quarta-feira, 30 de junho de 2021

Saúde apodrece tão aceleradamente que já roubaram até o benefício da dúvida



A pandemia não é uma "gripezinha" nem está no "finzinho". Mas já é possível enxergar pus no fim do túnel. O Ministério da Saúde apodrece tão rapidamente que já roubaram até o benefício da dúvida. O governo ainda rala para explicar o enrosco da Covaxin. E já surgiu um escândalo novo em meio a velhos conhecidos: o capitão que manda, o general que obedece, o padrinho do centrão.

O representante de uma empresa que vende remédios acusou o diretor de Logística da pasta da Saúde, Roberto Ferreira Dias, de cobrar propina em troca da compra de vacinas da AstraZeneca. Dessa vez, o governo reagiu rápido. Bolsonaro não esperou nem a notícia escorregar do cristal líquido para o papel.

Apadrinhado do deputado Ricardo Barros, líder de Bolsonaro na Câmara, Roberto Dias foi exonerado no final da noite, quando o nome dele migrava da internet para as páginas impressas da Folha. Bolsonaro já aprendeu que, descoberta a suspeita de mutreta, a inação do administrador rende pedido de inquérito no Supremo por prevaricação.

Antes de enfiar-se sob as cobertas, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz, correu às redes sociais para avisar que a comissão tentará ouvir já na sexta-feira (2) o denunciante: Luiz Paulo Dominguetti. Ele se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply no Brasil. Foi a uma mesa de restaurante para negociar a venda de 400 milhões de doses de AstraZeneca. Saiu mordido em US$ 1 por dose.

"No meu governo não tem corrupção", gosta de dizer Bolsonaro. "Não é por virtude, mas por obrigação", costuma emendar o capitão. Ao deixar o comando do Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello soou como se quisesse demonstrar que não convém discutir com especialistas. "A operação de grana com fins políticos acontece aqui", discursou o general na despedida, com o sucessor Marcelo Queiroga do lado.

O governo Bolsonaro mudou de patamar. Já não é investigado na CPI apenas por negacionismo. É perscrutado por seu negocismo. Para compreender a situação é necessário um certo distanciamento. A coisa pode começar num contrato para compra de vacina chinesa e terminar numa conta numerada no paraíso fiscal de Singapura.

Bolsonaro ajustou o discurso. Migrou do incorruptível para o "não tenho como saber tudo o que acontece" nos ministérios. A má notícia é que o presidente não consegue comprovar que seu governo é limpinho. A boa notícia é que Bolsonaro já demonstrou que a honestidade é uma virtude facilmente contornável.

O capitão diz que não tem nada com os malfeitos que vêm à tona. Na pasta da Saúde, nada é uma palavra que ultrapassa tudo. Ali, Bolsonaro manda. Pazuello obedeceu. O doutor Queiroga, indicado por Flávio Bolsonaro, o príncipe que abriu as portas do BNDES para um sapo do mercado das vacinas, vai no mesmo caminho.

Bolsonaro está tão ocupado em livrar o país da corrupção que ainda não teve tempo de afastar Ricardo Barros do posto de líder do governo na Câmara. Nesta quarta-feira, a CPI da Covid aprovará um lote de convocações. Um dos convocados será Luis Ricardo Miranda, o servidor concursado da Saúde que começou a levantar o tapete.

Do jeito que a coisa vai, quem conseguir agachar para desviar das balas perdidas será considerado personagem de grande altivez no que resta do Ministério da Saúde depois da ocupação em que Bolsonaro juntou numa mesma trincheira os militares do pelotão alternativo de Pazuello e os civis da milícia do centrão. Não há benefício da dúvida que sobreviva a tanta culpa.

Por Josias de Souza

O superpedido de impeachment: sobram crimes, mas faltam votos. Por enquanto


Protesto na Avenida Paulista em favor do impeachment de Bolsonaro. Não faltam
crimes de responsabilidade do presidente nem povo na rua Imagem: Mídia Ninja

Um grupo suprapartidário entrega nesta quarta à Mesa da Câmara o que tem sido chamado de "superpedido de impeachment". Ainda não sei quantos crimes de responsabilidade estão lá listados. Nas minhas contas, já são 32.

Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, infringindo a Lei 1.079:
- a cada vez que ameaçou, de forma velada ou explícita, as instituições em atos promovidos por seus seguidores ou mesmo em ambientes mais restritos, mas, ainda assim, públicos (Art. 7º);
- a cada vez que faltou com o decoro do cargo, atuando ou falando coisas incompatíveis com o cargo que ocupa (Artigo 9º);
- a cada vez que desrespeitou ou incitou o desrespeito a leis federais -- por exemplo, o uso de máscara (Art. 8º);
- a cada vez que acusou fraude no sistema eleitoral sem apresentar prova, indicando que não aceitaria um resultado adverso sem o voto impresso (Art. 7º);
- a cada vez que estimulou autoridade sob sua subordinação a agir em desacordo com a lei (Art. 7º);
- a cada vez que incitou militares e policiais militares, ainda que indiretamente, à indisciplina (Art. 7º).

Além dos crimes de responsabilidade, há uma penca de crimes comuns, sendo os mais notórios a infração dos Artigos 267 e 268 do Código Penal, a saber:
267: Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos;
268: Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

A incorrência no 268 é inequívoca; a no 267 pode suscitar algum debate. Será que ele próprio precisaria estar contaminado e, ainda assim, de modo deliberado, sair por aí a espalhar o vírus? Ora, também nesse caso se pode ter o dolo eventual, não? Quem promove aglomerações e incita as pessoas a não usar ou a tirar a máscara — quando não é ele próprio a fazê-lo, como aconteceu com um garoto no seu colo — corre o risco de produzir tal resultado. Acrescente-se ainda o Artigo 132: "Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente".

NOTÍCIA-CRIME
O PSOL, diga-se, entrou com uma notícia-crime contra Bolsonaro no Supremo em razão da sua atuação delinquente em eventos no Rio Grande do Norte, quando estimulou uma garota de 10 anos a tirar a máscara e resolveu, como já lembrei aqui, ele próprio, tirar a proteção do rosto de uma criança.

O partido cita o Artigo 232 do Estatuto da Criança e do adolescente, que prevê pena de seis meses a dois anos para a quem "sbmeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", lembrando também o que dispõe o Artigo 227 da Constituição:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

O relator dessa notícia-crime é o ministro Ricardo Lewadowski, que já encaminhou a questão para a manifestação da Procuradoria-Geral da República.

DE VOLTA AO IMPEACHMENT
Embora o governo esteja no meio do furacão político, ainda tem o centrão a lhe dar apoio e sustentação. Ou melhor: alugar o suporte. Isso requer pagamento regular. E o presidente está cumprindo a sua parte no trato por meio do Orçamento paralelo.

O segundo ato rumo ao impeachment, depois da apresentação da denúncia, é monocrático. Cabe ao presidente da Câmara colocá-lo ou não em trânsito. E Arthur Lira (Progressistas-AL) já afirmou que não vai fazê-lo. Ele deu a entender que acha o governo um sucesso.

Ainda que o fizesse, não haveria hoje os 342 votos para que a questão fosse levada ao Senado para abertura do processo de impeachment. "Então é tudo inútil?" A resposta é "não". É mais do que prudente — na verdade, é imperioso — manter a sociedade mobilizada contra o arbítrio e o desmando. Isso pode mover o presidente da Câmara e os outros parlamentares que hoje apoiam o governo? Só a luta política dá essa resposta.

É importante que os Poderes da República percebam que existe uma sociedade vigilante. Ademais, a imagem do presidente, por justos motivos, está em processo de derretimento. A CPI, por exemplo, evidencia que o Ministério da Saúde está mais para um circo de horrores. Além do negacionismo, que tantas vidas ceifou, há graves indícios de que a pasta está corroída também pelo "negocionismo".

O Centrão está de olho nas verbas, mas também nas curvas de opinião.

Para o impeachment, não faltam crimes — os há às pencas —, mas os votos. Por enquanto ao menos. Só não pode faltar a luta.

Por Reinaldo Azevedo

Denúncia de propina de R$ 1 bi na Saúde; AstraZeneca nega ter intermediário



Cesse tudo o que antiga musa canta. Ou não?

Caso se confirme a denúncia feita à Folha por um executivo de uma empresa da área de medicamentos, não temos um Ministério da Saúde propriamente, mas uma gangue de larápios e assassinos em massa.

Primeira consequência da matéria publicada pelo jornal: Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística do Ministério da Saúde, acaba de ser exonerado. Ele também era um dos principais alvos das acusações feitas pelo deputado Luís Mirada (DEM-DF). Qual é o caso?

1: Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, disse ter oferecido ao Ministério da Saúde, em fevereiro, a venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca a US$ 3,50 cada uma.

2: Afirma Dominguetti sobre Dias:
"Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo".

3: E em que consistira "compor com o grupo"? Acrescentar o sobrepreço de US$ 1 por dose. Como o interesse manifesto foi o de comprar 200 milhões, estamos falando, em valores de hoje, na módica quantia de R$ 1 bilhão.

4: Dias é tido na pasta e em toda parte como homem de confiança do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), o homem que aparece ligado à compra da Covaxin e também às negociações para a aquisição da vacina chinesa Convidecia. O advogado que cuidou da questão junto à Anvisa, por exemplo, é sócio de seu genro.

5: Quando, segundo o denunciante, a oferta foi feita, estavam à mesa o próprio Dias, um militar do Exército e um empresário de Brasília.

6: A reportagem quis saber se ele tinha certeza de que o interlocutor da suposta safadeza era mesmo Dias. Ele, então, respondeu:
"Claro, tenho certeza. Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele mesmo". Isso certamente será feito.

7: Dominguetti afirma que a proposta de propina foi feita em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.

Um dia antes, o país havia atingido a marca de 250 mil mortos.

Em seu relato, Dominguetti diz ter ido ao Ministério da Saúde e ter recebido ligações para tratar da venda das doses de vacina, que não se concretizou — e tudo isso, claro!, pode ser confirmado pela quebra de sigilo telefônico e de localização.

É evidente que é preciso fazer uma investigação rigorosa.

Por que a denúncia só aparece agora e não antes? Essa pergunta não vale. Empresas querem fazer negócios, não comprar uma pendenga judicial. Obviamente, existe também o medo — e, afinal de contas, esse era o governo incorruptível, não é mesmo?

E, ao mesmo tempo, é preciso tomar cuidado. Já digo por quê.

É claro que Dominguetti tem de ser convocado pela CPI e também Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da Davati no Brasil.

SEM INTERMEDIÁRIOS?
Há uma questão intrigante adicional nisso tudo. Não se conheciam intermediários na venda de vacinas da AstraZeneca até agora, o que foi reiterado ao blog do jornalista Octavio Guedes por representantes do imunizante. O representante assegura que as negociações são feitas diretamente com os governos dos países. E, como se vê, o representante da empresa Davatti Medical Suplly afirma ter ofertado a enormidade de 400 milhões de doses.

Há a hipótese estrambótica de ter havido uma real proposta de propina para uma oferta irreal de vacina?

Não temos o direito de duvidar de mais nada.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 29 de junho de 2021

É Barros, do Centrão, quem garante o emprego de Bolsonaro, não o contrário



O Planalto manda dizer que o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR) permanece na liderança do governo na Câmara. Ora, ora, quem está surpreso? Afinal, é Barros quem garante o emprego de Bolsonaro, não o contrário. A notícia, dada por sua essência, deveria ser assim: "Barros manda dizer que Bolsonaro permanece na Presidência da República".

Não entendeu?

Se o Centrão se juntar à oposição em favor do impeachment do presidente, ficariam faltando poucos votos para mandar Bolsonaro para o arquivo da política, hipótese em que ele daria início a uma longa carreira no direito penal. E, claro, seria necessário ter uma decisão monocrática inicial de Arthur Lira (AL), também do Progressistas. Na condição de presidente da Câmara, a ele cabe o ato inicial para que o impeachment prospere. Não o fará. A menos que... Bem, aí as coisas ficam por conta do desenrolar dos fatos.

Uma coisa é certa: Bolsonaro não vai defenestrar Barros porque precisa de apoio mais do que nunca. E olhem que o deputado tem um jeito, digamos, muito frio e muito técnico de se defender. Fala como um criminalista, não como alguém que, segundo o deputado Luís Miranda (DEM-DF), foi acusado pelo próprio presidente da República de estar por trás do rolo da Covaxin. Ele afirma:
"Fica evidente que não há dados concretos ou mesmo acusações objetivas, inclusive pelas entrevistas dadas no fim da semana pelos próprios irmãos Miranda".

Pois é. Mais um pouco, e Barros poderia dizer algo assim:
"Olhem, por enquanto ao menos, prefiro acreditar na minha inocência. Vamos aguardar os desenrolar dos fatos".

Ele pode ser acusado de qualquer coisa, menos de amadorismo.

BREVE MEMÓRIA
Só para relembrar: a Covaxin é a vacina indiana do polêmico, para dizer pouco, laboratório Bharat Biotech. O governo acertou a compra de 20 milhões de doses a US$ 15. No Brasil, uma empresa serve de intermediária: a Precisa, que é investigada num outro rolo envolvendo o Distrito Federal. Tem como sócia a Global, também sob investigação, aí em suposta associação com... Barros.

Se há intermediária para comprar, há intermediária para vender. A primeira fatura que chegou às mãos de Luís Ricardo Miranda, do departamento de importações do Ministério da Saúde — o irmão do deputado Luís Miranda — trazia a previsão de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões à Madison Biotech, de que o dono da Bharat é sócio.

Ocorre que essa antecipação não estava em contrato, e a Madison nem fica na Índia, mas em Singapura, um paraíso fiscal. The Intercept Brasil bateu às portas da Madison. Leiam a reportagem e assistam ao vídeo. Trata-se de um mero escritório que empresta seu endereço a empresas que têm todo o jeitão de fantasmas — pouco importando, reitero, se, no papel, a Madison pertence ao dono da Bharat Biotech.

A pessoa que atendeu a reportagem deu um telefone do responsável pela Madison. O site enviou seis perguntas a uma suposta assessoria, que ficou de respondê-las. Até agora, nada. Entre elas, há estas indagações:
"Por que a Madison enviou uma nota fiscal pedindo pagamento adiantado para o governo brasileiro? O que justifica um pagamento adiantado nesse negócio? E por que o pagamento não foi direcionado para a Bharat Biotech na Índia?"

OUTROS BILHÕES
Em entrevista à Folha, Luís Miranda sugere que pode haver -- ou que ele pode reunir -- evidências de que a compra da Covaxin, ainda não concluída, mas em curso, seria apenas uma das frentes de malfeitos no Ministério da Saúde. Pois é...

Que as coisas não andaram e não andam bem por lá, isso é evidente. O governo deu início a negociações para comprar uma vacina ainda mais cara do que a Covaxin — que custará, caso se conclua a operação, US$ 15 a dose. Desta feita, sairia por US$ 17 e seria fornecida pelo laboratório chinês CanSino Biologics. O nome do imunizante é "Convidecia".

O país encomendou 60 milhões de doses — hoje, mais de R$ 5 bilhões. Entre os entusiastas da operação, estão os empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard, dois especialistas na área, não é mesmo? Chega a ser impressionante que a gente tenha de escrever essas coisas.

Também nesse caso, haveria uma intermediária. Quem se apresentou como representante do laboratório CanSino no Brasil foi a Belcher Farmacêutica, empresa que tem sede em Maringá, terra e território do deputado... Ricardo Barros.

O governo assinou a intenção de compra no dia 4 deste mês. Agora, o Ministério da Saúde já informa que o próprio CanSino informou que a Belcher não mais o representa.

SÓCIOS
Que fique claro: se Bolsonaro depende do Centrão para permanecer no poder, isso não se deve a seus méritos, mas a seus defeitos. Por isso, não lhe cabe as vestes de quem é refém de um suposto esquema. O que quer que exista lá no Ministério da Saúde decorre de sua sociedade com aqueles com quem decidiu governar.

 

 Por Reinaldo Azevedo

sábado, 26 de junho de 2021

CPI transforma aliança Bolsonaro-centrão numa espécie de abraço de afogados



Ao empurrar a CPI para dentro do gabinete de Bolsonaro, o deputado bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF) alargou os horizontes da investigação legislativa e encurtou a margem de manobra do capitão.

A Comissão Parlamentar de Inquérito adicionou à sua pauta um tema radioativo: corrupção. E Bolsonaro logo se dará por satisfeito se conseguir cumprir dois objetivos estratégicos: não cair e continuar dando a impressão de que comanda.

"Foi o Ricardo Barros que o presidente falou, foi o Ricardo Barros", disse Luis Miranda ao admitir que ouviu Bolsonaro dizer que sabia do envolvimento do líder do governo na Câmara no suspeitíssimo processo de compra da vacina indiana Covaxin.

Em 20 de março, Luis Miranda levara à presença do capitão o seu irmão Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação da pasta da Saúde. Servidor concursado, ele contou ao presidente que não cheirava bem a pressão que recebia dos seus superiores para aprovar o pagamento antecipado de uma fatura de US$ 45 milhões por vacinas caras, não avalizadas pela Anvisa e indisponíveis.

Três dias antes, o presidente da Câmara, Arthur Lira, correligionário de Ricardo Barros no PP e no centrão, afirmara numa entrevista que "a CPI não trará efeito algum", pois "falta circunstância" para o impeachment.

No comando de um gavetão onde há mais de uma centena de pedidos de impedimento, Lira deu de ombros para o "Fora, Bolsonaro" que soara nos protestos de sábado passado. Menosprezara a ultrapassagem da marca de mais de 500 mil mortos por Covid.

No momento, há três coisas certas na vida dos brasileiros: as mortes por Covid, as crises do Bolsonaro e os imprevistos da CPI. Depois de se recusar a presidir o vírus, o capitão passou a ser presidido por ele.

Bolsonaro gosta de dizer "minhas Forças Armadas". Precisa começar a proclamar "meu centrão". A CPI da Covid dá à aliança do capitão com o centrão de Lira e Barros uma aparência de abraço de afogados.

No momento, Bolsonaro dissimula sua falta de rumo fingindo que faz e acontece. Pode continuar até o final de 2022. Mas terá de fazer algo mais além de xingar jornalistas. O centrão já caiu na água outras vezes. O problema é que o grupo não costuma ficar molhado por muito tempo.

Por Josias de Souza

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Depoimento de servidor da Saúde à CPI intima Bolsonaro a levantar o tapete



Chefe de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o servidor Luis Ricardo Miranda colocou aos pés de Bolsonaro, em 20 de março de 2021, informações que lhe permitiriam mostrar o tamanho do seu compromisso com a ética. Submetido à suspeita de corrupção na compra da vacina Covaxin, da Índia, o capitão sinalizou que seu apreço pelos bons costumes cabe embaixo do tapete.

Luis Ricardo contou a Bolsonaro que, resistindo à pressão de seus superiores, recusou-se a assinar um documento que considerou malcheiroso. Rubricando-o, liberaria um pagamento antecipado em nome da empresa Madison Biotech, localizada no paraíso fiscal de Singapura. Coisa de US$ 45 milhões, o equivalente a R$ 222 milhões. O pagamento destravaria o envio de um primeiro lote de vacinas Covaxin: 300 mil doses.

O contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana ao preço de R$ 1,6 bilhão não menciona a Madison. O texto veda pagamentos antecipados. E informa que o primeiro lote deveria conter 4 milhões de vacinas, não 300 mil.

Bolsonaro informou ao servidor Luis Miranda e ao irmão dele, o deputado bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF) que acionaria a Polícia Federal. Era lorota. O presidente enfiou tudo embaixo do tapete. Agora, com a Covaxin convertida em matéria-prima de CPI, Bolsonaro não enxerga culpados na imagem do espelho.

Seja qual for a versão a ser construída pelo Planalto, ela não ficará em pé enquanto Bolsonaro não levantar o tapete que esconde a mão que colocou a vacina indiana e uma fatura esquisita de R$ 222 milhões na porta do cofre do Tesouro Nacional.

Por Josias de Souza

Popularidade de Bolsonaro cai, mas sua taxa de insanidade continua em 100%



De passagem pelo Rio Grande do Norte, onde promoveu um comício camuflado de cerimônia oficial, Bolsonaro atentou contra a saúde das crianças. Estimulou uma menina a baixar a máscara e arrancou o apetrecho do rosto de uma criança de colo. Os rivais costumam dizer que Bolsonaro sofre de insanidade. Não é verdade. O presidente aproveita cada segunda dela.

Quando foi infectado pelo coronavírus, Bolsonaro atingiu o platô da maluquice ao perseguir uma ema nos jardins do Alvorada, exibindo uma caixa de cloroquina para a ave. Numa evidência de que surfa uma nova onda de insânia, o capitão agora arranca máscaras de crianças que não dispõem da mesma agilidade exibida pela ema.

Alguém precisa trocar o medicamento do presidente. Já estava entendido que a cloroquina não tem serventia no tratamento da Covid. Descobre-se agora que é inútil também para quem precisa restaurar as faculdades mentais. A boa notícia é que, embora a popularidade do presidente esteja derretendo, sua taxa de insanidade não aumentou. Continua nos mesmos 100%. A má notícia é que os pais das crianças que tiverem contato com Bolsonaro terão de procurar psicólogos infantis.

Por Josias de Souza

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Em surto, Onix agride Constituição e intimida testemunha. Tem de ser preso!


Onyx Lorenzoni, secretário-geral da Presidência: em transe psicótico, ele resolveu fazer de
conta que não existem leis no país; só a vontade do seu chefe contaria 

Bem, bem, bem...

Vocês estão acompanhando o rolo envolvendo a compra da Covaxin. O governo entrou em parafuso. No fim da tarde de ontem, obedecendo ao comando de Jair Bolsonaro, Onix Lorenzoni, secretário-geral da Presidência, entrou numa espécie de surto policialesco-psicótico. Deve se imaginar como o oficial-em-chefe de algum Estado policial. Talvez se pense o esbirro altivo de algum ditador. Esbirro, pode ser. Mas o Brasil não é uma ditadura. E ele pode até ser preso pelo que fez. Já chego ao ponto. Antes, uma síntese da confusão.

- o Brasil aceitou pagar um ágio de 1.000% pelo imunizante em relação ao preço anunciado pelo laboratório Bharat Biotech;

- a compra da vacina, à diferença do que se fez com as demais, tem um intermediário: a empresa Precisa Medicamentos;

- a Precisa é investigada em outras operações suspeitas envolvendo venda de medicamentos a entes públicos. Se não há contra ela uma declaração oficial de inidoneidade, nenhum governo prudente aceitaria fazer negócios com uma empresa com o seu histórico. O governo Bolsonaro aceitou;

- A Precisa afirma que o preço para o Brasil está em linha com o que se cobra em outros 13 países — o que, convenham, não torna a coisa uma negociação, né?;

- Luiz Ricardo Miranda, servidor público concursado do Ministério da Saúde e um dos responsáveis pela área de importação da pasta, relatou ao Ministério Público Federal pressão atípica para apressar a importação;

- ele reparou diferença entre o contrato e o que ia numa espécie de fatura que lhe chegou às mãos;

- entre outras coisas, havia a previsão de pagamento antecipado à Precisa;

- a empresa tentou, por duas vezes, receber uma antecipação de US$ 45 milhões;

- aí entra em cena o deputado Luiz Miranda (DEM-DF), um aliado de Bolsonaro, até a semana passada ao menos, e irmão de Luiz Ricardo;

- relatou que, em companhia do irmão, foi falar pessoalmente com o presidente para relatar o que considerava indício de irregularidades;

- Miranda diz ter apresentado ao próprio presidente os indícios;

- fato: deputado e o irmão estiveram com o presidente; nas redes sociais, o parlamentar documenta tudo.

VAMOS VER
Bem, acima vai uma síntese que cheira muito mal, sobretudo porque o governo tardou para comprar as vacinas da Pfizer alegando o alto preço -- US$ 10, não US$ 15 -- e também o fato de que o laboratório não havia concluído os testes da terceira fase. A vacina indiana estava na mesma condição, era mais cara e não havia sido testada no Brasil -- à diferença do imunizante da empresa americana.

O negócio explodiu na cozinha do palácio. Miranda e o irmão vão depor na CPI amanhã. Lembro -- como fiz no caso de Osmar Terra -- que o parlamentar só depõe se quiser. Dispõe o Parágrafo 6º do Artigo 53:
§Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

O deputado, no entanto, quer falar e diz ter revelações importantes a fazer. A ver. É uma figura política com um histórico polêmico. Isso, por si, não desqualifica seu depoimento se tiver evidências a apresentar. Meu ponto aqui não é esse.

O SURTO AUTORITÁRIO
Lorenzoni anunciou -- como se pudesse ser assim -- que o presidente Jair Bolsonaro mandara a Polícia Federal investigar tanto o servidor Luiz Ricardo como o deputado Luiz Miranda. Se mandou, a PF certamente não o fez porque não lhe cabe cumprir ordens ilegais.

Miranda tem foro especial por prerrogativa de função. A PF só pode abrir investigação contra ele com autorização do Supremo. Uma pergunta ao veterinário Lorenzoni, que, como jurista, não é bom nem pra cachorro: quem é o relator do tribunal que autorizou a investigação?

Há mais: quando o ministro fez a sua pantomima, o servidor do Ministério da Saúde já havia sido convocado pela CPI. Ao anunciar o que pareceu ser uma devassa na vida da pessoa em questão, asseverando também a investigação policial, o que se viu ali foi um caso absurdo e escancarado de intimidação.

Sim, o Ministério da Justiça pode determinar de ofício que a PF abra um inquérito, mas notem que o homem nem deu as caras. Quem apareceu foi Lorenzoni, ávido por prestar um serviço.

Uma das alegações é que um dos documentos de que trata Luiz Ricardo — o que prevê o pagamento antecipado — seria falso ou adulterado. Tudo indica tratar-se apenas de uma das versões, em que o expediente polêmico estava presente, tendo sido alterado depois.

Ontem, como diria a ama de Julieta, a de Shakespeare, foi mesmo um dia aziago para Bolsonaro. Suspeita de corrupção derrubou Ricardo Salles do Meio Ambiente, que não quis esperar a quebra da senha do seu telefone tendo o ministro Alexandre de Moraes como relator do caso. Preferiu ir para a primeira instância.

E aí veio a bomba da Covaxin, com suspeitas da pesada. Tudo vai dar em nada? Não sei. Este post não está anunciando resultados.

Uma coisa eu sei: Lorenzoni anunciou que o presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer duas coisas;
1: mandar, contra a Constituição, a Polícia Federal investigar um deputado;
2: mandar, num processo claro de intimidação, a Polícia Federal investigar uma testemunha que vai depor na CPI.

VOLTA DO CIPÓ DE AROEIRA
Bem, parece evidente que quem tem de responder pelo anúncio das ilegalidades, num primeiro momento, é Lorenzoni. Lembro trecho do Parágrafo 3º do Artigo 58 da Carta:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (...)"

Lorenzoni está intimidando a testemunha de uma investigação com os poderes próprios de investigação judicial.

Isso pode render cadeia.

Por Reinaldo Azevedo

O recurso jurídico a que apela Salles ao sair chama: "Fugindo de Alexandre"


Ricardo Salles e Alexandre de Moraes: ex-titular do Meio Ambiente ainda apostava que tudo daria em nada. Aí viu que as coisas não eram como pensava Imagem: Adriano Machado/Reuters; STF

Não!

A demissão de Ricardo Salles, agora ex-ministro do Meio Ambiente, não estava nos planos de ninguém: nem no dele próprio nem no de Jair Bolsonaro. Sim, a qualquer um, em tempos normais, a situação do rapaz no governo pareceria insustentável. Como é possível continuar a frente de um ministério, do Meio Ambiente ou qualquer outro, sendo investigado em dois inquéritos? Em ambos, as suspeitas são de extrema gravidade.

Mas estes não são tempos normais, e Salles queria ficar. E Bolsonaro queria que ele ficasse. Mas aí veio a informação de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou que seu celular fosse enviado aos EUA para a quebra da senha. Aí não dava mais. Para quem sempre chamou o Supremo de "foro privilegiado" — eu nunca! — eis aí: Salles se demite para ser investigado pela primeira instância. Esse recurso jurídico tem nome. Chama-se "Fugindo de Alexandre".

Salles queria ficar e não estava nem aí. Na terça, foi elogiado por Bolsonaro no lançamento do Plano Safra. O chefe da nação sugeriu que o auxiliar estava sendo perseguido pelo Judiciário. No dia 12 de junho, já com todos os seus sigilos quebrados e com quase toda a cúpula do Meio Ambiente também investigada e afastada dos cargos, o ainda ministro subiu no palanque da "motociata" golpista em São Paulo.

Estão acostumados a afrontar as instituições com provocações e grosserias. Com o Supremo permanentemente sob ataque, com Bolsonaro vituperando contra o tribunal, com as redes sociais sempre em pé de guerra contra os membros da Corte, é possível que todos tenham apostado que Moraes buscaria acomodação. Bem, nem ele nem Cármen Lúcia, relatora do segundo inquérito, parecem ter escolhido esse caminho.

Um certo pensamento mágico e a crença meio ingênua de que, no fim, Bolsonaro sempre dobra todo mundo iam mantendo Salles no cargo, ainda que o presidente tenha sido vivamente aconselhado, por gente que lhe é próxima, a se livrar do fusível queimado. Mas o homem é turrão. De resto, nunca existiu exatamente um Salles: ele era o presidente no Meio Ambiente. E talvez até com alguma sobra e espaço para as suas próprias diabruras. Se havia um ministro cuja atuação o chefe endossava sem reservas, ele atendia pelo nome de Salles.

Ocorre que a esperada acomodação não veio. Na verdade, Salles assistiu à abertura de um novo inquérito. O envio do telefone aos EUA para a quebra da senha acendeu a luz vermelha. Salles chegou à conclusão que era hora de sair. Aposta-se na maior morosidade da primeira instância, que também comporta mais recursos. No STF, o caminho para uma eventual condenação havia se tornado muito curto.

PRONUNCIAMENTO
Salles fez um curioso pronunciamento, sem licença para o jornalismo fazer perguntas. Afirmou:
"Entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa ter uma união muito forte de interesses, de anseios e de esforços. E, para que isso se faça da maneira mais serena possível, eu apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido".

Estou enganado, ou ele está admitindo não ser a pessoa certa para "a união de interesses, anseios e esforços"? Talvez seja a única vez em que concordo plenamente com ele. Fez outra afirmação curiosa, exaltando a suposta eficiência da pasta e sua orientação:
"Orientação esta que foi o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, cuidado com todos os aspectos daquele ministério. Ao mesmo tempo, respeito também ao setor privado, ao agronegócio, ao produtor rural brasileiro, aos empresários de todos os setores, de mineração, imobiliário, setor industrial".

Como se nota, não falou quase nada sobre Meio Ambiente. Isso de que trata o torna um bom interlocutor dos negócios.

Muda alguma coisa no Meio Ambiente? A ver. Insista-se: não estava na pasta levando adiante uma agenda sua. Se a orientação for a mesma, vão se colher os mesmos resultados.

Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Salles corre da polícia - Na corda bamba há meses, ministro cai quando ele e Bolsonaro estão acuados



Queridinho do presidente Jair Bolsonaro, mas alvo de inquéritos e investigações em São Paulo e em Brasília, o polêmico Ricardo Salles, o “ministro da boiada”, caiu num momento em que o Supremo Tribunal Federal aperta o torniquete contra ele e que a CPI da Covid acua o próprio Bolsonaro por causa da explosiva compra da vacina Covaxin.

O script da demissão “a pedido” de Salles – que nestes dois anos e meio foi mero executor da política criminosa de Bolsonaro para o meio ambiente – não é novidade no governo Bolsonaro. O ministro entra na mira da justiça e da mídia, passa a ser elogiado e a participar de atos com o presidente e, quando todo mundo está distraído em outras frentes, finalmente cai.

Na lista de alvos, destacam-se três que, como o próprio Salles, exercitaram bravamente a máxima do “um manda, o outro obedece”: Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o general da ativa Eduardo Pazzuelo (Saúde). Todos perderam seus cargos, mas levando troféus para pendurar na parede: as fotos de véspera, sorridentes, com o presidente amigão.

Em comum, também, o fato de que todos eram as pessoas erradas, no lugar errado, na hora errada. Weintraub entendia de brigas e armas, nada de educação. Araújo destruiu a política externa e a imagem do Brasil no mundo desenvolvido. Pazzuelo jamais tinha visto uma curva epidemiológica e nem sequer sabia o que era o SUS.

E o que dizer de Salles, um ministro do Meio Ambiente que jamais pusera os pés na Amazônia? Ele não entendia nada da área e, ao contrário, sempre fez o jogo de madeireiros ilegais e de destruidores do ambiente e da própria Amazônia, enquanto agia ativamente contra os biomas, o Ibama e o ICMBio.

Quanto mais errava, mais Salles agradava a Bolsonaro. Sentia-se com costas tão quentes a ponto de chamar o general Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) de “Maria fofoca”, mas nem Bolsonaro, nem as costas quentes, foram suficientes para salvá-lo das denúncias que vêm dos Estados Unidos, passam pela Polícia Federal e desabam no Supremo. A sensação em Brasília é que Salles se livra do ministério, mas não de “uma bomba”. E que o ministro muda, mas a destruição da Amazônia continua.

Eliane Cantanhêde

Editorial Estadão - O presidente nervoso



O presidente Jair Bolsonaro mais uma vez agrediu um jornalista que estava no exercício de sua profissão. Bolsonaro estava em um evento militar em Guaratinguetá (SP) quando foi questionado por uma repórter de uma afiliada da TV Globo sobre o fato de ter sido multado em São Paulo por não ter usado máscara numa manifestação.

Era uma pergunta pertinente, considerando-se o fato de que o presidente é o chefe de Estado e, como tal, deveria ser o primeiro a dar o exemplo, adotando a proteção facial, comprovadamente eficiente para reduzir o risco de contaminação, num país que poucos dias antes atingira a terrível marca de 500 mil mortos pela pandemia de covid-19. A pergunta enfureceu Bolsonaro.

“Olha, eu chego como eu quiser, onde eu quiser, está certo? Eu cuido da minha vida. Se você não quiser usar a máscara, você não usa”, disse Bolsonaro, descontrolado. O presidente, aos gritos, mandou a jornalista calar a boca, chamou-a de “canalha” e disse que ela estava fazendo um “serviço porco”.

Bolsonaro já demonstrou em diversas ocasiões seu profundo desapreço pela imprensa em geral, com exceção dos veículos bolsonaristas que o adulam. A um jornalista que o questionou, em agosto de 2020, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o presidente disse que sua “vontade” era “encher tua boca de porrada”.

A nova demonstração de irascibilidade de Bolsonaro talvez se explique pelo contexto: além da terrível marca de meio milhão de mortos, há o crescente cerco da CPI da Pandemia, há a novidade das manifestações de rua contra o governo, cuja afluência tem sido cada vez maior, e há uma queda significativa de sua popularidade – que deriva não somente da administração irresponsável da crise, mas da alta da inflação e do desemprego. A pergunta sobre a máscara, que o lembra de suas responsabilidades como governante, teria sido a gota d’água que fez transbordar o nervosismo de Bolsonaro com um cenário muito adverso.

Mas é bom que o presidente vá tomando chá de camomila, porque as perguntas incômodas apenas começaram. Bolsonaro terá que explicar, por exemplo, por que seu governo comprou a vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% superior ao que o fabricante anunciava seis meses antes, conforme revelou o Estado.

Segundo a reportagem, o laboratório indiano Bharat Biotech ofereceu seu imunizante por US$ 1,34 a dose, conforme telegrama secreto da Embaixada do Brasil em Nova Délhi. Em dezembro, outro telegrama dizia que a vacina custaria “menos do que uma garrafa de água”. Ao fazer a aquisição do imunizante, por ordem de Bolsonaro, o Ministério da Saúde aceitou pagar US$ 15 por unidade.

Ao contrário do que foi feito na negociação de outros imunizantes, a importação da Covaxin teve uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos, acusada de fraude com testes de covid e que tem como sócia uma empresa que é alvo de processo por não entregar remédios comprados pelo Ministério da Saúde. Por óbvio, a CPI da Pandemia quer saber por que, no caso da Covaxin, o governo recorreu a um intermediário – e um tão cheio de pendências judiciais.

Ademais, chamam a atenção a celeridade do governo para fechar negócio (foram 3 meses de negociação, contra 11 no caso da Pfizer), o alto preço pago (muito acima do inicialmente anunciado e bem superior ao da Pfizer, que vendeu por US$ 10 a dose) e o fato de que a Covaxin foi adquirida sem ter passado por todas as fases de testes e sem ter aval da Anvisa – condições que Bolsonaro havia imposto para comprar “qualquer vacina”. Em depoimento em poder da CPI, um servidor do Ministério da Saúde revelou ter havido “pressões anormais” para a compra da Covaxin.

É um escândalo, que se junta com destaque à extensa lista de delinquências do governo na gestão da pandemia e em outras searas. Bolsonaro pode continuar tentando intimidar jornalistas que se atrevem a lhe fazer perguntas, mas em algum momento, de um jeito ou de outro, terá que responder, mais do que às questões que lhe fazem, por seus atos.

Covaxin torna honestidade atributo sem comprovação científica sob Bolsonaro



Cheio de rompantes quando fala da suspeição alheia, Bolsonaro é condescendente com as suspeitas que explodem debaixo do seu nariz. A Procuradoria da República no Distrito Federal farejou indícios de crimes e risco temerário no contrato de compra da vacina indiana covaxin pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. Negócio de R$ 1,6 bilhão. O silêncio de Bolsonaro diante da transação enferruja um pouco mais a retórica limpinha do presidente, já bem oxidada.

A vacina indiana torna sem sentido o discurso teatral de Bolsonaro segundo o qual governo sem corrupção "não é uma virtude, mas uma obrigação." Chegou à CPI da Covid documento da procuradora da República Luciana Loureiro, que investiga a transação. Ela realça que covaxin, vacina mais cara do mercado, foi comprada pelo governo do capitão em tempo recorde —três meses—, sem o aval da Anvisa e com a intermediação de uma empresa com histórico de irregularidades, a Precisa Medicamentos.

Como se tudo isso fosse pouco, verificou-se que a Precisa tem entre suas sócias a Global Saúde, que vendeu medicamentos à pasta da Saúde há três anos e jamais entregou. A transação resultou num prejuízo de R$ 20 milhões ao erário. Foi fechada na época em que o ministro da Saúde era o deputado do centrão Ricardo Barros, que responde a processo por improbidade.

Hoje, Ricardo Barros é líder de Bolsonaro na Câmara. Por uma trapaça da sorte, descobriu-se que o deputado enfiou dentro de uma medida provisória do governo Bolsonaro emenda que azeitou, por assim dizer, a entrada da covaxin no mercado brasileiro. A proposta autorizava a "importação e distribuição de quaisquer vacinas" sem registro na Anvisa desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países.

A emenda de Barros adicionou a agência sanitária da Índia (Central Drugs Standard Control Organization) no rol das entidades cujos selos de qualidade seriam levados em conta no Brasil. Os técnicos da Anvisa torceram o nariz. E o líder de Bolsonaro ameaçou "enquadrar" a agência.

A procuradora Luciana Loureiro anotou no documento que os senadores da CPI manuseiam: "A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público."

O divórcio entre a compra da covaxin e o interesse público transforma a honestidade do governo Bolsonaro um atributo sem comprovação científica.

Depoimento de Terra evidencia algo além do negacionismo: é o "negocionismo"



O deputado Osmar Terra (MDB-RS) foi, de muito longe, a figura mais repulsiva que prestou depoimento à CPI da Covid. E sabemos que falou porque quis. Foi, sim, convocado, mas é bom que fique claro: não era obrigado a fazê-lo. Bastaria ter lembrado ao comando da CPI o que dispõe o Parágrafo 6º do Artigo 53 da Constituição:
§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

Mas Terra, que as redes sociais batizaram de "Enterra" em razão do efeito prático que têm a suas ideias — que não são só suas, mas é fato que atua como conselheiro do presidente da República —, fez questão de falar. E nunca antes nesta CPI alguém mentiu de forma tão determinada. E, no seu caso, sabemos, o desdobramento possível deveria se dar no Conselho de Ética da Câmara. Não vai acontecer. E os reacionários do Rio Grande do Sul já tem o seu bastião para a Câmara em 2022. É possível, inclusive, que o deputado tenha feito uma torção à extrema direita para mudar seu eleitorado.

Não é caso do cloroquinismo no Brasil. O negacionismo também é um "negocionismo". Também envolve, por óbvio, interesses. O que nos terraplanistas é loucura autofinanciada é, no "bolso-terrismo", exercício de poder e política deliberada para mobilizar setores do eleitorado e a parte mais atrasada do empresariado. Como temos visto. E Terra decidiu emprestar a sua cara de "médico" ao delírio anticientífico. Se aqueles do documentário negam o que veem por maluquice, Terra não tem receio em dizer os maiores disparates por cálculo.

Afirmou, por exemplo:
"As previsões que eu fiz foram baseadas não num estudo matemático apocalíptico como foi o do Imperial College, mas nos fatos que existiam na época, em março. Fevereiro e março".

No dia 11 de março, com atraso — e não há cientista responsável que conteste a demora —, a Organização Mundial de Saúde declarou a existência da pandemia. Em março do ano passado, este senhor declarou que, em 12 ou 13 semanas, o ciclo da pandemia chegaria ao fim porque é esse o comportamento do vírus.

Em julho, muito além das tais treze semanas, ele estava liderando os esforços contra a quarentena. E falou nestes termos à CNN:
"Eu tenho muito receio de botar apelido nas pessoas. Então tenho que chamar os que defendem a quarentena de apocalípticos, de catastrofistas. Hoje está um esforço muito grande da mídia, não coloco a CNN nisso, de assustar as pessoas. Assustar, assustar, não explicam nada, não falam dos ciclos virais, como funcionam, não mostram luz no fim do túnel. É medo, medo, caixão, caixão, cova rasa, só para assustar as pessoas. Tratam as pessoas de forma infantil, acham que têm que botar medo para as pessoas ficarem trancadas dentro de casa".

No dia 31 de julho do ano passado, contavam-se 92.568 mortos. Nesta terça, segundo a contabilidade do consórcio dos veículos de comunicação, são 504.897. Que importa que, em 11 meses, o número de óbitos tenha se multiplicado por mais do que cinco?

Terra se negou a reconhecer os erros do passado e continua a defender as mesmas teses. Seu compromisso não é com os fatos, mas com o eleitorado que busca cativar. E sua condição de médico serve apenas para tentar emprestar certa credibilidade ao deputado. E o deputado enlameia a reputação do médico porque, no fim das contas, o que ele quer é chafurdar no pântano das disputas políticas mesquinhas. E pouco importa quantos morram no meio do caminho.

Reitero: ele depôs porque quis. A Constituição lhe garantia o direito de não depor. Nem precisaria recorrer ao Supremo. Na prática, preferiu usar o negacionismo e o morticínio como palanque.

O CASO DA SUÉCIA
A cara de pau é de tal sorte que chegou a apontar a Suécia como um caso bem-sucedido de combate à Covid-19 porque ali não houve lockdown. Que se note: houve, sim, medidas restritivas, mas bem mais leves no que nos países vizinhos. E o país é um caso de gestão desastrosa da Covid. Tanto é assim que o governo caiu, em meio à terceira onda da doença.

O primeiro-ministro Stefan Löfven recebeu, pela primeira vez na história do país, voto de desconfiança. O país conta com 141,7 mortos por 100 mil habitantes, contra 14,7 na Noruega, 17,5 na Finlândia e 43,2 na Dinamarca. No Brasil, com efeito, são 238 por 100 mil. Mas comparem as condições da pobreza brasileira com as da pobreza sueca.

Terra, reitere-se, não tem compromisso com os fatos. Negou o que a ciência comprova de modo peremptório e irrespondível: os lockdowns funcionam para fazer despencar as curvas de contaminação e morte, como evidencia a cidade de Araraquara, no Brasil. Ou o Reino Unido, que o deputado citou como exemplo negativo, onde teria havido surtos gigantescos apesar dos lockdowns. Não! É o contrário. Boris Johnson hesitou em recorrer à medida. Aliás, quem popularizou no mundo a expressão "imunidade de rebanho" foi o gabinete de Johnson. E experimentou a tragédia.

Mas ele, ao menos, aprendeu com o erro. Johnson passou a adotar os lockdowns, e o número de contaminados e mortos despencou, números consolidados depois com uma ampla vacinação.

ASQUEROSO
Chamei seu depoimento de repulsivo porque se nota ali a retórica de alguém que pretende torturar a medicina para obrigá-la a confessar o que quer o político. Mas ele conseguiu ir além, sendo asqueroso. Afirmou, por exemplo, que, se isolamento funcionasse, não haveria tantas mortes em asilos. É boçal. Isso aconteceu não porque os idosos tenham ido colher o vírus nas ruas, mas porque o vírus invadiu os estabelecimentos a partir daqueles que mantinham contato com o mundo externo. E, aí sim, o confinamento torna tudo pior porque se supõe um contato mais próximo entre as pessoas confinadas do que em outros ambientes.

Terra não sabe disso? Sim, ele sabe disso.

E, claro!, negou que tenha feito parte de um gabinete paralelo quando vídeos, testemunhos e fatos apontam o contrário. Nomeado numa reunião informal pelo próprio presidente, foi uma espécie de coordenador daqueles que resistiam às orientações da ciência.

Em março do ano passado, o deputado previu que o novo coronavírus mataria no Brasil menos do que o H1N1, que matou 796 pessoas em 2019. Já são 504.897 mortos. Ele errou, digamos, 634,29 vezes. Mas o "Enterra", como o chamam as redes, exibe a convicção, que deve ser falsa, de que fez a coisa certa. Os fatos não são do seu interesse.

Foi à CPI caçar votos.

Depois de Bolsonaro, ele é o mais agressivo dos homens públicos a fazer uso da necropolítica: a política da morte.

Não é só negacionismo. Também é "negocionismo".

Quem ainda não o fez deve assistir ao documentário "A Terra é plana?", que retrata o encontro anual de terraplanistas. Destaco um aspecto em particular da turma, que é mais divertida, note-se, do que os negacionistas brasileiros. Em seus esforços, eles colhem evidências de que a Terra é... redonda. Diante do dado escancarado, afirmam algo como: "Está vendo, não falei?" Há muitos grãos de loucura no grupo.

Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 22 de junho de 2021

Em 15 dias, haverá a comprovação oficial de que Bolsonaro mente sobre urnas



Daqui a 15 dias, Jair Bolsonaro vai ser desmoralizado pelos fatos mais uma vez. E daí? Seus fiéis não estão nem aí. Não cobram de seu "condutor" que diga a verdade. Basta que insulte permanentemente o bom senso. A que me refiro?

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luiz Felipe Salomão, que integra o TSE, deu 15 dias para que o presidente da República apresente as alegadas provas de que houve fraude na eleição de 2018. O ofício foi enviado ainda a Cabo Daciolo e ao deputado Oscar Castello Branco (PSL-SP), que também insistem no delírio.

Escreve Salomão:
"Oficie-se às autoridades (...) que apresentem num prazo de 15 dias evidências ou informações de que disponham, relativas à ocorrência de eventuais fraudes ou inconformidades em eleições anteriores, consoante afirmados nos respectivos registros amplamente veiculados".

E se Bolsonaro não entregar nada? Acontece o quê? Bem, de saída, destaque-se que ele, com efeito, não tem o que repassar ao corregedor. Afinal de contas está mentindo. Trata-se de mera estratégia para começar a bagunçar desde já o processo eleitoral. Se perder, dará uma de Donald Trump ou de Keiko Fujimori. Aliás, vejam que coisa: Estados Unidos e Peru, tão distantes entre si, né?, igualam-se na inexistência de um sistema eficiente e seguro de votação. Como se percebe, há uma constância na extrema direita mundo afora: não aceitar a derrota eleitoral.

Não sei se Bolsonaro vai perder em 2022. A sanidade torce por isso. De toda sorte, ele já faz o seu "hedge" golpista para a hipótese de que venha a acontecer. Hoje, é o mais provável.

O que Bolsonaro e os outros estão fazendo é a falsa comunicação de um crime. E se trata, evidentemente, de algo muito grave. É claro que a Procuradoria Geral da República já deveria ter se mobilizado. Mas convém repetir Dante no caso: "Deixai aqui toda a esperança, vós que entrais".

Nesta segunda, os terraplanistas do voto impresso, que compõem a comissão em que tramita o projeto, reuniram-se com o ministro Roberto Barroso, presidente do TSE, e com técnicos do tribunal. Mais uma vez, souberam no detalhe da impossibilidade de fraude e puderam constatar que o sistema pode ser submetido a auditoria. Mas e daí? O voto impresso é a hidroxicloroquina da turma.

AS "PROVAS" DE ACM
Assim, podem esperar: as "provas" de Bolsonaro são como a famosa "pasta lotada de denúncias de corrupção contra o governo" que o então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) dizia ter contra o governo Itamar Franco. ACM vivia plantando na imprensa que tinha uma penca de documentos e desafiava o presidente a recebê-lo. Seu principal alvo era Jutahy Jr., ministro de Itamar e seu desafeto no Estado.

O presidente topou a parada. Marcou um encontro com ACM e chamou o então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, para testemunhá-lo. Mas não só. Quando o senador chegou ao Palácio, Itamar pediu à imprensa que testemunhasse a entrega dos supostos documentos. ACM ficou desenxabido, não entregou coisa nenhuma e não voltou mais ao assunto. Era só pressão.

As "provas" de Bolsonaro são pura conversa mole.

É um escárnio, claro!, que este senhor, sendo presidente da República, faça declarações que, por óbvio, ameaçam a própria democracia. E, como se nota, fica tudo por isso mesmo.

Daqui a duas semanas, saberemos o óbvio: Bolsonaro está contando mais uma mentira. Nada tem a mostrar — e o que quer que eventualmente apresente como se prova fosse não passará de fantasia. Mas os seus fanáticos não desistirão, sonhando com uma invasão do Congresso, quem sabe deixando alguns corpos no chão.

Ah, sim: fiz uma pergunta que ficou sem resposta. Se Bolsonaro nada entregar, acontece o quê? Não será a Justiça Eleitoral a puni-lo porque não tem poderes para isso. Desde já, compete à PGR oficiar o presidente para que apresente as provas que ele diz ter de um crime muito grave.

O TSE, por intermédio do ministro Luiz Felipe Salomão, fez um simples despacho solicitando informações. O documento será útil para demonstrar que o presidente mente. E isso, de novo, deveria provocar a PGR.

De novo, Dante: "Deixa aqui toda a esperança, vós que entrais!"

Compra da Covaxin: tem jeito, cheiro e cara de corrupção. Será corrupção?



Xiii...

Até havia pouco, a CPI da Covid investigava delírios imateriais, que resultaram, no entanto, em milhares de mortos. Havia a evidência de que negacionistas, ideólogos do fim do mundo e vigaristas morais se juntaram para matar meio milhão de pessoas. Esse ambiente já tétrico começa a ser empestado pela suspeita da corrupção.

Reportagem publicada pelo Estadão traz um dado eloquente. Reproduzo um trecho:
"Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostram que o governo comprou a vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela própria fabricante. Telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi de agosto do ano passado, ao qual o Estadão teve acesso, informava que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose).
Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o produto fabricado na Índia "custaria menos do que uma garrafa de água". Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70, na cotação da época) - a mais cara das seis vacinas compradas até agora."
(...)
Qual é o busílis? O Brasil comprou todas as vacinas diretamente com os laboratórios, sem intermediários. A exceção é a Covaxin, que tem a empresa Precisa como intermediária. Francisco Maximiano, um de seus sócios, teve os sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático quebrados pela CPI. É uma empresa com história: em agosto do ano passado, foi alvo de uma ação do Ministério Público do DF. O órgão acusa a secretaria de Saúde de tê-la beneficiado numa compra fraudulenta de testes rápidos. O favorecimento indevido teria sido de R$ 21 milhões.

Pois é, pois é... Bolsonaro bate no peito para dizer que não há corrupção na sua gestão e acusa governos estaduais de terem desviado recursos que seriam destinados à Saúde. A Precisa é sócia da Global, também investigada pela Justiça Federal do DF por ter recebido R$ 20 milhões por remédios que nunca foram entregues.

As suspeitas vão se amontoando. O contrato para a compra da Covaxin, que nem havia concluído a fase três de testes, foi fechado no dia 25 de fevereiro, antes de selar os acordos com a Pfizer e com a Janssen.

PRESSÕES
Já se sabe que o presidente fez esforços pessoais em favor da compra da vacina indiana e também de insumos para a fabricação no país de hidroxicloroquina.

"Integrantes da cúpula da CPI da Covid pretendem convocar o tenente-coronel Alex Lial Marinho, apontado em um depoimento como um dos autores de pressão sobre um servidor do Ministério da Saúde para agilizar a liberação da Covaxin durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde). Também já foi apresentado requerimento para a quebra de sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático do militar, homem de confiança de Pazuello e do ex-secretário-executivo da pasta Élcio Franco.

Reportagem da Folha revelou o teor do depoimento que um funcionário da pasta prestou ao Ministério Público Federal em que relata uma pressão atípica para a liberação da importação da Covaxin, vacina desenvolvida pela indiana Bharat Biotech e representada no Brasil pela Precisa Medicamentos. A oitiva foi enviada à CPI da Covid junto com o inquérito de qual faz parte. Na avaliação de senadores, o depoimento representa o indício mais robusto de que o governo pode ter atuado em favor de uma empresa, no caso, a Precisa. Na noite de sexta-feira (18), a reportagem questionou o centro de comunicação social do Exército sobre a citação ao tenente-coronel Marinho, mas não houve resposta.

O contrato para a compra da Covaxin foi celebrado entre o Ministério da Saúde e a Precisa no fim de fevereiro, ao custo de R$ 1,6 bilhão. Estão previstas 20 milhões de doses e, segundo as cláusulas do documento, os lotes já deveriam ter sido entregues ao Brasil."

"Essa é a terceira fase da CPI, investigar o acumpliciamento existente entre agentes privados e agentes públicos para a aquisição de vacinas e para beneficiar empresas produtoras de hidroxicloroquina.Já constatamos muita coisa: que houve omissão para imunizar os brasileiros, que houve deliberadamente a estruturação de um gabinete paralelo negacionista, só não sabíamos é que tinha corrupção na história. Agora estamos descobrindo que também houve isso", afirmou à Folha o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

PREÇO INTERNACIONAL
Vamos ver. A Covaxin está sendo aplicada em outros países -- e, por óbvio, também na Índia. Em abril, tomar uma vacina num hospital privado da Índia, que aplicava a Covaxin ou o AstraZeneca, custava 250 rupias indianas -- mais ou menos R$ 20.

O Brasil comprou 20 milhões de doses a US$ 15 — R$ 80,70 quando se fechou o acordo.

Se aconteceu o que parece ao menos ter acontecido, estamos realmente no território do inimaginável:
- sabota-se uma vacina, a Coronavac, desenvolvida com um parceiro brasileiro;
- ignoram-se as ofertas da Pfizer, quando o país poderia ter sido uma das vitrines do imunizante;
- acelera-se a compra bilionária de um imunizante que é, digamos, polêmico, empregando como intermediária -- sem qualquer processo de seleção -- uma empresa investigada no Distrito Federal, que tem como sócia outra empresa, também investigada.

É nesse país de patriotas que temos quase 503 mil mortos, abrindo a contagem para os 600 mil.

Por Reinaldo Azevedo

sábado, 19 de junho de 2021

Bolsonaro viola legislação ao lado do provável indicado para vaga no STF



Conforme já registrado aqui, a falta de recato de Bolsonaro transformou a Presidência da República numa repartição fora da lei. O presidente já não se preocupa em maneirar. Reincidente, converteu em comício um ato oficial de governo, no Pará. Duas novidades adicionaram escárnio à cena:

1) O presidente exibiu à plateia uma camiseta com os seguintes dizeres: "É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022."

2) Presente ao palanque, o advogado-geral da União André Mendonça, candidato terrivelmente evangélico à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, tornou-se cúmplice do chefe.

Bolsonaro mandou tirar o jato presidencial do hangar para distribuir títulos de terra, liberar um pedaço de asfalto da Transamazônica e assinar uma ordem de serviço para a construção de uma ponte sobre o Rio Xingu. Levou a tiracolo autoridades e um séquito de evangélicos. Mendonça encaixou-se nas duas categorias. Traz enganchado na condição de advogado-geral o título de pastor presbiteriano.

Autoconvertido em cabo eleitoral do chefe, o presidente da Caixa Econômica Federal, Paulo Guimarães, entregou a Bolsonaro a camiseta com o dístico eleitoral. Não esclareceu a origem da peça. Sua exibição afronta a legislação eleitoral, que proíbe comícios fora do calendário eleitoral. A mobilização do aparato público em beneficio pessoal constitui crime de improbidade administrativa.

À noite, de passagem por Belém, capital paraense, Bolsonaro participou de culto religioso. Reafirmou a intenção de enviar ao Supremo uma toga "terrivelmente evangélica." Confirmando-se a escolha de André Mendonça, o personagem irá ao Supremo munido de um ensinamento: não é que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, muda de nome. Chama-se agenda presidencial.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Senhora dos Absurdos: "Tá com fome, pobre? Coma resto e alimentos vencidos"


O ator Paulo Gustavo na pele da "Senhora dos Absurdos". A caricatura, no que respeita à obscenidade, ainda é mansa quando confrontada com os fatos Imagem: Reprodução/Youtube-Multishow

Meu bom pobre com fome,

os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura) têm a solução para os seus problemas. Isso ficou claro no Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, promovido pela Associação Brasileira de Supermercados. Por onde começo? Por Guedes achando que o brasileiro come com menos frugalidade dos que os europeus — isto é, come muito — porque não passou por guerras, acrescentando que os restaurantes deveriam entregar as sobras aos famintos? Ou por Tereza, que está pensando em mudar a regra sobre a validade dos alimentos? Para fazê-los chegar à pobreza, claro!

Ah, comecemos pelo ministro. Ele tem aquele seu estilo agitado de dizer generalidades as mais escandalosamente reacionárias, mas com um ar ligeiramente professoral — ou melhor: professoral-ligeiro —, simulando um pensamento profundo; tudo vazado num tom, assim, de quem está um tantinho escandalizado porque o interlocutor ainda não teria percebido o que ele já percebeu.

Acontece que o "óbvio" de Guedes, não raro, é alguma aberração de quem não tem a menor intimidade com um país de 210 milhões de habitantes, em que 110 milhões vivem no que os especialistas chamam "insegurança alimentar".

Atenção! Os ministros cujas falas vão abaixo exercem cargos importantes no país que é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo — só perde para EUA e China — e que é o maior exportador.

O pensador resolveu dar a sua receita para acabar com a fome, que voltou a assumir proporções alarmantes no país. Prestem atenção à proposta e à filosofia que a embasa:
"O prato [de comida] de um classe média europeu, que já enfrentou duas guerras mundiais, são pratos relativamente pequenos. E os nossos aqui, nós fazemos almoços onde, às vezes, há uma sobra enorme. Isso vai até o final, que é a refeição da classe média alta, até lá há excessos. (...) Como utilizar esses excessos que estão em restaurantes e esse encadeamento com as políticas sociais, isso tem que ser feito. Toda aquela alimentação que não for utilizada durante aquele dia no restaurante, aquilo dá para alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, desamparados. É muito melhor do que deixar estragar essa comida toda".

Falou o tiozão do churrasco. Mas não de um churrasco qualquer. Tirinhas de carne, bem fininhas. Nada de se empanturrar. Pensem na economia de guerra, brasileiros! Sua fala transcrita mereceria um pequenino tratado sobre a alienação. O que será que ele quer dizer quando afirma, referindo-se à classe média alta, que "até lá há excessos"? Explico: Guedes está dizendo que, no Brasil, até os ricos têm um hábito muito arraigado, típico dos pobres: comer demais!

E, como vocês sabem, alguns desses pobres, na modalidade "empregadas domésticas", também tinham a mania de ir para a Disney.

É o ministro que, na reunião do Conselho de Saúde Suplementar, ao lamentar a falta de recursos do SUS e, na prática, defender ainda menos recursos, disse em tom meio lamentoso:
"Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 ". E concluiu que "não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar".

E como diminuir o financiamento do SUS e, ainda assim, atender a esse pobre que come e vive demais?

Ele também deu a resposta?
"Você é pobre? Você está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einstein se você quiser".

BOTOX DE POBRE
Os gênios, parece, planejam um modo de nossos pobres também terem acesso à toxina botulínica: por meio do botulismo. É bem verdade que a doença mata. Mas, como já disse o chefe de Tereza Cristina e Guedes, "todo mundo morre um dia; nem sente".

A ministra também teve ideias. Ela quer mudar as regras para o alerta de vencimento dos alimentos -- mas sem rebaixar exigências, por favor! Afirmou:
"A gente poderia fazer uma adaptação, sem precarizar nada. Podemos rever uma série de fatores e gargalos, principalmente em relação à validade dos nossos alimentos. A pandemia nos trouxe esse tema de maneira perceptível, temos que agir rapidamente", afirmou."

A ideia ainda não está formatada, mas ela passa, claro!, por estender o prazo de validade. Como fazê-lo? Vender comida vencida? Isso não pegaria muito bem, né? Quem mantém produtos assim na gôndola pode ser multado.

O governo poderia comprar dos supermercados distribuir aos pobres alimentos perto do vencimento — com o risco imenso de ser consumido depois da data? Ou é preferível mudar a inscrição na embalagem, criando uma tradução para o "Best before": "Melhor consumir antes de tal mês"? Notem a sutileza: é "melhor", mas aí o pobre decide se compra um produto mais barato, depois do "before", ou paga preço cheio para consumi-lo a partir do "before".

ESCÂNDALO MORAL
É um escândalo moral. Ali estavam os dois ministros aos quais concerne a brutal inflação de alimentos que vive o país -- da ordem de 15%. Há produtos que aumentaram 50%. O Brasil tem hoje o menor consumo de carne em 25 anos. E, por óbvio, também cumpre a eles, no governo, primariamente, dar uma resposta à fome.

Cuidado, meu bom pobre! Junto com o conteúdo de uma embalagem vencida, pode vir a tal bactéria Clostridium botulinum. O nome do programa poderia ser "Bolsa Botulismo".

A fome voltou a ser um problema sério no Brasil, e essa gente não tem a menor noção do que está falando. Não temos exatamente um governo, mas uma associação de lobistas sem compromisso com o interesse público. Pouco importa se está capitalizando a Eletrobras ou tratando da fome.

Não por acaso, esse é o governo que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional logo na primeira semana.

Havia um plano para quem tem fome: restos e alimentos vencidos.

ENCERRO
O diretor, ator e humorista Paulo Gustavo, que morreu de covid-19 no dia 4 de maio, criou uma personagem chamada "Senhora dos Absurdos". É uma perua rica e agressiva, que diz os disparates mais abjetos e tem ódio patológico de pobres.

Paulo Gustavo, infelizmente, está morto.

A Senhora dos Absurdos está no poder