia assumida. Coisa de quem sabe que seu enredo, embora não sobreviva a um detector de mentiras, agrada aos devotos que ainda o idolatram a ponto de chamá-lo de mito e integrar a milícia bolsonarista que percorre a internet disposta a tudo, inclusive a atacar com a munição falsa jornalistas que publicam verdades, como Vera Magalhães fez no caso dos vídeos em questão.

O presidente dispõe de porta-voz apenas no papel. Ele preside o país enfeitiçado pela ideia de manter, durante todo o mandato, a mesma comunicação direta que o conectou com seus eleitores. Bolsonaro transformou o Planalto num puxadinho de suas redes sociais. Macaqueia Donald Trump, que fez o mesmo com a Casa Branca. 

Nenhum problema em empurrar a comunicação oficial do presidente para a plataforma virtual. Mas isso não dá a Bolsonaro o direito de agir como um blogueirinho irresponsável, que imagina dispor de salvo-conduto para mentir.

Pesquisa divulgada pelo Datafolha em dezembro revelou que a maioria do eleitorado (80%) ouve Bolsonaro com a pulga atrás da orelha —43% nunca confiam naquilo que o presidente declara, 37% confiam só de vez em quando.

Apenas uma minoria (19%) confia integralmente no que Bolsonaro diz. Ou seja: o presidente acha que é uma coisa e vai se tornando outra coisa bem distinta. Bolsonaro talvez devesse observar pelo menos um velho ensinamento da política: jamais diga uma mentira que não possa provar.

Por Josias de Souza

Por que interessa a Bolsonaro dividir o Brasil?



Os romanos diziam: post festum, pestum, ou seja, depois da festa, a realidade, traduzindo-se livremente. E a realidade política brasileira, acabada a grande festa de alegria e sensualidade do Carnaval mais famoso do mundo, é a de um país ainda em guerra, dividido, onde não ecoa a palavra reconciliação. É que um Brasil unido e pacificado não interessa, neste momento, aos planos do presidente Jair Bolsonaro, que alimenta suas hostes com ataques contínuos a tudo e a todos os que não comungam das suas loucuras e das suas ideias, baseadas na confrontação ao invés da união.

Bolsonaro tinha chegado ao poder graças a uma polarização que recordava o infeliz slogan de Lula do “nós contra eles”. O presidente de extrema direita com tintas de nazifascismo tinha encontrado na disputa eleitoral um terreno fértil de crispação nacional que facilitou seu programa de guerra.

Criou assim uma confrontação, não de ideias e programas, e sim de violência, simbolizado em seu gesto clássico de imitar com as mãos o disparo de uma arma e estimular o ódio, açulado por seu guru extremista, o astrólogo e escritor Olavo de Carvalho, que dos Estados Unidos estimula tudo o que levar a uma radicalização da extrema direita, com o programa de “desconstruir o país” e limpá-lo de tudo que possa cheirar a esquerda ou simplesmente a progressismo.

Bolsonaro formou um exército preparado para seus ataques contínuos contra o fantasma dos meios de comunicação e de tudo o que não se submeta a suas fúrias destrutivas. E o Brasil dividido e crispado da luta eleitoral continuou igualmente confrontado, sem a possibilidade de diálogo e sem um presidente que, depois da dura disputa eleitoral, fizesse um apelo à reconciliação. Pelo contrário, manteve viva até agora a mesma polarização das eleições, crispando ainda mais a opinião pública.

Por causa disso perdeu em seguida boa parte daqueles que lhe deram seu voto não por sua causa, e sim para destronar o PT. Ao invés de tentar recuperar sua força inicial com uma aproximação com aqueles a quem havia estigmatizado, foi radicalizando ainda mais suas posições de confrontação, que ainda não sabemos até onde tenta levar, e se a força militar, com a qual se cercou e se blindou, irá ou não segui-lo em suas posições extremistas.

Tudo faz pensar, entretanto, que nem nada nem ninguém fará o presidente abrir mão da tática política de violência verbal e de enfrentamento da sociedade, que corre o perigo de se cristalizar sem esperanças de uma reconciliação nacional, algo que não lhe interessa. Bolsonaro, desde jovem militar, foi sempre um homem de briga, e não de paz. E continua sendo.

Se esses prognósticos forem válidos, e se Bolsonaro estiver convencido que só com uma nação dividida e polarizada poderia manter sua força eleitoral, caberia ao resto das forças políticas criarem um frente comum com todos os que acreditam que o melhor país não é o dividido e enfrentado, e sim o unido sob um projeto de reconstrução democrática onde haja espaço e liberdade para todas as ideias e para todos os credos, sem que nenhum deles seja hegemônico nem inimigo dos outros.

Um país e uma sociedade que não respeitem as diferenças que enriquecem e nutrem a convivência pacífica estará condenado a anos de guerra política, sem saber onde isso poderá desembocar.

Para sua reunificação, o Brasil necessita não de outro caudilho, messias ou pai da pátria que mantenha a polarização, mesmo que seja de sinal contrário ao fascista deste momento, e sim de alguém que o faça colocar todas as suas melhores forças na tarefa de recuperar a difícil unidade de todos os brasileiros, deixando reduzida a uma minoria a força destrutiva que reina hoje no governo do país.

Se Bolsonaro e os seus têm interesse em manter viva a chama da guerra entre irmãos, que é o caldo de cultivo em que se movem, são justamente as outras forças democráticas que continuam apostando na união e na reconciliação que terão de se unir, esquecendo suas diferenças. Essas forças deverão lançar uma mensagem clara à sociedade hoje cindida e com medo de que possam voltar os lúgubres fantasmas do passado: que só é possível viver unidos e em paz respeitando as diferenças, que esse é o único modo de recuperar o entusiasmo e a imagem positiva que este país sempre propagou até agora no exterior e que está perdendo.

Se as forças realmente democráticas, sem perderem suas diferenças, mas unidas em um único projeto que possa entusiasmar a grande maioria dos brasileiros, forem incapazes de devolver as esperanças perdidas e de fazer pensar que não é possível um país unificado, sem medos e sem rancores, o futuro poderia ser ainda mais sombrio do que hoje imaginamos.

Será realmente isso o que deseja de coração a grande maioria deste povo, rico material e humanamente, tão golpeado pela violência e a corrupção, e que além disso está sendo envenenado com a triste política do extermínio e com um estéril niilismo?

A política bolsonarista, que já não é só do presidente, mas também de uma dinastia criada com toda a família, está desfigurando o rosto e o aspecto luminoso e festivo do Brasil, um povo que já nem recorda quando sofreu sua última guerra. Um Brasil que, apesar de ser um continente, com realidades regionais tão marcadas, não abriga hoje tentações separatistas. Um Brasil onde, nos 20 anos em que vivo aqui, nunca ouvi um só brasileiro dizer que gostaria de deixar de sê-lo. Já escutei, por outro lado, muitos estrangeiros enraizados no país há gerações que já se sentem brasileiros de alma e de coração. E dizem isso com orgulho.

Até quando?

Por Juan Arias (jornal El País Brasil)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O dia em que Bolsonaro se derreteu pelo orçamento impositivo e por Eduardo Cunha


O presidente Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro hoje se arvora para conter o mais recente movimento do Congresso em direção ao caixa da União. Trabalha para manter o veto presidencial à proposta que ampliou o escopo do orçamento impositivo.

Mas nem sempre foi assim.

Em 2015, o então deputado Bolsonaro jogou confetes sobre o projeto de criação do orçamento impositivo — um texto bem mais restrito do que o aprovado no ano passado, é verdade.

E não só. Na mesma ocasião, ele rasgou elogios ao agora presidiário Eduardo Cunha, presidente da Câmara àquela altura.

Durante uma entrevista ao programa de Mariana Godoy, na RedeTV, comemorou um entusiasmado Bolsonaro:

— Esse congresso melhorou muito em relação ao passado, em especial graças ao atual presidente (da Câmara), Eduardo Cunha, que aprovou uma proposta de emenda à Constituição que trata do orçamento impositivo. Ou seja, o governo não chantageia mais[...] Agora, acabou.


Por Lauro Jardim em O Globo

Nelson Motta - Meu amigo liberal está perplexo


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Prometi a mim mesmo que daria um tempo sem falar nele e suas sandices, para não engrossar a repercussão: ele vive disso. Se ele pode dar uma banana para os jornalistas, também podemos dar outra para ele. Não, eu não vou falar nele. Mas tenho um amigo que só pensa naquilo. Nele. E me mandou alguns pensamentos:

Nelson Rodrigues tinha uma curiosa definição para um tipo de machão grosseiro e estúpido, mas mesmo assim vaidoso e cheio de si: “Era um centauro metade cavalo — e a outra também.” Não por acaso, o apelido do capitão no Exército era “Cavalão”, e não só pelo porte equino, mas por seu intelecto e personalidade. Apelido é destino.

Às vezes o cara parece burro e totalmente irresponsável, às vezes parece calculista e dissimulado. Meu amigo está preocupado: se na sequência da manifestação pró-Bolsonaro se seguirem manifestações contra ele não poderia haver melhor pretexto para uma repressão violenta. “Isso aqui não é Chile não, tá ok? ”

Os devotos dizem que ele é apoiado por 57 milhões de brasileiros, como se a eleição tivesse sido ontem. Na real, em todas as pesquisas, ele é apoiado por um terço da população, enquanto um terço, e não só a esquerda, o detesta. São esses 33% de centro, ou arrependidos, ou decepcionados ou enganados, o fiel da balança. O frágil equilíbrio.

Também o preocupa a militarização no Planalto. No caso de um golpe militar, que talvez o capitão pense que poderá dar “se necessário”, com o apoio das lideranças militares, boa parte do governo já está formada, e fardada. Um modelo, quem diria, de Hugo Chávez.

Meu amigo está perplexo. Não entende como um cristão, um crente, um devoto de Cristo, pode ter tanto desprezo pelo próximo, ser tão ímpio e vingativo, usar uma linguagem tão violenta e pornográfica. Uma estranha forma de seguir as leis de Deus e os ensinamentos de Jesus Cristo. Ou talvez ele imagine que Jesus, além de o salvar da facada, está ao seu lado contra seus inimigos, que, na sua paranoia, são todos que não concordam com ele.

Pronto. Não falei.

Bolsonaro faz ameaça indireta aos governadores. E desconhece lei sobre GLO


Frame de vídeo de "live" em que o presidente Bolsonaro, ignorando a lei sobre LGO, acaba por fazer um misto de ameaça e chantagem contra todos os governadores - Reprodução de Youtube

Na "live" desta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou deixar a população do Ceará — na verdade, de todo o Brasil — à mercê de bandidos com ou sem farda. Só que, desta feita, à diferença do impeachment, não é preciso contar com dois terços do Congresso para conter as suas tentações de tirano de folhetim. Explico tudo.

Bolsonaro afirmou, por palavras oblíquas, que ou os governadores e os parlamentares cedem à sua proposta de excludente de ilicitude para militares envolvidos em operações de Garantia da Lei e da Ordem, ou ele tende a não autorizar mais ações dessa natureza. Referiu-se explicitamente ao caso do Ceará. Para lembrar: excludente de ilicitude é sinônimo de licença para matar sem ter de responder pelo ato, seja criminoso ou não. 

Mas eu tenho uma surpresa para o ilustríssimo presidente da República. Mais uma vez, ele manifesta soberba ignorância sobre o que dispõe a lei. As operações de Garantia da Lei e da Ordem são disciplinadas pela Lei Complementar 97. É compreensível que ele não conheça o texto sancionado em 1999 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquele ano, estava ocupado demais defendendo o fuzilamento de FHC e de outros 30 mil brasileiros, o fechamento do Congresso e um golpe. Chegou à Presidência. Vinte anos depois, lá está o fanfarrão a apoiar manifestações em favor do fechamento do Congresso e do Supremo. Voltemos à "live".

Depois de pregar a licença para matar, o presidente tratou especificamente da situação do Ceará. Disse:
"Apelo ao governador do Ceará, o sr. Camilo [Santana], que entrou em contato conosco, pediu GLO, foi atendido por oito dias, que resolva esse problema que é do seu Estado. Isso é melhor para todo mundo. Negocie com a sua Polícia Militar, e chegue a bom termo essa questão. Estamos torcendo para isso porque a GLO minha não é 'ad aeternum'. No passado era, com outros presidentes. Comigo, não é. Então a gente espera que o governador, que tem a sua responsabilidade, que, pelo que a gente está sabendo, está buscando solução, mas que se empenhe o máximo possível para buscar uma solução para esse caso, de modo que os policiais possam voltar a cumprir o seu trabalho normalmente aí no Estado".

MAIS OITO DIAS
Uma informação antes que continue: este blog apurou que Bolsonaro pretende prorrogar a permanência dos militares no Ceará -- o decreto vence nesta sexta -- por mais oito dias apenas, com ou sem o fim da greve dos policiais militares. Dizer o quê? A ameaça é moralmente criminosa, além de ilegal.

Alguém que passou a vida a defender fuzilamentos, tortura e golpes não tem nem mesmo paciência para se informar sobre o arcabouço legal do país. Havendo alguém juridicamente alfabetizado no entorno do presidente, convém que leia para o chefe o que dispõe o Parágrafo 1º do Artigo 15 da Lei Complementar 97. 

Reproduzo:
"§ 1º Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados."

Não será difícil evidenciar na Justiça que ao presidente, de fato, compete "a decisão do emprego", entendendo-se por isso a autorização expressa para a atuação das Forças Armadas em operações de GLO. Mas ele não pode, soberanamente, descartar o seu emprego se houver um pedido dos respectivos presidentes do STF, do Senado ou da Câmara.

Se, passados mais oito dias a partir desta sexta, permanecer a greve da PM e se Bolsonaro decidir mesmo não renovar o decreto, a questão será certamente judicializada. E o embate se dará, de novo, com as duas Casas do Congresso e com o Supremo. O presidente faz política vagabunda sobre cadáveres.

Não há dois terços do Congresso para impichar, mas há o que fazer


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O presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade na sua mais recente investida contra o Congresso e o Supremo? Segundo a Lei 1.079, que também pune as tentativas, nada menos de nove. Antes de concluir o terceiro mês de mandato, já havia outros quatro no currículo. Impeachment nele?

Não agora. Inexiste o mínimo de 342 deputados para levá-lo a julgamento no Senado. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mandaria a petição para o lixo. Nem precisaria discordar de seus termos para fazê-lo. Seria um erro político, tendente a fortalecer o fanfarrão truculento, admitir uma denúncia que morreria já na Comissão Especial.

É tempo de acumulação de forças no terreno democrático para conter a fascistização do governo e da política. Às armas, cidadãos! Comece-se por convocar o general Augusto Heleno. O seu “foda-se” — perdão pelo decoro, ministro — para o Congresso quer dizer o quê? Incitar as ruas contra os Poderes Constituídos atende a que propósito? Um Parlamento que não o obrigue a sentar na cadeira das explicações está condenado. 

Mais: as lideranças da Câmara e do Senado comprometidas com a institucionalidade têm de ficar atentas ao comportamento de figuras exóticas que hoje integram as suas fileiras. Aqueles que, em nome da liberdade e da imunidade, marcharem contra as próprias Casas que os abrigam têm de ser denunciados ao Conselho de Ética por quebra do decoro e cassados. 

Já escrevi centenas de vezes, desde quando o PT no poder parecia mais eterno do que o bacalhau que pesa sobre os ombros do rapaz do rótulo da Emulsão Scott: o regime em que tudo pode é a tirania — ao menos para o tirano e seus amigos. A democracia conta com leis, normas, códigos de conduta. Os que se organizam para fraudar as regras têm de ser expulsos do jogo. 

Acumulação de forças em defesa da ordem democrática! É preciso começar a desmontar desde já a delicada equação que nos trouxe até aqui. Não será fácil. 

Cinquenta e quatro anos depois do golpe de 1964, os fardados resolveram se meter outra vez em uma aventura cívico-militar para “salvar o Brasil”. Deu errado antes; dará errado agora. Lugar de fardado é no quartel ou no campo de batalha. Quando na ativa, só para lembrar, Bolsonaro queria explodir algumas bombas nos primeiros. Só entrou em guerra contra a lógica, o bom senso e a língua portuguesa. 

Antes por meio do golpe, agora das eleições, o mau propósito dos fardados é o mesmo: colonizar o Estado na certeza de que civis são seres naturalmente degenerados, que se entregam a apetites vários que não o amor à pátria. 

O desengano, talvez má-fé, pode ser assim sintetizado: ainda na transição para a democracia, Bolsonaro foi posto para fora do Exército porque revelara tentações terroristas. Na democracia, os quatro-estrelas resolveram submeter-se ao comando político do ex-filoterrorista que, como se vê, não aprendeu nada nem esqueceu algumas porcarias que julgava saber. 

Pós-ditadura, os militares haviam recuperado a sua reputação e competência específica, inclusive com o dinheiro vasto que lhes garantiu o hoje demonizado Luiz Inácio Lula da Silva. Têm de começar desde já a organizar a saída, antes que afundem junto com os delírios de um lunático. 

Mais uma tarefa para os articuladores do Congresso: além convocar os boquirrotos do Executivo e cassar os sabotadores “enratizados” em suas próprias fileiras, é preciso dialogar com a cúpula das Forças Armadas para dar início à descolonização do Estado. 

Encerro a coluna comentando a performance de Sergio Moro, o verdadeiro líder da extrema-direita brasileira, a desfilar sobre um tanque em Brasília. O Mussolini de Maringá o fazia um dia depois de seu chefe (por enquanto...) endossar a convocação para um ato que prega que militares emparedem o Congresso e o Supremo. 

Como observador da cena, fico satisfeito por jamais ter caído na lábia do tabaréu assoberbado em demiurgo. Como indivíduo, lamento. Até na imprensa há quem sinta, vendo aquela cena, certo desconforto nos joelhos. São calos decorrentes do vício da genuflexão.

Às armas, cidadãos! As da inteligência.

Bolsonaro blefa pela segunda vez em menos de um ano


LENHA NA FOGUEIRA -  Bolsonaro: pelas redes sociais, ele compartilhou um vídeo convocando protesto contra o Parlamento @depheliolopes/Instagram

O carnaval pode ter passado, mas o ano político só começará de verdade depois das manifestações marcadas para o próximo dia 15 contra o Congresso e a Justiça. Convocadas por movimentos conservadores e patriotas, elas foram endossadas pelo presidente Jair Bolsonaro que, ora, confirma seu apoio, ora desconversa.

Não foi assim de outras vezes? Por que não seria desta? Pode parecer que não, mas Bolsonaro é bastante previsível nos seus movimentos, por mais que eles ainda causem espanto aos que não se acostumaram. Sempre que se vê acuado por uma conjuntura desfavorável, tenta jogar seus devotos contra os demais Poderes.

No dia 17 de maio do ano passado, depois que estudantes foram às ruas cobrar mais verbas para a Educação, Bolsonaro compartilhou por WhatsApp um texto que dizia que o Brasil, fora dos conchavos, era “ingovernável”. O autor do texto, um analista da Comissão de Valores Imobiliários, isentava Bolsonaro de qualquer culpa.

Culpadas eram as corporações, o Congresso, a Justiça, e quem mais impedia Bolsonaro de governar e de fazer o que prometera. Procurado naquele mesmo dia para comentar o texto, Bolsonaro mandou dizer por meio do seu porta-voz:

“Venho colocando todo meu esforço para governar o Brasil. Infelizmente, os desafios são inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para juntos revertermos essa situação”.

Seus devotos entenderam o recado. No domingo dia 26 do mesmo mês, aos milhares, ocuparam as ruas de mais de 50 cidades do país e desancaram o Congresso, a Justiça e os demais desafetos do presidente aos gritos de apoio ao “Mito”. As manifestações foram menores do que as promovidas pelos estudantes. E daí?

Em retrospecto, as dos estudantes obrigaram o governo a liberar verbas contingenciadas para a Educação. As dos bolsonaristas, para acirrar a disputa do “eles contra nós” em contraposição ao “nós contra eles” estimulado pelo PT quando governava. A reforma da Previdência só foi aprovada no final de outubro.

Sem nenhuma originalidade, pois, no rastro do miliciano morto na Bahia que guardava segredos, de uma economia que se arrasta a passos de cágado e de um parlamentarismo informal que cresce por culpa exclusiva de um governo ineficiente, Bolsonaro volta a apelar para uma fórmula que não deu certo a menos de um ano.

Pouco se lhe dá se o resultado desta vez será igual, melhor ou pior do que da vez anterior. Comporta-se como um intruso que conseguiu meter-se na mesa de jogadores profissionais do carteado. Desconhece as regras do jogo porque nunca quis aprendê-las. Então blefa a espera que o blefe dê certo pelo menos uma vez.

Seu isolamento é crescente a ponto de ele preferir cercar-se de ex-companheiros de farda. Não tem um plano para governar, nunca teve. Jamais imaginou que se elegeria presidente. Lançou-se candidato só para ajudar os filhos em suas carreiras. Na noite da sua vitória, chorou perplexo diante do que estava por vir.

Só chama manifestações de rua o governante que suplica por ajuda.

“O Exército está sendo usado pelo governo Bolsonaro”, diz um coronel


O presidente Jair Bolsonaro participa da solenidade de posse do novo comandante do Exército. O atual comandante, o general Eduardo Villas Boas passa o comando ao general Edson Leal Pujol, em cerimônia realizada no Clube do Exército, em Brasília - 11/01/2019 Pedro Ladeira/Folhapress

Há duas semanas, quando o presidente Jair Bolsonaro nomeou dois militares para dar expediente no Palácio do Planalto – o general Walter Braga Neto, como ministro da Casa Civil, e o almirante Flávio Rocha, como chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) –, um coronel do Exército lamentou, em vez de comemorar. “Os escolhidos são qualificados para as funções, mas estou preocupado. O Exército Brasileiro está sendo usado. Melhor dizendo, as Forças Armadas estão”, disse o militar.

Segundo o coronel, que falou na condição de anonimato, o governo acertou ao realizar duas mudanças junto com as nomeações: subordinou a SAE diretamente à presidência da República e colocou a Assessoria Especial sob tutela da SAE. A Assessoria Especial é comandada por Filipe Martins, um dos expoentes do grupo radical de seguidores do escritor Olavo de Carvalho, e que tem grande ascensão por ser também ligado aos filhos do presidente Carlos e Eduardo. Martins é o conselheiro do presidente para assuntos internacionais, mas, por causa de sua teia de relações com blogueiros e youtubers conservadores e de extrema direita, passou a ser chamado de chefe do Gabinete do Ódio, graças ao trabalho de coordenar as avalanches de ataques a quem consideram inimigos.

Na prática, avalia o coronel, o presidente mandou o almirante Rocha enquadrar o grupo ideológico (talvez por causa da CPI das Fake News, para a qual Martins foi convocado). Eles devem ser deslocados um escalão abaixo, sob comando do secretário-adjunto da SAE. O movimento, apesar de positivo, na avaliação do coronel, vai gerar atritos e turbulência ao redor de Bolsonaro. “Essa turma deve estar muito mal-acostumada com a excessiva liberdade que tiveram no primeiro ano de governo”.

O coronel, que foi eleitor do presidente e acompanha o governo desde o início, relata que se desiludiu com o líder político por vários motivos. “Jair Bolsonaro não cumpriu parte do que tanto prometeu, de combater firmemente o crime organizado. Ele esvaziou Moro, esvaziou tudo o que conseguiu até agora para poupar o filho (Flávio Bolsonaro, investigado por corrupção por rachadinha) com seus interesses velados. O jogo legalizado vem aí, com os cassinos. As negociações avançam nos três poderes”, desabafou.

Nessa quarta-feira, 26, depois da repercussão dos vídeos que chamam a população a manifestações em 15 de março, o coronel estava ainda mais preocupado (os vídeos atacam o Congresso e usam imagens de generais, incluindo a do vice-presidente Hamilton Mourão e do ministro Augusto Heleno). Segundo ele, Jair Bolsonaro está aproveitando a eficiência e a seriedade das Forças Armadas para seus planos de poder.

“Quem imaginou que a presença de militares ao seu redor conferiria temperança e eficiência a seu governo, enganou-se. Uma personalidade como a de Bolsonaro não pode ser tutelada, muito menos por um grupo de generais com pouca experiência política. Tentar pôr um cabresto no presidente da República seria um risco perigoso, e caro. Qualquer lambança nessa operação pode colocar a perder décadas de sobriedade e prudência de nossa instituição.” Foi um desabafo, mas mostra que as Forças Armadas não são um monólito apoiador do governo.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Governo Doria faz repasse para comunidades terapêuticas no Vale



O governo João Doria (PSDB) autorizou nesta quinta-feira (27) o repasse de R$ 25,9 milhões para as 66 comunidades terapêuticas do Programa Recomeço: Uma Vida Sem Drogas. O Vale do Paraíba deve integrar as regiões que recebem a verba.

De acordo com o Estado, o dinheiro será usado em ampliação da rede de atendimento e capacitação e profissionalização de equipes técnicas de intervenção.

"Haverá aumento de 14% das vagas para atendimento a mulheres e investimento em tecnologia, melhorando o sistema de avaliação e monitoramento das comunidades", diz nota.

Além do Vale, a verba será repassada para as regiões de Araçatuba, Bauru, Campinas, Central, Franca, Itapeva, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santos, São José do Rio Preto, Sorocaba e Grande São Paulo.

O Recomeço é o programa estadual de políticas sobre drogas, com ações intersetoriais e atendimento a famílias e indivíduos com problemas decorrentes do uso de drogas. As avaliações para acolhimento são feitas pelo SUS e atendem pacientes com solicitação voluntária, maiores de 18 anos, clinicamente estabilizados e com quadro psiquiátrico não agudo.

Bolsonaro, outra vez, atira no Congresso pelas costas



Seria tentador escrever que o presidente Jair Bolsonaro atravessa o momento mais difícil do seu (des)governo desde que ele começou em janeiro do ano passado, mas não seria certo. Houve outros momentos tão difíceis quanto este. E haverá outros certamente até que seu mandato chegue ao fim.

O fim oficial está marcado para 31 de dezembro de 2022. Mas não se descarte que ele possa chegar antes por obra do imprevisível ou dos sucessivos erros que nublam o futuro próximo. Quando nada, é bom que se diga, os militares tentarão sustentá-lo no cargo por até dois anos pelo menos.

Se despencasse antes disso haveria eleição direta para presidente como manda a Constituição. Se despencasse depois, assumiria o vice, o general Hamilton Mourão, para completar o mandato. A depender de Bolsonaro, ele governará quatro anos e mais quatro. Já imaginou se for assim?

A mais recente crise deflagrada por Bolsonaro dificilmente resultará em algo maior do que uma crise, a dissipar-se quando uma nova entrar em cena. Dizia-se que ele poderia ir ao chão caso a investigação sobre a morte do miliciano Adriano da Nóbrega acabasse batendo à sua porta, e a da sua família.

Sobreveio à ameaça por nome de Adriano a crise detonada pelo general Augusto Heleno que acusou o Congresso de chantagem e foi gravado dizendo “Foda-se”. No rastro da explosão de cólera do general, destinada a ser abafada pela passagem do carnaval, Bolsonaro deu um jeito de produzir mais estragos.

Ou é um louco, ou um inconsequente, ou gosta de viver perigosamente como o paraquedista que foi um dia. Heleno explodiu depois de um acordo firmado com o Congresso pelos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria do Governo, em torno de verbas do Orçamento.

No passado, as emendas dos parlamentares ao Orçamento da União poderiam ou não ser cumpridas. Elas reservam dinheiro para obras nos redutos eleitorais de deputados e senadores. E serviam como instrumento de chantagem do governo. Quem votasse como ele mandava tinha sua emenda liberada.

A liberação obrigatória do previsto nas emendas avançou em março do ano passado e foi saudada com entusiasmo pelo deputado Eduardo Bolsonaro, à época líder do PSL, em discurso na Câmara. Mais tarde, em mensagem postada em sua conta no Twitter, ele escreveu:

“Nunca foi pauta do governo Bolsonaro fazer o Legislativo de refém através de emendas orçamentárias. Quando deputado, @jairbolsonaro apoiou a PEC do orçamento impositivo. Mantemos a coerência. Vitória do Legislativo e da independência entre os poderes”.

Quer dizer: o que Guedes e Ramos acertaram, este ano, com o Congresso, fora desenhado em março de 2019 e celebrado por Eduardo em nome do seu pai. A explosão de cólera do general Heleno obrigou Ramos, seu colega de farda, a vir a público dizer que tudo havia sido combinado previamente com o governo.

E então? Por que Heleno bateu com o pau na mesa? Por que Bolsonaro que, na hora, até tentou contê-lo, vestiu o paraquedas para saltar atrás das linhas inimigas, atirando no Congresso pelas costas? Ganha um fim de semana com tudo pago no eco-Resort de Rio Das Pedras quem adivinhar a resposta.

Por Ricardo Noblat

Doria cria centro de contingência em SP contra propagação do coronavírus



O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), decidiu criar um centro de contingência para monitorar e coordenar as ações contra a propagação do coronavírus em São Paulo. A medida ocorre após a confirmação oficial do primeiro caso de infecção no Brasil.

Doria escalou o infectologista David Uip para presidir o centro, que também terá profissionais do Instituto Butantan, médicos especialistas da área e contará com a supervisão do secretário estadual de Saúde, José Henrique German.

O paciente infectado, que não teve sua identidade divulgada, passou por observação no hospital Albert Einstein, na zona sul da capital paulista, mas foi enviado para casa, onde ficará em isolamento pelos próximos catorze dias. De acordo com o Ministério da Saúde, ele apresentava os sintomas da doença – tosse seca, febre, dor de garganta e coriza –, mas passa bem e tem “sinais brandos”.

O exame específico para SARS-CoV2, preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), feito no paciente já havia dado positivo. Para seguir o protocolo internacional, porém, foi necessária uma contraprova feita pelo Instituto Adolfo Lutz, cujo resultado também deu positivo, segundo apurou VEJA.

Em nota, o Hospital Albert Einstein afirma que a equipe médica continuará monitorando o estado de saúde do paciente, assim como o das pessoas que tiveram contato próximo com ele.

Segundo o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando toda a lista de passageiros do voo que trouxe o homem para São Paulo, e as secretarias estaduais de Saúde serão informadas sobre o destino final de cada viajante. Se um passageiro que estava no mesmo voo tiver feito apenas conexão em São Paulo, outros estados também serão avisados para entrar em alerta e adotar medidas sanitárias.

Na Veja.com

Bolsonaro cria crise e bolsonarismo ataca jornalista


TV Cultura

Quando se está numa roda de conversa em Brasília e alguém menciona a penúltima crise criada por Jair Bolsonaro, é inútil mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de crise.

Bolsonaro atingiu a autossuficiência na fabricação de discórdia. Ele mesmo projeta a crise, ele mesmo fornece material para as manchetes, ele mesmo esgrime a tese de mal-entendido, ele mesmo culpa a imprensa.

Na crise atual, o presidente atiçou a sua milícia digital para transferir suas culpas para a repórter Vera Magalhães. Foi ela quem divulgou pela primeira vez, no Estadão, a notícia de que o presidente compartilhara vídeo convocando o asfalto para roncar num ato anti-Congresso em 15 de março.

"O que leva parte da imprensa a mentir, deturpar, caluniar... enfim, atentar contra o Brasil 24 horas por dia?", indagou Bolsonaro nas redes sociais. "Abstinência de verba ou medo da verdade?" 

Horas antes, o presidente admitira ter transmitido o vídeo via WhatsApp, em "caráter pessoal". Como de hábito, Bolsonaro fez pose de vítima escorando-se na Bíblia. 

O presidente evocou uma passagem do livro do profeta Jeremias (1:19): "E pelejarão contra ti, mas não prevalecerão contra ti, porque eu sou contigo, para te livrar, diz o Senhor." 

Ao cinismo de Bolsonaro adicionou-se uma tentativa de linchamento virtual. A repórter foi hostilizada pelo bolsonarismo nas redes sociais de forma implacável. A cruzada envolveu da divulgação de dados pessoais à criação de um perfil falso em uma rede social.

Vera não se deu por achada. Levou às redes declaração feita por Bolsonaro em 2018: "Se caísse uma bomba H no Parlamento, pode ter certeza, haveria festa no Brasil." Numa evidência de que quem sai aos seus não endireita, Eduardo Bolsonaro achou que seria uma boa ideia associar-se à artilharia.

Expressando-se num idioma muito parecido com o português, o filho Zero Três de Bolsonaro o anotou o seguinte no Twitter: "Esse é o abismo que separa não o presidente de você, Vera. Mas sim a bolha em que você vive da percepção da população em geral Se houvesse uma bomba H no Congresso você realmente acha que o povo choraria? Ou você só faz isso p TENTAR criar atrito entre o presidente e o Congresso?"

Vera respondeu: "Eu acho que se houver uma bomba H no Congresso, do qual o senhor e seu irmão fazem parte, será um ato terrorista. E se o povo não se preocupar com isso, a democracia acabará. A mesma que o seu pai jurou respeitar. Sim, o senhor está certo: há um abismo a nos separar."

Bolsonaro e sua prole ainda não notaram. Mas a imprensa não é parte da crise, apenas se alimenta dela. Os repórteres levam à gôndola a mercadoria que o presidente fabrica. Se o inquilino do Planalto mudar de ramo, substituindo crises por soluções, os repórteres mudarão de assunto instantaneamente.

Uma das principais características de gente como Bolsonaro é a transferência de responsabilidades. O capitão não se enxerga como um problema. O mundo ao redor é que é o problema dele. 

A aversão de Bolsonaro à imprensa que o imprensa revela que o personagem, beneficiário direto da democracia, não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar e 14 meses de exercício da Presidência noções básicas de civilidade. 

Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada em nome de ideais democráticos, o capitão ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia de fachada, isenta de contraditório. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.

Por Josias de Souza

Bolsonaro veste carapuça do enredo da Mangueira



Jair Bolsonaro criticou a Estação Primeira de Mangueira. A escola carioca retratou na avenida um Jesus contemporâneo, com "rosto negro, sangue índio e corpo de mulher". Batizou o samba-enredo assim: "A Verdade Vos Fará Livre". Uma alusão ao versículo multiuso que o presidente extraiu do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."

Na verdade recriada pela Mangueira, o cristianismo de resultados do capitão —de língua em riste, fazendo arminha com as mãos— não orna com a figura de Cristo. O contrassenso de Jair Messias Bolsonaro foi realçado num dos melhores trechos do samba. Nele, os versos viraram carapuça: "Favela, pega a visão, não tem futuro sem partilha, nem Messias de arma na mão".

Ao vestir o samba, Bolsonaro declarou que a Mangueira passou pela avenida "desacatando as religiões". E a Folha noticiou o fato "para me atingir". Engano. A escola enalteceu a religiosidade. Fez isso para estimular a reflexão dos que ainda não notaram que certos políticos falam de Deus com tal convicção que é como se desejassem provar que Ele não existe. 

Está escrito no livro de Gênesis que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, a Mangueira não fez senão realçar um ensinamento bíblico. Um Jesus à imagem de uma mulher, de um gay, de um índio, de um sem-teto faz mais sentido do que um Messias que defende a proliferação de armas, homenageia miliciano e chama jornalista de homossexual como se condição sexual fosse palavrão.

Por Josias de Souza

Editorial da Folha: É preciso pôr um limite a Bolsonaro. Em nome das instituições!


Bolsonaro resolveu mobilizar as armas contra a democracia. E a tarefa dos democratas é pará-lo - Reprodução

A Folha publica mais um vigoroso editorial em defesa da democracia e do estado de direito. Os Poderes Legislativo e Judiciário precisam se mobilizar para pôr um freio em Jair Bolsonaro. Não se trata de subtrair-lhe prerrogativas que a Constituição lhe garante, mas de impedir que se assoberbe em seu contumaz transgressor.

Segue a íntegra do texto.
*
Deram em nada as expectativas de que o presidente Jair Bolsonaro usaria o feriado para, em benefício do próprio governo, investir na distensão. O mandatário pôs fogo na fervura de movimentos extremistas que planejam manifestar-se no próximo dia 15.

Na tentativa de promover o ato, a escória do bolsonarismo difunde mensagens de ataque e insulto ao Congresso Nacional e de exaltação a oficiais militares, um apelo a sua intervenção. Trata-se de golpismo de extrema-direita, francamente minoritário no país.

Os aloprados foram atiçados pelo ministro Augusto Heleno, que acusou congressistas de chantagem. A imagem do titular da Segurança Institucional, general da reserva, e o vitupério que endereçou ao Parlamento estampam um dos panfletos da manifestação.

Nesta terça (25) soube-se que o presidente da República em pessoa promoveu, em rede de troca de mensagens, conclamações à participação nos protestos. O argumento de que se trata de interações privadas não o exime da responsabilidade a que o cargo o obriga.

A segunda linha de defesa, de que o conteúdo compartilhado se restringe a enaltecer o chefe de Estado e não ofende outros Poderes, tampouco se sustenta. Bolsonaro sabe bem o teor dos atos que sua irresponsabilidade divulgou.

Não por outra razão, o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, referiu-se a crime de responsabilidade ao reagir à nova sandice do governante. A Carta vincula essa infração a atos do presidente que agridam o livre exercício do Poder Legislativo.

Diante das demonstrações reiteradas de desprezo pela institucionalidade e de violações dos requisitos legais de honra, decoro e dignidade para o exercício da Presidência, talvez apenas o medo do impeachment possa deter a perigosa aventura Bolsonaro.

As constantes estocadas contra as balizas do Estado democrático de Direito, seguidas de recuos táticos, não parecem obedecer apenas à necessidade do presidente de desviar a atenção do público de temas para ele espinhosos, como sua proximidade com milicianos ou a inapetência de seu governo em fazer a máquina administrativa funcionar.

Elas constituem também uma forma de testar os limites da tolerância das instituições republicanas a propostas estranhas ao arcabouço constitucional. Da resposta firme e inequívoca às provocações depende a continuidade da marcha civilizatória no Brasil.

Passar a mão na cabeça de quem incentiva e pratica a brutalidade nunca foi método eficaz de defender o regime das liberdades.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Bolsonaro não está à altura do cargo se apoiou ato contra o Congresso, diz Celso de Mello



O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello afirma que a conclamação do presidente Jair Bolsonaro para ato contra a corte e o Congresso, "se confirmada", revela "a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!". 

Decano do tribunal, ele enviou a mensagem por escrito à Folha. No texto, Celso de Mello afirma ainda: "O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República".

Os crimes de responsabilidade são passíveis de pena de perda do cargo –ou seja, de impeachment.

A manifestação do magistrado é uma reação à informação de que Bolsonaro enviou vídeos em grupos de WhatsApp.

Por Mônica Bergamo

Câmara e Senado têm de cassar inimigos do Congresso


Carla Zambelli e seu marido (1), no casamento ocorrido no dia 14 deste mês, ouvem Moro dizer que a parlamentar mereceria uma caveira como distinção. Em 2012 (2), Carla e outras militantes com a camiseta do grupo Femen: em busca de uma causa. Moro e sua "conja" (3) dançam com os noivos "La Vie en Rose" na versão "caveira". Weintraub (4), à esquerda na foto, era um dos presentes. E Édith Piaf (5), coitada!", a espancada da noite - reproduções
Carla Zambelli e seu marido (1), no casamento ocorrido no dia 14 deste mês, ouvem Moro dizer que a parlamentar mereceria uma caveira como distinção. Em 2012 (2), Carla e outras militantes com a camiseta do grupo Femen: em busca de uma causa. Moro e sua "conja" (3) dançam com os noivos "La Vie en Rose" na versão "caveira". Weintraub (4), à esquerda na foto, era um dos presentes. E Édith Piaf (5), coitada!", a espancada da noite

Não há a menor dúvida de que os atos que estão sendo convocados para o dia 15 buscam jogar setores da população contra o Congresso. Mais: nas convocatórias, prega-se abertamente que os militares deponham os respectivos presidentes das duas Casas.

Lembram-se de Carla Zambelli (PSL-SP), aquela deputada que foi saudada por Sergio Moro — ainda queridinho de alguns setores da imprensa que resistem em admitir sua alma golpista — como exemplo de luta em favor do Brasil? Pois é. Já se tornou uma agitadora de primeira hora da causa.

Não está sozinha: anunciaram sua adesão às manifestações fascistoides os deputados Filipe Barros (PSL-PR), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Delegado Éder Mauro (PSD-PA). No Senado, a entusiasta é Soraya Thronicke (PSL-MS).

Trata-se obviamente de um espetáculo arreganhado de quebra do decoro parlamentar.

Lembro alguns dos deveres de um deputado, segundo dispõe o Código de Ética da Câmara:
I - promover a defesa do interesse público e da soberania nacional;
II - respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional;
III - zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo;
IV - exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade;

O mesmo código estabelece ser ato incompatível com o decoro parlamentar:
I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º); 

O mesmo vale, com pequenas alterações de texto, para os senadores.

Sem os dois terços na Câmara e no Senado, não é possível impichar Bolsonaro, que cometeu mais um crime de responsabilidade.

Mas Câmara e Senado podem, sim, tentar se livrar da escória que prega abertamente uma intervenção MILITAR no Poder que, por excelência, representa o povo.

É preciso ter a coragem de varrer o lixo que empesta as próprias Casas.

É o que dispõe a regra do jogo.

Por Reinaldo Azevedo

Bolsonaro comete novo crime de responsabilidade


Jair Bolsonaro contempla Constituição e pensa no imenso amor que devota ao texto - Mauro Pimentel/AFP

Jair Messias Bolsonaro, presidente da República, cometeu mais um crime de responsabilidade. Sim, mais um. Com meros três meses de governo, já tinha uma penca deles em seu currículo, como apontei em coluna na Folha no dia 29 de março do ano passado. Ele viola a Constituição mais uma vez.

Desta feita, o presidente está divulgando vídeos que incitam a população a ir às ruas contra o Congresso no dia 15 de março. Não se trata de uma mera convocação de protesto. Incentivadores da baderna pregam abertamente que os militares fechem a Câmara e o Senado. 

O FATOR HELENO
O "muso" inspirador do atentado à ordem democrática é ninguém menos do que o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete da Segurança Institucional. Foi ele a acusar o Congresso de fazer chantagem e a largar um "foda-se" como divisa da harmonia entre os Poderes. Foi sua a ideia de o presidente apelar diretamente às ruas contra o Poder Legislativo.

O ataque ao Congresso foi feito em conversa com o também general, este da ativa, Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria de Governo e um dos encarregados de dialogar com o Parlamento. O outro interlocutor era Paulo Guedes, ministro da Economia, que já sabe que não tem como entregar o prometido — e, disto ele tem ciência, o Congresso não pode ser responsabilizado pelo baixo crescimento e pelos investimentos acanhados.

A fala de Heleno foi tornada pública porque a turma de Bolsonaro fazia uma transmissão ao vivo de uma cerimônia no Palácio da Alvorada. Quando o seu "foda-se" ecoava pelos Três Poderes, não pensem que o general recuou. Ao contrário: foi o Twitter e criticou o que tem sido chamado de "parlamentarismo branco", como se o Congresso atrapalhasse o governo.

A verdade incontestável, no entanto, é outra. O Parlamento tem sido a solução para os problemas criados pelo próprio Planalto. Se Heleno fosse, na sua pasta, tão responsável como tem sido o Congresso, não estaríamos na iminência de uma crise institucional provocada por boquirrotos e destemperados.

Parece que o general atua hoje para inocular também na cúpula das Forças Armadas o veneno que já se espalha na tropa. Bolsonaro e alguns cretinos que o cercam vendem a ilusão de que uma ditadura militar moralizadora seria não só possível como benéfica. Não acontecerá. Já a desordem se desenha no horizonte. A questão posta, agora, aos outros dois Poderes — Legislativo e Judiciário — é como enfrentá-la.

ARTIGO 85 E LEI 1.079
O Artigo 85 da Constituição é claro:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

A "lei especial" de que fala a Constituição é a 1.079, conhecida como "Lei do Impeachment". Ao passar adiante vídeos convocando manifestação em favor do fechamento do Congresso, o presidente incorre no que dispõe o Artigo 6º da lei, a saber:
São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:
1 - tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras;
3 - violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das Câmaras Municipais;

Bolsonaro também incide no que dispõe o Artigo 7º ao não repreender Heleno por, na prática, promover agitação nos quarteis. Vamos à lei:
Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
5 - servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua;
6 - subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social;
7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina;
8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis.

Finalmente, aponte-se que o presidente também avança no terreno do Artigo 8º:
Art. 8º São crimes contra a segurança interna do país:
1 - tentar mudar por violência a forma de governo da República;
2 - tentar mudar por violência a Constituição Federal ou de algum dos Estados, ou lei da União, de Estado ou Município.

IMPEACHMENT
Motivos não faltam, pois, para apresentar uma denúncia por crime de irresponsabilidade, cujo desdobramento seria o impeachment.

Cumpre, no entanto, não vender ilusões. Uma denúncia por crime de responsabilidade, cuja porta de entrada é a Câmara, só prosperaria para que fosse a julgamento no Senado com o apoio de dois terços dos deputados. Não existe esse número hoje.

Ou por outra: não basta o cometimento do crime de responsabilidade para derrubar um presidente. É preciso ter uma maioria esmagadora no Legislativo em favor da justa deposição para que a coisa prospere, a exemplo do que se viu com Collor e Dilma.

BRAÇOS CRUZADOS?
Isso quer dizer que o Congresso deve ficar de braços cruzados? Claro que não! Se o fizer, será alvo de outros, e maiores, ataques.

Mas há de fazer, então, o quê?

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Bolsonaro é retratado como "assassino do clima" no Carnaval alemão


Carro alegórico em Düsseldorf retrata Bolsonaro como assassino do clima

O presidente Jair Bolsonaro foi tema de carros alegóricos durante os tradicionais desfiles carnavalescos na Alemanha nesta segunda-feira (24/02). A Rosenmontag, "segunda-feira das rosas", é o ponto alto do Carnaval de rua do oeste alemão, famoso por suas sátiras políticas.

Em Düsseldorf, um carro alegórico trouxe um boneco do presidente brasileiro na posição de Cristo Redentor, mas com serras elétricas no lugar dos braços abertos. Nelas, lia-se "assassino do clima" e "Bolsonaro". Em volta do boneco, havia tocos de árvores decepadas e ensaguentadas.

Mas um detalhe da representação causou polêmica nesta segunda-feira. Uma bandeira brasileira estampada no peito de Bolsonaro trazia uma suástica nazista em seu centro.

Carnavalescos responsáveis pelo carro alegórico tiveram que remover o símbolo nessa segunda-feira, após recomendação das autoridades.

Policiais avistaram a suástica e consultaram promotores públicos, que concluíram que a representação representaria um crime – na Alemanha, emblemas e símbolos de organizações anticonstitucionais não são permitidos por lei. Assim, os organizadores foram aconselhados a cobrir ou remover a suástica.

Jacques Tilly, responsável pelo carro, confirmou o caso à agência de notícias DPA. "Isso é um absurdo, porque impede que haja liberdade de sátira, mas nós seguimos. Bolsonaro agora tem um buraco no peito", afirmou o carnavalesco.

Mais tarde, o ministério público expressou dúvidas sobre sua própria avaliação. "Uma análise mais aprofundada mostrou que a suástica nesse contexto deveria ser respaldada pela liberdade artística", disse uma porta-voz do órgão.

Em Colônia, outro carro alegórico representou o presidente brasileiro, dessa vez segurando a bandeira do Brasil atada a um palito de fósforo tamanho família e exibindo um largo sorriso, diante de árvores carbonizadas e sambistas seminuas e chamuscadas.

Carro alegórico com boneco do presidente Jair Bolsonaro, árvores e passistas carbonizadas
Alegoria com árvores e passistas carbonizadas é crítica às queimadas na Amazônia

"Esse é meu carro preferido", afirmou Holger Kirsch, diretor do desfile, em entrevista ao jornal local Kölner Stadt-Anzeiger. A alegoria, outra crítica às queimadas na Amazônia, produziu fumaça literalmente. "Nós trabalhamos com verdadeiras sacas de café e ainda instalamos um sistema de tubulação para que fumegue bastante", acrescentou.

Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro é alvo do humor alemão. Em agosto, ele foi ridicularizado em horário nobre num programa humorístico transmitido pela principal rede de televisão pública da Alemanha, que criticou as políticas ambientais e agrícolas do presidente brasileiro e o chamou de o "boçal de Ipanema", entre outros apelidos.

A sátira política sempre foi um dos pratos principais dos desfiles carnavalescos no oeste alemão, em cidades como Colônia, Mainz ou Düsseldorf.

"Nosso mundo está mais político do que nunca – então, nossos carros alegóricos também o são", afirmou Kirsch ao jornal Bild. O tabloide informa que os 26 carros alegóricos do desfile deste ano em Colônia trouxeram, ao todo, representações de 14 políticos.

O presidente russo, Vladimir Putin, seu colega chinês, Xi Jinping, o premiê britânico, Boris Johnson, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foram outras atrações na Rosenmontag de Colônia neste ano.

As figuras da política alemã, logicamente, também não faltaram. Uma das alegorias exibiu a chanceler federal alemã, Angela Merkel, junto à sua colega da União Democrata Cristã (CDU), Annegret Kramp-Karrenbauer, que comunicou recentemente sua renúncia como chefe do partido.

Outro carro mostrou uma múmia representando o Partido Social-Democrata (SPD), que tenta ressuscitar dos mortos. A legenda, que integra a coalizão do governo alemão, enfrenta há anos forte tendência de queda nas pesquisas de intenção de voto.

Carro alegórico em Düsseldorf mostra cabeça de um homem enraivecido, com uma arma saindo de sua boca, em que se lê racismo
"Palavras se tornam ações", diz frase no rosto de boneco, em alegoria que rechaça o terrorismo de extrema direita

Além da sátira política usual, um posicionamento forte contra a extrema direita foi particularmente evidente em 2020. Enquanto Colônia representou sua famosa Catedral em lágrimas pelas vítimas do recente atentado terrorista em Hanau, Düsseldorf mostrou o racismo como uma arma mortal.

"Neste momento, não há nada mais sério do que o terrorismo de extrema direita", afirmou o carnavalesco Tilly, de Düsseldorf. Um dos carros alegóricos na cidade representou a cabeça de um homem enraivecido, com uma arma saindo de sua boca, em que se lia "racismo". Na bochecha do boneco, a seguinte frase: "Palavras se tornam ações."

A alegoria também chamava a atenção para os ataques a tiros em Hanau na última quarta-feira, que deixaram nove pessoas de origem estrangeira mortas. Após o massacre, o terrorista voltou para casa, onde matou a mãe, de 72 anos, e cometeu suicídio. Numa carta de confissão e em vídeos, o atirador expõe pensamentos racistas, defendendo ideologias de extrema direita.

"Não há apenas um perpetrador. Não é apenas aquele que atirou. Aqueles que prepararam mentalmente a ação também são responsáveis", afirmou Tilly, referindo-se às pessoas que proferem discursos racistas, xenófobos e de extrema direita.

EK/dpa/ots/dw (aqui)

Santos Cruz rompe silêncio de militares que se opõem à desordem


General Santos Cruz e o tuíte em que aponta a montagem irresponsável, lembrando que o Exército serve ao Estado brasileiro, subordinado à Constituição, não a um governo - Sérgio Lima/Poder360 e reprodução
General Santos Cruz e o tuíte em que aponta a montagem irresponsável, lembrando que o Exército serve ao Estado brasileiro, subordinado à Constituição, não a um governo

A extrema-direita bolsonarista quer ir às ruas no dia 15 de março para, mais uma vez, demonizar a Câmara e o Senado. O material de propaganda apela a um conteúdo e a uma linguagem arreganhadamente golpistas. Uma das peças de propaganda traz a imagem dos generais Hamilton Mourão (vice-presidente), Augusto Heleno (chefe do Gabinete da Segurança Institucional) e Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, com a afirmação: "Os generais aguardam as ordens do povo". Na mesma peça, lê-se a exortação: "Vamos as (sic) ruas em massa", acompanhada da seguinte palavra de ordem: "Fora Maia e Alcolumbre".

É pouco? Em mais de uma montagem, Maia aparece associado à figura de um porco. Uma delas acusa: "Precisamos nos mobilizar contra o golpe que Rodrigo Maia arma contra Bolsonaro". Ou ainda: "Rodrigo Maia quer controlar o Orçamento para continuar presidente da Câmara para sempre".

O herói da convocatória é Augusto Heleno. Em uma mensagem, lê-se: "Faço das palavras do general o grito do povo. Quem concorda viraliza". E quais são mesmo as palavras do general? Relembro: "Não podemos aceitar esses caras [os parlamentares] chantageando a gente o tempo todo. Foda-se".

Sim, Heleno disse mesmo isso no dia 18 deste mês, em conversa com o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Paulo Guedes, da Economia, em solenidade no Palácio da Alvorada. Como havia transmissão ao vivo do encontro, sua fala foi captada.

Na noite daquele dia, o próprio presidente disse que não pode ser refém do Congresso. Na origem do confronto, está o descontentamento do governo com o Orçamento impositivo. Na reunião, Heleno defendeu que Bolsonaro apelasse às ruas.

Que coisa! O chefe do Gabinete da Segurança Institucional, cuja função é zelar pela... segurança institucional, sugere ao presidente que convoque as ruas contra o Poder Legislativo.

Não parou por aí. Depois que sua fala foi tornada pública, recorreu ao Twitter para atacar o que tem sido chamado de "parlamentarismo branco" no país, dada a importância que os respectivos presidentes das duas Casas do Congresso têm na aprovação da agenda do... próprio governo!

E mandou ver no Twitter: "Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a constituição. Sendo assim, não falarei mais sobre o assunto".

Já tinha falado o suficiente, não é mesmo? Os grupos que dão apoio a Bolsonaro nas redes sociais, com a delicadeza, a sutileza e a inteligência costumeiras, estão chamando a tigrada contra o Congresso Nacional. M ais do que isso: pregam o seu fechamento. O "muso" inspirador é Heleno.

O general chegou a discursar numa manifestação em defesa do governo no dia 30 de junho do ano passado. Os principais alvos do protesto a favor, então, eram os presidentes da Câmara e do Senado e alguns ministros do Supremo. Desnecessário dizer que, também desta vez, os filhos de Bolsonaro manifestaram apoio a Heleno, que contou ainda com o endosso de luminares da democracia como Damares Alves e Abraham Weintraub. O apoio de Weintraub foi redigido em javanês. Evitou o risco de não ser compreendido.

A impressionante soma de truculência, burrice e desprezo pela ordem democrática que vai nas páginas do bolsonarismo. Militar graúdo da reserva se insurge contra uso indevido do Exército para justificar pregação fascistoide - reprodução
A impressionante soma de truculência, burrice e desprezo pela ordem democrática que vai nas páginas do bolsonarismo. Militar graúdo da reserva se insurge contra uso indevido do Exército para justificar pregação fascistoide.

DE VOLTA A SANTOS CRUZ
O general recorreu ao Twitter para condenar a "montagem irresponsável" que associa generais a um protesto que defende o fechamento do Congresso. Escreve ele:
"Exército - instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não confundir o Exército com alguns assuntos temporários. O uso de imagens de generais é grotesco. Manifestações dentro da lei são válidas."

É claro que o general está certo e que se trata de uma irresponsabilidade. Mas ele sabe muito bem que o mal original não está nessas manifestações grotescas das páginas bolsonaristas. O problema está em outro lugar.

Quando o ex-ministro lembra qual é o papel do Exército — segundo, diga-se, prescrição constitucional — e que a Força não deve ser confundida com o que ele chama de "assuntos temporários", é evidente que essa consideração não é endereçada aos boçais que pregam que os militares emparedem o Poder Legislativo. Nessa hora, Santos Cruz está falando a seus pares e expressando uma inquietação que não é apenas sua. Ela é compartilhada hoje por um número expressivo de oficiais-generais das Três Forças.

A verdade é que os setores das Forças Armadas do país que resolveram se envolver com a candidatura de Jair Bolsonaro e, depois, com o seu governo cometeram um erro terrível. E vai levar muito tempo até que Exército, Marinha e Aeronáutica voltem a ser vistas por aquilo que chegaram a ser: entes que servem ao Estado brasileiro, não a um governo, segundo os ditames da Constituição.

A fórmula tentada pelo general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e hoje assessor do GSI, evidencia a sua inviabilidade prática. Mais do que nunca, temos o governo de um capitão reformado que resolveu escorar e ancorar as suas maluquices nas Forças Armadas. Passada a fase extrema do delírio megalômano e com dificuldades enormes à vista, o presidente resolveu cercar-se de generais no Planalto, dois deles da ativa, numa aposta de que, entre o presidente e as instituições, os quarteis escolherão o presidente.

Militar treinado e dos poucos com experiência real de campo, Santos Cruz sabe a importância da disciplina, da hierarquia e do respeito às regras do jogo. Seu tuíte evidencia que ele sente um certo cheiro de bagunça no ar. E com a participação de colegas de farda, cheios de estrelas.

Em vez de os generais que servem ao presidente lhe passarem um pouco de juízo, é ele, tudo indica, que está contaminando com seu destrambelhamento quem deveria ter mais respeito pelos próprios cabelos brancos.

Por Reinaldo Azevedo