quinta-feira, 31 de março de 2022

A incrível reabilitação de Valdemar (Editorial do Estadão)



O Partido Liberal (PL) terminará a chamada janela partidária – período em que deputados federais estão autorizados por lei a trocar de partido sem perder o mandato – com a maior bancada na Câmara. Em 2018, o PL conseguiu eleger 33 deputados, um número considerável, mas suficiente apenas para fazer do partido mais uma das siglas que compõem o Centrão. Até o dia 29 passado, como mostrou recente reportagem do Estadão, essa bancada havia duplicado para 66 deputados, um crescimento que tem o potencial para alterar o balanço de poder na formação da nova coalizão de governo a partir de 2023. Seja quem for eleito em outubro, o próximo presidente provavelmente terá de compor com o dono do PL, o notório Valdemar Costa Neto.

O inequívoco triunfo do partido – afinal, logrou vencer uma disputa pela filiação do presidente Jair Bolsonaro e trouxe a reboque dezenas de deputados seduzidos pela expectativa de poder – representa, em última análise, o auge da reabilitação política de Valdemar Costa Neto, uma personalidade que, fosse a democracia representativa um tanto mais madura no Brasil, há muito estaria proscrita dos fóruns de decisão sobre os rumos do País.

Há quase 30 anos, Valdemar Costa Neto, então deputado e líder do governo Itamar Franco, ganhou súbita notoriedade nacional não por seus feitos legislativos, mas por ter apresentado a modelo Lilian Ramos a Itamar durante os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Fotos constrangedoras daquele encontro entraram para o anedotário nacional. Desde então, Costa Neto tem se notabilizado pela adulação aos governantes de ocasião, independentemente de suas colorações partidárias ou ideologias. A tática de deixar a coerência – e os escrúpulos – de lado para parasitar o poder ao longo de todos esses anos rendeu bem mais do que projeção política ao chefão do PL.

Em 2012, Valdemar Costa Neto foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do mensalão petista. Como cacique do PR, partido que depois seria rebatizado de PL, foi um dos artífices da montagem do esquema para compra de apoio parlamentar no primeiro mandato do petista Lula da Silva na Presidência. Costa Neto cumpriu parte da pena até 2014 e, dois anos depois, o STF declarou extinta sua punibilidade por aqueles crimes. Do ponto de vista jurídico, portanto, Valdemar Costa Neto é um cidadão quites com a Justiça. O que merece consideração são as circunstâncias de sua reabilitação política e o estado da democracia representativa no Brasil.

Alguém com um passado tão desabonador como Valdemar Costa Neto ainda ter relevância política em 2022 só é possível porque Bolsonaro é um presidente incapaz de governar o País e não tem densidade moral e política para construir uma base de apoio parlamentar genuinamente fiel a seu governo, seja por princípio, seja por afinidade programática. Até o célebre Eduardo Cunha se sentiu encorajado a voltar para a Câmara dos Deputados nesse ambiente.

Dependente do Congresso para se manter no cargo, Bolsonaro se entregou para todos os que estivessem dispostos a carregar o fardo, pagando em troca dotes para lá de generosos. Ao ingressar no PL e abraçar o Centrão, tão demonizado pelos bolsonaristas, o presidente disse se sentir “em casa”. É nesse contexto que ganham projeção figuras como Valdemar Costa Neto, altamente experientes em aproveitar as deficiências de presidentes fracos.

A longevidade política de Valdemar Costa Neto e de outros da mesma estirpe também lança luz sobre a enorme incapacidade dos partidos – ou a falta de estímulo popular – para arejar suas propostas, trazê-las para o século 21 e, sobretudo, formar novas lideranças. Cabe somente aos eleitores mudar essa realidade a partir de suas escolhas nas urnas.

Enquanto os eleitores permitirem, velhos caciques continuarão ditando os rumos do País, atendendo ao interesse público apenas quando e se este coincidir com seus interesses paroquiais.

Cerco financeiro expõe o 'burricídio' de Silveira



Mal comparando, Alexandre de Moraes usou contra Daniel Silveira uma tática semelhante à que foi empregada pelos países da OTAN contra Vladimir Putin. O ministro do Supremo impôs sanções econômicas ao deputado. Ao ser informado de que a fuga da tornozeleira eletrônica resultaria no bloqueio de suas contas bancárias e no pagamento de multa diária de R$ 15 mil, com desconto no contracheque, o guerreiro bolsonarista percebeu que se metera numa espécie de roleta russa —que não deixa de ser uma modalidade de suicídio. Ou 'burricídio', no caso de Silveira.

Horas antes da rendição do deputado, o réu Arthur Lira, presidente da Câmara, emitiu uma nota dúbia. Nela, defendeu o cumprimento da ordem judicial. Mas realçou que o plenário da Câmara é "inviolável". A inviolabilidade constitucional existe para proteger o exercício do mandato parlamentar, não para oferecer escudo a meliantes. No despacho em que encurralou o deputado fortão, Moraes chamou de "estranha e esdrúxula" a cena em que um deputado usa o Parlamento como "covil".

Cada passagem esdrúxula desse caso parece ter sido construída para nos obrigar a usar a palavra "esdrúxula", uma proparoxítona que inibe as reações mais sérias. Temos um deputado reles da milícia de Bolsonaro defendendo atrocidades como o AI-5; um inquérito que nasceu torto e sobrevive graças ao aval unânime do Supremo; e uma Câmara federal 100% feita de réus, condenados e cúmplices. Uma Casa que não se constrange em manter a desqualificação nos seus quadros. Tudo isso e mais um presidente golpista, cuja presença no Planalto estimula e justifica o resgate da palavra "esdrúxula" para traduzir a conjuntura extravagante.

Bolsonaro, um subversivo; Braga Netto, um golpista; Silveira, um abobalhado


Jair Bolsonaro entre os ministros Fábio Faria (à esq.) e Rogério Marinho durantevisita ao
Rio Grande do Norte. Discurso foi explicitamente golpista Imagem: José Dias/PR

Daniel Silveira, pontuei aqui na tarde de ontem, não está sozinho. É um peão no tabuleiro de Jair Bolsonaro, que voltou a engrolar discurso golpista. No embate com Alexandre de Moraes, eles todos sabem que vão perder a parada judicial. É uma tática. Apostam que, assim, acabarão ganhando a guerra à medida que eventos como o estrelado pelo pateta fortão excitam os ânimos dos bolsonaristas, convocando-os para a luta, com o gado fiel na pontas do casco. A ver. O fato de que buscam, de caso pensado, o embate não pode levar Moraes ou qualquer outro ministro ao recuo na defesa da ordem legal.

Enquanto Silveira usava a Câmara como covil, Jair Bolsonaro pregava luta armada no Rio Grande do Norte. É o primeiro presidente da República a fazê-lo. À noite, o ministro da Defesa, Braga Netto, possível candidato a vice-presidente na chapa do "capitão", divulgou a "Ordem do Dia" alusiva ao golpe militar de 1964. Trata-se de um daqueles textões típicos de tiozão golpista de Facebook.

LUTA ARMADA
Já volto a Silveira. Convém adensar o contexto. A nota de Braga Netto concentra uma soma notável de delinquências intelectuais e mentiras estúpidas. A maior delas, nem poderia ser diferente, está na justificativa da quartelada, a saber:
"Em março de 1964, as famílias, as igrejas, os empresários, os políticos, a imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Forças Armadas e a sociedade em geral aliaram-se, reagiram e mobilizaram-se nas ruas, para restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil, por grupos que propagavam promessas falaciosas, que, depois, fracassou em várias partes do mundo. Tudo isso pode ser comprovado pelos registros dos principais veículos de comunicação do período."

Faltassem outras evidências, o fato de que o golpe triunfou praticamente sem resistência expõe a mentira da história contada pelo general. Nem João Goulart nem ninguém no seu governo defenderam que as dissensões políticas fossem dirimidas por intermédio do levante. O Brasil teve uma presidente, Dilma Rousseff, que militou em grupos de esquerda que aderiram à luta armada, embora inexista registro de que ela própria tenha pegado em armas. Na Presidência, jamais apelou a qualquer discurso ambíguo que estimulasse qualquer resposta que não fosse pela via política. De resto, como se viu, vítima de um processo de impeachment, deixou o poder sem resistência. No dia em que votou por seu afastamento na Câmara, Bolsonaro exaltou Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador.

Nesta quarta, em Parnamirim, a fala do presidente foi explícita:
"O povo armado jamais será escravizado. E podem ter certeza que, por ocasião das eleições de 2022, os votos serão contados no Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos. Defendemos a democracia, a liberdade, e tudo faremos, até com sacrifício da nossa vida, para que esses direitos sejam relevantes e cumpridos pelo nosso país".

É evidente que ele está dizendo que, se derrotado, não aceitará o resultado. A fala vale por uma conclamação. Os que, então, estiverem armados que tentem a reação, que ele, por óbvio, se oferece para liderar, lembrando ser bem provável que tenha como vice aquele que escreveu a "Ordem do Dia" exaltando um golpe de Estado — em nome, é claro!, da democracia.

DE VOLTA AO PEÃO
E agora voltamos a Silveira, o peão irrelevante em busca de seus minutos de fama. Observem que a pantomima se segue ao desastre reputacional que resultou da descoberta da ação dos pastores no Ministério da Educação. O escândalo pegou. Ficou evidente como o governo Bolsonaro é gerido na miudeza. O desastre em curso na educação brasileira tem seus protagonistas. O episódio provocou um racha até entre os "urubus de Deus" que lutam pela carniça. Pastores de fora do "establishment do achaque" estavam atuando, sem pedir licença a alguns donos de Deus mais poderosos do que eles próprios.

Pronto! O noticiário da crise na educação esfriou para dar lugar ao "Caso Silveira". Os bolsonaristas, incluindo Flávio Bolsonaro, correram em socorro ao deputado, tentando construir a figura de um mártir da democracia, que estaria resistindo à ordens de um ministro supostamente autoritário: ora, era a luta de sempre do bolsonarismo contra a democracia, as leis e o Estado de direito. Não por acaso, no Rio Grande do Norte, Bolsonaro se encarregava de atacar, entre outros, o ministro Moraes, ainda que que sem nominá-lo.

Até o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o chefão da bancada evangélica — que ajudou a chutar os dois pastores menores que resolveram se meter com os pastores maiores sem pedir licença, mudou logo de assunto para, também ele, atacar Moraes, como se fosse o ministro a desrespeitar a lei. Era preciso mudar de assunto. Chega de falar de ladroagem no Ministério da Educação. Nota à margem: Milton Ribeiro disse que não vai à Comissão de Educação do Senado coisa nenhuma. Era uma convocação que virou convite. Bem, espero que o convite recusado vire, então, uma CPI.

AS REGRAS DO JOGO
Silveira tem bons advogados. Sabe que sua prisão em flagrante, endossada por unanimidade pelo Supremo e mantida pela própria Câmara, se deu segundo as regras do jogo.

A jurisprudência do STF, em matéria de imunidade parlamentar, é pacífica sobre o seu espírito e propósito. Lembra Moraes: "Desde a Constituição do Império até a presente Constituição de 5 de outubro de 1988, as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas". Vale dizer: a proteção não serve para acobertar crimes.

Seus advogados sabem igualmente que julgado do Supremo consagra a imposição, se necessário, de medidas cautelares aos parlamentares, que, por vedação Constitucional, não podem ser presos a não ser em flagrante de crime inafiançável. Já as medidas cautelares, julgou o tribunal muito antes de Silveira ser notícia, podem ser impostas sem a autorização do plenário da Câmara e do Senado se não impedirem o exercício regular do mandato. Assim, por óbvio, não há abuso nenhum nas decisões de Moraes.

Nesta quarta, em face da resistência do deputado em usar a tornozeleira, o ministro determinou, além de se negar a rever as medidas cautelares:
- abertura de novo inquérito para apurar resistência a cumprimento de decisão judicial;
- multa de R$ 15 mil/dia por descumprimento da decisão;
- bloqueio das contas bancárias de Silveira;
- desconto do valor da multa no sistema da própria Câmara;
- oficiar Arthur Lira, presidente da Casa, para marcar data e hora para o cumprimento da ordem judicial.

O ministro pediu ainda que sua decisão seja julgada pelo plenário virtual do Supremo no dia 1º de abril.

Pois bem, dado o novo despacho de Moraes, Silveira houve por bem deixar a Câmara e seguir para casa. O bloqueio de suas contas o levou a mudar de ideia. Tudo indica tratar-se da véspera de um novo ataque às instituições. Ao menos até a condenação, que pode render cana.

ENCERRO
Quem é Silveira nessa história toda? É o agente provocador. Ele serve para excitar e incitar as milícias digitais. No dia 26, Moraes pediu a Luiz Fux que marcasse a data do julgamento da Ação Penal 1.044, em que o deputado é réu por coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o STF e incitação à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes -- artigos, respectivamente, 18 e 23 da Lei de Segurança Nacional, que não existe mais. Então os crimes sumiram pelo ralo? Não. Essas imputações foram parar no Código Penal. De resto, depois daquele vídeo de 16 de fevereiro do ano passado, que está na raiz de tudo, o deputado voltou a praticar as mesmas delinquências.

O presidente do Supremo pretendia levar a questão ao pleno em maio, mas antecipou para 20 de abril. Se condenado, Silveira perde o mandato e se torna inelegível. Posará, claro!, de mártir. Mas que seja, ao menos, sem o mandato que envergonha a democracia brasileira, entre muitas outras vergonhas.

Jamais se esqueçam: ele é apenas um peão meio abobado no tabuleiro golpista de Bolsonaro.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 30 de março de 2022

Posição de Rosa sobre prevaricação de Bolsonaro concede sobrevida à lógica



A tese de Augusto Aras segundo a qual Bolsonaro não cometeu crime de prevaricação ao se abster de mandar apurar denúncia de irregularidades na compra da vacina Covaxin foi apresentada como se tivesse cara de lógica, rabo de lógica e rugido de lógica. Ao rejeitar o pedido do procurador-geral para arquivar o inquérito, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber sinalizou que a lógica de Aras é apenas um besteirol jurídico a serviço da blindagem do presidente da República.

"Não se sustenta", anotou Rosa em seu despacho, para informar que o pedido de Aras não fica em pé. Avesso à ideia de procurar qualquer coisa que deixe Bolsonaro em apuros, o procurador havia argumentado que o presidente não tem obrigação de agir porque a Constituição não menciona explicitamente entre suas atribuições a de mandar investigar suspeitas de crimes que cheguem a seu conhecimento.

Concedendo uma sobrevida à lógica, Rosa ponderou que, se a interpretação extravagante de Aras prevalecesse, o presidente da República estaria autorizado "a permanecer inerte mesmo se formalmente comunicado da existência de crimes funcionais em pleno curso de execução nas dependências da estrutura orgânica do primeiro escalação governamental".

A propósito, foi precisamente o que aconteceu no caso Covaxin. No célebre encontro com os irmãos Miranda, Bolsonaro foi alertado, em plena biblioteca do Palácio da Alvorada, sobre negociatas trançadas entre a pasta da Saúde e a Precisa Medicamentos. Prometeu acionar o "DG da PF", como se refere ao diretor-geral da Polícia Federal. Mas cruzou os braços, conforme admitiria posteriormente. O escândalo só não produziu prejuízos porque o estrondo implodiu a negociata.

Ávido por prestar o serviço de proteção a Bolsonaro, Aras abraçou uma fabulação do delegado federal William Tito, que estava encarregado de investigar o caso. Impossibilitado de negar a omissão que o próprio presidente reconhecera, o delegado concluiu que a inação de Bolsonaro não constitui prevaricação, crime previsto no Código Penal. Nessa versão, houve no máximo um descumprimento "do dever cívico, mas não o desvio de um dever funcional".

Na contramão de Aras, Rosa discordou: "Ao ser diretamente notificado sobre a prática de crimes funcionais (consumados ou em andamento) nas dependências da administração federal direta, ao presidente da República não assiste a prerrogativa da inércia nem o direito à letargia." Em casos do gênero, disse a ministra, o presidente precisa "acionar os mecanismos de controle interno legalmente previstos, a fim de buscar interromper a ação criminosa -ou, se já consumada, refrear a propagação de seus efeitos".

Tudo parece muito óbvio. Mas Augusto Aras, no afã de livrar a cara de Bolsonaro de queimaduras, adquiriu o hábito de esbarrar no óbvio, tropeçar no óbvio e passa adiante, fingindo desconhecer que o óbvio é o óbvio. Numa decisão absolutamente incomum, Rosa negou-se a arquivar o inquérito. Foi como se apresentasse o óbvio ao procurador-geral: "Aqui está, doutor Aras, eis o óbvio!"

Augusto Aras ainda não se deu por achado. Anunciou que recorrerá ao plenário do Supremo. O óbvio não tem trânsito na Procuradoria-Geral da República. Ali, a lógica está subordinada às conveniências de Bolsonaro. Para Rosa, Aras como que antecipou o julgamento da causa, metendo-se nas atribuições do Supremo.

A ministra escreveu: "Ora, se o procurador-geral da República for o único juiz de suas próprias postulações, de forma que a leitura normativa por ele proposta, no âmbito de uma causa penal, deva ser considerada vinculante para as demais instituições do sistema justiça, inclusive e sobretudo para esta Suprema Corte, haverá nítida inversão - desautorizada pela Carta da República - do arquétipo constitucional de divisão funcional do Poder."

O diabo é que, ainda que o processo siga o seu curso, caberá a Aras a palavra final sobre denunciar ou não Bolsonaro pelo crime de prevaricação. E o procurador já demonstrou que enxerga no trono do Planalto um político inimputável. Não é à toa que Bolsonaro se tornou um colecionador de inquéritos no Supremo. Perdeu o medo.

Por Josias de Souza

Bolsonaro já gastou R$ 2,6 milhões em serviço de bordo



Desde o início do mandato em janeiro de 2019 até este mês, o governo federal gastou cerca de R$ 2,6 milhões com alimentação para o avião presidencial.

O valor foi descoberto pelo deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) e equipe que vasculharam o contrato n° 5/2017 da Presidência com a empresa International Meal Company Alimentação S/A

O contrato foi firmado em 2018 e teve sucessivas prorrogações. “O presidente diz que é simples, come macarrão instantâneo e leite condensado, mas a realidade é outra. É dinheiro público pagando a conta do luxo do Bolsonaro em plena crise”, afirma o parlamentar.

Na IstoÉ


Lula mistura Jesus com a lama e cria um negacionismo da petrocorrupção



Sempre que Lula se apropria do enredo de corrupção que marcou os governos do PT, os fatos se perdem para sempre —até para os protagonistas. Num encontro com petroleiros, no Rio de Janeiro, o presidenciável do PT animou-se a falar sobre a Petrobras. A pretexto de atacar a política de preços de combustíveis, chamou de "narrativa falaciosa" o histórico de roubalheira que marcou a companhia nos governos do PT.

A certa altura, Lula construiu uma analogia celestial: "Eu fico imaginando Jesus Cristo carregando aquela cruz", disse ele. "[...] Qual foi o mal que ele tinha feito? Ele defendia que as pessoas fossem tratadas com decência e com dignidade. E crucificaram. O que fizeram com a Petrobras foi isso. O que fizeram com a Petrobras foi crucificar a mais importante empresa que nós tínhamos no Brasil..."

Mesmo sabendo que os fatos demonstram que os dois maiores escândalos da República —o mensalão e o petrolão— têm origem no seu reinado, Lula acredita que pode dizer o que bem entender. Confunde memória fraca com consciência limpa. Na Era petista, a Petrobras foi saqueada por um cartel de empreiteiras. Coisa confessada e documentada.

A própria estatal anotou no balanço de 2014 o rombo produzido pelos aditivos contratuais: R$ 6,2 bilhões em valores da época. A peça foi publicada em 2015, na gestão de Dilma Rousseff. Anota que o dinheiro foi desviado entre 2004 e 2012, "para financiar pagamentos indevidos a partidos políticos, políticos, [...] empregados de empreiteiras e fornecedores, ex-empregados da Petrobras..."

Lula costuma desqualificar a Lava Jato. Mas não é preciso folhear os processos da operação para atestar o saque à Petrobras. A lama transbordou para documentos oficiais da estatal, do Cade, do TCU, de órgãos internacionais... Ao negar o inegável, o líder petista escala uma espécie de cume do cinismo. Lula mistura Jesus com a lama e cria um negacionismo da petrocorrupção.

Por Josias de Souza

terça-feira, 29 de março de 2022

Família Bolsonaro realiza esforço mórbido para ressuscitar 'efeito facada'



Menos de 24 horas depois de Bolsonaro ter lançado sua candidatura à reeleição com um discurso que tentou recriar o ambiente antipetista e anticorrupção de 2018, Flávio Bolsonaro aderiu ao esforço para virar a página da campanha de 2022 para trás. Coordenador do comitê da reeleição, Flávio enxergou na nova internação hospitalar do pai uma oportunidade mórbida para ressuscitar o velho "efeito facada".

O primogênito correu às redes sociais para anotar: "As consequências da tentativa de homicídio por um ex-militante do PSOL continuam trazendo transtornos à saúde do meu pai. Mas o mal nunca venceu nem vai vencer o bem!".

No início do ano mês passado, Bolsonaro e sua prole já haviam tentado grudar o marketing da facada no enredo do camarão mal mastigado que transportou o presidente de suas férias catarinenses para o hospital paulista Vila Nova Star com dores intestinais.

Ao sair do hospital paulista, Bolsonaro anteviu novas internações. Disse que não tinha como garantir que "lá na frente" não iria "tomar um caldo de cana e comer um pastel" que lhe obstruíssem o intestino grosso.O presidente já deixou o Hospital das Forças Armadas em Brasília. Recebeu alta após uma madrugada de exames. O intestino parece estar bem. A campanha, nem tanto.

A família Bolsonaro ainda não se deu conta de que a tática de 2018 perdeu o prazo de validade. Hoje, a maioria do eleitorado enxerga no Planalto não mais a vítima de um atentado hediondo, mas o culpado por uma gestão ruinosa.

Como qualquer presidente, Bolsonaro pode pleitear a reeleição. Mas é preciso que tenha desempenho para isso. Comparado à encenação de 2018, o capitão chega a 2022 virado do avesso. Tornou-se uma caricatura antissistêmica guiada pelo sistêmico centrão.

Por Josias de Souza

Corrupção chega a 2022 como uma causa órfã



Ao revelar que a maioria absoluta dos brasileiros (53%) acredita que haverá mais corrupção no país daqui para a frente, o Datafolha sinaliza que nem todos brasileiros parecem dispostos a fazer o papel de bobo que os principais atores da sucessão presidencial lhes reservaram no enredo de 2022.

A percepção da sociedade não orna com a tese petistas segundo a qual a anulação de sentenças e a prescrição de crimes faz de Lula um candidato limpinho. Também não combina com a lorota bolsonarista segundo a qual o Brasil vive há três anos e três meses sem corrupção no governo federal.

Restaurou-se a imoralidade no Brasil. O Datafolha sinaliza que o eleitor sente o fedor. Mas convive com outras emergências que o forçam a tapar o nariz e seguir em frente. No auge da Lava Jato, entre 2015 e 2017, a corrupção foi apontada em certo momento como o principal problema do país por 35% dos brasileiros. Hoje, apenas 5% pensam da mesma forma.

A pandemia levou a Saúde para o topo do ranking das preocupações (22%). A inflação colocou a economia na segunda posição (15%). Numa sucessão presidencial polarizada entre Lula e Bolsonaro, tendo o centrão como pano de fundo, o combate à roubalheira tende a se consolidar como uma causa órfã no debate eleitoral.

Sergio Moro acha que tem legitimidade para levantar a bandeira anticorrupção. Mas sua transferência da 13ª Vara de Curitiba para a equipe de Bolsonaro e o convívio amistoso com a família da rachadinha por mais de um ano fizeram do ex-juiz um personagem desconexo. Consolida-se na campanha de 2022 como um antifenômeno eleitoral.

Bolsonaro, Valdemar, Collor e Heleno na mesma imagem: A união faz a farsa



Após passar três anos e três meses utilizando o Planalto como palanque, Bolsonaro lançou sua candidatura à reeleição. Fez isso num evento ilegal, pois a lei prevê que candidaturas só podem ser formalizadas a partir de 20 de julho. Repetiu o discurso de 2018. O mesmo alvo: o antipetismo. A mesma bandeira: o combate à corrupção. Com duas diferenças:

1) Havia no ar o mau cheiro das perversões acumuladas e a suspeita de cobrança de propinas no MEC;

2) O palco estava repleto de hipocrisia: Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, Fernando Collor e Augusto Heleno dividiram a mesma imagem. Uma evidência de que a união faz a farsa.

Num ambiente de comício —coisa que a lei desautoriza antes de 16 de agosto— Bolsonaro deu à polarização um sentido messiânico. Convocou a plateia arregimentada pelo PL, seu partido, para uma guerra contra Lula. "Não é uma luta da esquerda contra a direita", ele disse. "É uma luta do bem contra o mal."

O mestre de cerimônias, um locutor de rodeios chamado Cuiabano Lima, já havia antecipado o mote messiânico. Com as mãos levantadas para abençoar o candidato, puxou um "Pai Nosso". E comparou Lula, a quem chamou de "homem de nove dedos", ao personagem bíblico Barrabás, o ladrão libertado no julgamento que resultou na crucificação de Jesus.

"Temos que orar e agradecer, porque o diabo, o demônio vem para roubar, para mentir, para confundir, para matar, para destruir", disse o locutor, ignorando a presença de Valdemar, o preso do mensalão; de Collor, um réu do petrolão que o Supremo demora a julgar; e de Heleno, o general que cantarolava em 2018 que "se gritar pega centrão, não fica um meu irmão". Ficaram todos. Eles nunca saem de cena. "A esquerda tentou matar Jair Messias", enfatizou o locutor. "Estão tentado, desde que esse homem assumiu, crucificar o Messias."

Bolsonaro vai à campanha acorrentado às suas ideias fixas. Elogiou o torturador e "velho amigo" Brilhante Ustra. Recitou uma adaptação do lema do Integralismo, o fascismo à brasileira: "Deus pátria, família, povo e liberdade." Fez declarações esquisitas. Como essa: "Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas" da Constituição. Ou essa: "Queremos é entregar o comando deste país bem lá na frente, em processo democrático transparente." Disse também que exerce a Presidência como uma missão divina.

Se Deus escolhesse um lugar para morar talvez optasse o Brasil. Como não pode, Bolsonaro se oferece para representá-lo por mais quatro anos.

Entenda: Lollapalooza e a lei. Ou: Xingar Bolsonaro ou lhe tirar votos?


Bolsonaro durante evento escancaradamente ilegal organizado pelo PL. Em eventro
patrocinado por dinheiro público Fundo Partidário, presidente pediu voto contra o que
dispõe a Lei Eleitoral Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Os artistas que criticaram o presidente Jair Bolsonaro no Lollapalooza não agrediram a Lei 9.504 — Lei Eleitoral — nem mesmo Pabllo Vittar, que brandiu uma toalha, não uma bandeira, com o rosto de Lula, que ganhou de um fã. Assim, é despropositada a liminar concedida no sábado pelo ministro Raul Araújo, do TSE. Tanto pior porque o magistrado fez uma admoestação pelo que considerou transgressões já cometidas e impôs uma modalidade de censura prévia aos artistas para tentar coibir futuras — e, pois, pressupostas —agressões à lei.

Os artistas não cometeram crime eleitoral, mas Bolsonaro sim. O evento promovido pelo PL no domingo e o discurso do presidente são campanha antecipada na modalidade "explícita". E vamos agora ao aspecto, talvez, mais polêmico do meu texto, já que é um juízo de valor, assentado numa leitura da política: acho que os artistas que puxaram coro contra Bolsonaro ou que estimularam a plateia a fazê-lo podem estar reincidindo num erro. Vamos por partes.

A LIMINAR
Fazendo uma síntese das alegações do PL, que apelou à Justiça eleitoral, o ministro narra os eventos principais que o levaram a tomar a decisão, a saber:
- durante seu show a artista Pabllo Vittar ergueu uma bandeira com a foto do pré-candidato ao cargo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o que configura propaganda eleitoral antecipada;
- a cantora internacional Marina incide em propaganda eleitoral antecipada, na modalidade negativa, quando incita os presentes a proferirem palavras de baixo calão contra o pré-candidato filiado à legenda representante, notadamente quando sua fala se inicia com 'eu estou cansada dessa energia, ****-se Bolsonaro".
- a manifestação política em mais de um show, uma em absoluto desabono ao pré-candidato Jair Bolsonaro e outra em escancarada propaganda antecipada em favor de 'Lula', configuram propaganda eleitoral irregular -- negativa e antecipada -- além de promoverem verdadeiro showmício, sendo indiferente se o evento foi custeado pelo candidato ou se o mesmo esteve presente no ato.

Araújo atendeu só parcialmente ao pedido do PL: não aplicou multa pelos eventos já ocorridos, mas concordou em "prestigiar a proibição legal, vedando a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político", sob pena de multa de R$ 50 mil por ato de descumprimento.

A LEI
O ministro justifica a sua liminar de maneira muito resumida, limitando-se a citar o caput do Artigo 36 da Lei 9.504, a saber:
"Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição."

Sem dúvida, isso está lá escrito. Esse artigo contém cinco parágrafos, como ele sabe, E TODOS ELES DEIXAM CLARO QUE SE DESTINAM A AGENTES POLÍTICOS, o que não é o caso dos artistas.

Ao Artigo 36, sucede-se o 36-A, definindo O QUE NÃO CONSTITUI CAMPANHA ELEITORAL ANTECIPADA. E então se lê:
"Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet".

Seguem-se sete incisos e três parágrafos. E, mais uma vez, fica evidente que a lei se refere a agentes políticos.

Sim, é verdade, o Parágrafo 4º do Artigo 37 define:
"§ 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada."

Assim, é claro que poderia ter ocorrido, lá no ambiente do Lollapalooza, campanha eleitoral antecipada. Então vamos ver: alguém poderia impedir — e sob que pretexto o faria? — Pabllo Vittar, Marina, Emicida ou outro artista qualquer de expressarem uma opinião política desfavorável a Bolsonaro ou favorável a Lula? Não há, e o ministro deve saber, nem mesmo os meios para fazê-lo.

Ainda que a direção do evento passasse adiante a orientação, o que aconteceria no caso de descumprimento? Desligar o som? Mandar todo mundo pra casa?

A decisão do ministro é estranha porque dá um triplo salto carpado hermenêutico para concluir o contrário do que ele mesmo expõe como pressuposto. Escreve:
A Constituição Federal reiteradamente assegura a livre manifestação do pensamento, a exemplo do art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal. No segundo dispositivo mencionado a Carta da República categoricamente assenta que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Na mesma toada é o art. 220, § 2º, no sentido de que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O evento musical 'Lollapalooza', organizado pelas representadas, não possui caráter político-eleitoral e acontece no Brasil desde 2012, de modo que, neste ano, está sendo realizada mais uma edição.

Tudo indica que ele vai concluir, então, que a acusação não procede. Mas ele faz o contrário e emenda:
"A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retratada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral."

Por quê?

Esperar que shows de rock, pop e afins, que reúnem milhares de jovens, não resultem em palavras de ordem contra políticos, como direi?, reacionários é o mesmo que imaginar que as motociatas promovidas por Bolsonaro acabarão com vivas a Lula e às esquerdas.

Uma pergunta ao ministro Araujo: doravante, em seus shows, os artistas devem se abster de expressar opiniões políticas? Seria uma agressão inaceitável à Constituição.

Com todo o respeito, a liminar é uma aberração e uma agressão à Constituição — como, aliás, lembra o próprio ministro.

EVENTO DO PL
Neste domingo, PL e Bolsonaro promoveram um evento em Brasília que, no papel, marcava apenas um movimento de filiações ao partido. Bolsonaro, no entanto, chamou o troço de lançamento de sua pré-campanha -- desrespeitando orientação jurídica da própria legenda. Nesse caso, sim, uma penca de artigos da Lei 9.504 foi para o lixo.

Referindo-se à eleição de outubro, disse o presidente:
"O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é luta da esquerda contra a direita, é do bem contra o mal. E nós vamos vencer essa luta, porque estarei sempre na frente de você".

Eleitoralismo e com viés golpista, como sempre:
"Se é para defender a democracia, a liberdade, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho o exército ao meu lado. Este exército é composto de cada um de vocês"

Assim como o urubu vomita quando se sente ameaçado, Bolsonaro confessou que a democracia pode embrulhar o seu estômago:
"Por vezes, me embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas [da Constituição], mas eu joguei e não foi da boca para fora. E aqueles que estão do meu lado, todos, em especial os 23 ministros, eu digo isso, vocês têm a obrigação de, juntamente comigo, fazer com que quem esteja fora das quatro linhas seja obrigado a voltar para dentro."

Pabllo Vittar fala em seu show o que quiser. A lei já o proíbe, e a qualquer artista, de fazer comício, embora todos possam participar de eventos para arrecadar recursos quando a campanha começar — são aspectos um tanto esquizofrênicos de uma interpretação que o STF deu à lei, mas assim é. Bolsonaro, no entanto, não pode fazer o que lhe dá na telha.

O evento do PL deste domingo era custeado com recursos públicos. É grana do Fundo Partidário — à diferença do Lollapalooza. Aos postulantes a cargos públicos — não é o caso dos artistas — é proibido fazer "pedido explícito de voto". E Bolsonaro pediu, tratado no evento como "Capitão do Povo", sob o lema "É com ele que eu vou".

Será que a cantora Pabllo, que não é candidata a nada e canta para quem pagou ingresso, tem de ficar calada para que Bolsonaro, arregaçando a lei, possa fazer campanha eleitoral antecipada com recursos públicos?

POLÊMICA PARA ENCERRAR
Os artistas não cometeram crime nenhum e duvido que a liminar seja endossada. Bolsonaro, este sim, ignorou o texto legal e deveria ser punido. Peço, não obstante, atenção para um aspecto: cuidado com o fenômeno "Ele não!" Muitos alimentaram a ilusão, em 2018, de que aquele mar de gente poderia, então, ser a voz da maioria do país. Não era.

Convém não cometer duas vezes o mesmo erro.

Shows de música — especialmente rock, pop, funk e outros — podem reunir muitos milhares. Por mais amplas que sejam as plateias, ainda assim, é preciso lembrar que se trata de uma bolha de opinião de pessoas com valores em muitos aspectos coincidentes. A repulsa quase unânime a Bolsonaro em shows do Lollapalooza não se repete em toda parte.

Hoje, apontam as pesquisas, a maioria quer o tal "Mito" fora da Presidência. Mas a eleição está longe. Acreditem: ainda é mais prudente e inteligente atrair pessoas do que viver a ilusão de que a bolha — mesmo que ampla — é o Brasil.

Xingar Bolsonaro pode ser muito bom se você não gosta dele. Mas tentar tirar votos do "Mito" pode, então, ser muito melhor, não?

Por Reinaldo Azevedo

sábado, 26 de março de 2022

Tática do C dá folego a Bolsonaro: coleira e cofre



Com a língua submetida à coleira do centrão, Bolsonaro trocou a crítica às vacinas pela tese segundo a qual o governo ofereceu doses a todos os que quiseram se imunizar. Com os cofres abertos, o presidente leva o populismo às fronteiras da irresponsabilidade fiscal. Esses são os dois fatores que explicam o fôlego exibido por Bolsonaro no Datafolha: coleira e cofre. Seu desempenho não eliminou o favoritismo de Lula. Mas a distância entre os dois diminuiu. E aumentou a nuvem de poeira que sufoca os candidatos da terceira via e de outras vielas.

Apenas oito pontos percentuais separariam Bolsonaro de Lula se o primeiro turno fosse realizado hoje. Como o rol de candidatos mudou desde dezembro, quando o Datafolha divulgara sua pesquisa anterior, não é possível fazer comparações exatas. Entretanto, num cenário de segundo turno, Lula prevaleceria hoje sobre Bolsonaro com 21 pontos de vantagem. Essa dianteira era de 29 pontos em dezembro. Quer dizer: a queda de oito pontos se repetiria num hipotético segundo round.

A impopularidade de Bolsonaro havia atingido o pico de 53% em setembro do ano passado, quando ardiam no noticiário os depoimentos da CPI da Covid e as ameaças do presidente à democracia. O índice se repetiu em dezembro. Agora, caiu sete pontos, recuando para 46%. Deve-se o feito ao Plano C, que combina a coleira que o centrão colocou no discurso antissanitário de Bolsonaro e o cofre escancarado.

Entre os eleitores que ganham até dois salários mínimos —R$ 2.424— o percentual de votos atribuídos a Bolsonaro subiu de 16% para 19%. Os de Lula oscilaram de 56% para 51%. A diferença entre eles caiu sete pontos nesse nicho, que responde por 53% do número total de eleitores.

É nesse universo que está a clientela do Auxílio Brasil, que acaba de receber a terceira parcela do beneficio de R$ 400; a rapaziada pobre do Fies, beneficiada com o abatimento de suas dívidas no financiamento estudantil; os aposentados brindados com a antecipação do 13º dos seus benefícios; os trabalhadores que poderão sacar até R$ 1 mil e os consumidores que dividirão com a classe média o estímulo ao consumo propiciado pela redução do IPI.

O resultado estampado na pesquisa deve impulsionar a sanha populista de Bolsonaro, envenenando a herança fiscal de 2023.

Por Josias de Souza

sexta-feira, 25 de março de 2022

Cuidado, Bolsonaro! Óleo de peroba é inflamável.



Pouco antes de Bolsonaro declarar em sua live noturna de quinta-feira que bota a cara no fogo pelo ministro Milton Ribeiro, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de 15 dias para que o procurador-geral da República Augusto Aras faça uma reflexão.

Para a ministra, é imprescindível investigar todos os envolvidos no escândalo dos pastores que cobram propinas para intermediar a liberação de verbas no Ministério da Educação. Ela mandou abrir o inquérito. Mas estranhou que Aras não tenha incluído Bolsonaro no rol dos investigados.

Impossibilitado de negar os indícios de corrupção que uma dezena de prefeitos abordados pelos pastores já confirmaram, Bolsonaro tenta retribuir a blindagem que o ministro lhe ofereceu. Afirma que Milton Ribeiro é vitima de covardia, pois teria agido de forma exemplar.

Nessa versão, o chefe do MEC teria comunicado à Controladoria Geral da União denúncias relacionadas aos pastores lobistas em agosto do ano passado. O diabo é que nada aconteceu. Pior: o ministro, que também é pastor, continuou recebendo os suspeitos. As verbas públicas intermediadas pelos irmãos continuaram escoando.

Estalando de pureza moral, Bolsonaro declarou que o caso foi enviado à Polícia Federal. Quando? Anteontem, disse o presidente. Ou seja: a PF foi acionada quando o MEC já estava pendurado nas manchetes de ponta-cabeça.

Não se sabe que tipo de loção pós-barba Bolsonaro usa. Mas o presidente deveria tomar cuidado ao colocar a cara no fogo por seu ministro. Óleo de peroba é um produto inflamável.

De resto, convém aguardar pelo resultado da reflexão que Cármen Lúcia encomendou a Augusto Aras.

Consirando-se que Milton Ribeiro disse em gravação captada à sua revelia que abriu as portas do Ministério da Educação para os pastores a pedido de Bolsonaro, a queimadura pode não se limitar à face. Ainda que o procurador não queira procurar, o escárnio esta na cara.

Datafolha mostra o que já se sabia. Ou: Quem 3ª via quer tirar do 2º turno?




O presidente Jair Bolsonaro não vive o seu pior momento nas pesquisas de intenção de votos. O fim do ano passado trouxe notícias bem mais desagradáveis. No começo da noite desta quinta, o Datafolha divulgou os dados do seu mais recente levantamento. Diminuiu a diferença que o separa do ex-presidente Lula e aumentou a que o distancia dos demais postulantes. Caso se comparem — dentro do que pode ser comparado — os dados de agora com os que o instituto colheu em dezembro, há, sim, alterações dignas de nota. Se, no entanto, os números do Datafolha forem cotejados com os do Ipespe (dia 11) e da Genial-Quaest (dia 16), nada há de novo sob a chuva. Que se registre, pois: tudo indica que Bolsonaro ganhou terreno nestes três primeiros meses. A questão é saber se ainda está em crescimento ou se já estagnou. Nesta sexta, o Ipespe deve divulgar um novo levantamento.

O Datafolha testou quatro cenários. Nenhum deles repete a composição de dezembro. Assim, não falaremos de crescimento ou queda, mas de índices máximos e mínimos. O ex-presidente obteve ora 43%, ora 44% — em dezembro, 47% e 48%. Bolsonaro marca 26% em todos os cenários. Na pesquisa anterior, 21% ou 22%. Sergio Moro (Podemos) repete 8% em todas as simulações — antes, 9%. Ciro Gomes (PDT) vai de 6% a 8%, ante 7% na jornada passada. João Doria (PSDB) alcança 2% nas duas simulações em que aparece (4% e 2% em dezembro). André Janones (Avante), 2% ou 3%. Nem estava no radar do instituto no fim do ano passado. Simone Tebet (MDB), quando testada, fica com 1%, como antes, e Felipe Dávila (Novo) ora não pontua, ora obtém 1%. Vera Lúcia (PSTU) tem o seu 1% em todos os cenários. Na pesquisa espontânea, note-se, o presidente cresceu de 18% para 23%, e Lula oscilou de 32% para 30%.

Assim, confrontando o Datafolha de março com o de dezembro, a mudança é significativa — e mais ainda no segundo turno, como se verá. Prestem, no entanto, atenção a estes números. Na pesquisa Ipespe de há duas semanas, com margem de erro de 3,2 pontos, Lula obteve 43%, e Bolsonaro, 28%. Ciro e Moro marcaram 8%, e Doria, 3%. No levantamento Genial/Quaest, com margem de erro de dois pontos, o petista crava 44% ou 45% em cenários possíveis, e Bolsonaro, 26% ou 25%. Moro fica com 6% ou 7%; Ciro, com 7%, e Doria, com 2%. Perceberam? Os números do Datafolha podem ser novidade em relação ao levantamento do próprio instituto feito há três meses, mas não quando cotejados com os dos dois outros.

SEGUNDO TURNO
No segundo turno, caiu a diferença entre Lula e Bolsonaro. Se a eleição fosse hoje, o ex-presidente venceria o atual por 55% a 34%, um mar de votos de 21 pontos percentuais de diferença. Em dezembro, no entanto, era de 29: 59% a 30%. Há 15 dias, o Ipespe apontava 53% a 33%, e a Quaest, há nove, registrou 54% a 32%. Os números são praticamente coincidentes.

Moro ainda venceria seu ex-chefe no Datafolha, mas a diferença caiu de 18 pontos (48% a 30%) para oito (42% a 34%). Os números do Ipespe são ainda melhores para o atual presidente: os dois empatam em 33%. A Quaest não testou essa possibilidade. Ciro vencia Bolsonaro por 53% a 32% no fim do ano passado; agora, 46% a 37%: 21 pontos caíram para 9; no Ipespe, 47% a 36%. Doria batia o seu antípoda do Planalto por 46% a 34% em dezembro: agora, estão empatados: 40% a 39%.

TERCEIRA VIA
O cenário, convenham, é um pouco desanimador para a chamada terceira via. Como sabem, nunca acreditei nessa construção, que teria de crescer, dados os postulantes a esse lugar, tirando votos de Bolsonaro. O que as mais variadas pesquisas apontam, no entanto, vai no sentido oposto: o presidente é que estaria recuperando parte do eleitorado perdido.

Digamos que Lula ainda vá perder votos no primeiro turno — os 43% seriam um desempenho formidável, muito acima do que ele obteve nos respectivos primeiros turnos das duas eleições que venceu —, cabe a pergunta: eles migrariam para algum postulante "nem-nem"? Parece improvável.

Até agora, não entendi que leitura fazem da realidade os aspirantes à terceira via ou mesmo Ciro Gomes, que rejeita o rótulo. Às vezes, a gente fica com a impressão de que eles pretendem tirar do segundo turno tanto Lula como Bolsonaro. Se não é assim, qual dos dois será o alvo no primeiro turno? Isso estrutura uma campanha.

Não creio que qualquer evento da economia explique a ligeira — porque, até agora, é apenas ligeira — recuperação de Bolsonaro. Isso é conversa para Paulo Guedes dormir. A inflação está no topo, e os salários, no chão. Acho que a explicação está mesmo na resiliência reacionária do eleitorado de Bolsonaro e no retorno ao reduto de uma parcela dos que abandonaram a nau dos insensatos.

NÃO ESTÁ MORTO
Há duas semanas, escrevi uma coluna na Folha com este título: "Além de não ter derretido, Bolsonaro é competitivo e pode vencer". Escrevi lá:
"Ainda que ambos possam repudiar o paralelo --se acontecer, é sinal de que não terão entendido o texto, e Padre Vieira diria que a culpa também pode ser minha--, a verdade é que Lula ainda é o político brasileiro que traduz com mais clareza as aspirações de justiça social, de redenção dos oprimidos, de uma vida mais digna para os pobres.

Bolsonaro, sua nêmesis, conseguiu dar expressão popular à voz da reação porque, goste-se ou não, consegue falar para os simples. Quer dizer que são iguais, mas em campos opostos? Não. Isso explica por que tem faltado povo à tal "terceira via".

Olhemos a pauta do atual presidente e as figuras que já se alinham em defesa do seu segundo mandato. Há ali, com raras exceções, um Brasil primitivo, alheio à ciência e às urgências do mundo moderno, muito especialmente às ambientais. São o seu suporte material, mas sua resiliência não vem daí. Bolsonaro ainda pode vencer uma eleição democrática porque conseguiu dar expressão popular ao ódio à democracia.

Convenham: isso, até agora, não foi devidamente compreendido pelo processo político. Se a democracia sobreviveu a seu primeiro mandato, é improvável que resistisse a um segundo. E ainda há quem repudie uma política de alianças ou que insista na farsa de que Lula e Bolsonaro são males opostos, mas combinados. Uns e outros não entenderam nada."

É isso.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Assim Bolsonaro trata a educação (Editorial do Estadão)



A permanência do ministro da Educação no cargo é intolerável. Mas nada melhor virá de Bolsonaro, que é o principal responsável pela calamidade que assola a pasta

Milton Ribeiro nunca teve condições técnicas de assumir o Ministério da Educação (MEC). De toda forma, após a revelação do funcionamento de um gabinete paralelo, com evidências de mau uso de dinheiro público e sérios indícios de corrupção, extinguiram-se as condições políticas para sua permanência no cargo. O ministro precisa ser exonerado imediatamente.

No entanto, os problemas do MEC são anteriores a Milton Ribeiro. Não é obra de um ministro específico, mas de um presidente da República que despreza, com palavras e obras, a educação.

Jair Bolsonaro não é só mal-educado, como se orgulha disso. Usa frequentemente sua falta de educação como arma política. Capitalizando sua insegurança e seu ressentimento, notabilizou-se por grosserias, ofensas e intimidações de adversários políticos. Em décadas no Congresso, Bolsonaro nunca propôs um só projeto relevante para a educação e combateu vários. No Planalto, a educação e áreas correlatas, como cultura ou ciência e tecnologia, jamais passaram de uma trincheira avançada de suas pretensas guerrilhas culturais.

O descalabro a que o MEC vem sendo submetido desde janeiro de 2019 é fiel expressão do modus operandi do bolsonarismo. No início do governo, a pasta foi entregue ao professor Ricardo Vélez Rodríguez, que durou três meses no cargo. Sua inexperiência e inaptidão para a função eram notórias.

Depois, Jair Bolsonaro dobrou a aposta no descaso da pasta, nomeando o economista Abraham Weintraub. A pretexto de combater o “marxismo cultural”, Weintraub descarregou uma artilharia de desinformação e insultos contra professores, pesquisadores e autoridades nacionais e internacionais, deixando um rastro de confusão, desarticulação e incivilidade. Deixou a pasta e o País às pressas, depois de o Supremo mantê-lo como investigado no inquérito referente a ameaças contra a Corte. Aquele que era responsável, no plano federal, por orientar e coordenar a formação das novas gerações estava mais preocupado em escapar das consequências da lei.

Em seguida, Bolsonaro nomeou o professor Carlos Decotelli, cujas incongruências curriculares e indícios de plágio o impediram de assumir a chefia do MEC.

Quarto titular da pasta em 18 meses, Milton Ribeiro era tão inexperiente em administração pública e políticas educacionais quanto seus predecessores. A credencial que contou para sua nomeação era, parafraseando Bolsonaro, a de ser “terrivelmente evangélico”. Foi só mais um terrível ministro.

Milton Ribeiro alheou-se à deliberação educacional mais importante no Congresso, o novo Fundeb. Entre mais de 30 prioridades apresentadas pelo Planalto em 2021, quando assumiram os novos presidentes da Câmara e do Senado apoiados pelo governo, apenas uma se referia à educação: a regulamentação do homeschooling. Na pandemia, o MEC foi paradigma de omissão. Negligenciando necessidades básicas, como a viabilização de meios digitais para o ensino remoto, a pasta dedicou-se a intimidar reitores e gestores, manipular o Enem, sucatear instituições de pesquisa e canalizar recursos para projetos eleitoreiros.

Agora, foi revelada a existência de um gabinete paralelo armado para favorecer grupos religiosos e, ao que tudo indica, abastecer os bolsos de corruptos, à imagem e semelhança do que a CPI da Pandemia revelou sobre o Ministério da Saúde. Escancara-se, assim, o modo como o bolsonarismo trata as pastas que detêm os dois maiores orçamentos da União e respondem por duas demandas cruciais da sociedade: saúde e educação.

Os congressistas têm motivo, portanto, para colher assinaturas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Também acionaram a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal de Contas da União e o Judiciário para apurar improbidade administrativa e tráfico de influência. Não é possível que o escândalo do MEC fique impune.

A cada minuto que Milton Ribeiro permanece à frente do MEC, acrescenta-se mais insulto à injúria. Mas é certo que não se pode esperar, no curto prazo, dias melhores. Bolsonaro continua na Presidência da República.

Aparelhamento evangélico



Há quem considere que a deterioração do nosso sistema eleitoral teve início quando os partidos políticos descobriram uma maneira certa de eleger mais candidatos sem precisar de tantos votos quanto o quociente eleitoral exige. Passaram a procurar primeiro artistas, radialistas e jornalistas televisivos, depois jogadores de futebol, e atualmente os candidatos evangélicos têm a predominância.

A Frente Parlamentar Evangélica tem hoje 115 deputados federais, 13 senadores e uma meta ambiciosa: chegar a 30% do Congresso, acrescentando 40 deputados e 11 senadores à sua bancada. É um projeto de poder político preocupante, que chegou a escalar o governo da cidade do Rio de Janeiro como passo importante. Mas essa primeira empreitada foi um fracasso fenomenal com a gestão do bispo Marcelo Crivella, sobrinho do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal.

Com as coligações proporcionais, em boa hora extintas, bastava que cada partido tivesse um ou dois puxadores de votos para garantir a eleição de mais candidatos. O palhaço Tiririca teve 3 milhões de votos desde que se candidatou pela primeira vez à Câmara dos Deputados, em 2010. Com isso, estima-se que tenha levado no seu vácuo de cinco a dez candidatos menos votados. Além da extinção das coligações, o Congresso Nacional aprovou mudanças nas regras eleitorais para evitar que candidatos com poucos votos nas eleições proporcionais sejam eleitos pelos “puxadores de votos”.

Agora, os candidatos precisam atingir individualmente 10% do quociente eleitoral de seus estados, o número mínimo de votos que cada partido precisa ter para conquistar uma vaga no Legislativo. São tentativas de retirar das eleições influências que desvirtuem o voto popular. Mas a ação dos evangélicos continua inabalável.

A situação em que se meteu o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregando a pastores a destinação de verbas públicas a pedido do presidente Bolsonaro mostra uma face vergonhosa do aparelhamento político da máquina pública. Na CPI da Covid, já tinha ficado clara a existência de um gabinete paralelo no sistema de saúde pública, a partir da influência de lobistas no Ministério da Saúde. Cansamos de criticar os governos do PT, do MDB, do Centrão que nomeavam pessoas ligadas aos partidos sem capacitação para os cargos. E agora vemos que o Ministério da Educação se utiliza de critério religioso para tomar decisões. É o pior dos mundos, um governo que é guiado pelos interesses de uma religião.

É uma situação inadmissível, seja a religião que for. Pelo jeito, a prática de ter assessores informais existe em todos os ministérios — e, pior, assessores ligados a determinada linha de pensamento, que agem por fora, sem cargos oficiais. Na CPI da Covid, vimos que muitas pessoas trabalhavam dentro do ministério vendendo vacinas, e outras coisas, sem nenhum cargo no governo. É um governo informal, e a informalidade no governo não pode existir.

Pastores não têm nada a ver com o Estado, e sim com suas igrejas. Tanto que a contrapartida de soltar verbas oficiais para prefeitos era a construção de igrejas nos municípios beneficiados. Temos uma novidade na relação público-privada que chega ao extremo. Diante de todo o escândalo no Ministério da Educação, é quase certo que o ministro Milton Ribeiro saia do governo. O Centrão pode não ter força para fazer o sucessor, mas tem força para tirá-lo, porque o escândalo será explorado na campanha, e o governo precisa tomar uma providência.

Pode ser até uma primeira crise entre Centrão e Bolsonaro, que não abre mão de nomear um ministro para ter a garantia de que os valores tradicionais serão ensinados nas escolas, muito mais que a garantia de um projeto de educação organizado e necessário para o país. Por isso, a pasta já teve quatro ministros em seu governo.

Por Merval Pereira

Demora de procuradores em processar Bolsonaro por fantasma é escandalosa


Carlos Bolsonaro, Jair Bolsonaro e Wal do Açaí, apontada como funcionária fantasma Imagem: Reprodução

Imagine o horror de um país em que o Ministério Público e o Judiciário fossem os únicos caminhos para se chegar à justiça. É o que o brasileiro experimenta no momento. Em reportagem irrefutável, a Folha demonstrou no ano eleitoral de 2018 que Bolsonaro mantinha na folha do seu gabinete na Câmara uma funcionária fantasma. Moradora de Angra dos Reis, ela não aparecia em Brasília. Então candidato, Bolsonaro desconversou.

Decorridos quatro anos, o Ministério Público protocolou na Justiça Federal de Brasília uma ação acusando Bolsonaro de improbidade administrativa. Nela, há um depoimento que a servidora fantasma prestou ainda em 2018, admitindo que jamais pisou em Brasília durante os 15 anos em que Bolsonaro a manteve na folha da Câmara. Cabe perguntar: Por que os procuradores esperaram que Bolsonaro reivindicasse a reeleição para processá-lo? A demora da Procuradoria é um escândalo dentro do outro.

Há no Supremo e no TSE meia dúzia de inquéritos contra Bolsonaro. Nunca dão em nada. As rachadinhas da família são enterradas vivas pelo Judiciário. Numa época marcada por blindagens, anulações de sentenças e lavagem de fichas sujas, a sorte do eleitor é que a urna está a seis meses de distância. Quem quiser pode gritar na cabine de votação: "Livrai-me da Procuradoria e do Judiciário, que dos malfeitores me livro eu.

Por Josias de Souza

Centrão a Bolsonaro: "Não se meta no nosso governo!" Olhe a cadeia, Miltão!



Vocês notaram que não aparece ninguém em defesa dos pastores Arílton Moura e Gilmar Santos? Também o ministro Milton Ribeiro ficou ao relento. O único que ainda defende a sua permanência no governo é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho do seu pai. Também a elite da bancada evangélica quer que o trio arda no fogo do inferno. O Brasil acima de tudo; Deus acima de todos; e o Bezerro de Ouro acima de Deus.

Cadê Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira — aquele que falou como um verdadeiro Schopenhauer da reação em entrevista a Pedro Bial —, para dizer que as coisas não são bem assim e que, ora, ora, Ribeiro seria um homem decente, eventualmente equivocado etc. e tal? Fogo morro acima, água morro abaixo e centrão quando quer defender o indefensável ninguém segura. E, no entanto, estão todos calados. Na surdina, o espírito é "Taca-lhe pau".

Augusto Aras — viva! — decidiu pedir autorização ao Supremo para investigar Ribeiro. Não é só Ribeiro. Também Bolsonaro, não? O ministro disse com todas as letras que tem duas prioridades: a) liberar recursos para os municípios que mais precisam; b) liberar recursos para as indicações feitas pelo pastor Gilmar (e também Arilton). E não deixou dúvida: obedece a ordens do presidente.

Não percam o fio do raciocínio. Como estamos vendo, não se trata apenas de mercancia do divino. Quer dizer: também é isso. Mas os pagamentos são bastante terrenos, não é mesmo? O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), foi bastante claro: paga-se uma taxa de R$ 15 mil para que o pedido seja entregue ao Ministério da Educação. E, depois, há o pagamento pra valer em caso de liberação dos recursos. Arilton pediu um quilo de ouro.

E, insista-se, não aparece ninguém, exceto Flávio — o filho de seu pai — para dizer que não é bem assim. Pergunta: desde quando o bolsonarismo tem receio de defender o indefensável?

Sabem qual é o ponto?

Os dois pastores, em companhia de Milton Ribeiro e de Bolsonaro, o suposto presidente, foram se meter com um feudo do centrão: o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é uma das áreas dos recursos públicos que ficam preservadas de cortes e contingenciamentos. Ali está o dinheiro. O mesmo acontece com a Saúde. A elite da bancada evangélica — que pede a cabeça de Ribeiro — não é apenas sócia do centrão: ela FAZ PARTE do centrão.

E eis que os dois pastores, que não pertencem ao establishment que sequestrou o Orçamento e os recursos das verbas carimbadas, resolveram fazer tráfico de influência por conta própria, ignorando quem manda no pedaço, entenderam? E atuaram em parceria com o ministro da Educação — que ainda é um novato no ramo. Segundo o próprio, o chefe é Bolsonaro.

E, aí, os sequestradores bem-sucedidos dos recursos públicos, que desprezam o presidente, mas o seguram no cargo, estão a lhe dizer:
"Quem você pensa que é para ter o seu próprio esquema no nosso governo? Fique no seu lugar! Você é nosso boneco de mamulengo. Finja que governa, e nós fingimos que o toleramos. Diga as bobagens que quiser. Nós seguramos a onda. Tentaremos até aprovar garimpo em terra indígena -- até porque atende a interesses de alguns dos nossos pistoleiros --, mas não ouse mexer com coisa que, para nós, é sagrada: dinheiro! Não sem pedir autorização".

É claro que o pastor Milton Ribeiro pode se dar muito mal. Flávio quer preservá-lo para que ele mantenha a versão de que Bolsonaro não tem nada com isso. O doutor é bom para engrolar reacionarismos, mas ainda é novato na política. É provável que deixe o ministério antes — se Bolsonaro não for reeleito — de chegar à fase em que a PGR vai decidir se pede ou não abertura de ação penal contra ele. Em acontecendo, o caso vai para a primeira instância.

Ainda que venha a se livrar na esfera penal, há as ações de improbidade administrativa. Não vai se livrar. Convém que fale com advogados privados, da sua confiança, para saber o que o espera. A fidelidade a Bolsonaro pode custar caro a seu bolso. E não o vejo repetindo Deltan Dallagnol, fazendo vaquinha na Internet.

Já assistimos a muitos filmes em que um grupinho, dentro de uma organização criminosa, resolve fazer a sua própria gangue e acaba se dando mal.

Cuidado com a cadeia, Miltão!

Por Reinaldo Azevedo