terça-feira, 21 de abril de 2020

Aras se acoelha diante de Bolsonaro, mas inquérito pode revelar pistoleiros


É um coelho na toca. Nada precisa ser acrescentado - Yin Jian/Fotolia

Enfim o procurador-geral da República, Augusto Aras, se mexeu. Vivia-se a impressão de que o cargo ainda estava vago ou de que era ocupado por algum estafeta do Palácio do Planalto. Mexeu-se, sim, mas preguiçosamente ainda, com manha calculada, como se, numa democracia, o estado de direito devesse depender de acochambramento, de práticas entre concertadas — com "c", combinadas — e um tanto escusas para evitar ferir susceptibilidades, como se a ordem democrática devesse andar com chinelos de pelúcia para não despertar alguma fera raivosa. 

Sempre será melhor um pouco do que nada. Mas que fique claro logo de cara neste texto: o papel do titular da PGR é fazer cumprir a lei. Ele deve seu cargo de procurador e seu mandato de procurador-geral à Constituição e à institucionalidade, não ao presidente da República. Adiante. 

No site da PGR, lê-se a seguinte nota:
O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (20), a abertura de um inquérito para apurar fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos contra o regime da democracia participativa brasileira, por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF.

A investigação refere-se a atos realizados em todo o país, neste domingo (19), em que participantes pediram o fechamento de instituições democráticas, como o Congresso Nacional e o STF. O inquérito visa apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional (7.170/1983). Uma das pautas de parte dos manifestantes era a reedição do AI-5, o ato institucional que endureceu o regime militar no país.

"O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional", afirmou o procurador-geral, Augusto Aras.

Como sabem, e eu já disse aqui mais de uma vez, esses atos que cobram o fechamento do Supremo e do Congresso, com efeito, ferem a Lei de Segurança Nacional, que é de 1983, mas foi recepcionada pela Constituição de 1988. 

Consta que o procurador quer apurar se os organizadores dos atos infringiram, por exemplo, o Inciso I do Artigo 22 da lei, que prevê pena de 1 a 4 anos para quem fizer, "em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social". Não custa lembrar: o Parágrafo 2º desse artigo prevê a mesma pena para quem "distribuir ou redistribuir" fundos para a execução do crime. Sim, eu me refiro aos financiadores daquela estupidez. E os há!

Também se vai apurar se os promotores incidiram nos Incisos I e II do Artigo 23, que rende a mesma pena: "Incitar à subversão da ordem política ou social e à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições".

Há ainda a possível infração do Artigo 16, que prevê reclusão de um a cinco anos a quem "integra ou mantém associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça."

Tudo isso se fez no domingo, só que há um detalhe aí nada desprezível: houve o apoio entusiasmado do presidente da República, que inflamou algumas centenas de pessoas que pediam abertamente o golpe militar, num ato realizado diante do QG do Exército. Por óbvio, ele também deveria ser investigado, mas Aras preferiu acochambrar.

Como já escrevi neste blog, há dois outros artigos da lei que também têm de ser evocados: o 17, com pena de 3 a 15 anos — "Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito" — e o 18, de 2 a 6 anos: "Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados."

Sim, aquelas pessoas que lá estavam, com aquela pauta, onde discursou o presidente, eram subversivas da ordem democrática.

O relator, por sorteio, é o ministro Alexandre de Moraes. Aberta a investigação, ficará a cargo da Polícia Federal. O ministro já relata o inquérito que apura a indústria de agressões ao Supremo. Uma das primeiras providências, entendo, é chegar aos financiadores das manifestações golpistas. Quais os respectivos nomes dos endinheirados afins que dão suporte a atos assim?

O Brasil é o único país do mundo que proíbe as empresas de financiar legalmente partidos também legais — vale dizer: o financiamento da ordem democrática —, mas tolera a doação clandestina a grupos que promovem atos em favor de golpe militar.

É claro que há um arreglo do procurador-geral ao não pedir que se investigue a atuação de Bolsonaro. Mas a investigação, se for feita com seriedade, pode chegar aos pistoleiros que financiam a campanha em favor da ditadura.

Por Reinaldo Azevedo

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