terça-feira, 31 de agosto de 2021

Esta 2ª marca o dia em que o capital disse a Bolsonaro: "Tchau, querido!"



Acabou o amor. O grande capital produtivo e o financeiro não querem mais saber de Jair Bolsonaro. Custaram a perceber o compromisso do presidente com o desastre? Acho que sim. No fundo, caíram na mesma ilusão dos generais da ativa e da reserva. Como assim?

Os donos do dinheiro imaginaram que o presidente iria mesmo terceirizar a economia para Paulo Guedes. Realizada essa operação, aí bastaria, vamos dizer, manter sob controle o ministro da Economia. E pronto. A turma oriunda da caserna também fez aposta semelhante: eles tocariam os grandes projetos de infraestrutura, retirando o que imaginavam ser as mãos sujas dos políticos da coisa pública.

E Bolsonaro? Ah, seria um animador de auditório. Enquanto, então, a mão invisível do mercado e a mão pesada da milicada iriam "mudando o Brasil", o palhaço se encarregaria de animar o salão. Crença tola de uns: "Guedes é a âncora de confiabilidade, e, portanto, o presidente não ousará confrontá-lo". Crença tola de outros: "Somos todos militares, e, no fim das contas, vai se preservar o senso de hierarquia. O capitão é destrambelhado, mas vai se comportar, e nós sabemos o que é bom para o Brasil".

É curioso, mas, nas contas dos endinheirados e dos militares, não entraram o Congresso e o Supremo. E, claro!, a pandemia não estava no radar de ninguém. Mas a história é assim mesmo, não é? Existem os imprevistos e o imponderável. A propósito: o Estado não surgiu para responder ao previsível, mas para enfrentar o imprevisível. Diante do incerto, há de valer o que está pactuado.

INVENTOU OS INIMIGOS
Não que o Congresso tenha criado grandes dificuldades para o presidente. Essa é uma baita lorota. Tampouco as criou o Judiciário. Ao contrário: nos momentos em que o Executivo realmente precisou do concurso dos dois Poderes, eles compareceram. Ou teria sido impossível enfrentar a pandemia sem o caos social. Sim, estão aí quase 600 mil mortos. Deixadas as coisas para Bolsonaro-Guedes, lutaríamos, a esta altura, uns contra os outros com paus e pedras.

Nem a turma de grana nem os oriundos dos quartéis imaginavam que Bolsonaro iria, digamos, governar... Apostaram que ele faria o que nunca havia feito antes ao longo de 28 anos de mandato na Câmara: render-se a quem sabe mais do que ele e aprender com a experiência. Em nenhum momento, nestes dois anos e oito meses de mandato, deixou de ser aquele parlamentar exótico, que falava o que lhe desse na telha — e, invariavelmente, a coisa errada.

AS MILÍCIAS DIGITAIS
Todos eles foram surpreendidos pela vinculação estreita que o presidente decidiu manter com uma aguerrida militância de extrema direita que as redes sociais tiraram da toca. Vá lá: talvez o termo "militância" não seja tão preciso porque essa horda não tinha organicidade, não estava conectada, obedecendo a palavras de ordem.

Tratava-se de uma miríade de burrices reacionárias, atrasadas, truculentas, que acabaram encontrando o seu líder. Com a ajuda do tal "guru", essa gente ousou também construir até uma metafísica, um sistema de crenças. E, contra a previsão da turma da grana e da dos generais, formou-se uma milícia digital, que também se manifesta nas ruas, muito pouco interessada na eficiência, na governança, na tal "pauta liberal".

A história de que, pela primeira vez, "conservadores se juntariam a liberais" para impor uma nova dinâmica na vida econômica brasileira é só um delírio tolo de Paulo Guedes. O que ele chama "conservadores" são antediluvianos interessados em impor aos demais as suas estreitas e torpes ideias de moral e de bons costumes, transformando em dogmas inegociáveis sua tacanhice ideológica e sua visão essencialmente autoritária e truculenta de poder: o líder, munido de bons propósitos, manda, e os demais obedecem.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro evidenciou mais de uma vez seu desapreço pela democracia e por conquistas civilizatórias nestes mais de 30 anos de redemocratização. Não se limitava a ignorar os avanços. Com frequência, fazia a apologia dos piores dias da ditadura, o que evidenciava pretensões perigosas caso chegasse à Presidência.

E ele não desistiu delas. Passou a investir no discurso golpista logo nas primeiras manifestações. Com impressionante celeridade, começou a se desfazer de aliados incômodos que ou evidenciavam a necessidade da política — caso de Gustavo Bebianno — ou o compromisso com o profissionalismo e a racionalidade de Estado, como o general Santos Cruz.

É claro que os dois participaram da onda reacionário-conservadora que levou Bolsonaro ao poder. Mas tiveram a clareza, correta em si, de não confundir campanha eleitoral com gestão de Estado. Foram banidos do poder como traidores. O presidente deixava claro que não aceitava a tutela nem mesmo das instituições e que iria se cercar apenas dos que não estavam dispostos a contraditá-lo. Bolsonaro, saibam, não é do tipo que dá ao interlocutor a licença de dizer a verdade. Toma-a como ofensa pessoal.

O acordo com o centrão, que parece estranho nessa trajetória, só se explica pelo receio de ser impichado. Já imaginaram se, hoje, ele tivesse com o Congresso a relação que mantinha em 2019, quando seus sectários, estimulados pelo próprio, iam para as ruas pedir a cabeça do centrão? É evidente que já teria caído.

O INEXPLICÁVEL PREVISÍVEL
Sim, houve os sortilégios da pandemia, mas a realidade política poderia ser outra se, mesmo com todas as dificuldades em curso, Bolsonaro tivesse, vejam como escrevo, ADERIDO À REALIDADE. Mas não! Aquele que chegou como expressão da horda de reacionários escolheu a mentira em vez da verdade, a fantasia em vez dos fatos, o charlatanismo em vez da ciência.

Qualquer um que ouse tentar explicar por que ele fez isso não encontrará uma resposta objetiva: ele fez essas opções porque é esse o seu sistema de valores. É um homem absolutamente convencido de todas as suas ignorâncias.

O país estaria, sim, em situação difícil ainda que tivéssemos um gênio da tolerância e da sensatez no comando da política. Mas temos um ogro. A gestão — e parte cai nas costas dos militares, sim — é um desastre, e o renascimento econômico antevisto por Guedes na fusão entre ditos liberais e conservadores não aconteceu. Ao contrário: o "Faria Loser" está hoje empenhado em fazer malabarismos para ver se Bolsonaro ganha uma folga eleitoral.

HORA DE CAIR FORA
Acabou a graça. Bolsonaro não cumpriu o que dele se esperava no arranjo: ser apenas um palhaço retórico do antiesquerdismo -- já que, também nesse particular, ele tem muitos insultos a desferir e nenhuma ideia na cabeça.

O homem ousou governar e achou que tinha um plano. E seu plano de governo ainda é "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos". Desde que ele próprio e seus filhos não sejam importunados pela Polícia.

Deu tudo errado. E não tinha como dar certo. O dinheiro grosso desembarcou. A tarefa de Bolsonaro era não atrapalhar os lucros. Ocorre que ele passou a dar prejuízo.

Que seja abandonado por pragmatismo, ainda que não por elevado senso de moral. Mesmo assim o Brasil agradece.

Por Reinaldo Azevedo

Agro real repudia golpe; os do fuzil são bandidos em pele de agricultores



Entidades que congregam empresas ligadas ao agronegócio que conta — e isso quer dizer que não inclui madeireiros ilegais, grileiros, invasores de terras indígenas — não esperaram que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) resolvesse seus problemas hamletianos com o governo Bolsonaro. Entre ser ou não ser sabujo, entre adiar ou não um manifesto que faz a singela defesa do Estado de direito, entidades que respondem por parte considerável do superávit comercial brasileiro se adiantaram e divulgaram seu próprio texto — ou "nota", como chamam de maneira menos pretensiosa. E dizem tudo o que interessa.

Segue em azul a íntegra do texto:

"As entidades associativas abaixo assinadas tornam pública sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e, como consequência, à estabilidade econômica e social em nosso país. Somos responsáveis pela geração de milhões de empregos, por forte participação na balança comercial e como base arrecadatória expressiva de tributos públicos. Assim, em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes responsáveis, em chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua história agora prestes a celebrar o bicentenário da Independência.

A Constituição de 1988 definiu o Estado Democrático de Direito no âmbito do qual escolhemos viver e construir o Brasil com que sonhamos. Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes.

O desenvolvimento econômico e social do Brasil, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, condições indispensáveis para seguir avançando na caminhada civilizatória de uma nacionalidade fraterna e solidária, que reconhece a maioria sem ignorar as minorias, que acolhe e fomenta a diversidade, que viceja no confronto respeitoso entre ideias que se antepõem, sem qualquer tipo de violência entre pessoas ou grupos. Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade que tanto nos envergonham.

As amplas cadeias produtivas e setores econômicos que representamos precisam de estabilidade, de segurança jurídica, de harmonia, enfim, para poder trabalhar. Em uma palavra, é de liberdade que precisamos — para empreender, gerar e compartilhar riqueza, para contratar e comercializar, no Brasil e no exterior. É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará.

Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das Nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais. O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter.

A moderna agroindústria brasileira tem história de sucesso reconhecida mundo afora, como resultado da inovação e da sustentabilidade que nos tornaram potência agroambiental global. Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis. Seguiremos contribuindo para a construção de um futuro de prosperidade e dinamismo para o Brasil, como temos feito ao longo dos últimos anos. O Brasil pode contar com nosso trabalho sério e comprovadamente frutífero."

Assinam o texto a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), Associação Brasileira dos Industriais de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), CropLife Brasil, Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg).

É ANTIBOLSONARO?
É um texto contra o governo? Não se toca, por óbvio, no nome de Bolsonaro, mas é evidente que os pilares da democracia, identificados no manifesto, estão hoje sob ataque. E quem os ataca é o presidente. Que pilares são esses? Listo:
- estado democrático e de direito;
- liberdade e pluralismo;
- alternância de poder;
- inovação e sustentabilidade.

É claro que a mensagem tem como destinatário o presidente da República. Alguém mais ameaça aquelas conquistas? Afinal,
- ele já falou no risco de não haver eleições;
- ele trata a divergência como guerra a ser vencida;
- ele já falou em não respeitar o resultado das urnas;
- ele trata as questões do meio ambiente apenas como confronto ideológico.

E, era fatal, isso começa agora a prejudicar os negócios. E só por isso foi tão fácil à Fiesp arrumar signatários para a carta, que foi adiada depois de uma pressão estúpida e absurda do governo.

"Há também um recado à esquerda quando se repudiam "aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará".

Pois é... Digam-me quando foi que, no governo Lula ou Dilma, "aventuras radicais e paralisações ilegais" impediram o desenvolvimento do agronegócio, que viveu seus anos dourados nos governos petistas, e os grandes empresários do setor sabem disso. Até porque a adesão à agenda ambiental facilitou enormemente a conquista de mercados. Saibam: a aprovação do Código Florestal representou um ganho gigantesco ao setor. Conseguiu-se a devida conciliação entre produção e meio ambiente.

Bolsonaro tem, sim, o apoio de setores do campo que se dizem, vamos dizer, "empresários do agronegócio". Alguns, de fato, são: um reacionarismo atávico parece ligá-los ao capitão, que vocaliza seus preconceitos.

Mas as empresas de ponta, que realmente respondem pelo desempenho da balança comercial e pelos recordes sucessivos da safra, precisam de paz para trabalhar. Com qualquer governo. Desde que respeite as instituições. E o governo, como resta claro, está atrapalhando. Destaco:
"O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter."

Esse agronegócio não anda com fuzil nos ombros nem se sente representado quando a Secom, sob o pretexto de homenagear o agricultor, saca de um banco de imagens uma foto de um homem com rifle nos ombros.

Os empresários do agronegócio sabem quanto têm a perder se a crise institucional que Bolsonaro desenha se tornar realidade. E sabem também que a sucessão presidencial, qualquer que seja o vitorioso — e a óbvia exceção é o atual presidente — implicará a continuidade das regras do jogo.

Por Reinaldo Azevedo

sábado, 28 de agosto de 2021

A estupidez e suas consequências (Editorial do Estadão)



Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de acabar com a corrupção, promover uma profunda transformação liberal do Estado brasileiro e dar um novo dinamismo à economia. Sua eleição instalaria – este era o discurso eleitoral – um novo patamar de moralidade pública, eficiência estatal, produtividade e respeito ao cidadão.

Decorridos dois anos e meio de governo, é evidente que Jair Bolsonaro não realizou nada disso. E não há o menor sinal de que, até o final do mandato, cumprirá alguma promessa feita em 2018.

Segundo o bolsonarismo, Jair Bolsonaro falhou no cumprimento de suas promessas por culpa dos outros. O Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os governadores e os prefeitos não deixaram que ele realizasse suas propostas. No conto bolsonarista, Jair Bolsonaro é o presidente da República que mais sofreu resistência na história e, por isso, não consegue entregar o que prometeu.

Muito difundido nas redes sociais, tal discurso não tem respaldo nos fatos. Jair Bolsonaro não realizou nada do que prometeu em razão de sua própria conduta. Foi ele que impediu e continua a impedir qualquer melhoria possível. Os últimos dias explicitaram, uma vez mais, a verdadeira identidade deste governo. Com uma turma dessa estatura moral e cívica, é impossível promover o desenvolvimento social e econômico do País.

Na sexta-feira passada, o presidente Bolsonaro recomendou a compra de fuzis. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada. Um presidente da República assim, com tal obtusidade, não precisa de opositores. Com essa mentalidade, é rigorosamente uma ilusão pensar em avanço social ou econômico do País.

Em circunstâncias normais, a recomendação de Jair Bolsonaro sobre a compra de fuzis já seria uma absoluta estupidez. Num Estado Democrático de Direito, o poder público deve incentivar e assegurar a paz e a ordem, não instigar medo na população para que ela se arme.

Nas circunstâncias atuais, com pandemia de covid, alta taxa de desemprego, crescimento da inflação e crise econômica, o conselho de Bolsonaro sobre a aquisição de fuzis revela criminosa indiferença com a população. Poucas vezes se viu tamanho deboche. Um presidente da República que não assume suas responsabilidades, esquiva-se dos problemas nacionais, inventa atritos com outros Poderes e ainda sugere que a população compre fuzil. De onde saiu tal sujeito?

Nada parece ser capaz de suscitar respeito ou seriedade em Jair Bolsonaro. Na terça-feira passada, viu-se outro caso de deboche por parte do presidente da República. Indicado ao STF, André Mendonça enfrenta sérias resistências no Senado. Há fundadas dúvidas se a sua prioridade é servir à Constituição ou a outros senhores.

Nesse cenário, Jair Bolsonaro disse que André Mendonça se comprometeu, caso consiga a vaga no Supremo, a almoçar uma vez por semana com ele. Como se vê, o presidente da República não apenas promove atritos com o Supremo. Pretende deixar registrado seu desprezo pela separação e independência dos Poderes, em puro escárnio à Constituição.

O deboche também é visto no primeiro escalão do governo. Na quinta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve o descaramento de fazer a seguinte provocação: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”.

Não há respeito aos fatos nem à vida alheia. Não há limites para a insensibilidade. Tudo – desde a diminuição do poder de compra e o endividamento da população, passando por princípios constitucionais, até o sofrimento e a morte causados pela covid –, rigorosamente tudo, é respondido com um “e daí?”.

O fracasso deste governo não é causado por fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É apenas e tão somente Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro. É apenas e tão somente Paulo Guedes sendo Paulo Guedes. O restante é pura consequência.

Câmara tenta passar a lei da ficha limpa a sujo



Arthur Lira, o réu que se elegeu presidente da Câmara com o apoio de Bolsonaro, fez uma opção preferencial pelo escárnio. No seu penúltimo movimento, Lira colocou na pauta de votações da Câmara uma proposta de Código Eleitoral que passa a Lei da Ficha Limpa a sujo. Deseja-se facilitar a fuga de parlamentares corruptos e encurtar a pena dos condenados. Um acinte.

A proposta é relatada pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma correligionária de Lira, filiada ao PP, o mesmo partido do presidente da Câmara. Ela sugere passar uma borracha no trecho da lei da ficha limpa que torna inelegível os políticos que renunciam ao mandato para evitar a cassação.

Hoje, o sujeito fica proibido de disputar cargos eletivos por oito anos a partir do momento em que o Conselho de Ética da Câmara ou do Senado recomenda a sua cassação. Apagando-se esse pedaço da lei, volta a vigorar a farra da renúncia.

Políticos encrencados conservariam o direito de se recandidatar se renunciassem minutos antes da cassação dos seus mandatos. Isso aconteceu com muita gente antes da edição que instituiu a ficha asseada como pré-condição para ser candidato. Serviram-se da rota de fuga, por exemplo, Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho, Joaquim Roriz e Severino Cavalcanti.

Não é só. A proposta sugere encurtar a pena de eventuais condenados. De acordo com a lei, condenados em segunda instância ficam inelegíveis por oito anos. O período de banimento eleitoral começa a ser contado após o cumprimento da pena. Assim, se o político é condenado a cumprir dez anos de cadeia, fica distante das urnas por 18 anos.

A proposta a ser votada na Câmara sugere que a inelegibilidade comece a ser contada a partir da condenação, não depois do cumprimento da pena. O ministro Nunes Marques, enviado por Bolsonaro ao Supremo, já promoveu esse ajuste numa decisão liminar (provisória). Para não correr o risco de que o plenário da Suprema Corte modifique a decisão, a Câmara quer transformá-la em lei.

É como se os deputados desejassem cutucar o eleitor com o pé para ver se ele morde. O pior é que não parece haver disposição para morder.

Por Josias de Souza

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Guedes comenta a crise energética desde o Mundo da Lua: "Qual o problema?"



Sob Bolsonaro, o governo gasta mais tempo e energia discutindo os problemas do que enfrentando as dificuldades. Muitos não conseguem vislumbrar uma solução. O caso de Paulo Guedes é mais grave. O ministro da Economia ainda não enxergou nem o problema.

"Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara?", pergunta o ministro. "O problema agora é que está tendo uma exacerbação por que anteciparam as eleições?, ele acrescenta.

A má notícia é que Guedes está no mundo da Lua. A péssima notícia é que não será fácil recolocar os pés do ministro na Terra. Sua alienação atingiu um grau que roça o delírio.

O ministro já chamou servidores de parasitas e implicou com domésticas que conseguiam ir à Disney. Bolsonaro reivindica reajuste salarial para os "parasitas". E a alta do dólar impede as empregadas de continuar visitando Mickey Mouse. Tudo muda, exceto a habilidade de Guedes de tropeçar na própria língua.

Guedes está brigado com o bom senso. Segundo a superstição que vigorava na campanha de 2018, ele seria um moderador de Bolsonaro. Preferiu bolsonarizar-se. Ignora a lei da oferta e da procura. Mas se respeitasse a lei da gravidade perceberia que as encrencas sempre caem na cabeça de quem se coloca embaixo delas.

O ministro exagera quando se abstém de notar que a alta da energia é um drama para as famílias. O drama é maior nas casas onde não há dinheiro nem para comprar um botijão de gás. São agora obrigadas a lidar com uma conta de luz mais salgada e com uma inflação que faz sobrar mês no fim do salário. Isso, naturalmente, para os que ainda dispõem de salário.

Guedes ofende a inteligência alheia quando fala de antecipação das eleições sem apontar o dedo para o chefe. Em abril de 2019, quando o governo acabara de fazer aniversário de 100 dias, Bolsonaro declarou que sofria uma "pressão muito grande" para que se candidatasse à reeleição. Sinalizou gostosamente a intenção de ceder à pressão.

Desde então, Bolsonaro não faz senão campanha eleitoral. Está sempre em pleno calor da batalha, no centro de uma arena sanguinolenta, trocando caneladas com aliados e rivais, metendo o governo em constrangedoras exibições de insegurança e raiva. Esqueceu de governar.

Guedes também esqueceu o seu papel no governo. No último mês de maio, o ministro escalou o palanque de Bolsonaro numa entrevista à Folha: "Agora, vamos para o ataque". Num entusiasmo que destoou da ruína fiscal do governo, o ministro trombeteou projetos como o novo Bolsa Família. Por ora, o governo entrega aumento na conta de luz, não reajuste no benefício social.

Por Josias de Souza

Esquerdas e 7 de Setembro. Não deem sangue a Bolsonaro, e o vampiro morrerá



Não acho prudente nem necessário que os manifestantes antibolsonaristas também saiam às ruas no dia 7 de Setembro. Um e outro lado podem se encontrar nos vagões de metrô, nos ônibus, nas praças. Como os seguidores da seita acham que algo de formidável e extraordinário vai acontecer na data — será a Parúsia, traduzida na volta de Jair Messias? —, tenho cá as minhas desconfianças sobre a sanidade mental e moral de parcela considerável dos fanáticos.

Não será uma disputa de ocupação do espaço público — quem fez a maior manifestação? — que vai definir os destinos do país. Até porque o bolsonarismo é hoje claramente minoritário, mas com possibilidade de botar mais gente na rua. Ao menos naquele que imaginam ser o "dia da virada".

Assim, faz sentido que se convidem os oposicionistas e favoráveis ao impeachment do presidente a que marquem um novo dia para o seu protesto. Agora, o que não faz sentido é o governador João Doria, depois de falar com a área de segurança, simplesmente proibir os protestos daqueles que se opõem a Bolsonaro.

Ainda que o argumento da (in)segurança pública seja relevante e que se tema que a Polícia Militar não possa oferecer aos manifestantes das duas correntes de opinião a proteção adequada, é claro que essa era uma questão que deveria ter sido negociada com os que organizam o protesto.

Que se faça a pergunta certa para encontrar a resposta certa, com a medida adequada. O que se quer? Evitar o confronto. Como se evita? Não havendo manifestações simultâneas, ainda que em pontos relativamente distantes da capital. Reitero: o sistema de transporte é integrado e será inevitável haver o encontro de grupos rivais.

JUSTIÇA
Como a proibição está decidida, e na hipótese de governador e líderes do ato não conversarem antes, resta àqueles que pretendem ir às ruas contra o presidente recorrer à Justiça. Se a decisão for tornada sem efeito, ainda assim é possível o caminho da temperança: POSSO, MAS NÃO DEVO! Como Paulo, o Apóstolo. Caso a Justiça mantenha a proibição, parece-me que a única coisa que faz sentido, no contexto, é acatar a decisão. Afinal, quem está armando a patuscada para atropelar os tribunais são os fascistoides, certo?

O QUE QUER BOLSONARO?
É muito importante saber o que quer Bolsonaro. E, convenham, ele não faz questão nenhuma de esconder. Ele quer golpe. Desde o primeiro dia de governo, anseia pela virada de mesa. Aliás, isso era vocalizado já na campanha eleitoral, certo? Lembram-se do "soldado e do cabo, sem nem um jipe", de Eduardo Bolsonaro, que bastariam para fechar o Supremo?

Há caminhos, no entanto, para isso. A pura e simples quartelada, como se sabe, é inviável. Ainda que haja, sim, golpistas nas Forças Armadas, não formam o grupo dominante. Li o discurso do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, no Dia do Soldado, como uma declaração antigolpista. Publiquei a íntegra aqui e analisei. Ele ter lembrado que o presidente, que estava a seu lado, é o comandante máximo das Forças apenas repete a Constituição. Mas destacou que é esta que rege os militares.

É muito pouco provável — na verdade, acho improvável — que Bolsonaro consiga mover tropas sob a alegação, como faz hoje, de que o Supremo cria empecilhos a seu governo. Há, sim, parte considerável do alto oficialato que compartilha dessa leitura errada, mas isso não quer dizer que essa gente tope um golpe. Nota à margem: senhores generais, tentem listar em que o tribunal atrapalha o presidente... É mentira. Não fosse o Supremo, o governo não teria tido um "Orçamento de guerra" para enfrentar os piores tempos da Covid-19. Mais: o Brasil não é uma ilha, e não estamos em 1964. A Guerra Fria acabou.

MAS SERÁ QUE É ISSO MESMO?
Mas será que Bolsonaro anseia mesmo um golpe à moda antiga, de modo que ele seja declarado o ditador do Brasil, liderando o que se chamava antigamente de "regime gorila"? Parece-me claro que não. A estratégia é esticar a corda e investir no confronto.

Vale dizer: todas as declarações do presidente e a militância de suas milícias nas redes sociais expõem ao risco dos distúrbios de rua, do enfrentamento direto entre litigantes, do quebra-pau, do pega pra capar...E, nessa hipótese, então, ele veria razões para evocar o Artigo 142 da Constituição.

O seu anseio é governar segundo um regime de exceção. E, para tanto, haver um outro lado que resolva comprar a briga é fundamental. Isso é claríssimo.

Até porque observem que a oposição parlamentar cria pouquíssimas dificuldades para o governo, não? Bolsonaro teme, sim, a oposição na exata medida em que um líder oposicionista, Lula, o desbancaria hoje da Presidência. Mas não são os partidos adversários a lhe criar dificuldades. O voto impresso não foi aprovado, como ficou evidente, com a ajuda do centrão, certo? E que se note: os enfrentamentos parlamentares são quase irrelevantes porque o governo é pouco operoso.

Sim, ele perderia para Lula em 2022, mas seus reais inimigos hoje, segundo a guerra que inventou, estão no Supremo. Essa é a bandeira que une os fanáticos. Mas, por intermédio dela, o que se quer é garantir poderes excepcionais para o presidente.

O CONFLITO É VITAL
Todas as apostas de Bolsonaro para reverter a desvantagem eleitoral estão fazendo água -- ou melhor, falta-lhes até a água. Não houvesse outros sortilégios, a inflação e o crescimento baixo no ano que vem corroem as suas esperanças. Ele precisa de uma virada. E, dentro do seu padrão mental, a rua conflagrada é uma peça fundamental. E não creio que se deva dar isso a ele.

MENSAGEM CIFRADA
Ontem, depois que Rodrigo Pacheco mandou arquivar a denúncia contra Alexandre de Moraes, seus seguidores ensandeceram e pediram golpe já. Bolsonaro, então, editou uma fala antiga sua, dando-lhe um novo sentido e postou nas redes. O conteúdo é este:

"A gente só ganha a guerra, pessoal, se tiver informações. Se o povo estiver bem-informado, tiver ciência do que está acontecendo, a gente ganha essa guerra. Alguns querem que seja imediatista. Eu sei o que tem de fazer. Dentro das quatro linhas da Constituição. Dentro das quatro linhas da Constituição. Se o povo, cada vez mais, se inteirar, se informar, cutucar seu vizinho, começar a mostrar pra ele qual o futuro do nosso Brasil, a gente ganha essa guerra. Eu sei onde está o câncer do Brasil. Eu sei onde está o câncer do Brasil. Nós temos como ganhar essa guerra. Se esse câncer aí for curado, o corpo volta à sua normalidade. Estamos entendidos? Se alguém acha que eu tenho de ser mais explícito, lamento..."

Sim, há aí todas as fantasias do líder messiânico: desde o conhecimento de uma verdade revelada — a que só ele teve acesso — até o oferecimento da salvação. Mas Bolsonaro também está dizendo que a hora ainda não chegou — outra característica do messianismo. E não será no dia 7.

Mas e para chegar? Notem que ele fala de uma "conscientização" crescente, pessoas que iriam se agregando à luta para a batalha final. Ocorre que essa batalha final, não havendo o golpe à velha maneira, precisa da agitação e do caos. E, para tanto, ele conta com a conflagração e o enfrentamento de rua. E isso ele não pode ter.

Bolsonaro chegou à conclusão de que essa é a única vereda para que não tenha de entrega a faixa a Lula.

ENCERRO
A decisão de Doria foi autoritária, ainda que não seja imprudente. E espero mesmo que se resolva a questão de outro modo. À parte essa questão, convém que as esquerdas leiam direito o jogo: Bolsonaro está perdido. E só elas podem lhe oferecer um caminho, o que sugiro que não façam.

Enquanto isso, Lula acerta e fala com o PSB, com o MDB, com quem quiser conversar...

É preciso superar esse flagelo.

Ponto.

Com inteligência.

Sem sangue.

Não deem sangue a Bolsonaro.

E o vampiro morrerá.

Por Reinaldo Azevedo

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

O diálogo e o conflito ( Editorial do $Estadão)




Consolida-se a percepção de que os graves e urgentes problemas do País não estão sendo enfrentados. O Poder Executivo federal não apenas não trabalha para resolvê-los, como o seu chefe parece disposto a criar novos problemas e novas confusões. Há urgência por um mínimo de coordenação e de estabilidade, mas até aqui todas as tentativas de maior sintonia institucional falharam miseravelmente.

No início do mês, foi marcada uma reunião entre os chefes dos Três Poderes. Depois de sucessivos ataques do presidente Jair Bolsonaro a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte cancelou a reunião. “O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte (...). Além disso, mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário (do STF), bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”, disse Luiz Fux.

Na semana passada, houve nova rodada de conversas. Na quarta-feira, o presidente do STF reuniu-se com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para “debater a democracia e a importância do diálogo entre os Poderes”. No mesmo dia, Fux recebeu o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que pediu a remarcação da reunião entre os chefes dos Poderes. O presidente do Supremo disse que iria reavaliar a questão.

Apesar de todo esse esforço, não há reunião produtiva – não há diálogo possível – enquanto Jair Bolsonaro continuar fazendo ameaças, proferindo ataques e difundindo insinuações. E, até agora, não há nenhum indicativo de que o presidente da República vai mudar de atitude. Todas as evidências apontam no sentido de que Jair Bolsonaro é incapaz de se comportar dentro dos limites de um Estado Democrático de Direito, com separação e independência dos Poderes.

Jair Bolsonaro não se cansa de aumentar a tensão entre os Poderes. Há cerca de 10 dias anunciou que ingressaria no Senado com um pedido de impeachment de dois ministros do Supremo. Na sexta-feira passada, cumpriu a ameaça em relação a Alexandre de Moraes, acusando-o de crime de responsabilidade.

Em todo esse imbróglio, fica evidente que Jair Bolsonaro não está disposto a dialogar. Ele é a fonte dos ataques e o promotor das confusões. Teve inúmeras oportunidades de desanuviar as tensões, mas optou acintosamente pelo conflito.

Veja-se o caso da tramitação da PEC do Voto Impresso. Com a rejeição pela comissão especial, o assunto deveria estar encerrado. Em deferência a Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, levou a proposta para votação em plenário, assegurando que o presidente da República acataria o resultado. A PEC foi derrotada, mas o presidente logo em seguida repetiu os ataques ao sistema eletrônico de votação, não apenas colocando em dúvida a lisura das eleições de 2022, mas dando a entender que poderá não aceitar o resultado das urnas.

No início de julho, Jair Bolsonaro chegou a se valer de um “vamos supor” para difundir graves insinuações, em descarada e irresponsável molecagem. “Vamos supor – escreveu o presidente da República em sua conta no Twitter – uma autoridade filmada numa cena com menores (ou com pessoas do mesmo sexo ou com traficantes) e esse alguém passe a fazer chantagem ameaçando divulgar esse vídeo. Parece que isso está sendo utilizado no Brasil”, escreveu Jair Bolsonaro. O infame tuíte continua publicado.

Como se não bastasse atacar, Jair Bolsonaro ainda se coloca como vítima. Haveria uma “ditadura da toga”. Outros o atacam, então ele revida. É inteiramente falsa essa suposta equivalência de ataques.

Nenhuma autoridade se dirige a Jair Bolsonaro como ele se dirigiu a ministros do Supremo. E se ele discorda de decisões monocráticas do Supremo, basta interpor o devido recurso. Há juízo revisor. A mera discordância de decisões judiciais não autoriza atacar ou ameaçar integrantes do Judiciário, como também ninguém deve ameaçar o presidente da República por eventual divergência com uma Medida Provisória.

Não há diálogo com quem almeja o conflito ou com quem despreza os fatos. Sem respeito, não há conversa.

Centrão já admite derrota de Bolsonaro no primeiro turno



Aliado de Jair Bolsonaro no Congresso, o Centrão se dividiu para a disputa de 2022 e uma importante ala do bloco avalia que a chance de o presidente conquistar o segundo mandato está cada vez mais distante. Em conversas reservadas, o núcleo do Progressistas, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tem traçado esse cenário e aposta que a eleição para o Palácio do Planalto pode até mesmo ser decidida no primeiro turno, se o presidente não mudar radicalmente o comportamento e a população não sentir no bolso uma melhoria econômica.

O diagnóstico marca uma mudança significativa na avaliação de políticos próximos do Planalto. Até então, o palpite era de que Bolsonaro voltaria a ser competitivo novamente no ano que vem com crescimento econômico e com um novo Bolsa Família, agora batizado de Auxílio Brasil. Apoiadores do presidente também argumentavam que, com todo mundo vacinado, ninguém mais se lembraria do desastre na gestão da pandemia de covid-19. O que mudou? Com inflação, juros e desemprego em alta, a população sente os efeitos da deterioração econômica e do aumento do preço dos alimentos, do gás de cozinha, da conta de luz e da gasolina. Não se trata de uma situação vista como passageira e, além de tudo, é agravada por uma nova onda da pandemia, crise hídrica e arroubos autoritários de Bolsonaro, que investe em ameaças à democracia e em conflitos institucionais.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, diz em público o que grande parte dos dirigentes de partidos reserva para o bastidor. "Tem uma chance grande de o presidente Bolsonaro não estar no segundo turno. A gestão está ruim e mal avaliada e uma série de fatores o atrapalham”, afirmou Kassab, considerado até por adversários como hábil analista de cenários políticos.

Ao fazer o inventário de problemas, Kassab citou “a conduta do presidente na pandemia, as coisas que estão sendo apontadas na CPI da Covid, a inflação chegando no preço do feijão e a vacinação que demorou para começar".

O PSD tem em seus quadros o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que está de saída do partido por causa das divergências da sigla comandada por Kassab com o governo. Faria vai para o Progressistas e Kassab faz articulações para filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao PSD. A ideia é lançá-lo à cadeira de Bolsonaro.

Presidente do Solidariedade, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SP), também vê possibilidade de Bolsonaro perder já no primeiro turno. "Se o Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) souber trabalhar, ampliar, manter a unidade da esquerda – o que é difícil por causa do Ciro (Gomes, candidato do PDT) – e caminhar para o centro, tem muita chance de ganhar a eleição no primeiro turno", afirmou o deputado. Na eleição de 2018, o Solidariedade integrava o Centrão e apoiou a campanha de Geraldo Alckmin (PSDB), mas há tempos o partido se descolou do grupo.

Até mesmo nas bancadas de legendas com assento na Esplanada de Ministérios, como o Progressistas e o PL, há deputados que admitem muitos obstáculos na campanha de Bolsonaro para 2022.

Presidente do PL no Rio, o deputado Altineu Cortês, por exemplo, disse apoiar a reeleição do presidente, mas afirmou que o governo necessita com urgência fazer mudanças importantes na seara econômica. Bolsonarista de carteirinha, Cortês argumentou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, atrapalha o governo por não ter "sensibilidade social" e deve sair do cargo.

"Precisamos de um ministro que trate da responsabilidade fiscal, mas que tenha sensibilidade social. Essa sensibilidade social, hoje, infelizmente, o ministro Paulo Guedes tem na sola do pé", criticou.

O chefe da equipe econômica trava atualmente uma queda de braço com a articulação política do Planalto sobre o valor a ser pago pela nova versão do Bolsa Família.

“Jogo de Cintura”. Cortês destacou não ter nada pessoal contra o ministro, mas disse considerar que ele inviabiliza politicamente o governo. O dirigente do PL avaliou que falta a Guedes "jogo de cintura" nos projetos de refinanciamento das dívidas de companhias e de auxílio financeiro a microempresas.

No Progressistas já há quem considere que não vale a pena ficar com Bolsonaro. É o caso do deputado Eduardo da Fonte (PE), ex-líder do partido, ligado ao ministro Ciro Nogueira e apoiador da pré-candidatura do ex-presidente Lula. Na Bahia, Estado comandado por Rui Costa (PT), o vice-governador João Leão (Progressistas) é outro nome que rechaça uma aliança com Bolsonaro.

O deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP) afirmou que a única maneira de o chefe do Executivo ter viabilidade eleitoral em 2022 é contendo os arroubos autoritários. Para Pinato, Bolsonaro precisa ouvir o ministro da Casa Civil e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, além de cessar os ataques às instituições.

"Se (Bolsonaro) ouvir Ciro Nogueira, Arthur Lira e Pacheco, tem chance (de ser reeleito). Caso contrário, todo mundo vai usar todo mundo e, na hora H, vai ser um salve-se quem puder", previu o deputado, ao alertar sobre possível debandada do governo.

O presidente tem feito constantes ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao questionar a credibilidade do sistema eleitoral, Bolsonaro acusa, sem provas, parte do Judiciário de ter um conluio para eleger Lula.

Em uma série de declarações contra o Supremo e o TSE, Bolsonaro tem afirmado que não haverá eleições em 2022 sem uma mudança na urna eletrônica que possibilite a impressão do voto. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso foi rejeitada por uma comissão especial da Câmara e pelo plenário da Câmara, mas o presidente continua defendendo o tema e tem convocado atos contra o Supremo para o feriado de 7 de setembro.

A PEC do voto impresso foi derrotada com ajuda de parte considerável de deputados do Centrão. O Progressistas liberou os deputados para que votassem como quisessem. Treze foram contra a medida defendida por Bolsonaro, 16 a favor e 11 se ausentaram. O PL foi além e orientou o voto contra a PEC, com a maioria dos deputados agindo para derrubar o texto.

Vice-líder do PL, o deputado Zé Vitor (MG), admitiu dificuldades no horizonte do presidente. "Não é um bom momento para ele", afirmou. Mesmo assim, o parlamentar evitou dizer como avalia as chances de reeleição. "Estamos distante da eleição. Tudo pode acontecer", desconversou. O deputado disse ser contra o apoio a Lula, mas não descartou avalizar um candidato alternativo ao petista e a Bolsonaro.

Flerte. O PL ocupa a Secretaria de Governo, comandada pela deputada licenciada Flávia Arruda (PL-DF). Uma ala do partido, porém, flerta com Lula. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), por exemplo, se reuniu com o ex-presidente em abril. Embora ainda não tenha decidido em qual campanha embarcará no ano que vem, Ramos já descartou apoio a Bolsonaro.

"O problema é a inflação alta, a gasolina a R$ 7, a energia subindo, a comida subindo, o gás de cozinha a mais R$ 100, os juros em dois dígitos no longo prazo, a inflação descontrolada, desemprego e fome. A situação dele é muito difícil, não dá tempo de reverter isso", afirmou o vice-presidente da Câmara.

Um deputado, que já foi líder do PL e conversou com a reportagem sob a condição de anonimato, afirmou que hoje a maioria da bancada apoia o governo, mas não está descartado que o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, abandone Bolsonaro em 2022.

Pesquisa XP-Ipespe divulgada na semana passada mostra as dificuldades enfrentadas pelo presidente. Lula obteve 40% das intenções de voto em uma simulação de primeiro turno, Bolsonaro marcou 24% e Ciro Gomes (PDT), 10%.

Presidente do Progressistas, o deputado André Fufuca (MA), diz em público que Bolsonaro pode recuperar a popularidade. "Acredito que o atual cenário é mutável. A tendência é que sua popularidade volte a subir e ele chegue com condições reais de disputar a reeleição", afirmou. Nos bastidores, no entanto, Fufuca conversa com Lula.

Kassab diz que nem a melhoria no quadro econômico será suficiente para ajudar Bolsonaro. "Bolsa Família ele vai aumentar X e Lula vai falar que vai aumentar dois X. Vou acreditar no Lula", disse o presidente do PSD.

Marcelo Ramos também descartou que a economia possa auxiliar Bolsonaro. "O presidente apostou em uma recuperação econômica que não era motivada por nenhuma ação do governo. Era uma recuperação de quem sai da inércia", observou. “Quando a crise é muito grande, em um momento pós-crise você sempre tem um boom de crescimento. Mas ele cria tanta confusão que tudo indica que até esse boom de crescimento não vai se confirmar."

Por Estado

Bolsonaro submete André Mendonça a um metódico processo de encolhimento



Já se sabia que o pastor André Mendonça prometera a Bolsonaro começar com uma oração toda primeira sessão da semana no Supremo Tribunal Federal. O presidente informa agora que o indicado à vaga do ministro Marco Aurélio Mello assumiu um segundo compromisso com ele. Vai "almoçar uma vez por semana comigo", contou Bolsonaro aos seus devotos, no cercadinho do Alvorada.

Depois de emplacar Nunes Marques, escolhido para a poltrona de Celso de Mello menos pelo currículo do que pelas doses de "tubaína" que dividiu com o capitão no Alvorada, Bolsonaro deseja dispor de uma toga do tipo "prato feito". Alguém que mastigue na mesa do palácio residencial as decisões que tomará nos julgamentos da Suprema Corte.

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado demora a sabatinar Mendonça. Julgando-se maltratado pelo Planalto, Davi Alcolumbre, presidente da comissão, usa os insultos de Bolsonaro a ministros do Supremo como pretexto para manter o preferido do presidente no freezer. Se não for aprovado rapidamente pelo Senado, Mendonça será uma pequena criatura depois do descongelamento.

Até outro dia, Mendonça era apenas um sujeito "terrivelmente evangélico" que Bolsonaro usava para fazer média com um pedaço do seu eleitorado. Com o acréscimo do almoço semanal no rol de serviços que terá de prestar, ficou claro que o quase-ex-futuro-magistrado amarga um metódico processo de encolhimento. Tornou-se um personagem terrivelmente vassalo.

No sistema feudal, vassalo é o indivíduo que, mediante juramento de fidelidade a um suserano, passa a lhe render tributos. A conta pode ser alta, pois Bolsonaro, o senhor do feudo, é estrela de inquéritos no Supremo, tem um filho denunciado por peculato e lavagem de dinheiro, tem outro filho investigado por liderar a milícia digital do gabinete do ódio e está cercado de aliados sub judice. Nesse ambiente, Mendonça logo estará dormindo numa caixa de fósforos.

Por Josias de Souza

Entenda o "chega-pra-lá" dado por Pacheco e Fachin no golpismo de Bolsonaro



Bem, dizer o quê? O golpista foi malsucedido em duas outras empreitadas. Parece que só resta a esperança de luta armada no 7 de Setembro, não é mesmo? — na contramão, diga-se, do discurso legalista feito nesta quarta pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Duas das investidas do ogro da democracia contra o estado de direito acabam de encontrar o paredão da lei. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mandou arquivar a denúncia apresentada por Jair Bolsonaro contra Alexandre de Moraes, objetivando o impeachment do ministro. Edson Fachin, também do STF, por sua vez, mandou arquivar ADPF impetrada pela Advocacia Geral da União contra o Artigo 43 do Regimento Interno do Supremo, que permitiu a abertura, de ofício, do Inquérito 4.781. Vamos entender.

DECISÃO DO PRESIDENTE DO SENADO
Pacheco já havia deixado claro que não via razão para o impeachment de Moraes, num recado explícito de que o presidente seria malsucedido no seu intento. Bolsonaro, é provável, tinha a certeza da recusa, mas precisava alimentar a sua malta, dando combustível para o que a canalha imagina ser a tomada do poder no dia 7. Pacheco, portanto, fez bem em dar uma resposta célere.

O que alegou o presidente do Senado em mensagem curta? Recusa o pedido apresentado pelo presidente por estes motivos:
a: ausência de justa causa -- isto é: Bolsonaro não apresentou motivos jurídicos que embasem o seu pedido;
b: em atenção ao "Parecer nº 659/2021-NASSET/ADVOSF", cujo conteúdo, afirmou, acolhia integralmente.

O PARECER
E o que diz o parecer do Senado, contrário à pretensão de Bolsonaro?
1 - falta de justa causa: não há o lastro probatório mínimo nem mesmo para fazer um juízo preliminar de admissibilidade;

2 - o que o presidente apresenta como crime consiste, na verdade, em prerrogativa do ministro Moraes.

Bem, as duas razões para rejeitar o pedido se imbricam e se confundem. O parecer do Senado observa que Bolsonaro não apresenta nenhuma ação de Moraes que esteja fora do seu dever de acompanhar processos e de julgar.

A restrição à atuação do ministro diz respeito à sua condição de relator do Inquérito 4.781, aberto de ofício no dia 14 de março de 2019 pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli.

Ocorre que tal decisão está ancorada no Artigo 43 do Regimento Interno do Senado. E, lembra o parecer, sua constitucionalidade foi referendada na Corte por 10 votos a um. Assim, não resta motivo para o presidente pedir o impeachment do ministro que não seja o inconformismo com a sua decisão — o que, por óbvio, não é causa de... impeachment!!!

Há mais: o próprio tribunal já se debruçou sobre essa questão quando julgou a ADPF 572, que arguia justamente a inconstitucionalidade do Inquérito 4.781, no qual Bolsonaro passou a ser investigado a pedido do Tribunal Superior Eleitoral. A tese da inconstitucionalidade perdeu por 10 a 1. Lembra o parecer da área jurídica do Senado, inteiramente endossado por Pacheco, que é advogado:
"A decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos da ADPF 572 tem eficácia erga omnes e efeito vinculante, de modo que não se mostra juridicamente possível concluir que os atos praticados pelo Ministro Alexandre de Moraes na condução do citado inquérito constituam infração à lei, em especial crime de responsabilidade.
Ademais, trata-se de procedimento prévio inquisitorial, supervisionado pelo órgão máximo do Poder Judiciário e com a participação da Procuradoria-Geral da República, titular da ação penal, e da Polícia Federal, cada qual no desempenho de suas competências e atribuições constitucionais e legais."

Bolsonaro reclama também de ter sido incluindo no inquérito 4.781, a pedido do TSE, e de ter se transformado num investigado, em outro procedimento, em razão da divulgação de conteúdo de inquérito da PF que tramitava em sigilo. Responde o Senado:
Quanto ao Ofício GAB-SPR n. 2868/2021 (Relato de Possível Conduta Criminosa) encaminhado pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral ao Ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito n. 4781 do STF, tem-se comunicação de fato aparentemente conexo aos fatos já investigados segundo o entendimento das autoridades judiciais envolvidas. Trata-se de questão processual e, portanto, de cunho nitidamente jurisdicional, que deve ser objeto de questionamento pelas vias processuais disponíveis.
O mesmo se aplica ao Ofício encaminhado pelo Tribunal Superior Eleitoral para o Supremo Tribunal Federal em 09 de agosto de 2021, em que comunica suposto crime cometido pelo Presidente da República capitulado no art. 153, §§ 1º e 2º, do Código Penal. A conexão dos fatos investigados e a distribuição por prevenção são questões processuais e regimentais que devem ser objeto de discussão na via jurisdicional adequada, com os meios e recursos cabíveis."

Ou por outra: diz o Senado a Bolsonaro que, descontente com a inclusão no Inquérito 4.781, cabem a ele os recursos processuais normais. Que recorra em vez de pedir o impeachment do ministro. Quanto à outra investigação, a de quebra de sigilo, a dita-cuja foi parar nas mãos de Moraes por prevenção — uma regra dos tribunais. Em qualquer caso, o ministro atua, como gosta de dizer o ogro, "dentro das quatro linhas".

Acabou a causa. Recusado está. Bolsonaro havia manifestado a intenção de apresentar também o pedido de impeachment de Roberto Barroso. Especula-se que possa desistir. Vamos ver: acho que depende da quantidade de ração precisar fornecer ao gado.

E, reitero, fez bem o presidente do Senado ao decidir com rapidez. Isso alimenta ou desestimula atos golpistas? Sei lá. Desde quando o golpismo precisa de motivos? Ele só precisa de pretextos.

A RESPOSTA DE FACHIN
A segunda derrota do dia de Bolsonaro tem a mesmíssima natureza, só que a questão não está personalizada na figura de um ministro. Já escrevi largamente a respeito no dia 20. Para ler o artigo, clique aqui.

A AGU, a pedido de Bolsonaro, entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) apontando a suposta inconstitucionalidade do Artigo 43, que permite ao presidente do STF abrir inquérito de ofício. Fosse bem-sucedido no seu intento, Bolsonaro deixaria a condição de investigado. Mas não foi.

O Supremo, como lembro acima, já tomou decisão no ano passado e apontou, por 10 a 1, a legalidade do procedimento. Só o ministro Marco Aurélio dissentiu. Dos 10 que disseram "sim", 9 continuam na Casa — Celso de Mello, a exemplo de Marco Aurélio, se aposentou.

Fachin nem examinou detidamente os argumentos porque indevidos. Lembrou:
"Assim, acolho o argumento suscitado na ADPF 704 de que "não cabe ADPF para rediscutir a recepção de norma pré-constitucional cuja compatibilidade com a Carta de 1988 já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente quando utilizada com o nítido intuito de desconstituir acórdão prolatado antes do seu ajuizamento (art. 12 da Lei 9.882/1999 e art. 26 da Lei 9.868/1999) e quando inexistente modificação do estado de fato ou ius novum, pertinentes e relevantes, aptos a ensejar a revisão do precedente."

Ou por outra: a AGU nem mesmo apresentou um fato novo que justificasse acionar o Supremo contra decisão recentemente tomada pelo próprio tribunal. O ministro destacou ainda que, em havendo inconformismo com a decisão, certamente não pode haver contestação por meio de uma nova ADPF. A AGU sabe disso? É claro que sim. Mas, a exemplo dos demônios, uma das especialidades de Bolsonaro e induzir as pessoas ao erro. Clique aqui para ler íntegra da decisão de Fachin,

ENCERRO
3, 2, 1 para que o golpista saia gritando por aí que há uma conspiração que agora une o Senado ao STF, além, claro!, de Luiz Inácio Lula da Silva, do globalismo, de George Soros, do comunismo internacional e dos terrabolistas...

"Ah, isso só vai botar mais gente na rua em favor do golpe!"

É mesmo?

Ok. Depois se faz uma manifestação ainda maior em favor do impeachment e contra o golpe.

O que não se pode fazer é fraudar a lei para agradar ao espírito de porco de um presidente golpista.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Golpistas do dia 7 isolarão Bolsonaro ainda mais; é o lado bom da patuscada



Certas formulações de jerico começam a frequentar até os textos de pessoas obviamente comprometidas com a defesa da ordem democrática e que repudiam alguns trogloditas fascistoides hoje aboletados no Estado. E aí se diz então: "Ah, se a manifestação do dia 7 de Setembro for gigantesca, Jair Bolsonaro obterá uma vitória importante..." Calma lá.

Se for um fiasco, é óbvio que ele estará acabado antes do fim do festa — ou do festim diabólico a que estamos submetidos. Mas, obviamente, não será. Podem contar que haverá muitos milhares nas ruas. E isso significará o quê? Nada! Coisa de um quarto do eleitorado ainda vota nele. Parte dessa gente é composta de fanáticos que acreditam em tudo o que diz e que seguem o seu comando. E vão para as ruas: pelo voto impresso, pelo fechamento do Supremo, contra os comunistas, contra as vacinas com chip... Escolham aí a causa.

Isso terá o condão de intimidar o Supremo? Acreditem: não vai mesmo. Se Bolsonaro espera alguma concessão arrancada na base da intimidação, então não sabe o erro que está cometendo. De resto, vamos ver: se a oposição fizer, na sequência, uma manifestação ainda maior em favor do impeachment, isso quererá dizer que o ogro vai cair? Nem uma coisa nem outra.

O dia 7 vai servir apenas para Bolsonaro evidenciar que continua competitivo. Digamos que se trata de um esforço para tentar impedir que surja o tal nome da terceira via, que, para ser viável, tem de arrancar mais eleitores seus do que de Lula. Como é crescente o descontentamento de setores da elite que estavam fechados com o "capitão" até ontem, ele sabe que o risco existe — ainda que pequeno hoje. É crescente a constatação, na turma do dinheiro grosso (não me refiro a bucaneiros exibidos), de que o país não tem futuro "com esse cara". E ele precisa dar uma demonstração de força.

"Mas Bolsonaro não sonha, Reinaldo, com uma manifestação gigantesca de pessoas pedindo o fechamento do Supremo, saudando-o como o grande líder, seguida de uma quartelada que o chamasse de chefe?" Sonha, sim, caras e caros. Mas sabem quantos são, no momento em que você lê este texto, os Napoleões de hospício e de si mesmos mundo afora? Entre o sonho e a realidade, costuma estar a impossibilidade.

Nesta quarta, no Dia do Soldado, os militares devem se pronunciar. Fiquemos atentos.

De um importante empresário — que nunca foi bolsonarista, mas que convive num meio altamente bolsonarizado (até outro dia...) —, ouvi uma avaliação que já está sendo feita entre seus pares: "E se ele ganhar? Está queimando tantas pontes e incendiando tantos navios que o futuro se torna ainda mais sombrio".

Pois é. Sabemos que Bolsonaro não precisa de motivos objetivos para declarar guerra contra adversários que só litigam na sua imaginação, naquela terra devastada que tem entre as orelhas. Ou suas milícias não teriam começado a atacar o Judiciário e o Legislativo já no dia 2 de janeiro de 2019, dando continuidade à linguagem da campanha eleitoral.

REUNIÃO COM PODERES?
É por isso que não faz muito sentido, na sua estratégia ao menos, uma reunião entre os Poderes, com a presença dos governadores. E aí pouco importa a sua ojeriza a João Doria. Ocorre que Congresso e STF não têm concessões a fazer. O único que teria algo a ceder seria ele próprio: teria de pôr fim à sua postulação golpista. Mas aí vai dizer a seus fanáticos o quê?

Até o centrão, que vive as delícias orçamentárias do poder, sabe que a equação não tem futuro. Vai tentando empurrar Bolsonaro com a barriga até a disputa eleitoral, numa estratégia de redução de danos.

E quais as chances de o presidente amenizar o discurso depois do dia 7? Bem, respondo com outra pergunta: amenizaria por quê? Lá estarão os seus lunáticos, certos de que podem se impor pelo berro e esperançosos de que as Forças Armadas, na hora h, não faltarão e impedirão a sua derrota — o que não vai acontecer.

O FUTURO
O que os democratas têm de fazer desde já -- e essa costura tem de começar agora, não mais tarde -- é um pacto em favor da governabilidade a partir de 2023. A instabilidade que Bolsonaro levou à política tenderá a durar bastante tempo. A besta não voltará facilmente para a caverna. A corrosão institucional nestes dois anos e oito meses de desordem é grande. Crimes em penca foram e estão sendo cometidos. Os militantes do golpe de estado terão de ser contidos pela lei.

Vejam, a propósito, a pregação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), insuflando a PM de São Paulo contra o governador e falando abertamente em ruptura institucional. É evidente que a democracia não pode tolerar esse tipo de pregação se não quiser conviver com a instabilidade permanente e com a condenação ao atraso. Há setores importantes no país, inclusive na imprensa, que não se deram conta da dimensão da corrosão em curso.

Não. Não haverá golpe. Mas precisaremos de muito tempo para rearranjar as coisas quando esse pesadelo passar. E haverá muito a fazer em defesa da ordem democrática. Especialmente num país em que até alguns juízes confundem crime com liberdade de expressão.

CONCLUO
Bolsonaro não vai desistir na pregação golpista. Não é que seja a sua melhor opção. É a única. Sem isso, não existe. E conta, sim, com um apoio expressivo, especialmente quando se consideram as enormidades que diz. Conseguiu a proeza de encarnar todos os reacionarismos do país -- os novos e os ancestrais. E haverá, pois, muita gente na rua no dia 7. E isso só vai evidenciar por que ele não pode continuar na Presidência da República. Tem de sair por meio do impeachment (chance ainda remota) ou das eleições.

Na planície, terá de pagar por seus crimes.

Por Reinaldo Azevedo

Juíza toma crime por liberdade de expressão; decisão incentiva o vale-tudo



Raramente li uma decisão tão absurda, equivocada e tecnicamente teratológica como a tomada pela juíza Pollyanna Kelly Martins Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, que rejeitou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o agitador bolsonarista Allan dos Santos por incitação ao crime e ameaça contra o ministro Roberto Barroso, do Supremo.

Não estou ainda com os olhos cansados, mas já vi muita coisa. É a primeira vez que me deparo com um magistrado que considera que a vítima é que define a existência ou não de um crime. Se um determinado ato se dá contra o indivíduo A, talvez se tenha incorrido em delito; se for contra o B, não. De resto, mais uma vez, entendo, o crime está sendo chamado de liberdade de expressão. Já chego lá.

Durante muito tempo vigorou entre nós um brocardo autoritário, a saber: "Decisão da Justiça não se discute". Errado! Na democracia não é assim. Discute-se tudo! Inclusive decisão da Justiça. O lema há de ser outro: "Decisão da justiça se discute, mas se cumpre". E, cabendo recurso, os descontentes recorrerão. Inaceitável, por óbvio, é fazer o que faz Bolsonaro: "Ou o Judiciário decide como quero, ou eu viro a mesa e boto tanques na rua". Perceberam a diferença?

MAS O QUE FEZ A JUÍZA?
Vamos ver. Numa das transmissões no Terça Livre, canal que mantém na Internet, Santos afirmou o seguinte, aos berros, referindo-se a Roberto Barroso:
"Tira o digital, se você tem culhão! Tira a porra do digital e cresce! Dá nome aos bois! De uma vez por todas, Barroso, vira homem! Tira a porra do digital! E bota só terrorista! Pra você ver o que a gente faz com você. Tá na hora de falar grosso nessa porra".

Depois que esse troço foi ao ar, o ministro entrou com uma representação no Ministério Público Federal, que entendeu que a fala de Santos transborda os limites da liberdade de expressão, denunciando-o por ameaça e incitação ao crime, Artigos 147 e 286 do Código Penal.

Pollyanna Kelly, no entanto, não viu nas palavras transcritas acima nada além de grosseria.

SEM CRIME???
Entrando na psicologia de Santos -- e não sei com quais instrumentos o fez --, a juíza infere (segue como o original):
"No presente caso, depreende-se das falas do denunciado que consistiram tão somente em impropérios e bravatas que não denotam a seriedade e consistência da promessa, inapta, portanto, para incutir temor objetivo no destinatário".

Noto que, para a juíza, as palavras a que apelou o tal Santos não têm a menor relevância. O "pra ver o que a gente faz com você", segundo a doutora, não deve ser levado a sério e nem pode "incutir temor objetivo no destinatário".

Isso significa que ela escarafunchou as respectivas almas do agressor e do agredido. Em uma, encontrou apenas "impropérios e bravatas". Na outra, não constatou "temor objetivo". Cumpre perguntar: de que elementos ela dispõe para afirmar que Santos não representa risco nenhum? Mais: é ela quem decide as razões do temor alheio?

DEPENDE DO ALVO?
No trecho mais espetacular da decisão, escreve a juíza, negando ainda o "temor objetivo ao destinatário":
"Ao contrário, infere-se das falas que se tratam de arroubo claramente impulsionado pelo momento político vivenciado, insuscetível de concretização tendo-se em conta, inclusive, o fato de o destinatário das falas tratar-se de alto dignitário da República, consistindo em autoridade fora do alcance real do denunciado, visto que além de possuir equipe de seguranças qualificados conta com setor de inteligência igualmente preparado, o que impossibilita aproximação por parte do ora denunciado, o qual nem ao menos reside no país".

Mais uma vez, como se vê, a doutora dá mostras de conhecer o íntimo do militante bolsonarista — que estaria falando "impulsionado pelo momento político". Como ela sabe? Não estão, em certa medida, todos os criminosos submetidos a um "momento"? Ah, pobrezinho! Será ele a verdadeira vítima?

E aí vem o inusitado: como o ministro dispõe de "seguranças qualificados" e como estaria "fora do alcance real do denunciado", então inexistem tanto a ameaça como a incitação. Ora, o perigo desta segunda, por óbvio, não está na pessoa do incitador, mas na ação de um terceiro que se sinta estimulado pela incitação.

Por essas razões, a juíza entendeu que "a denúncia ressente-se de amparo legal em face da ausência de justa causa dada a atipicidade das condutas denunciadas".

Ela aproveitou ainda para tratar as palavras de Santos como manifestação da liberdade de expressão. E considerou:
"Tenho ressaltado que o direito de liberdade de expressão dos pensamentos e ideias consiste em amparo àquele que emite críticas, ainda que inconvenientes e injustas. Em uma democracia, todo indivíduo deve ter assegurado o direito de emitir suas opiniões sem receios ou medos, sobretudo aquelas causadoras de desconforto ao criticado."

AFINIDADES?
Note-se que, no ataque dirigido ao ministro, Santos diz, por exemplo: "De uma vez por todas, vira homem". Considera, então, a magistrada: "Na representação da suposta vítima não há sequer menção de existência de temor, mas possível tentativa de intimidação de Ministro do STF. Um magistrado não pode nem deve ser facilmente intimidado, especialmente se o for da mais alta Corte de Justiça deste País".

Entendo errado, ou a juíza sugere que, quanto mais alto o posto ocupado pela autoridade, maior pode ser o agravo sem punição porque, afinal, o alvo "não pode nem deve se sentir intimidado". Na linguagem do agressor, isso se traduz por "ser homem"...

Fiquei um tanto curioso: o que, segundo a juíza, afinal de contas, poderia ser crime? No universo das palavras, então, tudo é permitido?

E ESTA FRASE?
Um dos desastres culturais e civilizacionais em curso no país -- e o próprio presidente da República é o exemplo maior -- está em tomar o crime como liberdade de expressão e a liberdade de expressão como crime.

E que tal esta fala, doutora?
"Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece".

Eis o então deputado Jair Bolsonaro numa entrevista ao jornal Zero Hora, depois de ter dito duas vezes que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela "não merecia".

Liberdade de expressão, certo, Pollyanna Kelly?

NÃO É AQUELA JUÍZA?
Sim, Pollyana Kelly é a juíza que rejeitou o pedido do procurador Frederico de Carvalho Paiva para que se abrisse nova ação penal contra o ex-presidente Lula no caso do tal sítio de Atibaia. O que uma coisa tem a ver com outra? Nada. Estar errada numa decisão não implica estar também na outra.

Até porque se deu pouco destaque a um dado que chega a ser estupefaciente: na nova denúncia apresentada, o procurador se confundiu — leia mais aqui — e, acreditem, listou no processo do sítio os acusados na investigação da suposta doação do terreno da Odebrecht para o Instituto Lula. O espírito caça-Lula é tal que não leem direito nem o que mandam para a Justiça. A ideia era ser o mais célere possível... Quem sabe uma inelegibilidade até 2022, não é mesmo?

Esse caso de Atibaia já está entrando para o anedotário das farsas judiciais. Gabriela Hardt, a juíza que condenou o ex-presidente em primeira instância, copiou trechos da sentença que Sergio Moro emitiu sobre o apartamento de Guarujá. A vergonha foi tal que esqueceu até de trocar a palavra "apartamento" por sítio. Também citou contra Lula os testemunhos de "dois" indivíduos: "Léo Pinheiro e José Adelmário". Ocorre que são a mesma pessoa. Léo Pinheiro é o apelido de José Adelmário.

E, na tentativa de o MPF reavivar o caso, o procurador confundiu os envolvidos num processo com os envolvidos no outro... E esse é apenas um dos problemas.

Pollyana Kelly não fez favor nenhum a Lula. Cumpriu a lei. No caso de Barroso, entendo, confundiu crime com liberdade de expressão. É o tipo de decisão que incentiva o vale-tudo nas redes.

Se aquilo pode ser dito sobre Barroso, o que se pode dizer sobre Bolsonaro, que tem ainda mais seguranças, doutora? Isso é critério de justiça?

Por Reinaldo Azevedo