O inacreditável aconteceu nesta terça, dando conta da falta de visão estratégica ou tática do governo. Deve ser um sofrimento e tanto para o coordenador político do Planalto, Luiz Eduardo Ramos, que é general. E da ativa! A besteira foi feita por um outro militar de origem: major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. Fosse uma guerra, estaríamos todos mortos. Antes de chegar ao ponto, algumas considerações.
O presidente Jair Bolsonaro está empenhado, a seu modo, no "é dando que se recebe" para, na cabeça do Planalto — e, por ali, a cabeça é oca —, criar confusão na Câmara, num esforço desesperado para retirar de Rodrigo Maia (DEM-RJ) o protagonismo político. Notem que escrevo "protagonismo político".
Relevância na Casa, por óbvio, Maia já tem por força do cargo. Já divergi do deputado não uma, não duas, não três vezes. Foram muitas. No governo Bolsonaro, acho que ainda não o critiquei. Não o vi errar. Sem ele, não se teria nem a reforma da Previdência. O próprio Bolsonaro poderia se ver tentado a se ajoelhar em sinal de reverência, ao lado de Paulo Guedes, o catatônico com surtos de loquacidade.
RACHAR O CENTRÃO?
Explico. O governo tenta atrair um pedaço do chamado "Centrão" para formar ali um esboço de base. E ele o faz para garantir governabilidade? Antes fosse. Sou do tipo convencional, que defende que governo exerça seu trabalho com a base aliada... Não! Bolsonaro tem suas obsessões. Se acha que tentam contrastá-lo em suas vastas emoções e pensamentos imperfeitos (perdão, mestre Rubem Fonseca!), fica furioso. Daí o ódio que passou a devotar a João Doria. Daí o ódio que passou a devotar a Maia. Nem é divergência ideológica. À parte seu anticomunismo patológico -- e "comunismo" é o que ele acha que é, não o que existiu de fato --, não pensa nada.
Atende a uma clientela restrita e exerce o poder pelo gosto da vã cobiça e pela glória de mandar.
Então resolveu tentar levar para a base PP, PL, Republicanos, PTB, PSD e Solidariedade. E atua como aquele amante à moda antiga, do tipo que ainda oferece cargos em troca de apoios. Não o condenarei por isso. A questão é outra: FORMAR UMA BASE PARA QUÊ? Para aprovar uma pauta ou só para torrar a paciência de Maia, já que pretende mostrar quem, de fato, manda?
Será que ele vai conseguir? Bem, de saída, é preciso dizer que, ainda que tais partidos levem o "se recebe" do "é dando", isso não implicaria uma adesão em massa dos integrantes das legendas. Em segundo lugar, a movimentação se dá por motivos de tal sorte errados que há o risco de o governo fazer como aquele que decidiu cruzar a vaca com o jumento para ter um híbrido que unisse o útil ao agradável. O problema é que saiu um troço que nem dá leite nem puxa carroça.
Explico: nesse movimento, o que o Planalto pode conseguir — e notem que o motivo mais recente da fúria contra Maia é o projeto de reposição das perdas do ICMS — é justamente o efeito contraproducente, malsucedido. Em vez de rachar o Centrão e impor a sua pauta na base do troca-troca (aquele que ele jamais faria), pode é unir setores importantes da esquerda, da centro-esquerda, do centro, da centro-direita e até da direita... E não exatamente em favor de Maia (ainda que também), mas em defesa da independência da Casa contra os arreganhos do Planalto.
Bolsonaro lembrou-se de ter base agora, quando decide pregar golpe de Estado em frente ao QG do Exército? Quando existe a vontade explícita de deixar os Estados de joelhos, de pires na mão, a depender da boa-vontade de um presidente idiossincrático, vingativo e rancoroso? Quando o ministro da Economia trata governadores como aproveitadores?
VOLTANDO AO COMEÇO
Volto ao começo. Bolsonaro e Guedes devem a Maia a PEC do Orçamento de Guerra. Nunca antes na história deste país um governo contou com tal instrumento -- vá lá, a crise do coronavírus é inédita. De toda sorte, o presidente da Câmara ofereceu a saída e tirou Guedes da catatonia. O ministro ficou 15 dias no Rio, em quarentena, ou quinzena, mental, sem saber o que fazer.
O texto foi modificado no Senado e voltou para a Câmara. Tem de ser submetido ao reexame dos deputados. A PEC é vital para conferir eficiência, rapidez e segurança jurídica às ações excepcionais a que tem de recorrer o governo. O normal, pois, seria que o líder do governo na Casa, Major Vítor Hugo (PSL-GO), pedisse preferência e urgência para o texto. Para a surpresa de todos os demais líderes, ele não se moveu nesta terça.
Por quê? É provável que seja porque os paranoicos do bolsonarismo nas redes resolveram atacar a PEC, afirmando ser mais um truque de Maia para dominar o Brasil, o mundo e a Terra — que, como todos sabemos, é plana...
Aqueles partidos lá querem aderir à tal base, não conseguindo resistir a caraminguás ou a compensações mais graúdas? Bem, que o façam. A lealdade de Bolsonaro com aliados, como costumo dizer, pode ser testada no céu (com Gustavo Bebianno) ou na terra (com o correto general Santos Cruz). E seu senso de prioridade se revelou uma vez mais nesta terça.
Será que alguns carguinhos na Caixa e em outras esferas do governismo compensam? A turma do tal Centrão tem várias famas — algumas não muito boas, é verdade. Nunca ninguém disse que era burra. Sempre é tempo para tentar mudar a reputação, né?
Por Reinaldo Azevedo
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