Nelson Teich. ministro da Saúde: o doutor levaria zero na prova de dissertação do Enem. Ele é incapaz de argumentar em benefício da própria tese — ou teses. Ele tem um monte! |
O ministro Nelson Teich, da Saúde, concedeu a sua primeira entrevista coletiva. Sei lá se foi um desastre de público ou de crítica. Não tenho ainda instrumentos para afirmar isso. Foi, com certeza, um desastre de lógica. Fosse uma redação do Enem, levaria pau. Teich tem dois problemas principais: um excesso de teses — e, pois, não tem nenhuma — e argumenta contra si mesmo com impressionante desfaçatez, ligeireza ou burrice. Como, além de médico, é empresário do ramo da saúde, pode ser também esperteza. A ver.
Anunciou que terá um general da ativa como seu secretário executivo: trata-se do comandante da 12ª Região Militar da Amazônia, o general Eduardo Pazuello. Em entrevista à "Veja", o militar anunciou o que seus pares de farda no Palácio vivem negando: que a instituição chamada "Exército" esteja entrando no governo. Nas suas palavras: "Estou indo como instituição, não como o Eduardo Pazuello". Essa questão, em particular, fica para mais tarde. Encerro este parágrafo assim: a entrevista de Teich foi de tal sorte ruim que um general da ativa como o seu segundo talvez seja o menor dos males. Há tempos eu não via um homem público dizer coisas tão desconjuntadas.
Comecemos pela sua afirmação mais, digamos, noticiosa: "O Brasil hoje é um dos países que melhor performa em relação a covid. Se você analisar mortos por milhão de pessoas, o número do Brasil é de 8,17. A Alemanha tem 15. A Itália, 135. Espanha, 255. Reino unido, 90 e EUA, 29". Seus números não são encontráveis em lugar nenhum. Teria de fornecer as fontes.
"Performar" é linguagem de "empreendedor de palestras". O verbo inexiste no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. O idioma de Camões oferece um bom cardápio ao ministro para que ele recorra não exatamente ao idoma do Shakespeare, mas ao cacoete de "coach" de Internet. Já aceitamos "performance", mas "desempenho" e "desempenhar" está na Última Flor do Lácio desde o século 16.
Ocorre que isso é mentira. Um único cemitério de Manaus enterrava uma média de 30 mortos por dia antes do coronavírus. Agora, os sepultamentos passam de 100 todos os dias. O Distrito Federal vinha registrado média de 28 casos por dia. Testagem num grupo de 3.196 pessoas encontrou 46 doentes. Há as UTIs lotadas de boa parte das capitais, tudo a indicar uma subnotificação escandalosa.
Mas esperem: foi o próprio ministro a garantir que os números sobre a doença são precários, desconhecidos. Ele tratou com desdém o estudo do Imperial College, de Londres, afirmando ser só um modelo matemático, mas é incapaz de considerar em sua fala os fatos que estão a evidenciar a subnotificação. A partir de informações obviamente erradas, compõe uma tese que ele mesmo se encarrega de desmoralizar.
Não que eu me surpreenda. Quem emprega diante de mim o verbo "performar", confesso, desperta no escriba a suspeita de que, em seguida, vai tentar vender alguma coisa de que eu notoriamente não preciso. Não é só isso, não.
O doutor também, segundo entendi, quis sugerir que há um excesso preocupação com a Covid-19, razão por que, então, nós todos estaríamos prestando pouca atenção às outras doenças que matam. Observou que pacientes de outros males estariam deixando de ir aos hospitais. Ora, não me diga! Sem, então, que acorram em busca de atendimento, os estabelecimentos beiram o colapso, ou já chegaram lá, em várias partes do país. E se estivessem indo? O desastre seria maior, certo? Ou perdi alguma coisa em raciocínio tão especioso?
Houve outros flertes com o perigo, como quando sugeriu que, se multiplicarmos por 100 o número oficial da Covid-19, ainda assim, haveria mais de 200 milhões de brasileiros não-contaminados. É verdade. Mas o que aconteceria, então, se mais de quatro milhões (se não houvesse subnotificação) procurassem o sistema de saúde, público ou privado, ao mesmo tempo? O isolamento social, que ele não teve coragem de defender e contra o qual, na verdade, falou o empresário da saúde, busca impedir que isso aconteça.
A propósito: ele já tem um plano de saída da quarentena? Não! Ainda não tem porque, diz, faltam os números. Não obstante, ele acha que estamos entre os países que melhor "performam", a despeito das evidências.
Porcentagem pode ser a arte por excelência da burrice. Quando os EUA deixaram o Vietnã, haviam atuado no conflito 2,5 milhões de americanos: só 1,15% da população. Desse total, 58 mil morreram: a ridicularia de 0,027%. Por que dar bola para isso, né, doutor Teich? Ainda é o maior trauma do país mais poderoso da Terra.
Por falar nos EUA, os contaminados conhecidos pelos coronavírus hoje no país são pouco mais de 0,25% da população. Teich sugeriria pensar nos outros 99,75%... Os mortos, então, correspondem a ínfimos 0,0144%...
O país mais rico do mundo entrará em recessão e planejou a maior intervenção do Estado na economia de sua história por causa dessa gente ridícula, né? Se multiplicarmos esse número por 100, para seguir a sugestão de Teich, seria, ainda assim, 1,44%. O glorioso doutor do "performar" não hesitaria em sugerir que se pensasse nos outros 98,56%.
Nem Donald Trump ousou uma conta tão moralmente pornográfica.
Vale a piada. Reclamaram a Deus que, para o Brasil, ele não mandou terremotos, maremotos, furacões... Do tipo irônico, observou o Senhor: "Aguarde para ver a elite que eu vou colocar lá".
Um general da ativa como o seu segundo? E claro que se trata de um exotismo da democracia brasileira. Mas, dadas as enormidades do doutor Teich, talvez seja o menor dos males. Em tese ao menos, o Exército, em regra, é treinado para tentar salvar vidas dos brasileiros.
O doutor quer "performar".
Por Reinaldo Azevedo
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