Ao discursar na manifestação antidemocrática de domingo, Jair Bolsonaro disse: "Acabou a época da patifaria". Ele declarou: "Nós não queremos negociar nada." Depois, ressuscitou seu bordão predileto: "Chega da velha política." Esse mesmo Bolsonaro se exibiu na sequência numa transmissão ao vivo, nas redes sociais, assistindo a uma entrevista em que Roberto Jefferson, personagem notório, acusa o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de tramar contra o mandato presidencial.
Difícil encontrar algo de novo numa cena tão degradada. Roberto Jefferson é personagem central da roubalheira do mensalão. Fez pose de delator, mas foi condenado a sete anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao encostar sua Presidência num personagem tão conspurcado para confirmar a sua tese de que há uma articulação do Congresso com o Supremo para usurpar o seu mandato, Bolsonaro termina por atestar a fragilidade de sua tese.
Além da busca de sintonia com Roberto Jefferson, a nova política de Bolsonaro inclui três décadas de vida parlamentar e uma aliança estratégica com o MDB, que ocupa as lideranças do governo no Senado e no Congresso. A aversão do presidente à patifaria inclui o convívio com um faz-tudo chamado Fabrício Queiroz, que tem vínculos com milicianos. Inclui também a convivência com Flávio Bolsonaro, que responde a inquérito por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, e já recorreu, sem sucesso, nove vezes ao Judiciário para tentar trancar a investigação.
Na campanha presidencial de 2018, Bolsonaro tratou a política como se fosse a segunda profissão mais antiga do mundo. Na Presidência, Bolsonaro se esforça para demonstrar que a política se parece muito com a primeira. Candidato, Bolsonaro vendeu-se como opção antissistema. Presidente, ele entrega lideranças do governo ao MDB, mantém na equipe ministerial ministros investigados e até condenados. E trata como perseguição uma investigação contra o filho Zero Um, que tem ramificação na conta bancária da primeira-dama Michelle.
Um presidente assim não precisa de conspiração contra o seu mandato. Ele conspira contra si mesmo.
Por Josias de Souza
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