sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Apagão em 2021, incertezas em 2022



Estamos todos desesperados para 2021 acabar, mas morrendo de medo que 2022 comece, com tantas incertezas, fome, pobreza, desemprego, inflação, inundações e calamidades, gripe H1N1 e H2N3, variantes Delta e Ômicron da covid-19 e uma campanha eleitoral sangrenta, em que não interessa discutir o País, só destruir o adversário.

O Brasil vive um apagão de dados numa área literalmente vital, durante uma pandemia de destino incerto. Impossível cuidar da saúde pública sem dados, voando no escuro. Pior: sem piloto. Pior ainda: com um piloto cabeça dura, que desdenha da ciência, da medicina, das estatísticas..., da saúde.

O mundo chegou ao último dia de 2021 com um milhão de contaminados pela Ômicron a cada 24 horas, mas os brasileiros estão desorientados, sem saber como reagir diante de sintomas como dor de cabeça, garganta arranhando, coriza e eventualmente febre, que podem ser de gripe comum, dengue, as perigosas H1N1 e H2N3 ou... covid.

Sem informação, orientação e dados oficiais confiáveis, o que fazer? Por sorte, os sintomas são leves, porque a grande maioria da população apoia as vacinas e 67% estão totalmente imunizados. Apesar de Bolsonaro, ou contra a vontade dele, o governo foi obrigado a adquirir vacinas e as pessoas puderam alegremente se imunizar.

A pandemia, porém, não acabou. E, em vez de explicar o que está ocorrendo e orientar a população, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, está ocupadíssimo em dificultar, protelar e fazer campanha, agora, contra a vacinação de crianças de 5 a 11 anos aprovada pela Anvisa e em mais de 40 países.

Há semanas o País convive com queda e depois instabilidade do sistema de dados da Saúde, após um suposto ataque hacker até agora sem explicação, sem suspeitos e sem detalhes sequer do tamanho do estrago. Tudo fica confuso, com as várias viroses emboladas, sintomas semelhantes, ausência de governo e falta de informação.

Em junho de 2020, Estadão, O Globo, Extra, Folha, G1 e UOL se uniram para monitorar e divulgar o número de mortes e contágios da covid, quando o general Pazuello assumiu a Saúde, mudou a metodologia e os horários de consolidação dos dados e cancelou as tabelas com a evolução da doença. “Acabou matéria no Jornal Nacional (da Rede Globo)”, comemorou Bolsonaro, confirmando o objetivo: esconder a realidade da população.

Esse premiado consórcio de imprensa, de alta utilidade pública, talvez tenha de ampliar muito o leque de monitoramento e fiscalização. O governo, como já cansou de demonstrar, não é confiável. Viva a vacina, a saúde, a vida! E que em 2022 haja luz no fim do túnel!

Por Eliane Cantanhêde

O ano em que o mito miou



A ultima reflexão do ano é: já vai tarde. Certamente um dos piores, senão o pior, ano de nossas vidas. Para o vovô e o netinho, atravessando gerações que suportaram presidentes bêbados, tirânicos, incompetentes, ladrões ou doentes mentais, e crises econômicas e políticas quase permanentes. Brava gente brasileira.

Mas não adianta chorar pelo ódio derramado. O ano que vem pode ser pior, bem pior, se muita coisa não mudar. Para melhor. Dentro e fora de nós. Não é possível que uma minoria de 20% de fanáticos mande no destino de 210 milhões de brasileiros usando a mentira como método e os truques mais sujos para minar e destruir a democracia.

Ao estuprar o orçamento para dar aumento para os policiais, Bolsonaro ganhou 45 mil votos. E perdeu 1 milhão, dos funcionários públicos federais que o odiaram porque não tiveram o mesmo benefício. Brilhante jogada de marketing político... de seus adversários.

O pior é que esses 45 mil eleitores agradecidos estão armados pelo Estado e são pagos com os impostos da população — para defendê-la. Mas talvez ele esteja pensando em juntar forças fiéis para uma insurreição armada que o livre, e aos seus filhos, da cadeia...

Mas, apesar de tudo, estou esperançoso, não por acaso tenho uma filha chamada Esperança. Só que nem ela aguentou o Brasil e foi morar em Madri. Minha esperança brasileira é que o maior inimigo de Bolsonaro é ele mesmo, especialista em tiros nos pés, nos quatro, em criar inimigos, em mentiras e bravatas absurdas que o obrigam a voltar atrás com o rabo entre as pernas, como quando o mito miou fino depois de seu surto golpista de sete de setembro e teve que pedir ajuda a Temer para uma retratação humilhante. “No calor do momento” ele pode querer fechar o Congresso ou o Supremo. Mas aí não haverá carta que o salve do impeachment.

Paladino do combate à corrupção, está como pinto no lixo no partido de um ex-presidiário e nas mãos de uma tropa, matilha, quadrilha, que apoia qualquer governo, desde que sacie sua fome insaciável por cargos e verbas públicas, mas não acompanham nenhum governo ao túmulo. Bolsonaro desistiu de falar para 80% da população que ainda têm alguma racionalidade além de suas necessidades urgentes de sobrevivência. Que Deus tenha piedade de sua alma. Mas muito mais das nossas.

Por Nelson Motta

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O ano em que o Centrão colocou Bolsonaro na coleira


Bolsonaro com os expoentes do Centrão | Reprodução redes sociais

Quando 2021 começou, o ministro Paulo Guedes dizia que a economia brasileira estava iniciando uma recuperação “em V”. Jair Bolsonaro foi na contramão: “O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda…. Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos. Essa mídia sem caráter”.

Guedes tentou contemporizar (em relação às finanças, e não à mídia, claro). Disse que o presidente estava se referindo apenas ao setor público, em situação difícil depois dos “excessos de gastos cometidos pelos governos anteriores”. E, procurando se mostrar no controle da situação, garantiu que o auxílio emergencial só seria prorrogado se fosse possível manter o teto de gastos e que não haveria reajustes aos servidores públicos.

Numa coisa, porém, o presidente e o ministro concordavam: era preciso derrubar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia tinha aprovado a reforma da Previdência que o governo queria, mas Guedes achava que ele boicotava as privatizações e a reforma tributária. Se tivessem um amigo no controle, pensavam presidente e ministro, o governo decolaria.

Eles conseguiram. No início de fevereiro, Arthur Lira (PP-AL) foi eleito, inaugurando uma nova era no Congresso. Mas o governo não decolou.

Com a prestimosa ajuda do Congresso, o Executivo acochambrou o teto de gastos. Oficializou o calote parcelado dos precatórios judiciais. Estendeu o programa de renda emergencial e acabou com o Bolsa Família, criando o Auxílio Brasil.

Também anunciou um reajuste salarial aos policiais federais, levando as outras categorias a ameaçar greve geral em pleno ano eleitoral. Para evitar um tarifaço nas contas de luz, autorizou um socorro de R$ 15 bilhões ao setor elétrico. Reforma tributária, administrativa e privatizações ficaram para as calendas.

Fora da seara econômica, Bolsonaro dilapidou as instituições de controle da corrupção, da proteção ao meio ambiente, do patrimônio histórico e do sistema educacional. Domesticou o Exército, trabalhou duro para destruir a credibilidade das nossas eleições e, no 7 de Setembro, tentou dar um golpe no Supremo Tribunal Federal.

Mas nada disso o abalou no cargo, porque Bolsonaro tinha Arthur Lira.

Empoderado pelos R$ 11 bilhões do orçamento secreto — distribuídos segundo critérios imperscrutáveis a uma lista igualmente sigilosa de parlamentares —, Lira relegou Paulo Guedes a um nível de irrelevância que Rodrigo Maia jamais pensou em conseguir. Segurando a chave da gaveta que guarda os 143 pedidos de impeachment de Bolsonaro, colocou o presidente da República na coleira.

Com ela, Lira e o Centrão deixam que Bolsonaro esbraveje contra as urnas eletrônicas, mas na hora H sepultam o voto impresso no plenário da Câmara. Deixam que vá aos palanques contra ministros do Supremo, mas nos bastidores avisam que não sustentarão quarteladas. Permitem que o presidente lance suspeitas contra a vacinação, mas, quando o eleitorado reage, afirmam que a palavra final cabe aos técnicos.

Considerando o histórico dos três anos de governo Bolsonaro, até que demorou para o Centrão tomar conta de tudo. Mas o bloco não está no poder há tantos governos à toa. Lira e seus aliados sabem exatamente o que é preciso fazer para atravessar Presidências sem perder o comando.

Se 2021 foi o ano em que o Centrão tutelou Bolsonaro, 2022 será o ano em que decidirá seu futuro. Uma decisão que dependerá de diferentes variáveis, mas principalmente do próprio presidente.

Um presidente que chega ao final de 2021 da mesma forma como entrou, agindo como se não pudesse fazer nada — quanto à tragédia das chuvas na Bahia, quanto ao aumento do funcionalismo, quanto à vacinação de crianças.

Difícil acreditar que Bolsonaro não saiba o que está fazendo. É mais provável que acredite que o casamento com o Centrão vá protegê-lo da derrota em 2022. Talvez o que lhe falte seja a noção de que, em alguns meses, com o fundo eleitoral e o orçamento secreto devidamente distribuídos, essa união poderá não ser mais tão interessante.

Será nessa hora que os aliados decidirão se continuam a trabalhar pela reeleição do presidente ou se o abandonam pela estrada, com coleira, com Paulo Guedes, com tudo.

Por Malu Gaspar em O Globo

No ano novo, país decide se quer democracia e se vai para pobreza crônica



O ano novo será uma longa agonia. Antes que comece, o mais importante será saber como termina.

Em primeiro lugar, o país decidirá se ainda quer democracia. As alternativas mais ou menos autoritárias já são evidentes, como uma autocracia com traços de militarismo, religião e política mafiosa, a depender da conjuntura.

Em segundo lugar, o novo governo decidirá se vai ao menos tentar a grande mudança necessária para que se evitem mais anos de pobreza, talvez pobreza crônica, o que deve ter consequências políticas graves. Desde 2013 há sinais evidentes de revolta contra o sistema político apodrecido e fechado e com as mudanças socioeconômicas pouco profundas do regime de 1988.

Escreveu-se que o "novo governo decidirá" se vai tentar a grande mudança. Tendo o eleitor dado um mandato genérico para que se faça "alguma coisa", estará nas mãos do novo governo decidir se vai propor o choque necessário, coisa de que a maioria do eleitorado não faz ideia.

Supondo que o governo tenha consciência do drama e capacidade técnica, quais serão as condições políticas de mudar? Não é apenas questão de acordão no Congresso. Há ilusões sociais, mito de volta aos "bons tempos" e resistência forte a mudanças –ricos entrincheirados mesmo contra "reformas" (liberais). A desarticulação social e política é grande. Que forças podem apoiar um programa de mudança tão grande e imediato?

Um novo governo sensato qualquer terá, sim, de fazer mudanças que criem o básico de uma economia de mercado funcional, até para tornar possível novos modos de intervenção do Estado.

Isso quer dizer fazer uma reforma tributária que dê cabo das distorções que levam ao uso improdutivo de capital e trabalho. Quer dizer abertura comercial. Quer dizer mudanças adicionais que facilitem o investimento privado.

A mudança exige também dar um sinal crível de que o endividamento relativo do governo (relação dívida/PIB) vá se estabilizar. Se o leitor acha que o governo pode continuar a se endividar sem limite e pagar a taxa de juros que quiser, convenientes (sem fazer a explodir a inflação), por favor mande cartas para a redação com o argumento.

A mudança implica conter gastos ineficientes com funcionalismo. Implica mais impostos sobre ricos, de modo que paguem para conter o endividamento, em vez de ganhar juros com isso, e que se recupere alguma capacidade de investimento público. Implica remanejar gastos sociais (mais nisso, menos naquilo). Implica obter dinheiro para urgências (miséria aumentada, um plano de educação infantil, reforma do SUS). De início, não vai sobrar mais nada para "o social" –se tanto.

Tudo isso tem de ser proposto logo de cara e exige grande acordo. Desconversa, hesitação e procrastinação vão fazer com que o governo perca o ímpeto, que o PIB se arraste, que a insatisfação com mais empobrecimento ferva: crise feia.

Um plano de mudanças grande e crível, por outro lado, pode dar um embalo de curto prazo na economia. O país pode crescer um biênio a 3% ao ano só pela mudança de expectativa –a julgar pelas contas dos economistas, há recursos ociosos bastantes para tanto. Com mudanças andando, dá para crescer mais, no médio prazo, afora desastres no mundo lá fora.

O grande acordo vai muito além da conversa de politólogos sobre coalizões parlamentares ou de "vices confiáveis"; vai além das ilusões da esquerda e seu redistributivismo primário. É preciso enfim cooptar frações da elite, dessa elite em boa parte colaboracionista, que faz qualquer negócio, como o bolsonarismo, e que faz de conta que quer "reformas".

Vai ser uma agonia.

Governo Bolsonaro recusa ajuda da Argentina a vítimas de chuva na Bahia


Travessia de corpos de pessoas que faleceram no hospital e precisam ser enterradas
em Ilhéus, pelos Bombeiros da Paraíba e PM - 
Camila Souza/GOVBA

O governo Jair Bolsonaro (PL) dispensou nesta quarta-feira (29) o apoio oferecido pela Argentina às vítimas das fortes chuvas que atingem a Bahia nos últimos dias, afirma o governo do estado.

A recusa do Ministério das Relações Exteriores foi divulgada pelo consulado argentino à gestão Rui Costa (PT).

As enchentes já deixaram 24 mortos e 434 feridos. De acordo com o governo baiano, 37.324 pessoas estão desabrigadas e 53.934, desalojadas. Dos 141 municípios atingidos, 132 seguem em situação de emergência. No total, 629.398 pessoas foram afetadas.

"O país vizinho pretendia enviar imediatamente ao sul da Bahia uma missão com profissionais especializados nas áreas de água, saneamento, logística e apoio psicossocial para vítimas de desastres.", diz o governo baiano em nota.

Na tarde desta quarta, o governador petista agradeceu em suas redes sociais a oferta de ajuda humanitária e pediu celeridade ao governo federal para autorizar a missão internacional.

De acordo com a nota do governo baiano, a gestão Bolsonaro "agradeceu [em documento oficial] a proposta argentina e informou que a situação na Bahia 'está sendo enfrentada com a mobilização interna de todos os recursos financeiros e de pessoal necessários'".
"Na hipótese de agravamento da situação, requerendo-se necessidades suplementares de assistência, o governo brasileiro poderá vir a aceitar a oferta argentina de apoio da Comissão dos Capacetes Brancos, cujos trabalhos são amplamente reconhecidos", continua o documento do Itamaraty, segundo o governo baiano.

Procurados, o Planalto e o Itamaraty não responderam até a publicação desta reportagem.

O governo federal anunciou nesta terça-feira (28) a liberação de R$ 80 milhões para restaurar as estradas federais no estado, valor considerado insuficiente por Rui Costa. À Folha, ele diz que serão necessários pelo menos R$ 400 milhões. "Pergunte para qualquer caminhoneiro como está a BR-242, a principal via de escoamento do agronegócio na Bahia."

A recuperação das estradas estaduais está estimada em R$ 500 milhões, e a das estradas vicinais, em R$ 300 milhões. "O interior da Bahia tem atividades econômicas dependentes da agricultura, da produção de leite, carne, mandioca, fruta. Se essa produção não consegue chegar aos grandes centros, significa a derrocada da economia, da renda das pessoas", afirma o governador.

Na Folha

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Acabou a mamata sob Bolsonaro? Episódios em série mostram que não



Casos de favorecimento envolvem filhos, ministros e até médico do presidente da República

Eleito com discurso que repudiava benesses a aliados, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assistiu, ao longo de seu mandato e especialmente neste ano, a diversos casos em seu entorno que contrariam o pregado na campanha de 2018. A começar por seus filhos.

No fim de outubro, por exemplo, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atendeu a pedido de Bolsonaro e autorizou que a filha do presidente, Laura Bolsonaro, 11, fosse matriculada no Colégio Militar de Brasília sem passar pelo processo seletivo.

Já no fim de novembro, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter o foro especial concedido ao senador pelo TJ do Rio de Janeiro. Antes de eleito, Bolsonaro sempre teve como uma de suas bandeiras o fim da blindagem a políticos em tribunais superiores.

Relembre, abaixo, esses e outros casos:

Matrícula de Laura em colégio militar

O pedido de Bolsonaro ao Exército por tratamento especial à filha, Laura, 11, foi revelado pela Folha em reportagem publicada em 25 de agosto.

A matrícula em caráter excepcional no Colégio Militar de Brasília, sem necessidade de processo seletivo, baseia-se no regulamento dos colégios militares, o R-69, segundo a Força. Laura ingressará na unidade no ano letivo de 2022.

"A menor é dependente legal do presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, nos termos do inciso XIII do artigo 84 da Constituição Federal. O regulamento mencionado faculta ao comandante do Exército apreciar casos considerados especiais, ouvido o Decex, conforme justificativa apresentada pelo eventual interessado", afirmou nota do Exército.

Há restrição de acesso ao processo aberto a partir do pedido de Bolsonaro, conforme a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, segundo a Força.

O ingresso em colégios militares do Exército se dá por meio de processo seletivo a que são submetidos meninos e meninas que disputam as vagas abertas nas unidades de ensino.

Em uma segunda reportagem sobre o tema, a Folha mostrou que o Exército tratou Bolsonaro como capitão da reserva, e não como capitão reformado, para permitir a matrícula excepcional da filha do presidente no colégio.

Um militar da reserva pode, em tese, ser chamado para missões nas Forças Armadas. A reforma, por sua vez, significa uma aposentadoria, e ocorre por fatores como idade ou invalidez.

As fichas de remuneração dos militares, disponíveis no portal da transparência do governo federal, fazem uma distinção clara entre quem está na ativa, na reserva ou foi reformado.

Bolsonaro é um capitão reformado, como consta em sua ficha de remuneração. Boletins internos do Exército também tratam o presidente como capitão reformado.

Foro especial de Flávio

O presidente Jair Bolsonaro sempre teve como uma de suas bandeiras o fim da blindagem a políticos em tribunais superiores. No caso de Flávio e das "rachadinhas", porém, a família teve comportamento diferente.

Em um vídeo divulgado em redes sociais, Bolsonaro reclamou em 2017, ao lado de Flávio, da existência do foro especial para políticos. "Não quero essa porcaria de foro privilegiado." O post foi lançado em abril daquele ano pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em sua conta no Twitter.

"Dos 513 deputados, 450 vão ser reeleitos. Por que eles têm de ser reeleitos? Para continuar com foro privilegiado. O único prejudicado com essa porcaria de foro privilegiado sou eu", protestou Bolsonaro no vídeo.

Já em 2021, a pedido da defesa de Flávio, a Segunda Turma do STF avalizou, por 3 votos a 1, a decisão de junho do ano passado de retirar a investigação contra o filho de Bolsonaro no caso das "rachadinhas" das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras contra o parlamentar.

O magistrado, definitivamente afastado do processo, foi o responsável por ordens de quebra de sigilo e pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro acusado de ser o operador do esquema no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual.

Pelo mesmo placar, o colegiado também atendeu a um pedido da defesa para anular quatro relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontavam movimentações atípicas em contas bancárias de Flávio e seus funcionários.

Esses documentos eram considerados fundamentais por investigadores do caso, assim como dados levantados em quebras de sigilo que foram anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Dessa forma, somadas as decisões do STJ e do Supremo, as investigações contra o filho do presidente praticamente terão de ser retomadas do início.

Festa de Renan Bolsonaro

A cobertura com fotos e vídeos da festa de inauguração de uma empresa de Jair Renan Bolsonaro, 22, o filho 04 do presidente, foi realizada gratuitamente por uma produtora de conteúdo digital e comunicação corporativa que presta serviços ao governo federal.

Em 2020, a empresa recebeu R$ 1,4 milhão do governo Bolsonaro.

Renan Bolsonaro, filho do presidente, e seu ex-personal trainer e subsecretário de Programas e Incentivos Econômicos do Distrito Federal, Allan de Lucena ​- Reprodução/Instagram camarote_311

A cerimônia de inauguração foi realizada em outubro do ano passado, no camarote 311 do estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde fica a sede da empresa Bolsonaro Jr Eventos e Mídia.

O proprietário da Astronautas, Frederico Borges de Paiva, compareceu ao evento e aparece nas imagens, abraçando e brincando com o filho do presidente.

Os trabalhos da empresa para o governo federal incluem três peças produzidas para o Ministério da Saúde, a um custo de R$ 642 mil, segundo informou a pasta à Folha —dois vídeos com o tema da Covid-19 e um sobre multivacinação.

Gastos em viagens de férias e com motociatas

O governo federal informou que foram gastos R$ 2,3 milhões de recursos públicos nas viagens de férias do presidente Bolsonaro nas praias de São Francisco do Sul (SC) e Guarujá (SP) entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro deste ano, período de agravamento da pandemia.

A informação foi enviada pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e pelo ministro Onyx Lorenzoni, então na Secretaria-Geral da Presidência, em resposta ao pedido de informação formulado pelo deputado federal Elias Vaz (PSB-GO).

O GSI respondeu que foram gastos US$ 185 mil, cerca de R$ 1 milhão, com transporte aéreo em aeronaves da FAB para eventos privados do presidente neste período.

Além disso, foram calculadas despesas de R$ 202 mil com passagens aéreas e diárias de integrantes da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Já a Secretaria-Geral da Presidência informou que foram gastos R$ 1,1 milhão em cartão corporativo de despesas decorrentes das viagens. ​

Além disso, as motociatas em apoio ao presidente Bolsonaro já custaram praticamente R$ 5 milhões aos cofres públicos, segundo levantamento realizado pela Folha a partir de mais de 50 pedidos via Lei de Acesso à Informação.

A soma leva em conta as despesas com o cartão de pagamento do governo federal, informadas pela Secretaria-Geral da Presidência, e os gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.

Voos da FAB

Ministros do governo Bolsonaro levaram de parentes a pastor e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira).

Os dados sobre as viagens feitas desde janeiro de 2019 foram repassados à Folha via Lei de Acesso à Informação por ministérios e outros órgãos que têm direito a solicitar esse tipo de deslocamento.

Jair Renan pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros.

Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos. O documento afirmava que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves.

Bolsonaro também mudou o decreto sobre uso das aeronaves oficiais no começo de 2020 para, em tese, endurecer as regras.

O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira. No mesmo voo estava Davidson Tolentino, então diretor da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Os três foram mencionados em investigação da Lava Jato.

Dados enviados à reportagem mostram ainda que o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA), em maio de 2021.

Mãe de ministro abastece avião com verba do Senado

A senadora Eliane Nogueira (PP-PI) destinou R$ 46,9 mil de sua cota parlamentar para gastos com combustível de avião, segundo dados do Portal da Transparência do Senado. No entanto ela não possui aeronaves particulares, segundo informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante as eleições de 2018.

Eliane Nogueira é suplente de seu filho, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que, por sua vez, declarou ser detentor de 95% de uma aeronave Beech Aircraft B200, avaliada em R$ 2,8 milhões. Ele está licenciado do Senado.

Entre julho e outubro deste ano (último dado disponível), a senadora apresentou notas fiscais e obteve o ressarcimento para oito despesas com combustíveis de aeronaves. Os gastos foram efetuados em cidades como Sorocaba (SP), São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Teresina.

Os registros de tais despesas de Eliane Nogueira apontam um mesmo padrão de notas fiscais que foram apresentadas pelo então senador Ciro Nogueira.

Entre janeiro e julho deste ano, mês em que se licenciou e assumiu o cargo no governo Bolsonaro, o atual chefe da Casa Civil gastou R$ 262,1 mil de sua cota parlamentar com combustível para avião.

Vaga para médico em Miami

Bolsonaro pediu que a Apex abrisse uma vaga para acomodar seu médico no escritório da agência de promoção comercial brasileira em Miami (EUA).

Ricardo Camarinha, que trabalha na Presidência e atende diretamente a Bolsonaro como seu assessor especial, pretende mudar para os Estados Unidos por motivos familiares. Só que, sem um trabalho, a obtenção de um visto de residência seria mais difícil. O caso foi revelado pela Folha no início de novembro.

Assim, Bolsonaro acionou o chefe da unidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos em Miami, o general da reserva Mauro César Lourena Cid. Ele é um de seus mais próximos colegas da turma de 1977 da Academia das Agulhas Negras.

O general Cid está em Miami desde meados de 2019. No dia 13 de agosto passado, ele informou sua equipe acerca da possibilidade de ter de abrigar Camarinha no time.

Apesar de resistências, em 22 de setembro a ordem para a criação de um cargo foi reforçada como definitiva, dado que se tratava de um pedido pessoal do presidente. Houve espanto entre servidores nos EUA e em Brasília.

Extradição de blogueiro bolsonarista

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ofereceu ajuda ao blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF, para deixar o país. É o que mostram mensagens interceptadas pela Polícia Federal, compartilhadas com a CPI da Covid e obtidas pela Folha.

Nos diálogos, ocorridos em junho de 2020, o filho do presidente pede dados do passaporte de Allan e de sua família e pergunta o que ele precisa. Após a resposta, ele acompanha o trâmite do processo, pedindo a Allan o número do protocolo na PF e data de agendamento.

O dono do site Terça Livre deixou o país em julho de 2020, cerca de um mês após os diálogos com o filho de Bolsonaro. O blogueiro, que é investigado em dois inquéritos no STF, para apurar disseminação de fake news e para identificar quem financia as ações, atualmente vive nos Estados Unidos.

Em outubro deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou sua prisão, pediu sua extradição e a inclusão de seu nome na difusão vermelha da Interpol, o canal de foragidos —o que até meados de dezembro não havia ocorrido, como mostrou a Folha.
Saída de Olavo de Carvalho do país

A saída à francesa do Brasil de Olavo de Carvalho após ser intimado pela Polícia Federal, em novembro deste ano, envolveu compra de passagens para Miami (EUA) em dinheiro, viagem de carro até o Paraguai e cruzamento da fronteira sem passar pela imigração.

Como mostrou o Painel, da Folha, o guru do bolsonarismo saiu do país depois de a PF o chamar para depor e alegou problemas de saúde para não comparecer à oitiva.

Já nos EUA, gravou um vídeo em que negou ter saído para se esconder do depoimento e disse que lhe ofereceram passagens de última hora. As informações são do inquérito sobre a existência de milícias digitais, no qual Olavo foi intimado.

Ele foi intimado no dia 9 de novembro. Um dia depois, a esposa do escritor comprou duas passagens para Miami com saída de Assunção, no Paraguai, previstas para o dia seguinte.

Na Folha

O Brasil não é como Bolsonaro (Editorial do Estadão)



A ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos

O governo do presidente Jair Bolsonaro se ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o próprio presidente foi a fonte das atribulações.

Há duas razões para esse comportamento: a baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante vida pública revela que Bolsonaro nunca gostou do batente. A ascensão à Presidência não parece tê-lo feito mudar de ideia.

Mas, por paradoxal que possa parecer, a ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, os brasileiros deram mostras inequívocas de que os laços de fraternidade que os unem estão mais fortes do que nunca. É como se os cidadãos percebessem que, diante de um governo tão ruim, tivessem de contar apenas uns com os outros. Evidentemente, por mais valorosa que seja, a solidariedade não dá conta de tudo. O apagão governamental produziu desastres. Mas foi graças ao altruísmo de muitos cidadãos que alguns problemas puderam ser ao menos mitigados.

Tome-se como exemplo mais recente a tragédia das chuvas que mataram dezenas e desabrigaram milhares de baianos neste fim de ano. Como se fosse um burocrata qualquer, que assina meia dúzia de papéis e dá seu trabalho como concluído, Bolsonaro se limitou a despachar para a Bahia o ministro da Cidadania, João Roma, e a editar uma medida provisória que cria um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para reconstrução da infraestrutura rodoviária destruída pelas chuvas no Estado. Depois, partiu para uma semana de ócio nas praias de Santa Catarina – a imagem do dolce far niente do presidente em contraste com o terrível padecimento dos baianos é de causar engulhos. A ajuda concreta aos baianos que perderam tudo o que tinham tem vindo, principalmente, da solidariedade de seus concidadãos em todo o País e de ações pontuais de empresas privadas, principalmente supermercados, que têm enviado alimentos aos desabrigados.

Outro exemplo recente, este dado por uma adolescente de 17 anos de Aracaju (SE), mostra que não é preciso chegar à idade de Bolsonaro para saber o valor da solidariedade. Como mostrou uma reportagem do Estado, a menina Lenice Ramos idealizou uma ação solidária para distribuir absorventes para alunas carentes da rede pública de ensino. Praticamente sozinha, Lenice conseguiu distribuir 192 mil absorventes a meninas que padecem da chamada pobreza menstrual. Ao fazê-lo, demonstrou ter mais espírito público e sensibilidade social que Bolsonaro, que em outubro vetou o financiamento público à distribuição gratuita de absorventes a mulheres carentes. Uma desumanidade. Poucos dias após o veto cruel, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, prometeu encaminhar ao Congresso um projeto de lei tratando do tema. Até agora não se leu uma linha sequer do tal projeto.

Mas neste ano não houve exemplo maior de união entre os brasileiros em prol do bem comum do que a que se viu no curso da pandemia de covid-19. Os brasileiros, em sua grande maioria, ignoraram olimpicamente a sabotagem do governo federal às medidas sanitárias para evitar a disseminação do vírus. Fazendo ouvidos moucos para a campanha de Bolsonaro contra a vacinação, os cidadãos acorreram em massa aos postos de saúde para receber o imunizante tão logo foi possível. Não foi trivial o sacrifício individual que muitos fizeram em nome do bem-estar coletivo.

Na raiz desse contraste entre governo e sociedade está a incompreensão de Bolsonaro sobre o valor simbólico da Presidência da República. Sabe-se que ele não é talhado para exercer a liderança do País, mas nem sequer se esforça para interpretar o papel. Resgatar o simbolismo de dignidade e espírito público que a Presidência encerra, pois, será uma das muitas missões de quem vier a suceder-lhe.

O que Bolsonaro ganha com o caos?


Bolsonaro passeia de jet ski na praia com a filha | DieterGross/iShoot/Agência O Globo

Há dois dias, no nosso quadro diário na CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva enquanto a Bahia se afoga em chuvas?

A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se.

O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.

Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.

Ainda assim, a verborragia de Bolsonaro contra a vacina segue a todo vapor, agora impedindo a imunização de crianças, chegando ao absurdo de usar a própria filha de 11 anos em seu discurso negacionista, negando a ela com orgulho a oportunidade de ser protegida contra o vírus.

De novo: o que ele ganha com isso? A resposta é: nada. Mas parece ser da sua natureza, algo que nenhum cálculo eleitoral é capaz de conter.

Como não se emenda e não se toca, Bolsonaro chegará a 2022 como essa bomba-relógio que, a despeito de todo o legado, tentará de tudo para se reeleger. Espera fidelizar os pouco mais de 20% que, as pesquisas mostram, seguem fiéis a ele — a ponto de impulsionar uma hashtag chamando de “orgulho do Brasil” alguém cuja obra, apenas no período entre Natal e Ano-Novo, se resume a andar de jet ski enquanto milhares de cidadãos por ele governados não têm casa para onde voltar.

Para sair dos já convertidos e chegar a um patamar que lhe garanta a passagem ao segundo turno, salve-se quem puder. Por isso não adianta Paulo Guedes mandar mensagens ao chefe e aos colegas clamando por algum freio de gastos num momento em que a pressão por reajustes de servidores tende a chegar ao nível máximo. Bolsonaro já deixou claro, entre uma folga e outra, que, por ele, concederia aumento a todas as categorias do funcionalismo. Então, o ministro que se prepare, porque a comporta vai de fato estourar.

Não há surpresa no comportamento do presidente, embora ele sempre esteja subindo um degrau em termos de atitudes incompatíveis com o cargo. Daí por que aqueles que, como a senadora Simone Tebet, dizem que jamais seria possível imaginar governo tão ruim devem fazer uma reflexão à luz da História desse personagem que o Brasil achou por bem eleger em 2018.

Em sua extensa carreira como deputado, depois de uma curta e indigna passagem como militar, Bolsonaro nunca fez questão de esconder o que era: um representante dos interesses corporativistas e do reacionarismo mais explícito, avesso às questões de gestão pública, a não ser aquelas ligadas aos grupos de interesse que ele representa (fabricantes de armas, latifundiários, garimpeiros, madeireiros).

O interesse público nunca foi pauta do parlamentar Bolsonaro, que envidou todos os esforços apenas em suas eleições, nas dos filhos e até na da mulher. Construiu vasto patrimônio à custa desses mandatos.

Eleito afrontando a lógica, a ciência, o decoro do cargo e o bom senso, Bolsonaro deve achar que se reelegerá assim — e segue. Se ganhará algo com isso, cabe ao eleitor responder no ano que vem.

Por Vera Magalhães

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Cartórios têm até 2023 para oferecer serviço online unificado


Pessoas formam fila em cartório de Itaquera, São Paulo - Rivaldo Gomes - 15.set.2020/Folhapress

Os cartórios brasileiros precisarão criar uma plataforma unificada para oferecer serviços digitais à população até 31 de janeiro de 2023, prazo final para a implementar o chamado SERP (Sistema Eletrônico de Registros Públicos).

A determinação consta em uma medida provisória editada nesta terça-feira (28) pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto tem vigência imediata, mas precisa ser validado pelo Congresso Nacional em até 120 dias a partir do início do ano legislativo.

Segundo o Ministério da Economia, a medida pode facilitar o registro de bens imóveis, além de certidões de nascimento ou casamento, entre outros atos que hoje dependem de atendimento presencial.

A consulta de informações também será mais simples, já que existem mais de 13 mil cartórios no país, segundo a Anoreg (Associação dos Notários e Registradores do Brasil).

Atualmente, um trabalhador que compre um imóvel precisa ir ao cartório de notas para lavrar uma escritura e depois se dirigir ao cartório de registro de imóveis para oficializar o documento. Caso o imóvel seja financiado, o percurso deverá ser repetido quando a dívida for quitada.

Com o novo sistema, o cidadão poderá fazer tudo sem sair de casa, segundo o governo. O acesso será permitido por meio de assinaturas eletrônicas ou pelos cadastros já efetuados na plataforma gov.br.

O SERP também vai permitir que pais de um recém-nascido façam o registro da criança diretamente do hospital ou de sua casa, sem necessidade de ir ao cartório de registro civil.

Já as consultas devem ser simplificadas. No modelo atual, para verificar a situação de um imóvel, é preciso saber em qual cartório ele está registrado.

Com o novo sistema, bastará deter informações como número de matrícula, ou CPF do proprietário.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, destacou que mais da metade dos cartórios hoje não têm sequer página na internet, o que dificulta o atendimento à população.

Para ele, a medida também vai fortalecer o sistema de garantias e contribuir para baratear o crédito, uma vez que os dados estarão acessíveis de forma mais simples e transparente.

Será possível verificar facilmente, por exemplo, se já há alguma dívida associada ao bem que um cidadão pretende dar como garantia em uma operação de crédito –o que dá acesso a taxas de juros menores.

Hoje, a instituição financeira precisa hoje saber onde foi feito o registro do bem para apurar essa informação.

No caso de bens móveis, como veículos, equipamentos e máquinas, a segurança jurídica é menor, uma vez que pode haver registros em localidades diferentes. Por isso, segundo o governo, esse tipo de garantia é menos aceito pelas instituições.

A expectativa é que, com a possibilidade de uma consulta dos dados com alcance nacional, o problema seja contornado.

"Estamos fortalecendo o sistema de garantias. Consertando este problema [das garantias móveis], nós melhoramos o canal de crédito", afirmou o secretário.

"A medida aumenta a segurança jurídica, a transparência, a agilidade, reduz burocracia e os custos do processo cartorial no Brasil", disse Sachsida.

Embora a MP fixe o prazo máximo de implementação do sistema eletrônico, o cronograma de trabalho e os detalhes de cada etapa ainda serão regulamentados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Os cartórios que não quiserem aderir ao SERP precisarão adotar infraestrutura própria que se comunique com o sistema e, consequentemente, com os demais cartórios. A interconexão será obrigatória.

A criação da plataforma deverá ser bancada pelos próprios cartórios. A MP cria o chamado FICS (Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos), e cada ofício recolherá uma cota para bancar o serviço.

"São recursos de natureza privada, não passa pelo Orçamento [público]. Será custeado pelos próprios registradores", explicou o subsecretário de Política Microeconômica da SPE, Emmanuel Sousa de Abreu.

"Como eles terão redução gigantesca em custos administrativos, necessidade de espaço físico, pessoal e material administrativo, isso vai compensar a criação desse fundo", afirmou.

Os registros que existem hoje em meio físico também deverão ser obrigatoriamente digitalizados, segundo o governo. Para essa etapa, no entanto, não foi estipulado um prazo limite.

Para a contratação dos serviços digitais, a MP prevê a possibilidade de os cidadãos usarem meios eletrônicos de pagamento, como o Pix, mas isso ainda dependerá de regulamentação do CNJ.

Para Sachsida, o prazo de pouco mais de um ano para a implementação do SERP é factível.

Segundo ele, a medida foi alvo de debate nos últimos dois anos entre integrantes da Economia, do Banco Central, da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Ministério da Justiça, do CNJ e de representantes dos cartórios e de empresas.

A determinação aos cartórios de realizarem seus atos por meio eletrônico já existia em lei, mas, devido à ausência de critérios detalhados e de regulamentação, não era aplicada, segundo o governo.

Na Folha

Bolsonaro ignora tragédia na BA, anda de jet ski e fala em manter folga em SC



Em passeio pela Praia do Forte, em São Francisco do Sul (SC), o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou no fim da tarde de segunda-feira (27) que "espera não ter de retornar antes" do feriado de Réveillon no litoral catarinense.

A declaração, divulgada por reportagem do portal ND Mais, ocorreu após ele ser questionado sobre a estadia no Sul durante a reta final do ano. "Espero não ter de retornar antes", disse.

Bolsonaro tem sido criticado nas redes sociais por tirar folga enquanto a Bahia enfrenta uma crise gerada por fortes chuvas. As enchentes já deixaram pelo menos 20 mortos e milhares de desabrigados no estado. Estoques de vacinas e medicamentos foram destruídos.

O presidente viajou na segunda para Santa Catarina, onde pretende passar a virada de ano. No fim da manhã desta terça (28), acompanhado da filha Laura, o presidente passeou de jet ski pela Praia do Itaguaçu, também em São Francisco do Sul.

Na areia, apoiadores e turistas se aglomeraram para conseguir chegar perto de Bolsonaro, que desceu do equipamento e conversou com o público por alguns minutos. A maioria das pessoas estava sem máscara.

Nesta terça, ao ser questionado em uma entrevista sobre o presidente não estar na Bahia em meio ao desastre das chuvas, o governador Rui Costa (PT) minimizou o tema.

"Eu confesso que não me dei tempo para ver a agenda e nem rede social do presidente da República e nem de outras pessoas públicas. Eu estou concentrado aqui no trabalho, concentrado em salvar vidas humanas, em cuidar das pessoas", disse o governador baiano.

Bolsonaro editou uma MP (Medida Provisória) para liberar R$ 200 milhões para reconstrução de rodovias prejudicadas pelas chuvas, segundo texto publicado nesta terça no Diário Oficial da União.

A medida abre crédito extraordinário ao Ministério da Infraestrutura, que irá gerir obras de rodovias na Bahia, Amazonas, Minas Gerais, Pará e São Paulo.

Também nesta terça, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, da Cidadania, João Roma, e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) se encontraram em Itabuna, um dos municípios afetados, e sobrevoaram a região.

Em maio de 2020, no dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortos pela Covid-19 —o que motivou decretação de luto pelas cúpulas do Legislativo e do Judiciário—, Bolsonaro também fez um passeio de moto aquática no Lago Paranoá, um dos cartões postais de Brasília.

Na ocasião, o presidente passou parte do dia no lago após dizer que era fake uma festa que ele próprio havia anunciado.

Na Folha

TCU aponta alto risco em compras das Forças Armadas de empresas de militares



Informações estão em relatório sigiloso feito pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logística e obtido pela Folha

O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou "alto risco de irregularidades" em contratações feitas pelas Forças Armadas de empresas ligadas a militares e que totalizam R$ 87 milhões.

Os auditores mapearam contratos de 2017 a 2020 com um grupo de sete empresas avaliadas como de alto risco e de maior materialidade no fornecimento de alimentos no âmbito do Ministério da Defesa.

As informações estão em relatório sigiloso do tribunal, feito pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logística e obtido pela Folha, para investigar atos praticados por órgãos públicos na aquisição de gêneros alimentícios.

Foram identificados grupos econômicos com indícios de atuação coordenada entre as empresas integrantes em licitações, com ou sem a participação de servidores, para direcionamento do certame ou contratação direta indevida.

Entre os principais sinais de alerta foram identificados que algumas possuem sócios ou ex-sócios que foram militares e que o endereço das sete empresas é praticamente o mesmo, no Mercado Municipal do Rio de Janeiro (Cadeg), só alterando o número do pavimento ou da loja.

Além disso, algumas utilizam o mesmo email de outra empresa do grupo, têm sócios ou ex-sócios em comum, apresentaram proposta no mesmo item de pregão e seis utilizaram nas licitações o mesmo IP (espécie de registro de endereço de conexão à internet).

Também foram apontados problemas como incompatibilidade entre o porte da empresa e o valor de contratação, além de uma sócia de duas empresas que foi titular de conta bancária de outras empresas do grupo com as quais não possui nenhum vínculo (nem sócia nem empregada).

Os auditores destacaram que três empresas do grupo, a Mave Comercio e Serviços em Geral, a Phenix Comércio e Serviços em Geral e a Visionária Comércio e Serviços em Geral são ligadas ao ex-capitão expulso do Exército Márcio Vancler Augusto Geraldo.

O ex-militar foi condenado em 2019 pela Justiça Militar em um caso de corrupção, quando era membro da comissão de licitação do Instituto Militar de Engenharia (IME).

De acordo com denúncia do Ministério Público Militar, o ex-militar fez parte de um grupo que desviou R$ 11 milhões de obras do IME, em um esquema que envolveu empresas de fachada.

Vancler não foi localizado pela reportagem, assim como as telefones ligados às empresas no cadastro da Receita Federal não completaram chamada.

Elas receberam R$ 26 milhões, R$ 1,2 milhões e R$ 20 milhões, respectivamente, em contratos com a Marinha, Aeronáutica e Exército, em 2020 e 2021.

Diante das irregularidades detectadas, os auditores sugeriram uma nova fiscalização sobre estas compras, "considerando a extensão da relação de contratos firmados com o grupo econômico de sete empresas signatárias de contratações materialmente relevantes e de alto risco".

O TCU também detectou outras empresas que, apesar de não integrarem o mencionado grupo, acessaram o portal de Compras do Governo Federal a partir da utilização de IPs de unidades contratantes dos Comandos Militares.

"Tal fato constitui forte indício de direcionamento de certame, com participação de servidores públicos", ressaltaram os auditores.

O pedido foi referendado pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, no dia 12 de dezembro, que sugeriu o encaminhamento do caso, junto com o relatório de 80 páginas, ao ministro Weder de Oliveira.

Ele já tratava do tema em outro processo, devido um pedido de representação dos deputados federais do PSB Elias Vaz, Ubirajara do Pindaré, Denis Bezerra e Gervásio Maia.

Weder de Oliveira resolveu reconhecer a representação dos deputados no final de outubro, considerando que há substantivos indícios de formação de um "clube de vendas" por essas empresas para fornecimento de alimentos a unidades militares estabelecidas no estado do Rio de Janeiro.

"O caso em questão apresenta relevância, risco e materialidade suficientes para atuação desta corte, além de ser oportuno, uma vez que as aquisições de gêneros alimentícios são contínuas e essenciais para o funcionamento das unidades militares".

O ministro também ressaltou que "há possibilidade, inclusive, de que essa sistemática esteja sendo adotada em outras unidades da federação, o que pode vir a ser comprovada pela futura auditoria que a Selog pretende realizar".


Aeronáutica aponta transparência; Exército e Marinha não respondem

A assessoria de imprensa do Ministério da Defesa respondeu, em nota, que a "administração central" da pasta não possui contratos com as referidas empresas e, por telefone, disse que as Forças Armadas possuem autonomia para fechar os seus contratos.

"Destaca-se, ainda, que os questionamentos solicitados estão baseados em relatório preliminar, que ainda será apreciado por ministros do Tribunal de Contas da União, no qual esta pasta já apresentou esclarecimentos."

"Os processos de aquisição deste ministério são realizados de forma transparente e auditados por órgãos de controle interno e externo. Identificadas quaisquer irregularidades, o ministério tomará as medidas cabíveis, incluindo a responsabilização dos envolvidos", disse o ministério.

Marinha e Exército não responderam.

Já a assessoria de Aeronáutica respondeu que, "por se tratar de processo que corre em caráter sigiloso, o Comando da Aeronáutica não teve, até o momento, acesso às suas peças, restrição processual que, entretanto, parece não haver se estendido à sua apuração jornalística".

"Ressalta-se que o Comando da Aeronáutica segue os ditames previstos na legislação em vigor e que os processos licitatórios realizados pelas Unidades Gestoras do Comaer são transparentes e com estreita observância aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, com a utilização das ferramentas institucionais e dos sistemas oficiais de compras do Governo Federal e sendo submetidas à fiscalização dos órgãos de controle interno e externo", disse.

Também afirmou que "comunicações recebidas do Controle Externo quanto a indícios de atos irregulares serão apuradas à luz da legislação e das normas em vigor".

Na Folha