terça-feira, 31 de maio de 2022

Alexandre de Moraes, do STF, já aplicou 14 punições em Daniel Silveira


Deputado Daniel Silveira já foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal por estimular agressão
a ministros da Corte. Foto: Sergio Lima/AFP

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já aplicou 14 medidas cautelares contra o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) desde que o político defendeu a invasão da Corte e que um ministro fosse agarrado pelo colarinho e jogado na lata de lixo. As punições vão desde prisão, proibição de acesso às redes sociais e o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, até o bloqueio de todos os bens móveis e imóveis adquiridos pelo parlamentar. O político carioca ainda acumula, até o momento, R$ 645 mil em multas por descumprimento de medidas cautelares.

O deputado recebeu o perdão do presidente Jair Bolsonaro (PL), o que impede que ele retorne à prisão após condenação de oito anos e nove meses pelo Supremo. Como revelou o Estadão, o decreto assinado pelo presidente foi feito às pressas no feriado do dia 21 de abril e foi publicado em edição extra do Diário Oficial antes mesmo de ser submetido a análise jurídica da Presidência da República. O parecer aprovando o texto do perdão foi concluído na noite daquele dia, quando o ato presidencial já estava no D.O.

Desde a semana passada, contudo, Bolsonaro dá sinais de que abandonou seu aliado político. Mesmo sem o apoio direito do presidente na retaguarda, Silveira investe no conflito com a Corte que o condenou.

Em aparições recentes, Silveira voltou a afrontar as decisões de Moraes. Durante uma “motociata” em apoio ao governo federal, no Rio, o deputado disse ter retirado a tornozeleira eletrônica após o perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro. O parlamentar propaga aos seus apoiadores que o Supremo não pode mais puni-lo, porque o decreto presidencial teria anulado todas as medidas cautelares impostas contra ele anteriormente.

O argumento é reproduzido nos autos pela defesa do deputado, mas ainda não tem validade judicial para livrá-lo das medidas restritivas, uma vez que o tema só será analisado definitivamente durante o julgamento das ações de partidos da oposição contra o perdão presidencial.

Até lá, Silveira acumula diversas penalidades por descumprimento de decisões. Uma das mais rígidas impostas por Moraes foi o pagamento de multas no valor de R$ 15 mil por cada dia em que o deputado não fizer uso da tornozeleira eletrônica. Em 2021, o parlamentar chegou a ser preso duas vezes. Há ainda medidas mais brandas, mas que mesmo assim são descumpridas pelo bolsonarista, como a proibição de conceder entrevistas e comparecer em eventos públicos.

O deputado Daniel Silveira ao deixar Batalhão Especial Prisional (BEP)
em Niterói na região Metropolitana do Rio de Janeiro após ficar preso 
por 26 dias por ordem do STF. Foto: Wilton Junior/Estadão

Além da motociata no Rio, o parlamentar foi flagrado em uma festa na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense em abril. A presença do bolsonarista no evento terminou em confusão, pois o policial que o acompanhava agrediu com um soco o dono do estabelecimento.

Em junho de 2021, Silveira sofreu os golpes mais duros até o presente momento da ação penal em curso no Supremo. O parlamentar bolsonarista teve seu celular apreendido e periciado pela Polícia Federal, logo antes de ser preso preventivamente — pela segunda vez — no Batalhão Especial da Polícia Militar do Rio por publicar um vídeo com ameaças aos ministros da Corte e ao livre exercício dos Poderes. A publicação resultou na sua condenação a oito anos e nove meses de prisão, que foi desfeita pelo perdão presidencial.

O parlamentar ficou cinco meses detido até ter a prisão preventiva convertida em medidas cautelares. Na primeira passagem pela detenção, o deputado ficou menos de um mês preso. Desde que retomou a liberdade, Silveira investiu na confrontação ao Supremo. O político desobedeceu a sucessivas decisões de Moraes, que, em resposta, determinou novas restrições.

Diante da reincidência do parlamentar no desacato às ordens judiciais, Moraes determinou na última sexta-feira, 20, a medida mais severa até o momento. O ministro mandou as autoridades financeiras e de trânsito do País bloquearem todos os bens móveis e imóveis do parlamentar. Segundo o magistrado, a medida foi adotada com o objetivo de garantir o pagamento das multas acumuladas no curso do processo. Na decisão, ele destacou o “comportamento inadequado do réu”.

Confira todas as punições aplicadas contra Silveira por Moraes:


14/03/2021 - Substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar e uso de tornozeleira

24/06/2021 - Apreensão do celular


06/07/2021 - Encaminhamento do celular para perícia da Polícia Federal

08/11/2021 - Substituição da prisão por medidas cautelares: proibição de ter qualquer forma de acesso ou contato com os demais investigados nos Inquéritos das milícias digitais e dos atos antidemocráticos; proibição de frequentar toda e qualquer rede social;

14/11/2021 - Proibição de conceder entrevista

25/03/2022 - Uso de tornozeleira eletrônica; proibição de se ausentar da comarca em que reside, salvo para Brasília; proibição de participar de qualquer evento público

30/03/2022 - Multa diária de R$ 15 mil por descumprimento do uso de tornozeleira eletrônica; instauração de inquérito policial para apurar o crime de desobediência à decisão judicial;

01/04/2022 - Referendado em plenário: proibição de ter qualquer forma de acesso ou contato com os demais investigados nos inquéritos das milícias digitais e dos atos antidemocráticos; proibição de frequentar toda e qualquer rede social; proibição de conceder qualquer espécie de entrevista; uso de tornozeleira eletrônica; proibição de ausentar-se do Estado do Rio de Janeiro, onde reside, salvo para Brasília, com a finalidade de atuar na Câmara; proibição de participar de qualquer evento público em todo o território nacional.

03/05/2022 - Multa de R$ 405 mil por descumprimento de medidas cautelares em 27 ocasiões

13/05/2022 - Multa de R$ 135 mil por descumprimento de medidas cautelares em 9 ocasiões

19/05/2022 - Multa de R$ 105 mil por descumprimento de medidas cautelares em 9 ocasiões

20/05/2022 - Bloqueio dos bens móveis e imóveis

No Estadão

Em vez de suavizar o marido, Michelle se bolsonariza: "Ele é imbrochável"



Por sugestão dos estrategistas do centrão, Michelle Bolsonaro virou objeto de campanha no pressuposto de que sua presença nos palanques, em entrevistas e até em rede nacional de televisão suavizaria a péssima impressão que as mulheres brasileiras têm do seu marido. Até aqui, segundo o Datafolha, não funcionou. A intenção de voto em Bolsonaro entre as mulheres, em todas as faixas de renda, é sempre numericamente inferior à registrada entre os homens. A coisa pode piorar. Em vez de suavizar o marido, Michelle começa a se bolsonarizar.

Exposta ao lado do marido num programa de TV popularesco, a primeira-dama foi submetida a uma pergunta marota. Indagou-se se Bolsonaro "tá dando conta em casa". Michelle achou quer seria uma boa ideia aderir a uma tríade que Bolsonaro costuma associar a si mesmo. "Ele é imbrochável, incomível e imorrível", disse a primeira-dama. Bolsonaro, aos risos, declarou que a "propaganda" de Michelle "não é enganosa". Há controvérsias.

O desempenho de Bolsonaro na alcova não interesse ao eleitorado. O apreço de Michelle pelos bordões machistas e sexistas do marido também interessam muito pouco. Mas na vitrine do Planalto, Bolsonaro é bem diferente do que imagina ser.

Sempre que se defronta com um problema, o presidente amolece. O centrão come cotidianamente o seu prestígio. E sua candidatura morre aos poucos nos índices das pesquisas. Se há corrupção, Bolsonaro diz que não tem como saber de tudo o que acontece nos ministérios; se os combustíveis sobem, alega que não manda na Petrobras; se a inflação rosna, põe a culpa na pandemia e na guerra do Putin.

Esse Bolsonaro real se parece mais com um presidente banana do que com o personagem viril que ele tenta representar, agora com o endosso de Michelle. A adesão da primeira-dama ao bordão do marido não deve ajudar a dissolver a aversão das mulheres à candidatura do valentão.

Por Josias de Souza

Tatuagem no tororó de Anitta revelou-se adorno de grande utilidade pública



As más companhias não pioram o homem. Na verdade, as más companhias fazem o sujeito imaginar que pode ser melhor do que é. O sertanejo Zé Neto, por exemplo, achou que sua proximidade com a doutrina anticultural de Bolsonaro o faria melhor do que a cantora Anitta. Meteu-se numa polêmica em que o cinismo foi o mais perto que conseguiu chegar da verdade.

"Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet", disse Zé Neto durante um show na cidade mato-grossense de Sorriso. "Nosso cachê quem paga é o povo", vangloriou-se, ao lado do parceiro Cristiano. "A gente não precisa fazer tatuagem no 'toba' para mostrar se a gente está bem ou mal".

A Lei Rouanet permite que empresários apliquem em projetos culturais parte do imposto devido à Receita Federal. A insinuação de que artistas recorrem ao mecanismo para se locupletar com verbas públicas compõe o arsenal usado por Bolsonaro para torpedear o setor cultural. O "toba" foi uma alusão de Zé Neto ao ânus de Anitta, que ela disse ter ornamentado com uma tatuagem.

Inaugurou-se uma polêmica que aguçou a curiosidade alheia sobre o financiamento dos shows sertanejos. Descobriu-se que Zé Neto e seu companheiro Cristiano receberam R$ 400 mil da prefeitura da cidade de Sorriso para soltar a voz numa exposição agropecuária.

Verificou-se que o Ministério Público de Roraima abrira apuração para esclarecer a contratação de outro sertanejo, Gusttavo Lima, por R$ 800 mil. Coisa acertada com uma cidadezinha de 8,2 mil habitantes, assentada nos fundões do estado.

Súbito, o Ministério Público de Minas Gerais também levou o pé à porta do cofre de um município mineiro que se dispôs a desembolsar R$ 1,7 milhão por dois shows sertanejos —um de Gusttavo Lima, outro da dupla Bruno e Marrone. Verba obtida por meio dos royalties de minérios.

Anitta ironizou nas redes sociais: "E eu pensando que estava só fazendo uma tatuagem no tororó!"

É grande o sucesso de Anitta, inclusive no exterior. Mas jamais se imaginou que um desenho no tororó da estrela pop se transformaria num fator de utilidade pública. Ao soltar a língua sob seu imenso telhado de vidro, Zé Neto trouxe à boca do palco uma nova modalidade de sertanejo.

Admirador da antiga música caipira, o brasileiro aprendeu a gostar do sertanejo, com todas as suas variações. Havia o sertanejo raiz, o universitário, o feminejo e até o eletrônico. Sem querer, Zé Neto trouxe à luz um novo ritmo que não fará tanto sucesso: o sertanejo do erário. Ou forró ao pé de cofre.

Por Josias de Souza

Genivaldo não teria sido assassinado se estivesse em motociata de Bolsonaro



Genivaldo de Jesus Santos, 38, foi abordado numa blitz porque pilotava uma moto sem capacete na cidade de Umbaúba, nos fundões de Sergipe. Embora seguisse as ordens dos agentes da Polícia Rodoviária Federal —"parado", "mãos na cabeça..."—, foi insultado, revistado, derrubado, amarrado, enfiado no porta-malas de uma viatura e asfixiado com gás lacrimogêneo até a morte.

O crime de Genivaldo foi não estar numa motociata de Bolsonaro. Nesse tipo de evento, o presidente da República e outros motociclistas sem capacete são escoltados pela polícia, e não torturados.

Noutros tempos, mortes como a de Genivaldo seriam classificadas como mais uma aberração. Num instante em que a cenografia da campanha presidencial inclui passeios de moto nos quais Bolsonaro aparece de capacete apenas de raro em raro, a estupidez assassina ganha contornos de uma execução implicitamente autorizada.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, trafegar de moto sem capacete rende multa e suspensão do direito de pilotar. O presidente e os devotos que o acompanham nas motociatas jamais foram molestados por policiais.



Dias antes do assassinato de Genivaldo, agentes da Polícia Rodoviária Federal haviam participado como coadjuvantes da chacina em que a PM do Rio de Janeiro passou nas armas mais de duas dezenas de pessoas na favela da Vila Cruzeiro. Bolsonaro correu às redes sociais para parabenizar os policiais "guerreiros". Sobre a execução de Genivaldo, desconversou.

Policiais não exibiriam tamanho descaso pela vida e pelas consequências dos seus atos se não estivessem convencidos de que o desprezo é compartilhado. No fundo, eles se sentem implicitamente autorizados a barbarizar.

Um observador menos atento poderia concluir que o Estado brasileiro tabelou a morte de Genivaldo e a boa vida impune de Bolsonaro em R$ 293,47. É esse o valor da multa a que estão sujeitos os motociclistas sem capacete. Infelizmente, o buraco é mais profundo.

No Brasil paradoxal de Bolsonaro, dependendo do nível de renda e de poder do infrator, o desrespeito à legislação de trânsito pode resultar em impunidade ou na pena de morte.

sábado, 28 de maio de 2022

Negacionismo de pesquisa é flerte com o ridículo



O ministro Fábio Faria, os operadores do centrão e os filhos de Bolsonaro detestam a realidade revelada pelas pesquisas do Datafolha. Mas, numa campanha à reeleição de um presidente em apuros, a realidade é o único lugar onde se pode obter uma estratégia tentar atenuar o desastre. Os fatos não deixam de existir porque são ignorados. O risco que correm pessoas como o ministro das Comunicações, os caciques do centrão e a família Bolsonaro, que não levam em conta a realidade é que a realidade também deixe de levá-los em conta.

No seu esforço para se consolidar como leais ao presidente, devotos como Fábio Faria dispensam a Bolsonaro um tratamento parecido ao de uma personagem de ficção criada pelo escritor gaúcho Josué Guimarães —uma mulher que diminuía diariamente de tamanho. Os familiares se esforçavam para que ela não percebesse o próprio encolhimento. Rebaixavam os móveis, serravam os pés de mesas e cadeiras.

A diferença no caso de Fabio Faria e seus congêneres é que eles rebaixam a estatura de Bolsonaro sem adaptar a mobília. Prefere serrar os dados do Datafolha, desmerecendo o mesmo instituto que já usaram para enaltecer o chefe quando os números lhes pareceram favoráveis. O bolsonarismo demora a notar. Mas o negacionismo de pesquisa é um flerte com o ridículo.

Por Josias de Souza

Bolsonaro fala de evangélicos como se eles não frequentassem o supermercado



Político em campanha que reclama de pesquisa eleitoral é mais ou menos como comandante de navio que se queixa do mar. Sacudido pelo maremoto de dados negativos que o eleitorado lançou sobre sua campanha por meio do Datafolha, Bolsonaro chamou de "canalhice" o pedaço da pesquisa que revela a divisão do eleitorado evangélico: 39% fechados com ele, 36% com Lula.

Agarrando-se a um jacaré como se fosse um tronco, Bolsonaro rosnou para a realidade: "Vai falar que os evangélicos estão divididos? Não sou unanimidade, não sou o dono da verdade, não sou a última palavra, o último biscoito do pacote. Mas falar que estão divididos?"

Os evangélicos somam 31% do eleitorado. Coisa de 45 milhões de votos. Olhar para essas almas como um bloco uniforme e monolítico não é o único equívoco a que está sujeito Bolsonaro. Equívoco maior é imaginar que a religiosidade imuniza os irmãos contra os efeitos da crise econômica.

"No tocante a evangélico, o lado de lá defende aborto, o lado de cá o contrário", disse Bolsonaro. "O lado de lá falou que vai colocar os militares, pastores e padres nos seus devidos lugares. Do lado de lá, os governadores do PT foram unânimes e fecharam templos e igreja".

O que Bolsonaro pede a Deus não é que seja feita a Sua vontade, mas sim que Ele se submeta à vontade de um presidente precário que demora a perceber que está sujeito à condição humana.

"O lado de cá não fala da boca pra fora, fala com o coração: Deus, pátria, família... O lado de cá defende família. O lado de lá, não. O lado de lá defende ideologia de gênero. Vai falar que os evangélicos estão divididos?"

Um pedaço do eleitorado evangélico tem muito respeito por Deus para considerar que Ele pode ser cúmplice da inépcia. Os cristãos não estão trancados nos templos. Eles também frequentam os supermercados. Ali, diante da gôndola, a carestia bate igual nos bolsos de quem tem fé e nas carteiras dos ateus.

O que impede o Todo-Poderoso de enviar um segundo dilúvio é a percepção fornecida pelo Planalto de que o primeiro não adiantou nada. Hoje, Ele prefere despejar raios e trovões sobre as pesquisas.

Por Josias de Souza

Imagino que Bolsonaro não dormiu após resultado do Datafolha, ironiza Lula



O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta sexta-feira (27), em tom de ironia, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não deve ter dormido após o resultado de pesquisa Datafolha divulgada no dia anterior.

"E vocês viram a pesquisa ontem. Eu imagino, Alckmin, que o Bolsonaro não dormiu ontem à noite. Imagino que ele falou ‘que desgraça esse Lula tem? Que desgraça que a gente faz fake news contra ele todo o dia, a gente mente contra ele’", disse o petista.

A pesquisa apontou que o ex-presidente tem 21 pontos percentuais de vantagem sobre Bolsonaro e lidera a disputa presidencial com 48% das intenções de voto no primeiro turno, ante 27% do principal adversário.

No segundo turno, Lula marca 58% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro chega a 33%, ainda segundo a pesquisa Datafolha.

Nele, Lula criticou Bolsonaro, afirmou que os movimentos sociais devem cobrar os governos e voltou a atacar a responsabilidade fiscal.

"É preciso inverter. Em vez de discutir responsabilidade fiscal para garantir dinheiro ao banqueiro, temos que discutir responsabilidade social para pagar a dívida que temos com o povo trabalhador", disse.

Lula criticou ainda a inflação, o preço da gasolina e se colocou contra privatizações. "Não adianta o presidente ficar jogando a culpa na Petrobras, na guerra da Ucrânia. O preço do combustível e metade da inflação deste país é única e exclusivamente da responsabilidade de um desgoverno que temos neste país. E que agora quer privatizar tudo o que este país construiu em nome do povo brasileiro".

Ainda em sua fala, Lula afirmou que, em um eventual governo, irá "acabar com essa história de garimpo ilegal em terras indígenas".

O petista também afirmou que o processo eleitoral não será fácil e que não estão enfrentando um adversário, mas sim "alguém que é perigoso, com comportamento que não é democrático".

"Ele vive de ofender instituições, dizendo que só Deus vai tirar ele de lá. Eu quero que ele saiba que o povo é a voz de Deus e o povo vai tirar ele de lá", disse.

"Se preparem, não tem descanso, não tem trégua, a gente vai ter que trabalhar nas redes sociais, nos movimentos sociais, no bairro onde gente mora, no local onde a gente trabalha e na Igreja que a gente frequenta. Não vamos poder parar, porque se a gente parar a gente pode ter dificuldade de ganhar", continuou Lula.

Antes de começar o seu discurso, o petista organizou um jogral para ser gravado e enviado ao candidato esquerdista Gustavo Petro, que disputa a Presidência na Colômbia. "Não gosto de dar palpite de política em outro país, mas queria pedir para vocês se colocarem de pé, junto a mim, para a gente gravar esse jogral", disse.

Lula defendeu o voto em Petro. "Para que a partir de outubro Colômbia e Brasil possam se unir junto a outros países da América do Sul e construir uma América do Sul forte com integração política, econômica e cultural, para que tenhamos um bloco muito forte para negociar com os outros blocos do mundo inteiro", disse.

O ex-presidente estava acompanhado da esposa, a socióloga Rosângela da Silva; do ex-governador Geraldo Alckmin, que será vice em sua chapa; e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. ​

O ex-governador também criticou Bolsonaro. "É assim que se faz programa [de governo]. Não é fazendo motociata nem subindo em lancha e iate, mas é junto do povo. Aqui se constrói o programa de um governo democrático e popular onde os movimentos terão voz e terão vez", disse.

"Não é que o Bolsonaro não confia nas urnas eletrônicas. Ele não confia é no voto dos brasileiros, porque ele sabe que ele não merece um outro mandato (...) Chegou o tempo da esperança, chegou o tempo de Lula presidente", seguiu o ex-governador.

Antes de os dois discursarem, uma série de lideranças tomou o microfone para falar. Simone Nascimento, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado, pediu um minuto de silêncio em homenagem a Genivaldo de Jesus Santos, morto por asfixia em uma ação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) na quarta (25), na cidade sergipana de Umbaúba.

Lula, Alckmin e todos os que estavam no palco se levantaram e seguraram cartazes que diziam "Justiça por Genivaldo". O petista não citou o caso em seu discurso.

No evento, o ex-presidente recebeu um documento assinado por mais de 80 entidades com propostas para o país divididas em dez temas, entre eles trabalho, emprego e renda, segurança pública e meio ambiente.

Entre as medidas propostas no texto estão a revogação das reformas trabalhista e previdenciária e do teto de gastos e a criação de uma política emergencial de combate à fome.

Antes de o evento começar, Janja subiu ao palco para cantar uma música acompanhada da banda que estava no local. Em outro momento, ao som de "Anunciação", de Alceu Valença, tocado pela banda, Alckmin, Lula e Janja dançaram.


Também estavam presentes nomes como o ex-senador Eduardo Suplicy, os deputados federais Carlos Zarattini e Paulo Teixeira, o deputado estadual Emídio de Souza e o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros.

Gleisi afirmou que, pela primeira vez, uma candidatura terá apoio da "unidade do movimento popular, do movimento sindical e de praticamente todo o campo progressista da política brasileira".

A líder indígena Sônia Guajajara fez um apelo ao ex-governador em sua fala. "Geraldo Alckmin, nós queremos confiar em você. Que você seja um amigo fiel e esteja ao lado de Lula para sempre. Nós não vamos mais admitir um novo golpe neste país", disse.

No Rio Grande do Sul, o PT foi informado pela ex-deputada federal Manuela D'Ávila (PC do B) sobre a desistência dela de concorrer a uma vaga ao Senado pelo estado.

No comunicado feito ao partido, ela afirmou ser vítima de violência política e disse temer pela segurança de sua família, que, segundo ela, tem sido alvo de ameaças e perseguição por parte de bolsonaristas.

Na Folha

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Veja o que a inflação, o desgoverno e o golpismo fazem com você, Jair!




Acho que não quero que o Jair mude o rumo de sua prosa. Que continue com sua ladainha golpista. Isso ajuda a consolidar a sua derrota na eleição presidencial de outubro. Afinal, ele orna com esse discurso pusilânime e violento um governo de incompetentes que, quando não são notavelmente truculentos — provocando massacres ou matando na câmara de gás —, são enfatuados, a exemplo do espetáculo de narcisismo sem lastro estrelado por Paulo Guedes em Davos. Foi para o encontro para anunciar que o mundo inteiro está errado, e ele, certo. As pessoas se afastaram da janela e lhe deram um cavalo branco de presente...

A única notícia boa que o Datafolha traz para Bolsonaro é o calendário: afinal, a eleição não é hoje. Se fosse, ele sofreria uma derrota humilhante. O petista Luiz Inácio Lula da Silva — que Sergio Moro, seu ex-ministro, mandou para a cadeia em 2018 — venceria a disputa no primeiro turno, com 54% dos votos válidos. Lula marcaria 48% contra 27% do "Mito", que se abriga agora no PL de Valdemar Costa Neto, um patriota como nunca houve neste país... Ciro Gomes (PDT) aparece com 7%. Simone Tebet (MDB), o objeto da vez de manifestos "contra os extremismos" (Santo Deus!), marca 2%.

No segundo turno, o ex-presidente venceria o atual por 58% a 33%. Ciro Gomes também bateria Bolsonaro por larga margem: 52% a 36%. O problema do pedetista, como se vê, é passar pelo crivo do primeiro turno. Até dá para compreender o seu discurso furioso contra Lula. Talvez devesse se perguntar se está no caminho certo, caso o objetivo seja ganhar a eleição. Os números indicam que não. João Santana tem sido muito competente em transformar o seu cliente numa personagem da Internet e em manter unidos os convertidos. Em certa medida, a tática espelha o grupo de aguerridos de Bolsonaro, não faltando nem laivos de fanatismo. A conversa é mais informada e tal. Acham que a Terra é redonda, acreditam em vacinas e não participam de encontros com duendes reacionários. Mas têm baixa tolerância para o contraditório. Tudo depende também do que quer Ciro: vencer a eleição ou ser ombudsman do Brasil. É uma crítica honesta, não disposição para o maldizer.

O desempenho de Bolsonaro em certas categorias do eleitorado explica o resultado: no primeiro turno, Lula bate seu principal oponente por 49% a 23%. São as mulheres que administram, na maioria dos lares, o orçamento doméstico: a conta do supermercado. E a inflação corrói o poder de compra. Também são elas, para o bem do Brasil, as mais refratárias ao discurso armamentista. A truculência reacionária do presidente é essencialmente machista.

Entre os que recebem até dois mínimos — 70% dos que têm renda —, o petista vence por 56% a 20%. Guedes diz que quer resolver a pobreza vendendo as estatais e distribuindo dinheiro. Os pobres nem entenderam direito o que ele quer dizer. Se entendessem, compreenderiam o tamanho da bobagem e repudiariam o governo ainda mais. Bolsonaro tungou do PT o Bolsa Família e tentou emplacar no lugar o "Auxílio Brasil". Entre os beneficiários do programa, que continua a ser o Bolsa Família, o petista lidera por 59% a 20%.

O governo tem feito um esforço enorme para esconder suas ruindades. Nas inserções de seu partido, na TV, Bolsonaro já escolheu o caminho: Deus, pátria, aborto, costumes... No dia a dia do governo, criou seus bodes expiatórios — a Petrobras e os governadores — e insiste em ameaçar o país com um golpe de Estado caso seja derrotado. Dizem que não votam nele de jeito nenhum 54% dos ouvidos pelo Datafolha, o exato dobro dos que o escolheriam no primeiro turno. A rejeição a Lula (33%) é muito inferior às intenções de voto: 48%.

ISSO PODE MUDAR?
Maio praticamente chegou ao fim. Há quatro meses inteiros pela frente até a eleição de 2 de outubro. É pouco provável que Ciro dispare ou que Simone vá além do reduzido grupo que acredita na falácia de que é preciso "evitar os extremos" -- até porque, senadora, há só um extremista disputando a eleição. E a senhora sabe quem é.

O número de vigaristas no mercado das pesquisas cresceu bastante. Daqui a pouco aparece um pistoleiro a oferecer seus serviços para animar os fanáticos. Mas quem paga sabe que compra um número, não os eleitores necessários para vencer. Uma coisa é certa: os levantamentos honestos dizem a Bolsonaro: a eleição de 2022 não é a de 2018. A Internet ajuda a formar os soldados aguerridos da... Internet!

É possível que o horário eleitoral influencie mais a decisão do eleitor nesta disputa do que na anterior, quando a histeria das redes deu o tom. É bem verdade — e isto jamais pode ser esquecido porque ajuda a explicar o presente — que Lula liderava as pesquisas em 2018 mesmo na cadeia. Fez um candidato a um mês da eleição e o colocou no segundo turno em três semanas. Por isso, a ideia de que se pudesse ter uma eleição sem o PT sempre me pareceu delirante.

Se querem saber, não acho que a disputa será assim confortável para Lula. Vai depender, em boa medida, das ações de Bolsonaro. Ele continuará com a sua conversa golpista, ou seus aliados conseguirão convencê-lo a tentar ganhar os eleitores, em vez de ameaçá-los com golpe de Estado? Ainda não é carta fora do baralho. Mesmo com esses números, ainda pode vencer a eleição. Daí a necessidade da vigilância democrática.

Se vencer, aí, sim, a democracia será golpeada.

Por Reinaldo Azevedo

Datafolha: Reprovação ao governo Bolsonaro vai a 48%; aprovação é de 25%




Pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira, 26, mostra que a avaliação negativa do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) atingiu 48%, oscilando dentro da margem de erro. No levantamento anterior, em março, o índice dos que consideram a gestão ruim ou péssima foi de 46%.

Os que consideram o governo regular são 27%, ante 28% em março, e dos que o avaliam como ótimo ou bom são 25% em ambos os levantamentos. Também se manteve em 1% os que não souberam opinar.

O levantamento também mostra que os que consideram a gestão ruim ou péssima é maior entre as mulheres (51%) do que entre os homens (45%). Os índices mais elevados estão entre moradores do Nordeste (55%), funcionários públicos (61%), brasileiros com ensino superior (54%) e eleitores do petista Luiz Inácio Lula da Silva (73%), aponta o Datafolha.

Já os porcentuais de bom ou ótimo são superiores entre os evangélicos (35%) e os empresários (48%). A taxa de aprovação bate 35% entre quem tem renda familiar de cinco a dez salários e chega a 45% na faixa acima dos dez salários.

Entre os que pretendem votar em Bolsonaro, a percepção de que ele faz um governo ótimo ou bom é de 72%. Os que consideram a gestão regular são 27%, e 1% a reprova.

Entre os que os recebem o Auxílio Brasil, nome atualizado do programa Bolsa Família, criado na gestão do PT, ou moram com beneficiários do programa, a aprovação do governo fica em 19%. A reprovação dentro do grupo é de 45% e a nota regular é de 34%.

Já na parcela que não tem acesso ao auxílio, 49% avaliam a gestão como ruim ou péssima, 27% de ótimo ou bom e 24% de regular.

A pesquisa foi feita com 2.556 eleitores acima dos 16 anos em 181 cidades de todo o País entre quarta-feira, 25, e quinta-feira, 26. A margem de erro é de dois pontos porcentuais, para mais ou para menos. O levantamento está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-05166/2022.

No Estadão

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Candidatura de Simone Tebet faz bem à eleição



Simone Tebet dizia que a terceira via não subia nas pesquisas porque faltava "um rosto" que identificasse o grupo. A senadora teve a candidatura avalizada pela cúpula do seu partido, o MDB. Foi referendada também pela unanimidade da Executiva do Cidadania. Embora o PSDB continue exibindo sua divisão em cima do muro, não são negligenciáveis as chances de que o tucanato, agora sem João Doria, desça do lado de Simone, indicando o vice na chapa do MDB. Isso faz de Simone a cara da terceira via. Faltam os votos.

Debutante em eleição presidencial, Simone Tebet entra na briga com 1% das intenções de voto. Terá de transpor muitos obstáculos: atrair os tucanos ainda recalcitrantes, driblar os conspiradores do MDB, colocar em pé algo que se pareça com um programa de governo, aparecer o bastante para que o eleitorado comece a notá-la de tal forma que seu partido não possa ignorá-la na convenção a ser realizada em julho.

Ainda não se sabe se Simone Tebet irá até o fim. Mas é possível dizer que sua presença na disputa traz um sentimento parecido com o que é descrito no Soneto da Fidelidade, de Vinicius de Moraes. Talvez não seja uma candidatura imortal, posto que é do traiçoeiro MDB. Mas que seja infinita enquanto dure.

A presença de um contraponto feminino numa disputa liderada por um candidato que imagina que pode prevalecer no primeiro turno e outro que já se considera com os dois pés no segundo turno faz bem à democracia. O Brasil não termina em 2022. Ainda que Simone não tenha condições de vencer a eleição, é útil que o brasileiro conheça pessoas que possam ser apresentar como alternativas para o futuro.

Assim, seria bom se Simone Tebet conseguisse se firmar como candidata. Do mesmo modo, é útil que Ciro Gomes se mantenha na disputa, para que o eleitorado possa testemunhar um mínimo de debate numa campanha marcada pela inanição de ideias.

Por Josias de Souza

Celebração da barbárie policial dá voto no Brasil



A política de segurança do "tiro na cabecinha" produziu no Rio de Janeiro, no intervalo de um ano, duas das operações policiais mais letais da história do estado. Foram 53 cadáveres no total —28 em maio de 2021, na favela do Jacarezinho; 25 agora, na Vila Cruzeiro. Incluindo-se na conta mortandades mais modestas, chega-se a um total de 39 chacinas, com 181 mortos.

Bolsonaro foi às redes sociais para parabenizar os "guerreiros" da polícia que passaram 25 pessoas nas armas, entre elas uma cabeleireira de 41 anos, que foi achada por uma bala perdida dentro de casa. O presidente criticou a imprensa por promover uma suposta "inversão de valores" que "isenta o bandido" de responsabilidade pelos seus "crimes cruéis".

É estranha a lógica do governante que invoca a crueldade da bandidagem para justificar a selvageria do estado. É como se o presidente declarasse, com outras palavras, que se horroriza tanto com a perversidade que deseja multiplicar a barbárie, transformando a prática da bandidagem em política de estado.

Quando o sangue e o discurso escorrem juntos, no meio de uma campanha eleitoral, a incivilidade ganha ares de plataforma de governo. Bolsonaro ocupa a segunda colocação nas pesquisas presidenciais. No Rio, o governador Claudio Castro, herdeiro do cassado Wilson Witzel, mentor da doutrina da "cabecinha", disputa o topo das sondagens eleitorais. Ou seja: a incivilidade rende votos no Brasil.

O cidadão que autoriza a polícia a executar criminosos e avaliza o estado que assassina os assassinos se torna um cúmplice. O eleitor e contribuinte se autoconverte em mandante dos crimes. Se a selvageria estatal tivesse o efeito de dissuadir os bandidos, a frieza da vingança poderia ser apresentada como um fim prático para justificar os meios desumanos. Mas a reiteração das chacinas, o crescimento do monturo de cadáveres e a morte de inocentes —civis e fardados— sinalizam que o plano da reciprocidade animalesca não está funcionando.

O estímulo para que policiais se comportem como bandidos transforma a segurança pública num torneio de facínoras. Isso conduz à Idade Média, não ao Renascimento.

Por Josias de Souza

Câmara de gás da PRF de Bolsonaro e a banalização da morte em dias sombrios


Genival de Jesus Santos é preso numa câmara de gás em viatura da Polícia Rodoviária Federal.
A barbárie se espalha pelo país Imagem: Reprodução

É conhecida a frase de Pedro Aleixo, então vice-presidente, quando Costa e Silva decidiu baixar o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968: "Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina". A fala tem seu valor para explicar a banalização da violência a partir das práticas truculentas que emanam do centro do poder. Mas é claro que não fazia justiça a Costa e Silva e auxiliares: o problema também estava no presidente e naqueles que com ele governavam porque todos irmanados na mesma ordem ditatorial. O AI-5 só exporia ainda mais a sua face liberticida. É inegável, no entanto, que aquela decisão deu sinal verde aos homicidas que compunham a base do regime. Torturaram e mataram sem nenhum temor nem perigo.

Homens na Polícia Rodoviária Federal abordaram nesta quarta, em Umbaúba, litoral de Sergipe, Genival de Jesus Santos. Vídeos que circulam em todo canto registram um entrevero entre os policiais e Genival, que é então imobilizado. Poderiam, se fosse o caso — e nem estão claras as razões por que o homem foi parado — tê-lo algemado. Quando há resistência ativa, pode-se recorrer a tal expediente. Tinham a alternativa, se necessário fosse, de chamar reforço.

Mas não! Aos olhos de pessoas que acompanhavam a filmavam a ação, sem qualquer receio, decidiram fechá-lo no porta-malas da viatura, com as pernas de fora, presas pela tampa. Já aí fica caracterizada prática inequívoca de tortura porque resta evidente que o homem só permanecia imobilizado à custa de ferimentos nos membros inferiores. Pareceu pouco.

Um dos policiais jogou uma grande quantidade gás no porta-malas — que a PRF chama candidamente de "instrumento de menor potencial ofensivo" —, mantendo a tampa pressionada. Ouvem-se gritos, urros mesmo, do Genival, que estava preso numa câmara de gás improvisada. Depois de algum tempo, ele para de mexer as pernas. Genival morreu.

Abordagem policial? Não! Tortura. Assassinato. Crueldade.

Eis o Estado brasileiro, que se mostrou por meio da Polícia Rodoviária Federal, a Genival. O episódio se deu no dia seguinte ao massacre da Vila Cruzeiro, de que a PRF participou — notando-se que ações em áreas urbanas não estão entre as suas atribuições. Pretextou-se que os criminosos que eram alvos da operação dedicavam-se ao roubo de cargas, o que então atrairia a competência da corporação.

Numa democracia digna desse nome, os policiais deveriam ter sido presos tão logo as imagens começaram a circular nas redes sociais. Não nestes tempos. A despeito do que as imagens evidenciam, a PRF divulgou a seguinte nota:
"Na data de hoje, 25 de maio de 2022, durante ação policial na BR-101, em Umbaúba-SE, um homem de 38 anos resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe PRF. Em razão da sua agressividade, foram empregados técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba.

Durante o deslocamento, o abordado veio a passar mal e socorrido de imediato ao Hospital José Nailson Moura, onde posteriormente foi atendido e constatado o óbito.

A equipe registrou a ocorrência na Polícia Judiciária, que irá apurar o caso. A Polícia Rodoviária Federal em Sergipe lamenta o ocorrido e informa que foi aberto procedimento disciplinar para averiguar a conduta dos policiais envolvidos".

CINISMO
É uma nota cínica. Embora se fale na abertura de "procedimento disciplinar", o texto justifica a ação dos policiais. Doravante, passa a ser lícito, caso os agentes acusem alguma forma de resistência, prender as pessoas e executá-las em câmaras de gás. Inexiste pena de morte no país. Vale para a Vila Cruzeiro, no Rio. Vale para Umbaúba, em Sergipe. Vale par todo o Brasil.

Releiam a nota. Assistam ao vídeo. A PRF diz que Genival "passou mal durante o deslocamento", tendo sido "socorrido de imediato", como se os policiais houvessem, de fato, se comportado segundo as regras. Eis uma polícia que não protege, mas aterroriza.

VILA CRUZEIRO E O RESTO
Homens da PRF participaram do massacre na Vila Cruzeiro, elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro. A morte de 25 pessoas, sob o pretexto de combater o crime, acena para o vale-tudo. E é claro que há o risco de que práticas truculentas e homicidas passem a fazer parte da rotina da instituição.

A PRF está em todo país. Seus homens não podem se comportar como milicianos. Não se enganem: na terça, a montanha de mortos da Vila Cruzeiro; na quarta, o Genival, em Umbaúba; nesta quinta, pode ser um amigo seu; na sexta, você. Se o poder que emana de Brasília — e a PRF é subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública — diz aos agentes que tudo lhes é permitido, fazendo, a exemplo do presidente, a apologia da violência, então os "guardas da esquina" de Pedro Aleixo se sentirão à vontade para inovar nas práticas de tortura e morte.

Wallyson de Jesus, sobrinho de Genial, afirmou que o tio tinha transtorno mental:
"Eles pediram para que ele levantasse as mãos e encontraram no bolso dele cartelas de medicamentos. Meu tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito. Eu pedi que ele se acalmasse e que me ouvisse".

Os agentes só aguardam agora os "parabéns" de Bolsonaro.

Voltemos a Pedro Aleixo: os "guardas de esquina" de sua fala se consideram agora soldados da causa do capitão. E um dos ídolos do seu ídolo era um torturador.

A propósito: as próximas eleições também decidirão um "sim" ou um "não" a massacres e a câmaras de gás.


Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 25 de maio de 2022

O É da Coisa com Reinaldo Azevedo - 25/05/2022





A celebração da morte e oito cadáveres de "não vítimas", de "não pessoas"


Mãe diante do corpo de Gabrielle Ferreira da Cunha, 41 anos. Sua filha foi
atingida por um tiro dentro de casa, na entrada da Chatuba, ao lado da
Vila Cruzeiro. A bala perdida costuma ser achada em corpos pretos e pobres
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

E o espetáculo de celebração da morte e da incompetência continua. E não faltou, por óbvio, o apoio de Jair Bolsonaro ao massacre da Vila Cruzeiro, no Rio. Até agora, apareceram 25 corpos. Dados alguns testemunhos, a forma da ação e gravações que vieram e público, é possível que o futuro venha a revelar ossadas de vítimas largadas na mata. É a barbárie em estado puro servindo à campanha eleitoral.

Para a surpresa de ninguém, estão nas redes tuítes falsos atribuídos a Marcelo Freixo, pré-candidato do PSB ao governo do Estado, pregando o fim da PM. A máquina de desinformação e mentira funciona junto com a máquina de matar. E, se tudo isso lhes parece pouco, a Polícia do Rio agora diz não reconhecer a autoria de oito dos mortos.

Reportagem da Folha teve acesso a dois boletins de ocorrência que se referem a 18 das 25 vítimas. Um deles relata a entrada de oito pessoas já mortas, "socorridas por populares que não se identificaram na emergência". Esses casos foram registrados como homicídio. Vale dizer: essas pessoas teriam sido mortas sabe-se lá como, sabe-se lá por quem. Parece haver aí um esforço de diminuir a letalidade da operação desastrada. Um pouco de cadáveres pode dar votos. Um excesso deles talvez assuste algumas consciências — exceto os tarados de sempre que se excitam com o cheiro de sangue.

Relatório enviado pela Polícia Militar ao Ministério Público, informa a reportagem, narra até agora a circunstância em que se deram 10 mortes. Outras 15 — nada menos — seguem sem esclarecimento. Pelo visto, nada se dirá sobre oito delas. E daí? Inundam-se o noticiário e as redes com a ficha criminal de alguns e com fotos de fuzis apreendidos. Assim, o massacre parece não só necessário como um ato de justiça. São 181 mortos em um ano, todos na gestão Cláudio Castro, em 39 operações. Não sei se ele se orgulha dessa particular forma de produtividade.

"Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força". Eis o lema do "Partido", o ente único que governa "Oceania" no livro "1984", de George Orwell.

Rômulo Silva, superintendente da Polícia Rodoviária Federal -- corporação que participou da ação sob o pretexto de que se reprimia roubo de cargas, afirmou o seguinte, segundo registro de O Globo:
"A PRF reforça que as ações de segurança pública integradas [com a PM] visam diminuir a letalidade. O objetivo da operação é prender os líderes das facções, mas fez-se necessária força do Estado para conter ações".

Já o tenente-coronel Uirá do Nascimento Ferreira, do Bope, afirma que a operação — que começou às 4h desta terça — foi planejada durante meses. O objetivo seria impedir que os criminosos se deslocassem pela cidade.

Como é? Foram meses planejando a repressão a um deslocamento de criminosos planejado com iguais meses de antecedência? Com todas as vênias, nada faz sentido.

O tenente-coronel diz ainda:
"Era um monitoramento para que a prisão fosse feita fora da comunidade. Não foi possível devido ao ataque da facção. Foi uma ação emergencial que não tinha como objetivo cumprir mandados, apesar de muitos deles possuírem mandados em aberto".

O monitoramento a que ele se refere seria, então, a tal "ação de inteligência". Mas aí teria havido a reação inesperada. Convenham: as explicações são desencontradas, contraditórias, opostas às vezes.

Mais: bandidos organizados, armados até os dentes, encontram uma resposta que teria sido, então, proporcional e necessária das polícias, certo? E não há um só policial morto? Saúdo que assim seja, ou a tragédia seria ainda maior. Mas qualquer especialista em segurança sabe que a história é insustentável.

O ministro Edson Fachin, relator da ADPF que criou algumas restrições a operações policiais nas favelas buscando justamente reduzir a letalidade, encontrou-se ontem com Luciano de Oliveira Mattos de Souza, procurador de Justiça do Rio (MP-RJ).

Uma nota divulgada pelo gabinete do ministro informa:
"Ao procurador, o ministro demonstrou muita preocupação com a notícia de mais uma ação policial com índice tão alto de letalidade na data de ontem, mas informou que soube da pronta atuação do Ministério Público e que tem confiança de que a decisão do STF será cumprida, com a investigação de todas as circunstâncias da referida operação".

Bem, tudo indica que, de cara, já se sabe que nada menos de oito das 25 mortes nem estarão relacionadas à apuração do massacre. Essas "não pessoas" teriam sido mortas por assassinos desconhecidos.

E, claro!, há quem ache que suas respectivas vidas seguirão mais seguras com o fornecimento regular, pelas forças de segurança, de cadáveres pretos e pobres.

Dá-se justamente o contrário. Massacres assim são apenas a véspera de novos massacres. E de mais insegurança.

Por Reinaldo Azevedo

Codevasf burla licitação, tem obra suspensa e vira alvo do TCU por manobra em emendas



Processo em curso no TCU (Tribunal de Contas da União) aponta que a estatal federal Codevasf burlou uma licitação para realizar obras de pavimentação de R$ 25 milhões no Distrito Federal aproveitando-se de manobra que levou ao afrouxamento das regras de concorrências no governo Jair Bolsonaro (PL).

A estratégia da Codevasf, revelada pela Folha, é a de considerar serviços de pavimentação como trabalhos de engenharia simples, que podem ser cotados por metro quadrado tendo por base modelos fictícios de vias. O mecanismo empregado para asfaltamento conta com aval do próprio TCU.

Porém, no caso do DF, a área técnica do tribunal de contas apontou que a Codevasf adotou esse modelo simplificado de maneira ilegal, uma vez que as obras são complexas e têm ligação com um anel viário regional. O TCU então mandou suspender provisoriamente a execução dos contratos.


A medida reforça os indícios de que a estatal aproveita a manobra da flexibilização das licitações para dar vazão aos valores de emendas parlamentares, deixando em segundo plano o planejamento e a fiscalização das obras.

A Codevasf foi entregue por Bolsonaro a partidos do centrão em troca de apoio político no Congresso.

A decisão preliminar do TCU que suspendeu as obras no DF foi tomada no fim de abril, após a Folha publicar uma série de reportagens que mostrou o aumento de 240% no uso do modelo afrouxado de concorrência em 2021, o descontrole administrativo que abrange R$ 4 bilhões e a participação de apenas uma empresa ou o uso de firma de fachada em muitos pregões.

Os serviços suspensos são de asfaltamento de ruas de acesso a quatro escolas públicas da capital federal, localizadas de 40 km a 60 km do Palácio do Planalto.

Os auditores do TCU ainda dizem que há risco de pagamentos indevidos por estudos que já tinham sido feitos pelo DER (departamento de vias) do Distrito Federal.

Eles também afirmam que a Codevasf apresentou no processo de contratação alguns dados diferentes daqueles que seriam de fato exigidos para a obra.

A maior discrepância, considerada grave pelos técnicos, é que a licitação considerou um pavimento com espessura de 3 cm, mas o projeto requer uma espessura de 9,5 cm.

A verba para os serviços foi obtida pelo governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB). Mesmo sem ser parlamentar, ele apadrinhou emendas do relator, chamadas de "RP9", e da Comissão de Desenvolvimento e Turismo do Senado, segundo documentos da Codevasf.

Este tipo de emenda se tornou uma das principais moedas de troca entre a gestão de Bolsonaro e o Congresso. A verba é usada para irrigar redutos eleitorais e está no centro de suspeitas de corrupção do governo.

Procurada, a assessoria de Ibaneis não respondeu se houve troca de apoio político para obter o recurso. Afirmou ainda que o acesso à escola Sonhém de Cima, na área rural do DF, já foi concluído.

Os serviços em outros dois trechos nem sequer começaram, disse o governo local.

O governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) - Pedro Ladeira - 20.abri.2020/Folhapress

O próprio TCU deu aval, em 2021, para esta modalidade de licitação.

Pela lógica da Codevasf e do tribunal, o mais importante desse mecanismo é servir de via rápida para que os congressistas possam destinar o dinheiro público, o que na prática ocorre em especial por meio das emendas de relator.

De forma geral, a brecha permite fechar "contratos guarda-chuva", com "objeto incerto e indefinido, sem a prévia realização dos projetos básico e executivo das intervenções", afirmou o tribunal ao permitir a manobra.

Este tipo de contratação visa facilitar a realização de convênios da estatal com estados e municípios, para multiplicar obras de asfaltamento. A empresa pode ainda replicar as tarefas, cobrando o mesmo valor por metro quadrado, por exemplo, independentemente do local escolhido para o serviço.

Quando analisou e autorizou o uso do mecanismo, o TCU mostrou não ignorar as fragilidades da manobra e o risco de superestimativa nos serviços.

Assim, determinou a adoção de "pontos de controle" pela Codevasf, para contratações futuras. O principal deles, segundo o tribunal, seria o de adotar medidas para encaixar a situação das vias reais às condições estabelecidas nos contratos guarda-chuva.

Na prática, a Codevasf tem fechado diversos contratos para obras precárias.

Como mostrou a Folha, a empreiteira que lidera as contratações da estatal no governo Bolsonaro participa das disputas públicas ao lado de uma empresa de fachada. Já a vice-líder tem sócio oculto que é réu por supostos desvios e atos de corrupção.

O TCU pautou para esta quarta-feira (25) um julgamento em que poderá ser reexaminada a validade do uso de licitações simplificadas para obras de engenharia da Codevasf.

No caso das pavimentações no DF, o tribunal percebeu que não se tratava de "obra sem complexidade técnica". Além disso, as vias onde os serviços seriam feitos já estavam definidas.

Antes da suspensão das obras, a Codevasf reconheceu que parte das tarefas não se enquadrava em "serviços comuns de engenharia", mas alegou que realizou a licitação antes de o TCU modular este tipo de manobra.

A área técnica do tribunal não concordou com a argumentação da estatal, afirmando que a empresa deveria ainda assim ter se adequado.

Relator do caso no TCU, Augusto Sherman aponta indícios de ilegalidade nos contratos. O ministro também cita falta de documentos básicos na licitação, discrepância entre os dados usados na concorrência e aqueles previstos no projeto, além de risco de pagamentos por serviços não realizados.

A área técnica do tribunal diz ainda que as reformas exigem a demolição de trechos das ruas, o que não teria sido incluído no orçamento e no termo de referência da contratação.

Segundo os auditores, a Codevasf também poderia pagar para a empresa contratada no edital, a HL Terraplenagem, realizar estudos que já haviam sido feitos pelo Governo do DF.

A HL afirmou ao TCU que fez "os levantamentos preliminares e que não havia nenhuma informação acerca de projetos doados" pelo governo local.

No mesmo acórdão que suspendeu as obras, o tribunal determinou que a empreiteira e a Codevasf sejam novamente ouvidas sobre os indícios de irregularidades.

Os auditores do TCU dizem que a Codevasf citou no termo de referência para a contratação que usaria concreto asfáltico usinado quente com espessura média de 3 cm, diferente daquele previsto no projeto.

"A discrepância na especificação da camada asfáltica se constitui em falha grave, que pode ter comprometido a lisura do certame licitatório, já que, em nenhum local do processo de contratação há referência à pavimentação asfáltica com espessura de 9,5 cm", afirmou a área técnica do tribunal.

A CGU (Controladoria-Geral da União) também já fez um exame sobre as obras no DF e verificou que elas são incompatíveis com o modelo de licitação utilizado pela Codevasf.

Em relatório sobre contratos de pavimentação da estatal, a controladoria aponta que o caminho simplificado só pode ser adotado para serviços "padronizáveis, de baixa complexidade" e de "contratação frequente".

A CGU ainda aponta que havia diferença entre o preço de referência usado na seleção da empreiteira e aquele aplicado na hora do contrato. Este ponto foi corrigido após alerta da auditoria.

A Codesvaf se transformou em um dos principais instrumentos para escoar a verba recorde das emendas, distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos e que dão sustentação ao governo no Congresso.

As obras no DF têm recursos de duas emendas obtidas por Ibaneis em 2020.

Em negociação com a Comissão de Desenvolvimento e Turismo do Senado, o governador obteve R$ 10 milhões. Já a fatia liberada por emenda do relator é de R$ 15 milhões.
CODEVASF DIZ CUMPRIR DETERMINAÇÕES DO TCU

A Codevasf enviou nota à Folha na qual não abordou diretamente as acusações feitas pela área técnica do TCU. Ela diz que "tem observado as determinações'" do TCU e "provido informações ao órgão".

"A companhia atua em permanente cooperação com órgãos de fiscalização e controle. Os apontamentos desses órgãos são considerados pela empresa para controle e contínuo aperfeiçoamento de procedimentos", completa.

A empresa HL Terraplenagem negou ter cometido irregularidades nas licitações, contratos ou obras. Segundo a construtora, o acórdão "foi lavrado após diligências e oitiva das partes interessadas, tendo a empresa executora prestado todas as informações solicitadas pelo órgão de controle, estando as mesmas disponíveis nos autos do processo".

"De antemão, assim como foi informado ao TCU, não há qualquer irregularidade que possa macular a conduta da empresa, mantendo essa total lisura desde a participação no processo licitatório", completa.

Em nota, o Governo do DF disse que "terá de adiar a execução das referidas obras, uma vez que depende da Codevasf".


Na Folha