segunda-feira, 20 de abril de 2020

Forças Armadas têm agora de emitir um sinal à democracia


General Edson Leal Pujol, comandante do Exército, e general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa. Bolsonaro também acua as Forças Armadas. Ele as está chamando para um golpe, e elas  não têm como não referendar a democracia. Ou entram na ameaça golpista - Valter Campanato/Agência Brasil
General Edson Leal Pujol, comandante do Exército, e general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa. Bolsonaro também acua as Forças Armadas. Ele as está chamando para um golpe, e elas não têm como não referendar a democracia. Ou entram na ameaça golpista
O que pensam, afinal, as Forças Armadas sobre a fala de Jair Bolsonaro, que participou de um ato, em frente ao QG do Exército, em favor de um golpe? Eis a esfinge, não é? Não faz tempo, o Ministério da Defesa e comandantes das Três Forças saudaram o golpe de 1964, chamando-o de "marco da democracia". A democracia está em vigor, e existe uma Constituição, que reserva um papel aos militares. E, por óbvio, não lhes atribui a função de tutores da sociedade. Ao contrário: são, nos termos da Carta, garantidores dos "Poderes constitucionais".

Ninguém obviamente deve esperar que a Defesa e os chefes de Exército, Marinha e Aeronáutica emitam uma nota contestando o presidente da República. Mas é forçoso que façam chegar à sociedade a mensagem de que os militares não andarão um milímetro além do limite que estabelece a Constituição. Se tal necessidade é impensável nos EUA ou nas democracias europeias, ela se torna premente no país, dado o seu passado, nem tão distante assim, de mergulho da ditadura.

É evidente que Bolsonaro fez uma ameaça neste domingo aos demais Poderes e aos opositores. Ainda que um de seus filhos, Carlos, tenha espalhado um vídeo que exibe uma fileira de homens disparando tiros, como a anunciar a prontidão para uma guerra civil, não é esse o clima que se respira no país. As pessoas estão mais assustadas em razão do vírus e apreensivas com o futuro do que mobilizadas politicamente para derrubar o presidente ou coisa que o valha.

Assim, o extremismo da retórica de Bolsonaro está assentado em falsos motivos. Por mais que possa estar insatisfeito com o projeto de compensação do ICMS aos Estados aprovado na Câmara e por mais que se oponha às medidas de distanciamento social implementadas pelos governadores, é fato que essas mesmas forças endossaram uma PEC — aquela do Orçamento de Guerra — que dá ao presidente e ao governo federal recursos ilimitados para enfrentar a crise. À diferença do que sustenta o presidente, o Congresso e o Judiciário lhe deram governabilidade, em vez de retirá-la.

É mentira que estão tentando derrubá-lo por esse caminho ou por outro qualquer. Ele, sim, faz questão de afrontar a Constituição e de avançar para a retórica golpista. Está esticando a corda, reitero, e pedindo uma intervenção militar que o alce à condição de ditador. Caso os militares topassem, haveria de se perguntar: mas onde estão os adversários? Quais são os "comunistas" desta feita? Rodrigo Maia, do DEM? João Doria, do PSDB? Wilson Witzel, do PSC? 

Os ecos que chegam da caserna poderiam ser menos ambíguos do que são. E, em algum momento, terão de ser. A menos, insisto, que as Três Forças Armadas sonhem com o dia em que baterão continência para Carlos Bolsonaro. Com a dificuldade adicional de explicar ao mundo as virtudes de uma ditadura militar no país, o que nos condenaria à margem da história pelo tempo que durasse e por mais algumas décadas além, como prevenção.

No Estadão, a repórter Tânia Monteiro, que tem bom trânsito com fontes militares, escreve uma reportagem cujo título é este: "Militares reprovam participação de Bolsonaro em ato antidemocrático".

Destaco dois trechos:
"A presença do presidente Jair Bolsonaro na manifestação em frente ao Quartel General do Exército contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde deste domingo, provocou um "enorme desconforto" na cúpula militar. Ao Estado, oficiais-generais destacaram que não se cansam de repetir que as Forças Armadas são instituições permanentes, que servem ao Estado Brasileiro e não ao governo."

"À reportagem, os generais não esconderam o mal-estar. Afinal, Bolsonaro os deixou em "saia justa". Chefes militares não podem se pronunciar. O Estado ouviu sete oficiais-generais, sendo cinco do Exército, um da Aeronáutica e um da Marinha. Eles lembraram que o País tem uma "verdadeira guerra" a ser vencida e que não é possível gastar energia com alvos diferentes. Houve quem observasse que o presidente enfrenta "resistências", inclusive do Congresso, mas todos avaliam que a presença dele na manifestação provocou ainda mais a ira dos representantes do Executivo e do Judiciário."

Que seja assim. Até porque a alternativa a Bolsonaro, caso venha a ser considerado impróprio segundo padrões constitucionais, é o vice-presidente. É um general da reserva. Mas sua força não deve estar aí. Ela decorre do fato de que também foi eleito. A sua força está na legalidade e na legitimidade democrática.

Por Reinaldo Azevedo

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