quarta-feira, 31 de março de 2021

Entre golpistas e velhacos



A anunciada substituição dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foi o desdobramento natural da resistência da cúpula das Forças Armadas à pretensão do presidente Jair Bolsonaro de aliciá-la para propósitos autoritários.

O comando militar vem agindo patrioticamente e em respeito à Constituição, que confere às Forças Armadas o papel de instituição de Estado, e não de governo, a despeito das inúmeras tentativas de Bolsonaro de transformá-las em guarda pretoriana.

Seria inaceitável humilhação, para a corporação militar, submeter-se aos caprichos desvairados de um ocupante temporário da Presidência. Já basta o papel vergonhoso desempenhado no Ministério da Saúde pelo general da ativa Eduardo Pazuello, que, como se fosse um recruta, se empenhou obedientemente em cumprir as ordens estapafúrdias de Bolsonaro.

A grave crise foi a culminação de uma reforma ministerial atabalhoada, que mostra um governo submetido ao mandonismo de um presidente que, inseguro sobre sua capacidade, se imagina cercado de inimigos por todos os lados. Ele só confia nos filhos e naqueles desqualificados que lhe prestam obsequiosa vassalagem.

Fernando Azevedo, por exemplo, foi demitido sumariamente do Ministério da Defesa porque, em suas palavras, preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado” – algo inadmissível para Bolsonaro, que sempre se referiu ao Exército como “meu Exército”. Para seu lugar, Bolsonaro escolheu Walter Braga Netto, outro general da reserva, que estava na Casa Civil e é conhecido no meio militar como um disciplinado cumpridor de missões.

Assim como a mudança na Defesa, nenhuma das trocas ministeriais anunciadas nos últimos dias visa a melhorar a administração federal. Prestaram-se somente a aplacar as neuroses do presidente e a saciar os apetites da família Bolsonaro, além da voracidade do Centrão. Os novos ministros das Relações Exteriores, Carlos França – que nunca chefiou uma Embaixada –, e da Justiça, Anderson Torres – delegado da Polícia Federal –, têm como principal credencial a proximidade com os filhos do presidente. Já a nova ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), deputada de primeiro mandato, só foi colocada ali para ser despachante dos interesses do Centrão, dispensando-se intermediários.

Com exceção do extravagante diplomata que chefiava o Itamaraty e foi substituído por pressão de quase todo o Congresso, perderam o emprego no governo Bolsonaro justamente aqueles que, como o ex-ministro da Defesa, se recusaram a avalizar a truculência do presidente.

Foi o caso de José Levi, demitido da Advocacia-Geral da União porque se negou a assinar a ação que Bolsonaro encaminhou ao Supremo Tribunal Federal para questionar as medidas de distanciamento social adotadas por governadores de Estado contra a pandemia de covid-19. A atitude de Levi levou Bolsonaro a assinar ele mesmo a petição, o que foi considerado como “erro grosseiro” pelo ministro Marco Aurélio Mello ao rejeitar a ação no Supremo.

Levi foi substituído por André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça e ali foi fidelíssimo cumpridor de ordens de Bolsonaro, a quem já chamou de “profeta”. Para o lugar de Mendonça, Bolsonaro escolheu um amigão de Flávio Bolsonaro. Fica tudo em família.

Muito se dirá sobre quem ganha mais com as mudanças, mas certamente só há um perdedor: o cidadão brasileiro, em nome de quem todos em Brasília dizem trabalhar. Enquanto Bolsonaro brinca de césar, o Centrão, senhor de fato do governo, patrocina um Orçamento criminoso, que ignora despesas obrigatórias como se não existissem e distribui dinheiro à farta para emendas parlamentares. Não por acaso, a presidente da Comissão Mista de Orçamento era justamente a deputada Flávia Arruda, apadrinhada do presidente da Câmara e prócer do Centrão, Arthur Lira, e que agora é a ministra encarregada da articulação política do governo – ou do Centrão, o que dá no mesmo.

Tudo isso em meio a uma pandemia que já matou mais de 300 mil pessoas e a uma gravíssima crise econômica. Parte de Brasília está entregue a golpistas delirantes e a velhacos. Está claro que os brasileiros só podem contar consigo mesmos.

No Estadão

Mourão defende respeito ao critério da antiguidade na escolha de novos comandantes



Um dia após o presidente Jair Bolsonaro demitir os três comandantes das Forças Armadas, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quarta-feira, 31, que as trocas não vão alterar a conduta da cúpula militar do País. O vice defendeu respeito ao critério de antiguidade na substituição, levando em conta o tempo de carreira dos comandantes.

"Julgo que a escolha tem de ser feita dentro do princípio da antiguidade, até porque foi uma substituição que não era prevista", afirmou o vice, que é general da reserva.

O presidente Jair Bolsonaro poderá repetir a ex-presidente Dilma Rousseff e quebrar uma tradição no Exército se decidir nomear como próximo comandante o general Marco Antônio Freire Gomes. Comandante militar do Nordeste, Gomes é o nome mais cotado nos bastidores do governo para substituir Edson Leal Pujol, o comandante demitido, mas o presidente tem sido aconselhado a considerar outro nome para não criar atritos com generais mais experientes. O novo ministro da Defesa, general Braga Netto, se reúne hoje com os cotados para Exército, Marinha e Aeronáutica.

Ao falar do assunto na manhã desta quarta-feira, Mourão ressaltou que as Forças Armadas atuam dentro de um "tripé" de princípios de legalidade, legitimidade e estabilidade. “Então, não muda nada”, afirmou.

Segundo Mourão, a decisão de Bolsonaro foi "dentro do previsto", já que os chefes das Forças não possuem mandato e podem ser "substituídos a qualquer momento". No entanto, foi a primeira vez na história em que os três comandantes são demitidos em conjunto no meio do mandato presidencial.

"O presidente tem a prerrogativa de mudar ministros, comandantes de Forças também. Não é problema isso aí, qualquer um que for assumir o comando das Forças vai manter a mesma forma de atuar", afirmou Mourão em entrevista na chegada à Vice-Presidência pela manhã.

O vice-presidente evitou avaliar a forma como a demissão dos comandantes ocorreu e disse não ter participado da decisão, que foi comunicada ontem pelo novo ministro da Defesa, general Braga Netto, em reunião com os então comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa Júnior (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica).

"Não participei do processo decisório, não posso dizer se foi o melhor ou pior", disse. "Não conversei com ninguém. Procurei me manter fora disso, sou um oficial da reserva. Aprendi com meu pai que quando você passa para a reserva a bola está com os que estão na ativa."

Apesar de classificar a demissão dos comandantes como algo "dentro do previsto", Mourão admitiu que a medida foi "abrupta" e que não era esperada. "Essa foi uma mudança mais abrupta, mas está dentro do previsto. Os comandantes não têm mandato", afirmou. Ele acrescentou que os chefes das Forças podem ser "substituídos a qualquer momento".

Mourão também disse que os novos comandantes devem ser escolhidos pelo critério de antiguidade, respeitando o tempo de carreira. "Julgo que a escolha tem de ser feita dentro do princípio da antiguidade, até porque foi uma substituição que não era prevista."

Sobre a demissão de Fernando Azevedo e Silva, que deixou o Ministério da Defesa na última segunda-feira, 29, Mourão comentou que o general é um "amigo" e uma pessoa "sensata e esclarecida", mas ressaltou que Braga Netto deverá atender às necessidades do novo cargo: "Braga Netto tem pleno conhecimento e capacidade para substituir o ministro Fernando (Azevedo)".

Azevedo foi demitido do cargo após desgastes com Bolsonaro, que cobrava maior apoio das Forças Armadas às suas posições. Braga Netto então foi deslocado da Casa Civil e nomeado como novo ministro da Defesa.

No Estadão

terça-feira, 30 de março de 2021

Será que militares são viciados em humilhação, apoiando ato de força? Não!



O presidente Jair Bolsonaro mexeu em seis pastas do governo. Demitiu dois, remanejou dois e agregou dois outros nomes. Conseguiu, com a mexida:

1 - agradar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com a nomeação de Flávia Arruda para a Secretaria de Governo;
2 - fazer um desagravo ao Congresso como um todo, em particular ao Senado, ao demitir Ernesto Araújo;
3 - transformar de novo a AGU num puxadinho do Palácio do Planalto, ao devolver André Mendonça ao cargo, nomeando para a Justiça um delegado, "amigo dos meninos": Anderson Torres;
4 - fazer marketing do terror.

O MARKETING DO TERROR
Falemos um pouco do marketing do terror. Para surpresa do próprio então ministro, das Forças Armadas e de todo o mundo político, o presidente demitiu Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa. O homem é respeitado por seus pares em razão de sua carreira militar, mas também por seu trânsito nos bastidores do poder. Foi a sua intervenção discreta que, incrivelmente, transformou num não-assunto, inclusive na imprensa, a generosa reforma da Previdência para os militares. Nas armas e no soldo, sempre foi eficaz.

Trocar Azevedo e Silva por quê? Porque Bolsonaro queria que o noticiário fosse inundado, e foi, pela enxurrada de suspeitas de que ele pretende dar um golpe ou, então, decretar estado de sítio ou de defesa, medidas com as quais o general não condescenderia.

Bem, não especulo sobre golpe. Se dado, cessa tudo o que antiga musa canta. Estamos em 1964? Vamos às outras duas hipóteses, previstas na Constituição. Em ambos os casos, a medida tem de ser aprovada pelo Congresso. Mas não é só. Tudo o que a Carta abriga está sujeito a um controle de constitucionalidade, que é feito pelo Supremo.

Indaga-se: nas atuais circunstâncias, recorrer-se-ia a uma coisa ou outra com que propósito e por que razão? Então basta um governante alegar qualquer coisa, ter maioria no Congresso e sair botando o terror? Mas contra quem exatamente? Contra os governadores? Conta os doentes? Contra os vírus?

Bolsonaro não gosta do agora demissionário comandante do Exército, Edson Leal Pujol. O general nunca lhe deu muita trela. Nem parece especialmente vocacionado para ser cortesão. O presidente já havia pedido a sua cabeça a Azevedo e Silva mais de uma vez. Não levou. Sabe que, enquanto Pujol estiver lá, a cascata de que pode pôr o "seu Exército" na rua não cola.

Mais: ainda que Azevedo e Silva tenha se portado mal algumas vezes para atender aos desejos do chefe — endossou nota ameaçadora de Augusto Heleno e sobrevoou ato golpista em helicóptero militar, ao lado de Bolsonaro —, seria, além de impossível, inverossímil uma aventura militar enquanto estivesse na Defesa.

ENTÃO O QUE QUIS BOLSONARO?
O que pretendeu Bolsonaro ao demitir o oitavo general -- e, desta vez, um medalhão mesmo? Dar um susto, fazer o marketing do terror. Anunciar, ainda que em silêncio: "Se eu quiser, eu posso. Vejam aqui o que faço com Azevedo e Silva". Na esfera psicológica, o capitão indisciplinado, que flertou coma subversão quando na ativa, passava no pente mais um ombro agaloado.

Deslocou para o seu lugar o general Braga Netto, que estava sem fazer nada na Casa Civil — que, na prática, inexiste —, com fama de fazer tudo o que seu mestre mandar. No caso, esse general seria fiel ao capitão indisciplinado. Mas fiel exatamente para quê? Digamos que Pujol não tivesse colocado o cargo à disposição, como colocou: Braga Netto daria nele um chega pra lá? Iria destituí-lo?

Entre generais do Exército, a menos que se esteja numa aventura golpista, a coisa não se dá desse modo. Tanto é assim que o próprio Pujol se reuniu em seguida com os respectivos comandantes das outras duas Forças — Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) —, e os três puseram os cargos que ocupam à disposição do novo ministro da Defesa.

EFEITO CONTRAPRODUCENTE
O efeito, se querem saber, é contraproducente. Ainda que o Exército seja o centro de gravidade das Forças Armadas, as outras duas não existem apenas como enfeites. Os outros dois comandantes expressaram a sua solidariedade a Pujol -- que já está fora mesmo --, e o trio deixou clara a sua lealdade a Azevedo e Silva. Notem: não é a lealdade de quem vai afrontar Braga Neto, mas a de quem diz: "Por aqui, não haverá aventuras".

Não deixa de ser curiosa a leitura corrente de que Azevedo e Silva saiu porque resistiu a abordagens de Bolsonaro para o uso das Forças Armadas para conter lockdowns nos Estados: em primeiro lugar, porque tal medida não foi imposta em estado nenhum; em segundo lugar, porque o Supremo já se manifestou mais de uma vez sobre a competência concorrentes dos entes federativos na imposição de medidas restritivas.

Um general acaba de deixar o Ministério da Saúde, levando nas costas mais de 300 mil mortos — e o país segue em marcha ainda acelerada para os 400 mil. Que papel repressivo poderiam ter as Forças Amadas fora de um golpe? Os estados de defesa e de sítio, reitero, dependem da aprovação do Congresso — e, ainda assim, são passíveis de questionamento no Supremo.

SEM TUTELA
Bolsonaro teve de se livrar de uma cereja do reacionarismo mais tacanho: Ernesto Araújo. Ele é tudo aquilo com que a extrema direita mais rombuda sempre sonhou. Diz os disparates assombrosos, mas tem certa reputação de homem intelectualmente preparado.

O Centrão aumenta o peso relativo no seu governo. As negociações com a base de apoio estarão, como nunca, sob a supervisão de Arthur Lira. Como manter, para o seu eleitorado, a impressão de que está no comando e de que pode, bastando querer, dar um murro na mesa?

Pois é... Bolsonaro resolveu, então, derrubar o comandante do Exército. Para efetuar essa manobra, teve de alvejar também o ministro da Defesa. Considerando que nem os adversários de direita nem os de esquerda andam a bulir com os granadeiros, o único fator hoje de instabilidade nas Forças Armadas é o próprio presidente.

E, como fica claro mais uma vez, ele tem especial predileção por vitimar generais.

Então agora pode dizer a seus fanáticos; "Viram? Ninguém me tutela. É o meu Exército! Se quiser, dou golpe, decreto estado de defesa ou de sítio, pinto e bordo".

Mas cumpre perguntar e responder: "É assim mesmo?"

Resposta: "Não"!

Comandantes militares colocam cargos à disposição e descartam golpismo



Os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea decidiram colocar seus cargos à disposição do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, em uma reunião prevista para o começo da manhã desta terça (30).

Eles querem acompanhar a saída do general Fernando Azevedo da pasta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (29) após seguidas negativas de apoio político ao governo federal.

Segundo um interlocutor de Azevedo, o limite da relação dos dois foi atingido a partir da semana passada, quando Bolsonaro voltou a insinuar que queria o apoio do Exército para aplicar medidas de exceção como o estado de defesa em unidades da Federação que aplicam lockdowns contra a pandemia.

A relação entre ambos já vinha desgastada pelo que um aliado do presidente qualificou de falta de apoio político das Forças Armadas, decididas a se afastar dos fardados que ocupam o governo federal.

Para esse aliado, há pouco reconhecimento ao fato de que Bolsonaro trabalhou para manter benesses à categoria com a reforma previdenciária e administrativa das Forças, aprovada em 2019, além de garantir investimentos na maioria dos programas bélicos prioritários.

O problema foi explicitado por Azevedo em sua carta de demissão, na qual omite que foi demitido, mas ressalva que buscou preservar as Forças Armadas como instrumentos de estado —em oposição à ideia bolsonarista de uma milícia de apoio ao governo.

O combinado entre os comandantes, que se encontraram com Azevedo e depois fizeram uma reunião, era entregar o cargo conjuntamente. Braga Netto pediu para que eles esperassem e se encontrassem nesta terça-feira.

Se Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) saírem juntos, isso terá sido inédito. Os dois últimos podem ficar, caso Braga Netto os convença a evitar mais turbulência.

Em abril de 2020, Jair Bolsonaro cumprimenta com o cotovelo o general Edson Pujol, em cerimônia
no Comando Militar do Sul, em Porto Alegre - Marcos Corrêa - 30.abr.2020/PR

Já Pujol é o único cuja permanência não é especulada por ninguém, dado o grau de animosidade entre ele e Bolsonaro. O presidente já havia tentado tirá-lo do cargo no ano passado, como a Folha revelou.

É uma disputa que vem do ano passado, simbolizada no dia em que Pujol ofereceu o cotovelo a um aperto de mão do presidente. O comandante chamou o esforço contra a Covid-19 de maior missão de sua geração, enquanto o chefe promovia aglomerações e falava em "gripezinha".

Tal diferença se acentuou. Como chefe da Força mais importante, coube a Pujol riscar a linha no chão ao dizer em uma palestra que os militares tinham de ficar fora da política. A crise seguiu com a insistência do general Eduardo Pazuello em se manter na ativa enquanto conduzia a sua criticada gestão no Ministério da Saúde.

Com as novas insinuações de Bolsonaro sobre os usos do que chamou de "meu Exército", as insatisfações foram transparecendo, como a Folha mostrou na semana passada. Agora, transbordaram.


Em reunião posterior com os integrantes do Alto-Comando do Exército, por videoconferência, Pujol discutiu os cenários.

Segundo o pouco que transpareceu até aqui do encontro, as Forças querem dar um recado claro a Braga Netto de que não aceitariam ser usadas por Bolsonaro em qualquer iniciativa golpista.

Uma forma de isso acontecer sem sugerir insubordinação é a costura dos nomes dos novos comandantes. Na FAB e na Marinha a situação é relativamente tranquila, por serem forças de menor peso relativo.

No Exército, o ideal debatido seria a apresentação de nomes com apoio consensual do Alto-Comando e que não fossem muito próximo do bolsonarismo. Há uma questão a avaliar, prezada pelos militares, que é a antiguidade.

Tradicionalmente, o ministro da Defesa apresenta três nomes para o presidente escolher para o comando, todos os mais antigos da Força, e na maioria das vezes o que tem mais tempo de caserna leva.

A partir desta quarta (31), o mais longevo general de quatro estrelas da ativa será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), vai à reserva neste dia.

Um nome denso é o do número 2 da Força, Marco Antônio Amaro dos Santos, que será o segundo mais antigo. O terceiro será Paulo Sérgio (Pessoal), que irritou Bolsonaro ao conceder entrevista na qual mostrou ações do Exército contra a Covid-19.

Na sequência vêm Laerte Souza Santos (Comando Logístico) e o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes, nome bastante ventilado, apesar de nem fazer parte dos três mais antigos. Todos são vistos como muito próximos e alinhados a Pujol.

Seja qual for o desfecho da reunião desta terça, o certo é que Bolsonaro contratou uma ameaça de crise militar com sua mudança ministerial desta segunda. E na quarta (31) se completam 57 anos do golpe de 1964, uma data central e sensível do calendário militar brasileiro.

Na Folha

Em vídeo, prefeitos narram colapso e pedem ajuda internacional para combater Covid



Prefeitos de oito cidades do país, entre elas seis capitais, pediram socorro internacional no combate à pandemia da Covid-19 em vídeo produzido e divulgado nesta segunda-feira (29) pela FNP (Frente Nacional de Prefeitos).

Na gravação, com legendas em inglês, os gestores afirmam que, se tiverem a ajuda de outros nações, poderiam disponibilizar leitos, medicamentos, testagem gratuita, vacinas e oxigênio, além de auxiliar as populações mais vulneráveis.

Participaram do projeto os prefeitos do Rio de Janeiro (RJ), Eduardo Paes (MDB); de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira (PDT); de Florianópolis (SC), Gean Loureiro (DEM); de Salvador (BA), Bruno Reis (DEM); de Belém (PA), Edmilson Rodrigues (PSOL); de Fortaleza (CE), José Sarto (PDT); de Caruaru (PE), Raquel Lyra (PSDB); e de Pelotas (RS), Paula Mascarenhas (PSDB).​

No vídeo, os prefeitos alternam e completam suas falas, sugerindo que estão unidos. Afirmam que o Brasil passa pela maior crise sanitária e humanitária de sua história, enfrentando um colapso no sistema de saúde, no turismo, na economia e na vida da população.

"O vírus se replica rapidamente, sofre mutações, a transmissão aumenta. É uma questão de tempo para mais variantes e mortes. Chegamos a uma fase crítica de ocupação de leitos de UTI. A falta de insumos em todos os municípios nos torna um grande epicentro da pandemia, com milhares de mortes por dia", diz o texto da gravação.

"Acreditamos na ciência e precisamos de mais vacinas. Precisamos começar agora a acelerar os programas de vacinação, aumentar as medidas antiaglomeração, punir informações falsas, reforçar as medidas preventivas (...) Somos nós, prefeitos, os responsáveis por vacinar a população dos nossos municípios. Por isso estamos unidos, pedindo socorro."

Segundo a Frente Nacional de Prefeitos, o objetivo do projeto é divulgar, na mídia nacional e internacional, que os prefeitos estão empenhados em enfrentar a Covid-19 amparados pela ciência.

De acordo com a frente, o Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras já reúne mais de 2.600 municípios interessados em adquirir vacinas, medicamentos e insumos. O objetivo do consórcio é oferecer suporte às cidades caso o Programa Nacional de Imunização não consiga suprir a demanda nacional.

Em fevereiro, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou que estados e municípios participassem de negociações para a aquisição de vacinas contra a Covid-19.

O Brasil registrou 1.969 mortes e 44.720 casos da doença nas últimas 24 horas, em meio a um forte recrudescimento da pandemia. O país chegou ao quarto dia seguido de recorde de média móvel de mortes, que agora é de 2.655.

Assistam ao vídeo: 


Na Folha

segunda-feira, 29 de março de 2021

Nome do problema não é Araújo, mas Bolsonaro



Está evidente que o governo tem um problema. Ele tem nome e sobrenome. Se o transtorno se chamasse Ricardo Velez Rodrígues ou Abraham Weintraub, as mudanças no Ministério da Educação teriam resolvido tudo.

Se a encrenca pudesse ser chamada de Eduardo Pazuello, a saída do general da pasta da Saúde teria tranquilizado os brasileiros.

Se o apelido da confusão fosse Ernesto Araújo, como se imagina agora, a queda do pior chanceler que o Itamaraty já conheceu restabeleceria a ordem.

Se o delírio que desafia a administração pública fosse identificado como Ricardo Salles, bastaria mais um golpe de esferográfica para sanear também a pasta do Meio Ambiente.

O diabo é que o problema não se chama Velez, Weintraub, Pazuello, Araújo ou Salles. Chama-se Jair Bolsonaro o verdadeiro problema do governo.

O capitão chegou ao Planalto como solução dos quase 58 milhões de brasileiros que o elegeram. Assumiu uma máquina estatal ideal para a instalação de uma administração pública inteiramente nova. Caos não faltava.

Bolsonaro tornou-se um problema ao fazer uma opção prioritária pela ideologia da trapalhada. Dedica-se à destruição, não à reconstrução do Estado. Não é conservador, mas arcaico.

O presidente não substitui ministros. Por pressão, ele demite a si mesmo das pastas. Na sequência, Bolsonaro se renomeia, acomodando nas poltronas prepostos acorrentados às mesmas idiossincrasias.

A Educação é comandada por uma nulidade chamada Milton Ribeiro, um ministro invisível.

A Saúde foi devolvida a um médico, o cardiologista Marcelo Queiroga, que se esquiva de expor claramente seus planos para fugir do destino do ortopedista Henrique Mandetta ou do oncologista Nelson Teich, expurgados da pasta em plena pandemia.

Para o Itamaraty, Bolsonaro busca um novo Ernesto. No Meio Ambiente, não colocará senão um Salles qualquer.

Muitos confundem bagunça com atividade, general com generalidade, teimosia com tenacidade.

Sob Bolsonaro, entretanto, cada "nova" boça revela-se a mesma boçalidade. A diferença é que, agora, o capitão confunde centrão com lealdade.

Logo perceberá que presidente não é divindade. Isso ocorrerá quando os atores de Brasília concluírem que o instinto de sobrevivência não orna com mortandade.

Por Josias de Souza

A CCJ tem de fazer motim contra Bia Kicis, que incentiva motim de PMs na BA


O tuíte indecente e criminoso de Bia Kicis, que preside a CCJ da Câmara ? 
o que dá noção do abismo em que estamos Imagem: Reprodução/Twitter

Todos os deputados de bem que integram a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara têm um dever cívico: tornar inviável o comando da deputada Bia Kicis (PSL-DF) à frente da mais importante comissão da Casa. Sua irresponsabilidade não conhece limites. Sua truculência ignora qualquer noção de risco. Seu ódio à ordem democrático ultrapassa o limite do tolerável. Mas não só: Augusto Aras tem de encaminhar ao ministro Alexandre de Moraes — relator no Supremo tanto do inquérito que apura as fake news contra o tribunal como do que trata dos atos antidemocráticos — um pedido para que um tuíte da parlamentar integre os autos. A que me refiro?

Neste domingo, Wesley Soares Goes, um soldado da PM da Bahia, oriundo de Itacaré, no Sul do Estado, chegou ao Farol da Barra, em Salvador. Desceu de seu carro, uniformizado, o rosto pintado de verde e amarelo e gritou: "Venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia". E começou a fazer disparos para o alto com um fuzil. Estava também com uma pistola. Ninguém sabe exatamente o motivo do surto. Volto a esse ponto daqui a pouco.

Seguiram para o local para tentar negociar com Wesley homens do Bope, do Batalhão de Choque, do Esquadrão Águia, além de integrantes da Secretaria da Segurança Pública, incluindo a Superintendência de Inteligência (SI). Foi inútil. Ele resolveu disparar contra os próprios policiais e foi atingido, segundo consta, por 10 tiros. Socorrido, foi levado ao Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu.

Atenção! A ação foi testemunhada pela imprensa e por dezenas de pessoas que estavam no local. O ato tresloucado de Wesley está mais do que documentado. Os fascistoides, no entanto, estão por aí, à solta, em todo canto. O deputado estadual Marco Prisco (PSC), que estava no local e viu tudo, convocou uma greve de policiais:
"Mataram um policial, mataram um trabalhador. Até quando vocês vão aceitar isso? Mataram um policial, a hora de parar é agora. Eu convoco vocês. Estou pedindo pelo amor de Deus. Mataram um trabalhador, um pai de família, todo mundo viu. O cara foi assassinado. Quando é vagabundo, a gente se joga na frente, como aconteceu na orla. Não é dessa forma".

Prisco está em seu segundo mandato. Pertence aos quadros da PM e está licenciado porque parlamentar. É membro da cota excrescente e crescente no Brasil dos uniformizados que viram políticos. Comandou uma greve de PMs na Bahia em 2002 e foi expulso da corporação. Em 2017, acreditem, conseguiu na Justiça a sua reintegração. Querem um pouco mais de esquisitice? Já pertenceu ao movimento de esquerda Terra, Trabalho e Liberdade, em passado remoto. Hoje faz discurso bolsonarista a céu aberto.

Em frente ao hospital a que foi levado, um grupo de fascistoides gritava palavras de ordem contra o governo da Bahia e pregava a greve dos policiais.

Se a indignidade política passa a galope, Bia Kicis não rejeita cavalgá-la. Nunca! No Twitter, escreveu:
"Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia parou. Chega de cumprir ordem ilegal!"

INCITAMENTO DAS PMs
Não! A PM não parou. Bia Kicis está defendendo o ato de um policial que atirou com um fuzil contra os seus próprios colegas. Não há informações, até agora, de que estivesse se negando a cumprir alguma ordem do governo do Estado, embora, sim, e agora começo a chegar à questão mais grave, sua coreografia deva ser investigada.

Por que o PM estava com o rosto pintado de verde e amarelo? O que já significou a adesão às diretas e à democracia passou por um importante deslocamento de sentido. Noto que ele não se pintou de azul, vermelho e branco, as cores da bandeira da Bahia. Estava ali a se oferecer como o quê? Soldado da "pátria"?

As milícias digitais bolsonaristas estão incitando as PMs nos Estados a se rebelar contra os governadores. Não sei se é o caso de Wesley. Mas é preciso proceder a uma investigação rigorosa. Há que se ver se esse rapaz agiu sozinho ou se estava sendo incitado a fazer uma loucura. E o incitamento também é crime tipificado.

O caso precisa ser investigado a fundo, com quebra de sigilo telefônico e telemático — e, a depender do caso, bancário. Mais: que páginas visitava na Internet? Ainda que pudesse estar com alguma perturbação pessoal para se jogar na aventura suicida, urge que se apure se havia a mão de alguém apertando intelectualmente aquele gatilho. Há vagabundos dando "cursos de formação política" para PMs na Internet. Ou melhor: curso de subversão da ordem democrática.

Quanto a Bia Kicis, dizer o quê? A deputada federal, presidente da CCJ, está claramente incentivando um motim da Polícia Militar da Bahia contra o governador. Ela nem sequer dispõe de elementos que evidenciem que se tratava de um ato de protesto político. Mas ela parte do pressuposto de que sim. E é justamente aí que tem de ser investigada.

Eis a razão pela qual sou contrário a que se jogue no lixo toda a Lei de Segurança Nacional, sem deixar nada no lugar. A menos que seja substituída por uma Lei de Defesa do Estado Democrático, os aspectos que não foram tornados sem efeito pela Constituição têm de permanecer.

Tanto Bia Kicis como o tal Prisco incorreram nos seguintes artigos:
Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

Art. 23 - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

Não é admissível — e as pessoas com juízo na Câmara e na Assembleia Legislativa da Bahia não podem aceitar — que uma deputada federal e um deputado estadual se aproveitem de uma tragédia, que poderia ter sido muito maior, para incentivar o caos e a desobediência de uma força armada.

Jornalistas relataram, e está documentado, que policiais de um destacamento atiraram para o alto para assustar os profissionais da imprensa, tentando impedir o seu trabalho. A intimidação é inaceitável e também tem de ser investigada.

PARA ENCERRAR
Reitero: está em curso um trabalho cotidiano e organizado de incitamento das PMs contra os governadores. A questão precisa ser investigada com rigor. O lugar dos que o promovem é a cadeia -- estejam no Brasil ou não. Para isso, existem tratados internacionais.

Chega dessa patuscada!

PS: O tuíte da deputada vem com uma narração, aos prantos, e uma música que incita a revolta. Nunca se viu esta senhora soltar uma lágrima pelos quase 310 mil mortos de Covid-19. Ao contrário: ela tem um projeto para proibir a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos. Mas o PM que atirou contra seus pares de farda é tratado como um guerreiro da pátria. E a deixa muito comovida. E ela não vai parar se não for parada pela Justiça. A exemplo de seu líder

Por Reinaldo Azevedo

Senado recebe 2º ataque boçal em 4 dias de homens de Bolsonaro. Até quando?



Até quando o governo federal, por intermédio de seus delinquentes intelectuais, continuará a agredir o Senado Brasileiro, que tem feito tudo — e até um pouco mais — do que está a seu alcance para corrigir os desastres do Executivo? Na quarta-feira, vimos o tal Filipe Martins "ajeitar o terno", como ele disse, com um gesto que repete a mímica dos supremacistas brancos. No Brasil, note-se, o sinal quer dizer outra coisa. Fez o que fez enquanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, discursava numa sessão que ouvia Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores. Neste domingo, foi a vez de o próprio Araújo insultar a Casa ao atacar de maneira boçal a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores. Senador que se dispuser a dialogar com o Itamaraty, enquanto Araújo continuar ministro, é despido de vergonha na cara. Simples assim.

O ARTIGO DE KÁTIA
Recuperar as circunstâncias do ataque expõe o surrealismo em que vivemos. Neste domingo, a senadora publicou um artigo no jornal O Globo. O mais espetacular é que ela pôs foco menos na incompetência do governo -- o que também fez, mas não era o alvo do seu texto -- do que na obrigação que têm as duas grandes potências em colaborar com o país neste momento. Sim, senhores! Kátia lembra o papel que tem o país como produtor de alimentos. Escreve:
"Somos o maior exportador de alimentos da humanidade, somos o maior fornecedor de insumos no campo mineral, somos os guardiões da maior parcela do maior pulmão do planeta, a Amazônia. O Brasil não pode, com todo o respeito aos demais países e a todos os povos, ser tratado pela comunidade internacional e, sobretudo, pelos Estados Unidos e pela China (que detêm hoje o domínio na produção das vacinas da pandemia) como uma ilha no meio do oceano, cuja única atração são suas belezas naturais, que também temos, de sobra, por sinal."

Quando o Senado brasileiro, na prática, pediu vacinas ao governo americano, falei com a senadora. Ela fez afirmação muito parecida, deixando claro que cabia também ao Congresso uma cota de governança. E está certa. Incumbe à Câmara e ao Senado, ainda que não sejam Poder Executivo, esforçar-se para trazer vacinas ao país.

A senadora vive neste mundo e sabe com que tipo de gente lida o Senado. Sim, ela escreve o seguinte em seu artigo:
"Não podemos ter a arrogância subalterna que hoje o Itamaraty em Brasília mostra ao mundo. Temos de ter a humildade altiva de sabermos quem somos e quem continuaremos a ser, com quem contamos e com quem poderemos contar. A pandemia, sem dúvida, é uma crise. Mas é também uma grande oportunidade para fazer uma pequena aposta no Brasil, de forma a provar quem são nossos verdadeiros aliados. O Brasil das próximas décadas será marcado pela gratidão a esse gesto."

ARAÚJO ZANGADINHO
Araújo zangou-se e se comportou, para surpresa de ninguém, de modo pusilânime. Apelou às redes sociais para atacar a senadora, sugerindo que ela faz lobby em favor dos interesses chineses. Escreveu:
"Em 4/3 recebi a Senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: 'Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.' Não fiz gesto algum. Desconsiderei a sugestão inclusive porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio Presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria".

O impasse sobre o 5G preocupa hoje a economia brasileira: indústria, serviços, setor financeiro, agronegócio... Todos! Não confio, obviamente, na síntese que este senhor faz da conversa. Qual a razão? Quem tem a coragem de escrever um artigo, como fez, afirmando que Donald Trump era o grande sacerdote do Deus do Ocidente e que deveríamos nos filiar à sua igreja é capaz de qualquer coisa. Mas convenham: ainda que a senadora tivesse empregado aquelas palavras, que mal haveria? Estaria apenas cumprindo o seu papel de presidente da Comissão de Relações Exteriores.

Em vez de um ministro, temos um prosélito, que fala como se fosse membro de uma seita de extremistas, alheio às necessidades de um país que abriu a contagem regressiva para os 400 mil mortos. E daí? Ele está preocupado é com os vírus imaginários que estariam contaminando o nosso espírito, não com as milhares de pessoas que hoje morrem sufocadas em hospitais colapsados.

É claro que é um ministro à altura do governo que temos. Tirar o presidente — a cada dia, isso parece ser mais urgente —, no entanto, não é tarefa simples. Já a demissão de Araújo se tornou uma questão de sobrevivência. Para o Senado, depois de duas agressões graves em quatro dias, também é uma questão de honra.

Quando falei com Kátia, na semana passada, ela sabe o que ouviu deste jornalista na forma de pergunta. Afirmei e indaguei: "Senadora, penso que vocês estão certos, sim, nesse esforço. Mas a senhora não avalia que o trabalho de vocês acaba neutralizado pela inoperância e pela incompetência do Itamaraty, que conta com o suporte do presidente?"

Ela observou:
"Eu concordo com as críticas, sim, mas temos de fazer alguma coisa. Os brasileiros não podem continuar a morrer assim, Reinaldo".

Eis aí: o braço de Bolsonaro no Itamaraty não deixa de cumprir sua obrigação como busca alvejar quem trabalha.

Por Reinaldo Azevedo

domingo, 28 de março de 2021

Bolsonaro vê Mourão como pretendente ao trono



Bolsonaro voltou a se queixar de Hamilton Mourão em privado. Irrita-se com o hábito do vice de conversar com repórteres. Teve uma recaída porque Mourão defendeu o papel de governadores e prefeitos na formulação de medidas restritivas contra o coronavírus.

Quem ouviu Bolsonaro ficou com a impressão de que o presidente, trancado em seus rancores, dá asas a uma teoria conspiratória. Ele fala como se suspeitasse que Mourão está se insinuando à cúpula do Congresso e à "turma do fique em casa" como um pretendente ao trono.

Na entrevista que aborreceu Bolsonaro, Mourão declarou três obviedades:

1) O número de mortos por Covid "ultrapassou o limite do bom senso";

2) As "medidas restritivas têm que ficar a cargo dos governadores e prefeitos, que cada um sabe como está a situação na sua área";

3) "O governo federal tem que dar o apoio necessário, não digo no caso dessas medidas, mas o apoio do governo é em termos de recursos financeiros, de medidas na área econômica como foram tomadas no ano passado, no sentido de minorar a situação do restante da população."

As palavras de Mourão soaram dois dias depois de o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, ter rejeitado uma ação de Bolsonaro contra medidas de restrição adotadas pelos governos do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.

Na véspera, o presidente da Câmara, Arthur Lira, discursara em plenário sobre os erros cometidos no enfrentamento da pandemia. Disse que acendeu o "sinal amarelo". Deixou no ar a hipótese de lançar mão de remédios "amargos". Alguns deles "fatais".

Nas pegadas da fala de Mourão, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), declarou ao jornal Valor Econômico: "Não tenho nenhuma dúvida de que o vice-presidente teria melhores condições de liderar o país neste momento. Não que eu concorde com seu ideário, sua visão política, mas ele teria a capacidade de dialogar em termos razoáveis. Sou testemunha disso."

Para Dino, Mourão "tem a capacidade de ouvir, elaborar, refletir e muito mais capacidade cognitiva e devoção ao trabalho. Ele teria pelo menos uma agenda de trabalho, de reuniões, para ouvir as pessoas. Seria uma mudança profunda."

O governador maranhense arrematou: "Jamais votaria no vice para ser presidente, mas comparando com Bolsonaro seria quase a distinção entre civilização e barbárie."

É contra esse pano de fundo que Bolsonaro coloca em dúvida a fidelidade de Mourão. Do modo como se expressa, o capitão parece suspeitar que o general que escolheu para parceiro entrou naquela fase do casamento em que um dos cônjuges acredita que a felicidade conjugal só é possível a três.

Em agosto de 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro exalava otimismo com a decisão do seu pai de converter Mourão em companheiro de chapa. "Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice. Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment."

Habituado a fazer política na base do tranco, faltou ao Zero Três a sabedoria de Magalhães Pinto, raposa da fauna mineira: "Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou."

Por Josias de Souza

sábado, 27 de março de 2021

Diplomacia do desatino



No dia em que assumiu o Ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo citou a Bíblia em grego, rezou a Ave Maria em tupi e viajou na maionese em português. Num discurso delirante, o chanceler misturou Tarcísio Meira, Renato Russo, Dom Sebastião e Raul Seixas. A performance espantou a plateia e inaugurou uma era de vexames no Itamaraty.

Discípulo de Olavo de Carvalho, Araújo aplicou a cartilha da extrema direita na diplomacia. Prometeu uma “política externa do povo”, mas subordinou o interesse nacional às crenças de uma seita radical.

O chanceler hostilizou nações amigas, endossou teorias conspiratórias e isolou o Brasil em fóruns internacionais. Na ONU, o país passou a boicotar resoluções que defendiam os direitos humanos. Alinhou-se a teocracias que oprimem mulheres e perseguem minorias.

O fanatismo também pautou a relação do ministro com o chefe. Num discurso banhado em lágrimas, Araújo chegou a comparar Jair Bolsonaro a Jesus Cristo. Aos soluços, descreveu o capitão como a “pedra angular” de um “novo Brasil”.

A vassalagem não o salvou de humilhações públicas. Numa visita à Casa Branca, o chanceler foi barrado no encontro com Donald Trump. Enquanto ele esperava no corredor, o deputado Eduardo Bolsonaro acompanhava o pai no Salão Oval.

A submissão a Trump foi um capítulo à parte na gestão Araújo. Para bajular o republicano, o ministro traiu países vizinhos, aceitou taxas abusivas e abriu mão de espaço em organizações multilaterais. Quando Joe Biden venceu, ele endossou a falsa tese de fraude eleitoral. A birra aumentou a má vontade da nova administração americana com o Brasil.

Durante dois anos, o Congresso e a elite empresarial fecharam os olhos enquanto Araújo babava na gravata. Num governo cheio de lunáticos, os desatinos do chanceler foram tratados como um exotismo a mais. A omissão durou até o agravamento da pandemia.

Com mais de 300 mil mortos pela Covid, o Brasil sofre para conseguir vacinas e medicamentos. Parte do drama se deve à antidiplomacia de Araújo, que inviabilizou acordos com a China e a Índia. Agora Senado e Câmara exigem a demissão do ministro. Mas não basta afastá-lo do cargo. Ele precisa ser responsabilizado como um dos cúmplices da tragédia.

Bolsonaro tenta salvar os anéis porque os dedos já se foram



No planeta Terra não tem governo que se sustente com 300 mil mortos por uma pandemia. Parte da culpa lhe será naturalmente atribuída, tanto mais quando se trata de um governo que fez por merecê-la. É esse o destino manifesto do presidente Jair Bolsonaro sugerido desde já pelas pesquisas de opinião pública.

A mais recente delas, revelada pela revista EXAME, é do instituto Ideia Big Data, que ouviu 1.255 pessoas entre os últimos dias 22 e 24 de março. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. A desaprovação do governo Bolsonaro chegou à marca de 49%, a pior desde junho passado (54%).

Se antes era de 30% a porcentagem dos que consideravam Bolsonaro um líder ótimo ou bom, agora é de 25%. Com atraso, as pessoas finalmente começam a dar-se conta da dimensão da tragédia que se abateu sobre o país e de que tudo ou quase tudo dito por Bolsonaro a respeito não passou de mentiras.

Não, não era uma gripezinha ou resfriadinho. Não, a cloroquina e outras drogas não funcionam contra o vírus. Não, não se pode separar a salvação da economia da salvação de vidas. Vidas em primeiro lugar porque, sem elas, não haverá economia robusta. Não, a pandemia não estava no seu finalzinho em dezembro.

Para 77% dos entrevistados, a aplicação das vacinas está atrasada. Nesse quesito houve um avanço de 10 pontos percentuais em comparação ao registrado na pesquisa de 15 de janeiro último. 52% dos brasileiros vão pedir o novo auxílio emergencial – mas desses, 69% acham que menos de 600 reais é muito pouco.

Entre os dias 12 e 16 deste mês, o Instituto Paraná Pesquisas ouviu 2.334 pessoas. Segundo a revista VEJA, 80,4% admitiram que a pandemia dura mais do que imaginavam, e 73,4% que o número de mortos é maior do que o esperado. O medo de perder alguém querido para a doença atinge 48%, com viés de alta.

Pela primeira vez, 20% dos brasileiros atribuem o cenário crítico da pandemia a todos os políticos com cargos eletivos (o índice era de 6% em maio de 2020). Também cresceu a responsabilização de Bolsonaro pelo descontrole da doença. O porcentual é de 29,4%, muito superior aos 11,2% que culpam os governadores.

Dá para dizer que o presidente desperdiçou as chances de virar o jogo na pandemia? Dá, sim, e agora, enfraquecido, corre atrás do prejuízo. O vírus matou até ontem 307.326 pessoas. É mais que o total de soldados do Exército (235 mil) e próximo do total de 335 mil militares da ativa do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Por Ricardo Noblat

Pazuello evolui de gestor extraordinário a estorvo



Diz-se que um graduado militar alemão, em visita ao estúdio de Picasso, deu de cara com uma reprodução de "Guernica", o célebre quadro que mostra a destruição da cidade de mesmo nome em 1937, durante a guerra civil espanhola, "Foi o senhor que fez?", indagou o militar. E Picasso: "Não, não. Foram os senhores."

Aos olhos de Bolsonaro, Pazuello é uma espécie de Picasso da saúde pública. Quando contempla a "arte" do general, o capitão enxerga uma obra-prima, não as mortes por falta de vacinas. "Fez um trabalho extraordinário no Ministério da Saúde", afagou o presidente, depois de demitir o sucesso.

A condescendência de Bolsonaro é natural, pois Pazuello não passa de um batedor de continência. Realizou no ministério uma gestão do tipo "um manda, outro obedece."

Crivado de inquéritos sobre suas ações e omissões na pandemia, o general sempre poderá alegar que não fez senão cumprir ordens. O diabo é que Bolsonaro não enxerga no espelho a imagem de um culpado pela Guernica sanitária em que se converter o Brasil, uma terra arrasada com mais de 300 mil cadáveres.

Ironicamente, o "gestor extraordinário" não consegue uma nova colocação. Bolsonaro cogitou criar um Ministério da Amazônia. Precisaria do aval do Congresso. O centrão sinalizou que votaria contra.

Bolsonaro cogitou entregar para Pazuello o comando do Programa de Parcerias de Investimento, o PPI. Cuida de privatizações e concessões. O pajé da Economia Paulo Guedes levou o pé à porta.

Não restou outra alternativa ao presidente que não fosse devolver o general ao Ministério da Defesa. Que não sabe o que fazer com a mão de obra "extraordinária" de Pazuello.

Na prática, o Picasso da saúde brasileira virou algo que o líder socialista da Espanha Felipe González costuma definir como "vaso chinês". Mesmo quem acha lindo não sabe muito bem onde colocar. Pazuello evoluiu de 'gestor extraordinário' à condição de estorvo. Pode virar coisa pior, dependendo do andamento dos inquéritos em que aparece como corresponsável pela Guernica sanitária.

Por Josias de Souza

sexta-feira, 26 de março de 2021

Comitê de Gestão (Felicio Vitali)



Todo gestor incompetente, diante de um problema, toma uma ou outra decisão que, de antemão, sabe que não vai funcionar:

1. Trata o problema com simplismo. Dá a ele soluções inócuas, que disfarçam, mas não resolvem e depois empurra o problema com a barriga, até convencer as pessoas de que não tinha mesmo o que fazer e cada um vai dar o seu jeito pessoal pra conviver com a situação.

2. Convoca um grupo de trabalho, dá um nome bonito do tipo "Comitê ou Comissão de Gestão".

O nosso esperto bolsolóide tentou a primeira, não deu certo e as pessoas o culparam pela inoperância, sua avaliação caiu nas pesquisas e agora tenta a segunda alternativa.

Ele sabe que de novo não vai funcionar, mas ao menos ele dividirá as suas responsabilidades com os bobões dos demais poderes e ainda vai poder dizer: "tá vendo? Me culparam, mas também não resolveram".

Enquanto isso, o povo vai se virando como pode. Quem pode mais, reclama e manifesta com aglomerações contra as medidas de afastamento social e faz como um grupo de empresários mineiros: burlam o sistema, compram vacinas e escondidos se imunizam.

O resto, a grande maioria, que pode menos, continua na fila e, com muita sorte, diariamente entre um "buzão" e um metrô, escapa da doença.

É como se fosse aquele passageiro que perdeu o voo e não embarcou em um dos 20 aviões que estão caindo todo santo dia, sem que o bolsolóide manifeste preocupação, empatia e compaixão.

Poder se desloca do Executivo para o Legislativo



Em política tudo é permitido, exceto deixar-se surpreender. Nas últimas semanas, Bolsonaro vinha executando uma mudança estratégica: migrava gradativamente do negacionismo para a defesa da vacinação. O movimento foi mais lento do que o avanço do coronavírus exigia.

Bolsonaro apressou o passo. Mas sua retórica chegou desacompanhada das doses de vacina necessárias para atingir a almejada imunização coletiva. Consolidou-se a impressão de que a pandemia virou um problema maior do que a capacidade do governo de resolvê-lo.

Em consequência, ocorre um gradativo deslocamento de poder do âmbito do Executivo para o Legislativo. Esse deslocamento começou a se esboçar quando Bolsonaro trocou, por pressão dos seus aliados no Congresso, um general por um médico no Ministério da Saúde.

Também o chanceler Ernesto Araújo, visto no Legislativo como estorvo para a aquisição de vacinas no exterior, virou uma demissão esperando para acontecer.

A migração ganhou maior nitidez depois que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, assumiu o papel de interlocutor dos governadores na crise sanitária.

A coisa ficou definitivamente clara no instante em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, acendeu no plenário o que ele chamou de "sinal amarelo."

"Tudo tem limite", disse Lira, referindo-se aos erros cometidos no enfrentamento da pandemia. Num discurso escrito previamente, sem improvisos, o deputado fez questão de qualificar os equívocos: "Erros primários, erros desnecessários, erros inúteis...", ele disse.

Contra a síndrome do erro, lembrou o réu do centrão que comanda a Câmara, os remédios do Legislativo "são conhecidos" e "amargos". Alguns são "fatais", Lira realçou, como se desejasse lembrar a existência de sete dezenas de pedidos de impeachment em sua gaveta.

Bolsonaro viu-se compelido a receber Arthur Lira em seu gabinete fora da agenda. Levou o deputado até a saída do Planalto, para que os repórteres testemunhassem a cena. "Não tem problema entre nós", disse o presidente, num esforço para passar a impressão de que faz e acontece.

Os presidentes do Senado e da Câmara ocupam a boca do palco empurrados por empresários com os quais se reuniram na semana passada, em São Paulo.

Não é que Bolsonaro será arrancado do poder abruptamente. A questão é que os fatos revelam que, a despeito de permanecer no volante, Bolsonaro já não dita o rumo às forças contraditórias que gravitam ao seu redor. Em vez de governá-las, é governado por elas.

A mudança é compatível com a evolução da pandemia. Nenhum cenário pode permanecer inalterado com a presença de mais de 300 mil cadáveres na paisagem.

Por Josias de Souza

Nova vacina criada pelo Butantan é um marco e, mais uma vez, um golaço de Doria


João Doria, governador de São Paulo: se nova vacina for bem-sucedida, será ainda mais difícil convencer Doria de que ele não deve disputar a Presidência

Tudo indica que nasceu a primeira vacina inteiramente brasileira contra a Covid-19: a Butanvac, desenvolvida pelo Instituto Butantan. Não havendo percalços, será o maior feito de João Doria, governador de São Paulo, contra a doença. Numa democracia, falar em eleição não é ofensa. Trata-se apenas de lembrar uma das regras do jogo. Se ele não abrir mão da postulação, parece que será muito difícil tirá-lo da corrida presidencial — pelo PSDB ou não.

Doria e a direção do Instituto Butantan concederão uma entrevista nesta sexta para falar sobre o imunizante.

Se a vacina for bem-sucedida, será o terceiro gol de placa do governador contra a pandemia, o maior desafio posto hoje aos governos de todo o mundo. Se os feitos renderão dividendos eleitorais, aí o tempo dirá. Vamos ao que é fato até aqui.

O país vacinou com a primeira dose 8,7% da população. Nada menos de 85% dos frascos tinham a marca Coronavac, a maior parte já produzida no Butantan, mas com insumos importados da China. Ainda neste ano, o instituto promete começar a fabricar o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo). E, então, se terá o domínio de todo o ciclo de produção do imunizante.

SORO
Na quarta, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a realização em humanos de testes de um soro anticoronavírus que também vem sendo desenvolvido pelo Butantan a partir do plasma de cavalos.

Nesse caso, não se trata de uma vacina, mas de um remédio contra a doença. O teste consiste na aplicação da droga em pessoas que estão com a Covid-19. Houvesse um remédio assim, o sistema de Saúde do país não estaria em colapso.

Nenhum dos imunizantes aplicados no mundo tem 100% de eficácia. Mesmo quando todas as pessoas aptas a receber as vacinas estiverem imunizadas, existirão milhares de casos da doença. Haver um remédio que minora seus efeitos e que diminua o número de internações será uma bênção.

A VACINA BRASILEIRA
Bolsonaro e suas milícias tentaram desqualificar a Coronavac, chamando-a de "Vachina", porque desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Ninguém havia contado ao presidente que o IFA que serve à fabricação do imunizante da AztraZeneca/Oxford também é fornecido pelos chineses...

Bem, se o Butantan lograr êxito, o instituto fará a primeira vacina realmente brasileira, associado a um consórcio internacional. Sabia-se que o órgão se dedicava à tarefa, mas não se imaginava que uma resposta pudesse vir tão cedo.

Na entrevista desta sexta, o governador e Dimas Covas, diretor do Butantan, devem anunciar o pedido à Anvisa para a realização simultânea das etapas 1 e 2 de testes, que compreendem a aplicação da droga em 1.800 voluntários. A fase três alcança 9 mil pessoas. Só então se consegue saber a eficácia da vacina.

Segundo informa a Folha, Covas estima que, não havendo percalços, o instituto consiga fabricar 40 milhões da Butanvac ainda neste ano. A vacina será testada também no Vietnã e na Tailândia, onde a Fase 1 já começou.

PARTICULARIDADE
As vacinas da Pfizer e da Moderna trabalham com o tal RNA mensageiro. A da AztraZeneca recorre ao adenovírus. A Coronavac emprega com o vírus desativado da Covid-19. Segundo a Folha, a tecnologia da Butanvac "utiliza o vírus inativado de uma gripe aviária, chamada doença de Newcastle, como vetor para transportar para o corpo do paciente a proteína S (de spike, espícula) integral do Sars-CoV-2." Covas afirma que a nova vacina já utiliza a proteína da variante P1, mais contagiosa e, tudo indica, mais letal.

DE VOLTA À POLÍTICA
Está, sim, em curso no país uma nefasta politização da doença. Mas, convenham, o governador de São Paulo não pode ser acusado de promovê-la. Quem inventou por aqui o populismo da morte foi Jair Bolsonaro, ao opor de modo estúpido a economia às medidas preventivas conhecidas contra a doença.

Tivesse liderado os esforços contra a pandemia em solo nativo — e não contra a vacina e aqueles que se dispuseram a combater o mal —, podem apostar, o país não contabilizaria agora mais de 303 mil mortos, em marcha acelerada para os 400 mil. Quem se dedica à criação de duas vacinas e de um soro não politiza a doença, mas a enfrenta.

Se esses feitos serão suficientes para eleger Doria presidente, bem, aí são outros quinhentos. A política trabalha com muitas outras variáveis. O quadro eleitoral nem definido está. A eventual candidatura de Lula ainda depende de decisão do Supremo. A se consolidar a ideia de que o centro deve fazer uma espécie de prévias para escolher um candidato, será difícil convencer o governador de São Paulo de que este não atende pelo nome de João Doria.

Ah, sim: acrescente-se outra dificuldade aí: o que — ou quem — é o centro? De todo modo, Doria se credencia ainda mais para o jogo.

Por Reinaldo Azevedo

Butantan anuncia desenvolvimento de vacina brasileira contra a Covid-19



O Instituto Butantan anunciou nesta sexta-feira, 26, o desenvolvimento de uma vacina brasileira contra a Covid-19. O imunizante, batizado de ButanVac, será integralmente produzido no país, informou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que participou da entrevista coletiva sobre o antígeno.

De acordo com Dimas Covas, diretor da instituição, o pedido de autorização de testes em voluntários brasileiros será feito ainda hoje junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O estudo clínico que pleiteia a liberação avaliará aplicação com diferentes intervalos de tempo. A ideia é que participem voluntários adultos, com idades acima de 18 anos, e fora dos grupos prioritários já atualmente vacinados pelo programa do Ministério da Saúde.

Se liberada, a chamada Butanvac realizará ensaios de primeira fase em abril. As etapas iniciais (1 e 2) são fundamentais para aferir a segurança do medicamento em humanos a terceira, e última, é a que afere a eficácia do medicamento. A instituição afirmou que poderá produzir 40 milhões de doses a partir de maio e 100 milhões a cada doze meses, tão logo a ButanVac seja aprovada. Segundo Doria, os resultados dos testes pré-clínicos, com animais, da nova vacina se mostraram promissores.

A expectativa do governador é que a vacina seja usada amplamente já no segundo semestre deste 2021. O Butantan produzirá 85% da cota de imunizantes em um consórcio internacional formado por Brasil, Vietnam e Tailândia. A instituição também prepara uma versão do imunizante para a variante P1 de Manaus.

O Butantan já fabrica a CoronaVac, em parceria com o laboratório chinês Sinovac Life Science, com insumos importados neste primeiro momento. A CoronaVac é o imunizante mais usado até agora no Brasil contra o coronavírus com mais de 25,5 milhões de doses já distribuídas pelo Ministério da Saúde.

“Não dependeremos da importação de nenhum insumo”, frisou Dimas Covas, presidente do instituto, ao anunciar a Butanvac. Segundo ele, o imunizante usará a mesma tecnologia da vacina da gripe.

Na Veja

quinta-feira, 25 de março de 2021

Vírus devolve a carta do impeachment ao baralho



A história ofereceu a Bolsonaro a rara oportunidade de presidir a crise sanitária do século. Ele preferiu trocar o figurino de líder pelo papel de estorvo. Transformou-se numa oportunidade que o coronavírus aproveitou.

No dia em que a pilha de cadáveres atingiu a constrangedora marca de 300 mil, Bolsonaro inaugurou o expediente enfeitiçado por um tipo de ilusão que a realidade não costuma perdoar num presidente débil: a ilusão de que preside.

No fim do dia, Bolsonaro foi informado de que seu destino passou a ser presidido pelo vírus. A carta do impeachment retornou ao baralho, sinalizou o presidente da Câmara, Arthur Lira, suposto aliado do governo.

Pela manhã, Bolsonaro colocou em prática um plano para atingir o objetivo estratégico de passar a impressão de que comanda. Reuniu-se no Alvorada com a cúpula da República. Anunciou a criação de um comitê anticovid.

No final do dia, o hipotético presidente da República percebeu que teria de ralar por um segundo objetivo estratégico: não cair. Discursando sobre os erros do governo na pandemia, Lira acendeu o "sinal amarelo". Avisou que "tudo tem limite".

Pressionado pelos líderes partidários, o réu que comanda a Câmara lembrou que os remédios legislativos contra o desgoverno "são conhecidos". Enfatizou: "Todos amargos." Há nas gavetas de Lira sete dezenas de pedidos de impeachment.

Na reunião matutina do Alvorada, aquela que desaguou na criação do comitê de crise, Bolsonaro desperdiçou o tempo dos convidados com idiossincrasias como o "tratamento precoce" da Covid com remédios ineficazes.

A recaída cloroquínica mostrou que Bolsonaro, especialista em virar a mesa, não havia ensaiado adequadamente o teatro de sentar à mesa para negociar. No espaço reservado aos governadores, havia apenas aliados.

Na divisão de tarefas do comitê anticovid, coube ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a tarefa de negociar com os estados. O senador organiza para a manhã de sexta-feira uma videoconferência com governadores. Sem Bolsonaro.

Na saída da reunião do Alvorada, Pacheco chamara o arranjo do comitê de "pacto nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o senhor presidente da República, Jair Bolsonaro."

Ecoando Pacheco, Arthur Lira dissera que o comitê produziria uma unificação de discurso, "para que possamos ter rumo, coordenados com a supervisão do presidente da República, comandante em chefe do Estado brasileiro."

Horas depois, Pacheco trocava telefonemas com governadores. Era como se o vírus tivesse nomeado o comandante do Senado para o posto extraordinário de primeiro-ministro de uma República à deriva.

Simultaneamente, Lira ralhava com o governo no plenário da Câmara. "Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar", declarou Lira.

O líder do centrão acrescentou: "Não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que não são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados."

Para quem ainda não consegue ligar o nome aos prontuários, o centrão é aquele conglomerado partidário que vendeu sua mão de obra legislativa para Lula, aproveitando o Planalto de fachada operária para cavar ótimos negócios.

É aquele mesmo grupo que foi dormir prometendo fidelidade eterna a Dilma Rousseff e acordou nos braços de Michel Temer. Dilma ficou com raiva. O centrão ficou com tudo.

Eleito chamando o centão de "escória", Bolsonaro achegou-se ao grupo em troca de proteção. Entregou cargos e verbas. Entretanto, a pilha de cadáveres começa a modificar a relação custo-benefício.

Sob influência do vírus, o mesmo centrão convida Bolsonaro a submeter a resolução dos seus dilemas sanitários à simplicidade de um semáforo quando muda de verde para amarelo, intimando o sujeito a decidir se para ou avança.

O Legislativo inaugurou um espetáculo novo. Voltou a piscar no letreiro metafórico do Congresso uma indagação que já enviou dois presidentes para casa mais cedo: "Será que termina o mandato?"

Por Josias de Souza