domingo, 31 de julho de 2022

Bolsonaro anuncia trapaça para simular participação militar em ato golpista


Eduardo Cunha, candidato a deputado pelo PTB, esteve no
palanque com Bolsonaro, que falou em combate àcorrupção (!)
e anunciou truque para envolver Forças Armadas com o golpismo
Imagem: Fábio Vieira/Metrópoles


Justamente quando pretende arreganhar os dentes, no que seria uma demonstração inequívoca de poder, é que Jair Bolsonaro, o grande farsante da República, evidencia o seu isolamento — que é crescente também no meio militar. Atenção: ele continua a ser, sim, um elemento perverso e perigoso para a democracia. Por isso a Carta em defesa do estado de direito, que já reúne mais de 500 mil assinaturas, é tão importante. Mas por que afirmo que evidencia fraqueza ao pretender demonstrar robustez? Vamos ver.

Neste sábado, ele participou de um evento político em São Paulo, no Expo Center Norte, que juntou duas convenções partidárias: a Nacional, do Republicanos, e a estadual, do PTB. Assim, somaram-se ao presidente, no mesmo palanque, os cariocas Tarcísio de Freitas e Eduardo Cunha. Um será candidato ao governo do Estado pelo primeiro partido, e o outro, a deputado federal pelo segundo. Na presença de Cunha, o "Mito" teve a ousadia de falar em combate à corrupção... Nota à margem: políticos do Brasil, atenção! Quando o eleitorado do Estado em que nasceram e viveram não lhes der bola, tentem enganar os paulistas. Quem sabe... Vamos à farsa mais recente.

Num discurso em que voltou a contar mentiras sobre a atuação do STF na pandemia, o presidente anunciou que estará presente ao desfile militar do 7 de Setembro em Brasília. É a tradição. Aí, então, ele se referiu ao Rio nos seguintes termos:
"Nós queremos, pela primeira vez, inovar no Rio de Janeiro. Sei que vocês queriam [que fosse] aqui [em São Paulo], mas nós queremos inovar no Rio de Janeiro. Às 16 horas do dia 7 de Setembro, pela primeira vez, as nossas Forças Armadas e as nossas irmãs Forças Auxiliares [PM e Corpo de Bombeiros] estarão desfilando na Praia de Copacabana, ao lado de nosso povo. O nosso Rio de Janeiro, cartão postal do Brasil, um Estado aliado de todos nós, aliado da economia de São Paulo, vamos mostrar que o nosso povo, mais do que querer, tem o direito e exige paz, democracia, transparência e liberdade".

VAMOS ENTENDER A PATUSCADA
O desfile militar de 7 de Setembro, no Rio, sempre se dá no Centro da cidade, na Avenida Presidente Vargas. Bolsonaro é, segundo a Constituição, comandante supremo das Forças Armadas. Ele pode determinar que o ato aconteça em outro lugar? Pode.

Segundo diz, está transferindo o evento justamente para Copacabana, mesmo lugar em que deve ocorrer a manifestação golpista da sua turma. Entenderam a jogada? Como ele já percebeu que sua tentativa de atropelar o processo eleitoral ou de ignorar o resultado das urnas está ecoando cada vez menos entre os militares, então está forçando a amizade: quer mudar o local do desfile para simular uma adesão ao golpismo que hoje é inexistente.

O bufão está armando uma cena. Seus partidários atacarão o STF e o sistema eleitoral, muito especialmente se as pesquisas continuarem a indicar a possível vitória de Lula, e o desfile dos fardados estaria a evidenciar, então, a adesão dos quartéis à intervenção armada em nome, como é mesmo?, de "paz, democracia, transparência e liberdade".

Observem que, sem querer, ele acaba denunciando que tentou armar o circo em São Paulo. Mas, tudo indica, encontrou resistência. No Estado, as tais "forças auxiliares" (PM e bombeiros) estão subordinadas à Secretaria de Segurança Pública, que tem como titular o general da reserva João Camilo Pires de Campos, que não pertence ao círculo bolsonariano. Uma das estrelas do evento deste sábado foi, obviamente, Tarcísio de Freitas, que disputa os votos da direita no Estado com Rodrigo Garcia, candidato à reeleição.

GOLPES NO GOLPISMO
O golpismo, com as vênias aos que, a exemplo deste escriba, repudiam joguinhos de palavras, andou sofrendo alguns golpes.

Um dos maiores é a adesão maciça de cidadãos dos mais diversos setores à "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito", que já reúne mais de 500 mil signatários. Os indivíduos sem crachá são a sua força principal, mas o fato de reunir praticamente a totalidade da consciência jurídica do país, além de pesos-pesados do empresariado, intelectuais, jornalistas e artistas, dá uma dimensão da abrangência do apelo em favor do respeito às regras do jogo. O texto tem a grande virtude de evitar a politização barata e de pregar o respeito à Constituição. Quem está na contramão?

Há mais. A reunião que Bolsonaro promoveu com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral no Brasil provocou repulsa no alto oficialato. Há um comportamento que, para essa turma, é anátema: políticos que atacam o próprio país em solo estrangeiro ou a uma audiência, como foi o caso, internacional. "Inaceitável" foi o adjetivo mais ameno.

Ademais, há quatro manifestações recentes muito eloquentes do governo americano em favor do respeito às regras do jogo. Uma delas foi dita de viva voz a Bolsonaro por Joe Biden, que recusou a ajuda pedida pelo presidente brasileiro para vencer Lula. Depois do malfadado encontro com os diplomatas, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou uma nota expressando confiança no sistema eleitoral, posição referendada no dia seguinte por Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado.

Em viagem ao nosso país, o próprio secretário de Defesa dos Estados Unidos, general Lloyd Austin, afirmou na quarta, dia 27, a seu homólogo brasileiro, Paulo Sérgio Nogueira, que o governo Biden espera que o Brasil mantenha a tradição de realizar eleições justas.

Vídeo divulgado pelo governo americano vinha acompanhado do seguinte texto:
"Nossos valores democráticos compartilhados são a pedra angular de nosso forte relacionamento de Defesa, e nos comprometemos a trabalhar juntos pela segurança regional e global".

Para quem não entendeu: um golpe isolaria as Forças Armadas brasileiras, que deixariam de contar com a colaboração de seu principal aliado — ou, ao menos, esta seria drasticamente reduzida. E o mesmo vale para outras duas democracias: a França é parceria no programa nuclear da Marinha, e a Aeronáutica tem uma estreita relação com a Suécia em razão dos caças Gripen.

Releiam o texto: o "forte relacionamento de Defesa" depende de "valores democráticos compartilhados"; estes são sua "pedra angular".

PODEMOS RELAXAR?
Não, não podemos relaxar. Mais do que nunca, agora sim, "o preço da liberdade é a eterna vigilância". O isolamento de Bolsonaro em sua sanha golpista só existe porque há mobilização; porque os que estamos empenhados na defesa da democracia fazemos chegar a todo mundo e a todo o mundo as patranhas golpistas do senhor presidente da República.

Justamente porque não conta com a adesão espontânea — que seria, obviamente, ilegal — à manifestação golpista, Bolsonaro tenta armar a cena, empurrando os militares para participar, de modo forçado, de sua pantomima.

Estamos diante de mais um crime de responsabilidade, segundo define a Lei 1.079, passível de impeachment. Mas, sabemos, isso dependeria da vontade de Arthur Lira. De resto, não há tempo para tanto. Se realmente criar a trapaça para as Forças Armadas participarem de um ato golpista, o presidente também comete crime comum. Bolsonaro incorre nos Artigos 359-L e 359-N do Código Penal, a saber:
Art. 359-L. - Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Artigo 359-N - Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Crimes de responsabilidade morrem junto com o fim do exercício do cargo. Os comuns sobrevivem, e Bolsonaro poder ser responsabilizado por eles posteriormente. É por isso que alguns pistoleiros já falam na criação do senador vitalício...

ENCERRO
O anúncio de Bolsonaro, reitero, evidencia seu isolamento. Pessoas com o seu temperamento e com o seu perfil são ainda mais perigosas quando acuadas.

Não baixemos a guarda jamais.

Por Reinaldo Azevedo

sábado, 30 de julho de 2022

Analiso manifesto dos "Excluídos Gramaticais e Éticos" da extrema-direita


No dia 10 de maio de 1933, o Partido Nazista promoveu uma grande queima de livros considerados inconvenientes em várias cidades da Alemanha; acima, o evento macabro em Bebelplatz, em Berlim. Triunfo da ignorância ressentida Imagem: Reprodução

Consta que um grupo de 1.600 advogados que se intitulam "de direita" pediu uma audiência a Edson Fachin, presidente do TSE. Compõem um certo "Movimento Advogados de Direita Brasil (ADBR)". Sei. Podem saber alguma coisa sobre "a direita". E a ignorância que vem a nu é compatível com o rótulo que impõem a si mesmos. Mas parecem saber bem pouco sobre direito.

Eles estariam na raiz de um tal "Manifesto à Nação Brasileira", que ambiciona ser o contraponto direitista à "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito", que está unindo — em vez de dividir — o país em favor dos valores consagrados pela Constituição de 1988.

Aberta a adesões, a Carta pode ser subscrita por qualquer pessoa que concorde com seus temos. E assim tem sido aos muitos milhares. Essa é uma ideia que pegou. E vozes especialmente relevantes da sociedade, que carregam, em vários aspectos, o valor de uma representação, também têm endossado o que logo se transformou num movimento. Este, sim, é real.

Empresários dos mais diversos setores se juntaram a milhares de vozes. O texto será lido na Faculdade de Direito da USP no dia 11 de agosto, ocasião em que virá à luz um segundo documento, com o mesmo propósito, assinado por entidades empresariais dos mais diversos setores. Para aderir à Carta e saber quem já assinou, clique aqui.

BOLSONARO, O MILICIANO DO CAPITALISMO NATIVO
Bolsonaro, acostumado a pregar golpe, sentiu o golpe -- entendida a palavra, agora, como um movimento incisivo em favor da democracia. A adesão em massa de empresários à carta e a gestação de um segundo documento antigolpista deixaram o presidente especialmente irritado porque ele se oferece para ser um guarda-costas do capital, desde que os capitalistas façam as suas vontades.

Entenderam a estranha relação que Bolsonaro pretende manter com o empresariado? Na conversa com Biden, ele também se apresentou como a garantia contra supostas ameaças aos interesses americanos no país. A verdade é que o "Mito" gostaria de ser, para o grande capital, aquilo que os milicianos são para comerciantes das áreas que tiranizam: "Paguem uma taxa, e ninguém vai importuná-los". Ocorre que a política brasileira não pode ser refém de uma lógica miliciana.

O tal "manifesto" dos direitistas é patético em vários aspectos — e a língua em que é vazado é um deles. Releiam a outra carta, a que tem unido o país. Em momento nenhum se faz a defesa desta ou daquela candidaturas; já o texto dos reaças incorre na defesa incondicional de Bolsonaro. Um documento cobra respeito aos valores consagrados pela Constituição; o outro é só um exercício de proselitismo ideológico; um está aberto a qualquer pessoa; o outro traz o inequívoco sotaque religioso. E Deus, convenham, para os que creem, tem mesmo de estar acima das disputas mundanas, não é? Põe Deus abaixo de todos aquele que o transforma em instrumento de luta política.

O texto é pedestre nos conceitos, notavelmente mal redigido e ainda abusa do Google para tentar transformar Tocqueville em militante de extrema direita. A propósito: por que o "manifesto" faz questão de atacar o socialismo? Imputa-se, por acaso, desvio socializante à Carta das Arcadas, endossada por grandes empresários e banqueiros?

Segue a redação ginasiana da tropa de extrema direita. Volto em seguida.

MANIFESTO À NAÇÃO BRASILEIRA

EM DEFESA DO BRASIL E DAS LIBERDADES DO POVO, PELO POVO E PARA POVO.

Nós, o povo brasileiro, na defesa do Brasil e das Liberdades do Povo, pelo Povo e para o Povo, e, em apoio ao Presidente do Brasil Jair Messias Bolsonaro nos dirigimos à Nação Brasileira, para declarar que sem liberdade não há democracia, sem justiça não há liberdade, sem honra não há respeito, sem dever não há ordem e progresso, sem piedade não há amor e humildade e sem esperança iremos sucumbir.

Há em nosso País a gravíssima tentativa da consolidação da "ditadura do pensamento único" que vem impondo a censura e desmonetização dos meios de comunicação independentes e de perfis de redes sociais de brasileiros.

Testemunhamos a instauração de inquéritos ilegais e inconstitucionais com o simples objetivo de criminalizar a opinião contrária, pelo órgão que deveria zelar pelos direitos fundamentais da população, abolindo nossas liberdades individuais e garantias fundamentais.

Somos um povo pacífico, que ama sua nação, que defende a democracia e as liberdades. Não podemos renunciar as liberdades que Deus nos deu. Nosso dever é lutar pelo que já conquistamos, por aquilo que cremos, por nossa fé, pelo direito de ir e vir, pelo direito de se expressar.

Qualquer pessoa deve ter o seu direito de se expressar livremente sem qualquer tipo de limites. A liberdade de expressão é o que permite o diálogo entre pontos de vista diferentes, antagônicos.

Sem o direito de se expressar, sem essa liberdade todos os demais direitos estarão prejudicados. A liberdade de expressão inclui o direito a fazer críticas, ou seja, a criticar quem quer que seja. Parcela da população brasileira hoje não pode usufruir desse direito. Está sendo impedida por pessoas que deveriam garantir.

Não é aceitável que um lado tente imputar a nós, um povo livre e pacífico, a condição de incentivadores de atos antidemocráticos e de divulgadores de fake News. A verdade é que uma pequena parcela da população detentora de poder, não aceita críticas. Não aceita escutar a opinião do POVO, do PODER SUPREMO DE UMA NAÇÃO DEMOCRÁTICA.

Os milhões de cidadãos brasileiros, incluindo o Presidente da República Federativa do Brasil, o Exmo. Sr. Jair Messias Bolsonaro em suas liberdades individuais buscam posicionar-se perante a sociedade com opiniões acerca de temas importantes para nação, no entanto, estamos sofrendo ataques infundados por pessoas que não respeitam opiniões diferentes.

Nossas convicções de DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA E LIBERDADE em nada ofende quem quer que seja e tampouco ameaça a democracia como tanto repetem. Precisamos estar unidos para defender as LIBERDADES, porque SEM LIBERDADE NÃO HÁ DEMOCRACIA.

Por fim, concluímos este Manifesto com a seguinte expressão de Alexis de Tocqueville: "Democracia amplia a esfera da liberdade individual, o socialismo a restringe. Democracia atribui todo o valor possível de cada homem; socialismo faz de cada homem um mero agente, um mero número. Democracia e socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade. Com uma grande diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura a igualdade no controle e na servidão".

Deus seja Louvado.

Brasil acima de Tudo.

República Federativa do Brasil, 28 de julho de 2022.

RETOMO
Se isso é o melhor que podem fazer 1.600 advogados de direita, temo por seus clientes. Há pelo menos 26 erros de pontuação no texto -- 16 só no primeiro parágrafo. Há ainda um de concordância verbal, um de crase, dois de regência verbal, um de regência nominal, um de pronome oblíquo, que não corresponde à pessoa gramatical do sujeito, e um anacoluto.

Ora, quem diria!? Essa gente sempre tão avessa às políticas de reparação poderia iniciar o "Movimento dos Advogados Bolsonaristas e Excluídos Gramaticais e Éticos".

Esses tementes a Deus não tiveram acesso nem sequer a uma boa tradução da Bíblia?

E uma breve consideração sobre a frase "Qualquer pessoa deve ter o seu direito de se expressar livremente sem qualquer tipo de limites". É mesmo?

Posso afirmar, então, que advogados bolsonaristas defendem que antissemitas e pedófilos têm o direito de fazer proselitismo em favor de sua causa? Ou a expressão "sem qualquer limites" exclui antissemitismo e pedofilia, por exemplo? E apologia do estupro, que fez de Bolsonaro um réu no Supremo?

Seja na gramática, seja no conteúdo, seja no direito que praticam, os tais "advogados de direita" me lembram mais os arruaceiros do fundão da quinta série.

Finalmente, cumpre observar: fazer de Tocqueville um militante contra o socialismo — especialmente porque se referia a movimentos pré-marxistas —, como se aquela crítica pudesse servir de inspiração ao bolsonarismo seria prova suprema de má-fé não fosse mais uma evidência de ignorância. Pegaram a frase no Google. Não tem a mais "p..." ideia de quem foi Tocqueville.

Bolsonaro e sua tropa são perigosos, sim, e merecem combate. Mas creiam: a sua ignorância é ainda mais temerária do que seu engajamento ideológico. Isso em nada os perdoa. O fascismo e o nazismo não triunfaram porque seduziram a extrema direita informada. A estupidez sempre foi seu melhor meio de cultura.

Por Reinaldo Azevedo

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Datafolha: Que Bolsonaro siga tentando roubar a bola. Não mude nada, "Mito"



Há um tipo de que quase ninguém gosta, exceto os abduzidos por uma causa: do mau perdedor. Só pessoas desprezíveis tentam roubar a bola quando sentem que podem ser vencidas. Misto de fraqueza e pusilanimidade. Por mim, Jair Bolsonaro pode seguir na mesma toada, acusando a suposta fraude eleitoral e ameaçado dar golpe. Um derrotado chorão não é exatamente uma figura eleitoralmente atraente. E suas ameaças golpistas têm gerado uma resposta vigorosa da sociedade civil, que andava um tanto em silêncio porque enojada. E foi preciso superar o nojo. Foi a primeira coisa em que pensei ao tomar ciência dos números da mais recente pesquisa Datafolha.

Se a eleição fosse hoje, Lula (PT) teria 47% das intenções de voto, contra 29% de Bolsonaro (PL). A diferença é de enormes 18 pontos. Bolsonaristas querem se animar? Há dois meses, a distância era de 21: 48% a 27%. A mudança está na margem de erro, que é de dois pontos para mais ou para menos. Logo, pode ser que tudo tenha ficado na mesma. Ciro Gomes (PDT) oscilou de 7% para 8%, e os demais candidatos somam cinco pontos. Lula, assim, venceria a disputa no primeiro turno.

CIRO GOMES
Ciro leva mais uma pancada dos números justamente no momento em que sua retórica contra Lula e Bolsonaro chega ao paroxismo de afirmar que ambos se equivalem e que não estará com o petista no segundo turno caso ele próprio não chegue lá. Se chegar, diz, conta com o eleitorado do PT. Ou por outra: ele se considera "bom o bastante" para ter o voto de petistas se vier a disputar um segundo turno com Bolsonaro e "bom demais" para a reciprocidade. Os deuses primeiro tiram o juízo daqueles a quem querem destruir. Acho que, desta feita, foi muito longe até para alguns de seus entusiastas.

Se o ex-presidente e o atual se equivalem mesmo, como quer o pedetista, então ambos representam o mesmo risco para a democracia. A menos que a dita-cuja tenha deixado de ser o valor por excelência da postulação cirista, isso é mentira. Lula andou ameaçando dar golpe de Estado? Não consta. Impôs duas PECs ilegais, com aprovação financiada com emendas do relator, violando a Constituição, a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal? Também não.

Nada dana mais um político do que uma bolha de fanáticos que o façam crer na infalibilidade. No fim das contas, trata-se apenas de um exercício de egocentrismo e de autocongratulação. Com essa retórica, Ciro não cai, mas também não sobe — embora, por ora, tenha um desempenho inferior a jornadas anteriores.

TERCEIRO NOME?
A emedebista Simone Tebet mereceu tratamento de gala de setores da imprensa, ávidos para ressuscitar a desmoralizada tese "nem-nem". Tem mais visibilidade no noticiário do que o pedetista. E nada aconteceu. Com a devida vênia -- e não sou intelectualmente hostil à senadora, apesar de seu lavajatismo pregresso --, a manutenção da candidatura não pode se confundir com um capricho. Estamos a 70 dias do pleito. Aparece com 2% das intenções de voto. Não tem como se queixar se seus correligionários buscarem uma alternativa. Eu a considero uma política respeitável. Mas também para uma pessoa pública vale a máxima de Ortega y Gasset: sua postulação inclui suas circunstâncias.

SEGUNDO TURNO
No segundo turno, o ex-presidente bateria o atual por 55% a 35% -- na pesquisa anterior, 58% a 33%. Houve um encurtamento de cinco pontos numa distância que era abismal. No Nordeste (27% do eleitorado), o ex-presidente vence o atual por 67% a 28%; entre os que têm o ensino fundamental (32%), por 64% a 29%; entre os mais pobres (53%), por 63% a 29%.

É preciso acreditar, convenham, nos poderes quase sobrenaturais da PEC dos benefícios sociais — uma das ilegalidades a que recorreram Bolsonaro e o centrão — para apostar que ela pode mudar o rumo da disputa. Não tenho bola de cristal, é claro!, e não vou aqui asseverar que não vai acontecer. Mas convenham: toda a grita promovida por Bolsonaro para aprovar as medidas beira, até agora, a inocuidade.

AINDA NÃO
"Calma, Reinaldo! O dinheiro ainda não começou a chegar!" Sim, é verdade. Os "spin doctors" do governismo, que são hortelões muito eficientes para plantar mexericos em colunetas de notas -- que aceitam tudo, menos o amor verdadeiro --, espalham que tudo será diferente a partir de agosto, quando os R$ 200 suplementares do Auxílio Brasil começarem a chegar.

O que eu penso? Nunca achei, e não acho, que a disputa seria um passeio para o petista. Como está na frente, vira o alvo principal dos demais e, em certa medida, até da imprensa "nem-nem" — que, no caso, revela-se como "nem democracia nem regime fascistoide", o que é uma monstruosidade ética e moral. Mas nada disso me surpreende.

Observo, antes que alguns medidores de opinião se vejam tentados a torcer os números para ceder a lógicas tortas, que o surto de amor de Bolsonaro e Guedes pelos pobres poderia ser mais eficaz se, na outra ponta, estivesse um candidato historicamente hostil a benefícios sociais ou que não estivesse identificado a melhoria efetiva da vida dos pobres. Mas esse é Lula? O eleitorado diz maciçamente que não.

CAMPANHAS
Não parto do princípio, é claro, de que o eleitor vai se lembrar, diante da urna eletrônica, de que Bolsonaro era o grande inimigo de programas como o Bolsa Família, que acusava de estimular a reprodução dos pobres, que prefeririam fazer filhos a trabalhar. Quando deputado, chegou a dizer que grávidas nordestinas punham a mão na barriga e diziam: "Aqui está a minha geladeira, aqui está minha máquina de lavar". Indigno, como de hábito.

É claro que, na campanha, o PT se encarregará de rememorar quem disse o quê sobre programas sociais. Mas esse nem é o meu ponto. Não há um só, dos criados nos últimos 20 anos e que minorem a desgraça que é ser pobre no Brasil, que não tenha a assinatura do PT. E há outros, como o Minha Casa Minha Vida, que ficaram pelo meio do caminho.

Acho até que Bolsonaro poderá obter, sim, ganhos eleitorais, mas não na proporção que seus propagandistas alardeiam. Também os pobres, e não são poucos, percebem quando querem comprar seu voto. Parece-me que, às vezes, certos colunistas partem do princípio de que só Bolsonaro vai fazer campanha.

PRESSÃO
A eleição está definida? É evidente que não. Mas convém considerar que o atual mandatário tem de tirar uma vantagem de 20 pontos de seu principal adversário no segundo turno, não de cinco. De toda sorte, dou os parabéns a Ciro Nogueira. Nunca houve um plantador tão eficaz de notas como ele. "Ele já ligou pra você, Reinaldo?" É claro que não. Não é do tipo que joga conversa fora.

E é eficaz. Até petistas experimentados esperavam um resultado bem pior do que esse — e notem que há "pesquiseiros" em penca a produzir números ao gosto do Palácio. Há o tipo que promete até o amor verdadeiro e a volta da pessoa amada em três dias. Por enquanto, de verdade, a movimentação se deu dentro da margem de erro.

OURO DE TOLOS
"Ah, Reinaldo, mesmo com todos os rasgos fascistoides, Bolsonaro não caiu e até pode ter melhorado um pouquinho."

Pois é. Mas por que haveria de ter caído? Surpresa nenhuma. Isso é ouro de tolos.

As questões que dizem respeito ao pacto civilizatório beiram o grego antigo para milhões que estão ocupados demais em garantir a comida de cada dia. Aqueles que delas se ocupam já escolheram a democracia. E os fanáticos do bolsonarismo reforçam a sua convicção a cada vez que seu líder tripudia sobre cadáveres pretos e pobres, como fez no caso do mais recente massacre do Morro do Alemão, ou quando põe em dúvida as urnas eletrônicas.

"Ah, então coisas como os manifestos em defesa do estado de direito não têm importância?" Claro que têm! São vitais para a democracia, como atesta a irritação de Bolsonaro. Mas isso transcende a movimentação do eleitorado, como se verá em outro texto.

Por Reinaldo Azevedo

Para Bolsonaro, defesa de democracia e estado de direito é insulto pessoal


A ilustração de Jaguar para o segundo volume do Febeapá; no destaque, o jornalista Sérgio Porto

Em sua "live" semanal, o presidente Jair Bolsonaro resolveu enroscar de novo com os manifestos em favor da democracia. Um deles, gestado na Faculdade de Direito da USP, do qual sou um signatário original, já caminha para 400 mil assinaturas. Não faz nenhuma menção ao governo ou às oposições. Defende o estado de direito e o respeito ao resultado das urnas. Alude ainda à histórica "Carta aos Brasileiros", de 1977, quando Goffredo da Silva Telles Jr. cobrou, nas arcadas da São Francisco o fim da ditadura e a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

O presidente está muito irritado porque o texto — íntegra aqui — está recebendo a adesão de pessoas as mais díspares. Muito dos que endossam o documento são, entre si, adversários políticos ou intelectuais conhecidos, com um histórico, muitas vezes, de duros confrontos no terreno das ideias. O que têm em comum? A defesa do respeito aos valores consagrados pela Constituição quanto aos direitos individuais e coletivos. Para aderir, clique aqui.

Está especialmente agastado porque alguns nomes do PIB, dos mais diversos setores, resolvem subscrever o documento. Afirmou na sua "live" estilo "Cafofo do Osama":
Tem uma nota de alguns empr"esários, alguns banqueiros, alguns artistas pró-democracia. Olha, quem é contra a democracia no Brasil? Em três anos e meio, [houve] algum ato meu contrário à democracia?".

Ora vejam! O homem que cometeu umas quatro dezenas de crimes de responsabilidade, além de uma penca de crimes comuns, indaga se algum ato seu foi contrário à democracia... Bolsonaro deve confundir o conjunto dos brasileiros com o atual comando da Procuradoria Geral da República, que entrará para a história pelo feito notável de ter, como direi?, descriminalizado o... crime.

Ele também está chateado com a Fiesp. Explica-se: no dia 11 de agosto, o texto a que me referi será lido na São Francisco, repetindo o ato de há 45 anos. No mesmo dia, entidades empresariais divulgarão um documento em defesa da ordem democrática e da Justiça.

Bolsonaro afirmou, meio magoadinho:
"Uma nota política eleitoral que nasceu lamentavelmente na Fiesp, em São Paulo. Se não tivesse o viés político nessa nota, eu assinaria. Sem problema nenhum. Mas voltou para o lado de defesa de outro Poder. Acho que o equilíbrio entre os Poderes tem que existir, e nós sabemos por onde que anda o desequilíbrio aqui no Brasil. Claramente que é contra a minha pessoa; que é favorável ao ladrão, não vou falar quem é esse ladrão".

O "outro Poder" a que ele se refere é o Judiciário. Perceberam? Ele considera que a defesa do sistema de Justiça, como instituição, é uma ação contra a sua "pessoa". Logo, ele se coloca como um inimigo pessoal da Justiça. É um disparate absoluto.

Bolsonaro, sozinho, valeria um terceiro volume do "Febeapá", o "Festival de Besteiras que Assola o País", de Stanislaw Ponte Preta, um heterônimo do jornalista Sergio Porto, que morreu em 1968. Nos dois primeiros, o autor evidenciava as asneiras produzidas pelos então novos donos do poder, que se impuseram em 1964 pelo golpe.

Há histórias notáveis, como esta, de 1966:
"Estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica 'Electra', tendo comparecido ao local alguns agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 a.C."

E olhem que Mário Frias ainda não cuidava da cultura...

Mas o trecho que me lembrou Bolsonaro -- além, é certo, do festival de besteiras que produz diariamente -- é outro. Em 1968, a censura proibiu a peça "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams. A atriz Maria Fernanda integrou um grupo que foi a Brasília cobrar que o deputado Ernani Sátiro, que apoiava a ditadura, atuasse em defesa da classe teatral. Num dado momento, Fernanda falou: "Viva a democracia!". Sátiro retrucou de imediato:
"Insulto eu não tolero!"

É isto: Bolsonaro toma a democracia como ofensa pessoal.

E isso ele não tolera.

Por Reinaldo Azevedo

Líder de Bolsonaro pediu dinheiro a empresário e ofereceu ajuda em órgão, indicam mensagens


Líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (PL-TO) - Roque de Sá/Agência Senado

A Polícia Federal interceptou mensagens em que o senador licenciado Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo de Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, pede quantias a um empresário e este solicita ajuda em demandas junto a órgãos públicos.

As conversas foram obtidas pela PF durante a Operação Lavanderia, que tem como objetivo apurar possíveis crimes de lavagem de dinheiro praticados por empresários do Tocantins. O conteúdo foi revelado pelo jornal O Globo nesta quinta-feira (28) e confirmado pela Folha.

Segundo relatório da Superintendência Regional da PF do Tocantins, "chamou atenção" o teor dos diálogos entre Gomes e um empresário do ramo da construção, Jorge Rodrigues Alves.

Alves é apontado pela polícia como membro de um grupo organizado com objetivo de conseguir contratos com o poder público em municípios do Tocantins. Ele teve um mandado de busca e apreensão cumprido pela polícia em março deste ano em sua casa.

As primeiras conversas recolhidas em seu celular com o senador datam de abril de 2014 e vão até 2021. Segundo a PF, os diálogos indicam que Gomes "fez gestão em diversas prefeituras" para beneficiar Alves.

O senador, em seguida, pediu-lhe dinheiro para doação ao comitê do prefeito de Taguatinga (TO).

Ele também solicitou, por diversas vezes, doações para sua própria campanha. Além de depósitos de R$ 50 mil para uma clínica, R$ 10 mil na conta de sua filha, R$ 70 mil para uma locadora de veículos, R$ 20 mil para um assessor e dinheiro para custear o bufê de uma festa.

"Tenho que passar R$ 70 mil para uma locadora que pode dar nota que cuida de todos os veículos que estão na campanha", diz o senador, ao que o empresário pergunta: "Tem q ser hje ou eles emitem a NF hoje e dão uns dias para o pgto?".

O senador responde "Emite e eu preciso de 30 pra comer até domingo". Alves, então, comenta: "Ui, tá comendo muiiiito amigo".

Já Alves pede que o senador intervenha para mudar uma portaria do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) que alteraria alguns tópicos da iluminação pública, que precisava ser suspensa ou adiada.

O senador respondeu que iria ajudar, e a medida acabou sendo postergada. Em seguida, o parlamentar encaminhou ao empresário um email da presidência do órgão recebido por ele anunciando a prorrogação da portaria.

O empresário também solicita que o senador faça "gestão" em outra portaria da CEB (Companhia Energética de Brasília). Gomes também lhe comunica que conseguiu agendar uma reunião de Alves no BRB (Banco de Brasília).

"Na conversa que segue, Eduardo Gomes diz que vai fazer gestão junto ao governador de Brasília para possivelmente agilizar o empréstimo a pedido de Jorge [Alves]", afirma a PF.

Em outro diálogo, segundo a polícia, o empresário solicitou ao senador que intercedesse junto à prefeitura de Palmas para beneficiar duas construtoras.

Em nota, a assessoria do parlamentar disse que "jamais houve qualquer pagamento ou repasse ao senador Eduardo Gomes nos casos questionados".

"As mensagens trocadas são auto explicativas: tratam-se de pedidos de empréstimos a um amigo, mas que não se efetivaram. Assim como não houve qualquer intermediação ou negócio irregular. No exercício do mandato, o senador somente dá seguimento a eventuais demandas quando estas são de interesse público, de forma transparente e responsável."

Também em nota, a assessoria do Inmetro respondeu que a publicação da portaria foi motivada por razões técnicas e que a prorrogação foi feita para não prejudicar empresas importadoras e fabricantes de luminárias para iluminação pública viária.

"Essas razões foram identificadas a partir de motivações trazidas ao Inmetro pelo mercado, incluindo fornecedores e organismos de avaliação da conformidade", disse.

O órgão também negou que tenha havido qualquer pressão do senador Eduardo Gomes neste sentido e que as decisões obedeceram ao rito regulatório institucional.

"Além disso, o rito regulatório do Inmetro está alinhado com as práticas adotadas internacionalmente com a preservação da transparência e total garantia de participação dos entes regulados e da sociedade em geral", disse.

Na Folha

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Houve uma postura do governo federal contra a ciência, que é inconstitucional e ilegal.



Para jurista Pedro Serrano, da PUC-SP, arquivamento de sete das dez acusações formalizadas pela CPI da Covid contra Bolsonaro é uma conduta de "desfaçatez política".

Num pedido de arquivamento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) praticamente enterrou as acusaçõesfeitas durante os quase seis meses de trabalho da CPI da Covid. A comissão afirma, entre outros pontos, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu crime ao trabalhar pela propagação do coronavírus, apostando na ineficaz cloroquina, atrasando a compra de vacinas, incentivando atos de aglomeração e prevaricando no caso do contrato do imunizante Covaxin.

A Procuradoria, por sua vez, diz não haver materialidades nesses crimes, mesmo que o presidente tenha minimizado publicamente a pandemia diversas vezes, desacreditado a vacinação e afirmado que negou uma oferta da fabricante Pfizer, que possibilitaria a imunização da população meses de antecedência.

A instituição é a responsável por dar seguimento ou não a investigações contra o presidente, e o pedido de arquivamento de sete das dez acusações da CPI foi assinado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo – e não pelo procurador-geral Augusto Aras.

Em entrevista à DW, o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, afirma que esse foi só mais um capítulo de erros em série que colocam em xeque a imagem da PGR e do Ministério Público (MP) junto à sociedade.

"Não há dúvida contra o fato. A investigação é banal. O presidente reconheceu. Houve uma postura do governo federal contra a ciência, que é inconstitucional e ilegal”.

DW Brasil: A PGR, por meio da vice-procuradora geral, pediu o arquivamento de quase todas as investigações do relatório final da CPI da Covid. Para a PGR, não foi crime ordenar a produção de cloroquina com verba pública, não há materialidade para provar que Jair Bolsonaro incentivou aglomeração e transmissão do vírus ou que tenha prevaricado no caso da pressão para a compra da Covaxin. Com esse arquivamento, podemos dizer que a PGR jogou no lixo os seis meses de trabalhos e investigação (e verbas públicas utilizadas) da Comissão?

Pedro Serrano: Eu creio que são decisões absolutamente equivocadas no plano do direito e, a meu ver, revelam uma intenção política de preservar o presidente da República, e a aprovação de supostos delitos que ele possa ter cometido.

Para mim, é uma conduta surpreendente pela desfaçatez política de assumir isso publicamente. Veja, o Ministério Público tem alguns dos servidores públicos mais bem remunerados, que constantemente são criticados pelos benefícios que recebem. E numa questão tão importante como essa...

Porque, no Brasil, tivemos muito mais mortos que deveríamos ter, e o número só não foi maior por causa do governo do Estado de São Paulo e pelo Butantã, que nos primeiros meses de 2021 ofereceram a Coronavac.

O jurista Themístocles Cavalcanti (1899-1980), por exemplo, já escrevia em 1938 que era obrigatório ao governo seguir as recomendações da ciência numa pandemia. Não é uma opção seguir ou não a ciência, é um dever seguir as entidades científicas no que elas recomendarem

Mas o que houve no Brasil foi o contrário. O presidente da República militou contra as medidas sanitárias, agiu contrariamente a elas. É algo grave, porque levou à morte de uma série de pessoas. Ele se negou a contratar vacinas a tempo de fornecê-las ainda em julho. Ele se negou a comprar vacina

E nesse caso, por exemplo, foi exposto publicamente por ele o fato de não querer comprar vacinas.

Não há dúvida contra o fato. A investigação é banal. O presidente reconheceu. Todas são condutas ilegais, como improbidade, e outras podem eventualmente implicar crime. O que aconteceu é que o Ministério Público arquivou tudo.

É evidente que houve algum pacto político entre o chefe do Executivo e a PGR para uma proteção indevida ao presidente. Não quero falar de nomes pessoais, mas a instituição agiu indevidamente. Houve um equívoco ao arquivar o inquérito, o que é muito ruim para a imagem da instituição junto à sociedade.

O procurador-geral Augusto Aras tem se mostrado bastante leniente com os atos de Bolsonaro. Há pedidos de arquivamento de investigações de corrupção de aliados, não há mobilização para os arroubos golpistas e, no caso da pandemia, já agiu para arquivar inquérito contra prevaricação no caso da compra da Covaxin. Qual a lógica por trás desse alinhamento?

Há equívocos jurídicos reiterados da PGR que favorecem o governo federal, e isso tem sido em diversos casos. Por exemplo: o presidente da República tem o dever de comunicar algum malfeito que conheça para as autoridades competentes apurarem. Isso foi feito no inquérito sobre a compra da Covaxin, mas houve arquivamento do inquérito de prevaricação. Mas o presidente tem o dever jurídico de comunicar qualquer descumprimento de lei.

O pedido de arquivamento foi feito pela vice-procuradora-geral Lindôra Araújo. Isso significa que não é só o Augusto Aras o responsável por esse tipo de conduta?

Acho que é a cúpula da instituição. Aparentemente, a cúpula é produtora de equívocos jurídicos que beneficiam o presidente. Não é só o Aras.

Senadores foram ao Supremo Tribunal Federal pedir a reversão desse ato de arquivamento pela Procuradoria-Geral. Há como o STF se colocar contra e confrontar a PGR? Isso não seria mais um choque institucional, que gera mais conflito?

Acho que, quando a PGR deixa de agir quando deveria agir, há um elemento caótico na democracia, no funcionamento das instituições democráticas. O dever dela é agir. Então, essa omissão nesses arquivamentos indevidos da PGR gera problemas.

Mas não há outra solução, tem que se aceitar nesse momento, mas nada impede no futuro que se reabra esses inquéritos por um futuro PGR. O correto, pela nossa Constituição, seria um impeachment do procurador-geral, mas isso não é possível por causa do parlamento, pois ele está sob domínio do governo.

Não há o que fazer. Tem que aguardar e esperar um novo procurador que vá reabrir essas investigações.

E o STF, não pode agir? Um ministro como o Alexandre de Moraes, por exemplo, não exigir a investigação desses crimes?

Ele pode fazer isso. Mas não é papel do STF substituir o Ministério Público. As únicas questões para mim que o STF pode agir são as que são chamadas no direito como contempt of court [desacato à Corte, em inglês], que é quando a própria Corte estiver sendo vítima de violência, e o MP não estiver fazendo nada. Aí o STF pode agir nesse instituto. Salvo nessa hipótese, a decisão do MP arquivar o inquérito é definitiva. Se o procurador-geral não quer fazer denúncia, ninguém pode obrigá-lo.

Há como salvar o Ministério Público Federal, por exemplo, após esses últimos anos? Como sair dessa lógica de alinhamento entre PGR e Executivo?

Creio que existe uma parte do MP que é efetivamente democrática e que procura cumprir a Constituição e as leis. O mecanismo é o político. No próximo mandato, na esperança que Bolsonaro não seja eleito, espero que um outro presidente possa nomear um desses integrantes da ala democrática para restabelecer a normalidade e reabrir esses inquéritos.

Para mim, essa história não terminou.

E qual o legado de Aras para um próximo presidente, se Bolsonaro não for reeleito? Ele poderá agir para sabotá-lo, já que o mandato termina só no fim de 2023? O que se pode esperar?

Creio que o Aras não chegue a esse ponto, de boicotar o futuro presidente. Espere que não chegue. E creio que não vá chegar. De qualquer forma, o seu legado é negativo. Fica uma imagem de como não deve proceder um PGR. Porque ele deixou de agir quando deveria agir e arquivou casos que não deveriam ser arquivados. Essa é a frase correta: isso deixa uma imagem muito negativa para a história.

E o que deve ser feito para que esse procedimento da PGR sob o Aras não vire um exemplo negativo para próximos governos, de acobertar eventuais crimes cometidos pelo Executivo, por exemplo?

Isso sempre foi feito no Brasil. O Aras não inovou, não criou um método novo. É conhecido o caso de um procurador-geral do FHC, que era conhecido como "engavetador-geral da República”. Os governos sempre tiveram essa característica, durante a ditadura então, nem se fala. Não é uma técnica nova.

Isso sempre existiu, salvo nos períodos Dilma e Lula, que nomearam procuradores gerais com base numa eleição interna e escolheram os primeiros colocados. Nesse caso, o MP agiu com muito mais autonomia, até cometendo abusos contra o governo.

Mas acho que, salvo esse pequeno período da história republicana, não tivemos governos que fizeram outra coisa a não ser nomear quem fizesse isso. Não seria justo falar que é só o Aras. É uma das características do nosso atraso civilizatório.

Por Fábio Corrêa


Bolsonaro, o da "liberdade sem oxigênio", chama manifesto de "cartinha"


Primeira página do documento em defesa da democracia e do Estado de direito Imagem:
Reprodução

Embora o Palácio do Planalto esteja tentando minimizar a importância dos manifestos em favor da democracia e tenha pressionado para que alguns pesos pesados da economia retirassem seus respectivos nomes dos documentos, o fato é que a ideia pegou. Um dos textos, gestado originalmente na Faculdade de Direito da USP e tornado público no fim da tarde de terça, já conta com quase 200 mil assinaturas. Jair Bolsonaro sentiu o peso da mobilização. Referiu-se ao fato na convenção nacional do PP nesta quarta: "Vivemos em país democrático, defendemos democracia, não precisamos de nenhuma cartinha para dizer que defendemos a democracia. Dizer que queremos cumprir e respeitar a Constituição.

Como se diz na minha terra, "quem não te conhece que te compre". Desde a primeira manifestação golpista que patrocinou, no dia 26 de maio de 2019, antes de completar o quinto mês de governo, Bolsonaro fala em seguir a Constituição. E aí está o seu truque — que também se encontra na boca de militares golpistas.

O presidente da República tem a ambição de ser o grande intérprete do texto constitucional. Pior: no seu juízo torto — com o aporte, digamos, intelectual de vigaristas disfarçados de juristas —, considera que cabe às Forças Armadas dirimir eventual choque entre Poderes ou diferença de interpretação.

Assim, quando diz, na convenção, que "o nosso caminho é (sic) a democracia, a liberdade, o respeito à Constituição", está se referindo àquilo que ele entende por democracia, liberdade e... Constituição. Bolsonaro, sabe-se, é capaz de leituras muito particulares sobre determinados temas.

Há pouco mais de um mês, falando a apoiadores em Orlando, nos EUA, afirmou este primor:
"Somos pessoas normais. Podemos até viver sem oxigênio, mas jamais sem liberdade. É com esse espírito que, ao longo de 28 anos, lutei dentro do Parlamento e, há três anos, à frente do Executivo federal".

É espetacular. Este é o país que viu morrer doentes de Covid-19 no Amazonas justamente por falta de oxigênio. Com a substância, vive-se com ou sem liberdade, caso em que se pode lutar por ela. Sem ela, cessa a liberdade de existir. Se confrontado com a estultice, ele diria que apelou a uma figura de linguagem. Ok. Sem figura, quis dizer o quê?

Quem toma morte por liberdade — e era visível a sua satisfação ao fazer raciocínio tão especioso, como se estivesse diante de um achado filosófico — pode perfeitamente tomar ditadura por democracia.

O presidente está obviamente errado, e uma fala como essa é truque, soprado pelos Ciros Nogueiras da vida, para tentar desmobilizar a sociedade — mobilização que está apenas no começo. Sabe que toda declaração golpista que fizer, a partir de agora, só servirá para engrossar o cordão dos que defendem a democracia. Então se finge de sonso ou de inocente para ver se consegue distrair os tontos.

Enquanto se tinha a impressão de que a democracia era matéria que interessava apenas às esquerdas e àqueles que fazem oposição a seu governo, o "Mito" distribuiu ameaças a três por quatro. Quando, no entanto, se ouve a voz da sociedade civil — e nela também estão empresários e banqueiros —, aí se tem uma realidade nova. Os discursos de Bolsonaro tentando mobilizar o capital numa guerra santa contra Lula seduziram apenas os bucaneiros de sempre.

Além do manifesto nascido na USP, que será lido na Faculdade de Direito no dia 11 de agosto, um outro virá à luz. E este será assinado por entidades empresariais, como Fiesp e Febraban. Dois golpes legiferantes já foram dados em favor de Bolsonaro. Ainda assim, se ganhar, toma posse. A dificuldade seria governar o país que ele destruiu com tanta determinação.

É o atual presidente da República a anunciar a disposição de impedir a posse do eleito caso o adversário vença. E repete obsessivamente: "Respeitando as quatro linhas da Constituição". Bolsonaro e alguns dos fanáticos que o cercam querem inventar "o golpe que salva a democracia" — a democracia deles...

Precisamos, sim, de manifestos. De manifestos e de mobilização. Ou o regime democrático morre. E Bolsonaro será o coveiro, com o auxílio de Arthur Lira e Ciro Nogueira.

Por Reinaldo azevedo

Cuidado com a fala de um general; sua declaração é golpista, não garantista


General Luís Carlos Gomes Mattos, ex-presidente do STM. Cuidado! Fala do general nasce de uma concepção tenebrosa de poder Imagem: Cristiano Mariz/Veja

À diferença de alguns colegas, não caí na conversa do general de Exército Luís Carlos Gomes Mattos, que presidia até ontem o Superior Tribunal Militar.

Ao deixar o comando do tribunal, afirmou o seguinte:
"A Justiça Eleitoral é responsável pelo funcionamento real daquilo [eleições]. Nossa missão é diferente. Não temos que nos envolver em nada. Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas".

Será mesmo que ele está a dizer que militares devem se manter afastados das eleições? Acho que não. Ou melhor: eu tenho a certeza de que não. Nada de baixar a guarda ou de relaxar a vigilância. Parece-me que o militar está dizendo o contrário do que uma leitura ou audição ligeiras sugerem. Antes que volte a esse ponto, é preciso saber quem está falando.

QUEM MESMO?
Este senhor esteve no malfadado encontro de Jair Bolsonaro com embaixadores estrangeiros, em que o chefe do Executivo denunciou o sistema eleitoral brasileiro, mentindo que há evidências de fraudes em eleições passadas e que as deste ano seguirão no mesmo caminho.

Gomes Mattos é presidente de uma corte superior e general da ativa. É evidente que jamais poderia ter comparecido a um ato como aquele. Há pouco mais de um mês, numa entrevista, afirmou que a oposição estava "esticando demais a corda". E, também naquele caso, investiu na ambiguidade:
"Porque a política é assim: tem gente contra e tem gente a favor. Quem está contra logicamente vai esticar essa corda, como se diz, até que ela arrebente. Esses, na verdade, são os que não têm muito apreço pela democracia, os que defendem ditaduras e apoiam ditadores. Quando a corda vai arrebentar? Isso eu não sei".

Tomemos dois critérios para analisar a fala acima: a) Garantia da democracia; b) Ameaça. Digam-me cá, leitores: está mais perto da alternativa "a" ou da "b"? Se os que se opõem ao presidente são "inimigos da democracia", a truculência contra adversários serviria ao propósito de protege-la.

VOLTEMOS À FALA DESTA QUARTA
Retomemos sua declaração desta quarta, ao se despedir da presidência do STM. Ele diz que a Justiça Eleitoral é que cuida "daquilo" (sic): as eleições. Afirma em seguida: "Não temos de nos envolver em nada". Isolada, a frase parece mesmo a divisa de um democrata. O que vem em seguida, no entanto, nos remete à sandice que tomou conta de uma parcela dos uniformizados: "Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas". É aí que está o "x" do problema.

Bolsonaro, o "comandante supremo" das Forças, promoveu um ato com embaixadores estrangeiros justamente para anunciar a ilegitimidade do sistema de votação. Acusa-o, nada menos, de ser fraudulento.

Percebam que Gomes Mattos, a um só tempo, nega o que afirma. Quem garante a lisura do processo — e, portanto, a sua legitimidade, nos termos da Constituição — é a Justiça Eleitoral, não, como ele diz, as Forças Armadas.

Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa e militante da causa bolsonarista, não teria nenhuma dificuldade em concordar com o seu colega de farda. Nos termos do agora ex-presidente do STM, bastaria, então, que as Três Forças considerassem "ilegítimo" o sistema eleitoral que temos e pronto! Não seria o TSE a última palavra em matéria de voto, mas os militares.

Há mais ideias turvas na sua declaração. Ele avança:
"Nós vamos atuar dentro daquilo que está previsto para garantir que o processo seja legítimo e ao final tenha o respaldo popular".

O que "está previsto" e em que lugar? É um alusão coberta ao tal Artigo 142 da Constituição, que os golpistas leem pelo avesso (sim, está pessimamente redigido), a saber:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

É evidente que o constituinte não pôs o poder civil sob a tutela dos militares, senão o contrário. E só por isso o presidente é o "comandante supremo" — afinal, foi eleito. "Garantir" os Poderes não é sinônimo de submetê-los a seu controle. Na verdade, o que vai escrito acima indica que os militares teriam de proteger — porque detêm o monopólio do uso legítimo da força — a própria Justiça Eleitoral (que compõe um dos Poderes) da ação daqueles que a ameaçam.

O que vaza das palavras do general, no entanto, é o oposto: caberia às Forças Armadas, inclusive, o juízo último sobre a "legitimidade" e a efetividade do cumprimento da vontade popular.

Ora, a "vontade popular" será aquela proclamada pela Justiça Eleitoral, não o berreiro de eventuais descontentes com a derrota.

Não! A fala do general não é nem boa nem tranquilizadora.

É preciso estar mais atento e vigilante do que nunca.

Que as ruas falem em 11 de agosto.

Por Reinaldo Azevedo