terça-feira, 14 de abril de 2020

2ª fase da série "Mandetta cai-não-cai". Ou: Ódio é mais atraente do que amor


O ministro Luiz Henrique Mandetta joga álcool em gel nas mãos de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva. O ministro não conseguiu, até agora, desinfectar as ideias do chefe. Essa é a parte mais difícil... - Foto: Adriano Machado
O ministro Luiz Henrique Mandetta joga álcool em gel nas mãos de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva. O ministro não conseguiu, até agora, desinfectar as ideias do chefe. Essa é a parte mais difícil...

Consta que os ministros militares do Planalto — é cada uma nesse governo!!! — não mais endossam a manutenção de Luiz Henrique Mandetta na Saúde. Teriam ficado agastados com a entrevista concedida pelo ministro ao Fantástico, na Globo, do domingo. E o que disse o homem de tão extraordinário? Ora, ponderou ele, se a população ouve o ministro a dizer uma coisa e o presidente, o seu oposto, não sabe que orientação seguir. O que há de errado ou especioso no raciocínio? Também condenou as aglomerações, inclusive em padarias.

As falas foram vistas como provocações a seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Ocorre que, nessa área, para provocar o "Mito", basta sustentar que a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa, que a Terra é redonda é que a Lei da Gravidade existe. "Ah, mas ele poderia não ter concedido a entrevista..." É verdade! Mas acho que fez bem em fazê-lo num momento como esse. Reafirmou a necessidade do isolamento social, falando a milhões de pessoas, num momento em que a prática estava ou está em declínio. É preciso chamar a atenção da população para as implicações de uma escolha como essa. 

Como os militares entraram para a história como aqueles que mantiveram Mandetta no cargo naquele incrível dia 6, então agora estariam retirando a escada do ministro. Huuummm...

Há um problema nessa versão. Os agora em trajes civis, mas de alma sempre fardada, defenderam, com efeito, que Bolsonaro mantivesse Mandetta no Ministério da Saúde, mas a decisão foi do presidente. A ideia de que o "Mito" esteja sendo tutelado é falsa. 

Bolsonaro não demitiu o auxiliar porque está esperando um número bem maior de mortos para ver se joga o evento trágico nas costas do ainda ministro, aproveitando para dizer um sonoro "Viram só? O isolamento social não funciona!" Não quer demitir o titular da Saúde quando sabe que a popularidade deste é bem superior à sua. De resto, quem, com credibilidade junto à comunidade médica e científica, aceita o cargo para implementar a visão de mundo de Bolsonaro? Osmar Terra, que vive sendo desmoralizado pelos fatos?

Lá pelas bandas do Palácio — e tudo indica que seja um erro —, considera-se que há diferença importante entre Bolsonaro demitir Mandetta e Mandetta demitir-se. A segunda ocorrência seria menos desgastante para o presidente. Por isso, já entraria em curso hoje a segunda etapa da "Operação Desestabiliza Ministro", forçando-o a demitir-se. Se é verdade que, agora, também os militares fazem pressão em favor da saída, então esses valorosos soldados da pátria se comportam de modo bem mais irresponsável do que qualquer um supõe.

É claro que pode chegar a hora em que o clima fique irrespirável. Se decisões começam a ser tomadas à revelia do ministro; se o governo se volta contra a própria pasta; se o gabinete de crise passa a atuar ao arrepio dos protocolos técnicos, Mandetta terá mesmo de deixar o cargo. Se a gente esquecer por alguns instantes que Bolsonaro decidiu travar uma guerra contra o seu ministro num campo coalhado de corpos, é o caso de considerar: para Mandetta, é melhor sair agora do que depois.

Vivemos dias de tal sorte surrealistas que, exatamente uma semana depois do discurso do "Fico", uma nova operação de desestabilização do ministro está em curso. Se tiver funções cassadas e se medidas forem adotadas na sua área sem o seu conhecimento, é claro que não restará a Mandetta outra coisa a fazer: terá de sair. Não poderá endossar eventuais medidas destrambelhadas ou tecnicamente erradas só porque sinalizou a Bolsonaro que não se demitiria.

Ao sair, é certo que terá de dizer por quê. Como não é apenas um técnico, mas também um político, as explicações terão uma dupla carga. E a Bolsonaro restaria a inteira responsabilidade, pouco importando o substituto, por aquilo que está por vir.

Sendo verdade que o presidente decidiu optar pela fritura ainda mais explícita, estará oferecendo a Mandetta o melhor momento para sair. Justamente porque o país se aproxima do pior. E que seria muitas vezes mais trágico não tivesse o ministro assumido — e isso ele fez — a defesa enfática do isolamento social. Contra a vontade do chefe.

ENCERRO
E o que Bolsonaro e os seus extremistas de seu governo ganhariam com isso? Rigorosamente nada! Mas é mais difícil renunciar ao ódio do que ao amor, acreditem.

Por Reinaldo Azevedo

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