A Procuradoria-Geral da República resolveu se lembrar de que há uma suspeita, ainda que ligeira, de que, de fato, existe. Pedir que o Supremo determine a abertura de inquérito para Investigar o ministro Abraham Weintraub por suspeita de racismo contra os descendentes de chineses no Brasil. O pedido foi encaminhado por Humberto Jacques de Medeiros, vice-procurador-geral. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.
Qual é mesmo o caso?
No dia 4 de abril, o ministro publicou a seguinte mensagem no Twitter:
"Geopoliticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?"
Com sutileza e humor de um néscio, o ministro estava relacionando a China ao surto de coronavírus. Pior: sugere tratar-se de uma tramoia para atender aos interesses daquele país. Ao fazer a caricatura do sotaque de um chinês falando português, associa à suposta armação as pessoas oriundas daquele país que moram no Brasil.
Mas isso caracteriza ou não racismo?
A questão é objetiva, não subjetiva. Temos uma lei para punir o racismo: a 7.716. Ela não permite que se confunda uma opinião ou juízo de valor com crime. Vamos ver.
Todo cidadão tem o direito de pensar o que quiser sobre a China; de gostar ou não gostar do regime vigente naquele país; de considerar que a pandemia, no fim das contas, acabará fortalecendo um sistema econômico centralizado, em detrimento do modelo vigente no Ocidente; de supor que não se fez a tempo o devido alerta para os riscos do coronavírus... Bem, meus caros, as opiniões estão por aí, nas redes sociais.
Weintraub faz outra coisa. Sendo ministro do Estado, ele:
- claramente associa uma nacionalidade à crise;
- atribui a essa nacionalidade uma intenção obviamente malévola, sugerindo tratar-se de um complô;
- afirma, ainda que de modo oblíquo, que há aliados dessa conspiração no Brasil que ainda não foram identificados.
A Lei 7.716 prevê no seu Artigo 20:
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa".
Quando o senhor ministro de Estado escreve o que escreve, está ou não "induzindo ou incitando a discriminação"? Ora, os que acreditarem nele, mormente porque ocupa cargo de relevo na alta administração do país, vão entender que os chineses — às vezes por seu simples sotaque — devem ser mantidos apartados do convívio dos brasileiros porque associados à formidável crise que assola o Brasil e o mundo. Mais grave: ele os coloca como beneficiários da dita-cuja.
As representações foram apresentada à PGR pelo PSOL e por um cidadão comum.
Como? Você tem dúvida se isso é racismo ou não? Rio Rei o tira da indecisão com 49 palavras. Troque o "chinês" da teoria conspiratória de Weintraub por "judeu". E depois se pergunte se a afirmação seria ou não expressão de antissemitismo. Se você responder "sim", então é racismo.
"Mas é racismo, Reinaldo?"
A questão está respondida. Ainda que houvesse, com efeito, uma tramoia da China, o racismo estaria caracterizado em razão da generalização feita pelo sábio. Mas, com efeito, a Procuradoria-Geral pode e deve ir além.
TEM DE DIZER
Weintraub está noticiando um crime muito grave -- a armação chinesa -- e está dizendo que existem pessoas no Brasil que estão associadas a essa tramoia. Sendo quem é, exercendo funções de Estado, ele se obriga a revelar o que sabe, sob pena de cometer crime. É o que dispõe a Alínea "a" do Parágrafo 2º do Artigo 13 do Código Penal:
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância.
Weintraub é ministro da Educação e, pois, um homem de Estado, ocupando o topo da alta administração do país. Com o seu tuíte, ele informa ter ciência de um crime grave e sugere conhecer seus agentes em território brasileiro ainda não identificados.
Além do racismo, há também o crime de omissão. Para que omissão não seja, então ele tem de fazer a denúncia formal. Em não existindo nada do que diz existir, incorre no Artigo 340 do Código Penal, a saber:
"Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa."
ELE SE DISTRAIU?
Será que Weintraub se distraiu, falou sem querer? Em live com o deputado Eduardo Bolsonaro, no dia 5, afirmou o ministro sobre a China, insistindo na teoria conspiratória:
"Eu infelizmente consigo ver uma possibilidade de maldade nesse movimento. Não acho que tenha sido um vírus feito em laboratório, não acredito nisso. Mas, esse movimento de segurar informação e se preparar depois para a crise mundial, eu acho que talvez. Quando eu vi que eles tinham 60 mil respiradores prontos para vender, eu pensei: poxa vida, poderiam ter avisado pro mundo inteiro que ia faltar respirador".
Mais adiante:
"Eu tenho um monte de amigos chineses. A gente foi para Taiwan, é uma cultura Chinesa. Hong Kong, cidade maravilhosa, é uma cultura chinesa. agora, eu me pergunto: deu toda essa epidemia e pô o governo chinês foi pego de surpresa. Conta pra mim, como é que eles têm 60 mil respiradores prontos pra vender pro mundo inteiro pra quem pagar mais? Eles poderiam ter alertado de saída: ó, vai faltar respirador. A gente teria tido dois, três meses a mais pra fazer respirador e não ter que comprar respirador deles lá na lua, no preço que for. Então, esse exemplo é gritante. É um fato concreto. Eles têm 60 mil respiradores para quem pagar mais".
E ainda:
"Ai será que eles também não fizeram liquidez durante esse período, sabendo que ia dar um mega problema. Será que eles não foram juntando caixa, saindo de posições do mercado, esperando afundar para depois chegar em empresas e famílias privilegiadas, por exemplo no Brasil, e dar dinheiro? Eu infelizmente consigo ver uma possibilidade de maldade nesse movimento".
RETOMO
Como se nota, o juízo depreciativo que motivou o pedido de abertura de inquérito não foi ocasional, fruto de alguma manifestação impensada, de um rompante.
Na mesma live, ele avaliou o que considera ser hábito dos chinês, que estará na raiz da epidemia:
"Comem tudo que o sol ilumina e algumas coisas que o sol não ilumina comem também. Eles têm contato com um monte de bicho que não é pra comer, além de comer porco e frango."
Eis Weintraub.
Que fale o ministro Celso de Mello.
Por Reinaldo Azevedo
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