quinta-feira, 21 de maio de 2020

Uso da cloroquina predisporá médico a ações civis, administrativas e penais


Essa imagem já ilustrou a capa da revista inglesa "The Economist". Médicos terão de decidir quanto de seu futuro pretendem empenhar à causa bolsonarista. É melhor consultar a lei, já que o CFM e a AMB prefeririam o conforto da ambiguidade e a cloroquina do adesismo. Viraram maus conselheiros - Lo Cole/The Economist
Essa imagem já ilustrou a capa da revista inglesa "The Economist".
Médicos terão de decidir quanto de seu futuro pretendem empenhar
 à causa bolsonarista. É melhor consultar a lei, já que o CFM e a AMB
prefeririam o conforto da ambiguidade e a cloroquina do adesismo.
Viraram maus conselheiros

O protocolo divulgado pelo Ministério da Saúde, liberando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina também na fase inicial da Covid-19, é moral e eticamente doloso. E certamente os juízes terão muito trabalho em ações civis e administrativas que estão sendo desde já contratadas. Ou nem tanto. Se triunfar o voto do ministro Roberto Barroso no caso da MP 966, será mel na sopa: desrespeitar valores assegurados pela Constituição, como o direito à vida — e fazê-lo ignorando a ciência — define um "erro grosseiro" ou "elevado grau de imprudência".

"Ah, mas o protocolo — e o governo nem quer dar a ele esse nome — deixa a critério do médico o emprego do remédio, com a autorização expressa do paciente". 

É mesmo? De quais informações técnicas dispõe o paciente para autorizar um tratamento que não tem amparo científico nenhum? Os senhores médicos que fizerem essa escolha estejam certos: estão sujeitos a ações civis, administrativas (se servidores) e penais — em qualquer caso.

Dado o que sabe a ciência, em essência, qual a diferença entre usar a cloroquina e o charlatanismo?

Com a devida vênia, a posição omissa do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira não vai salvá-los dos tribunais. Tampouco a alegação de que era essa, afinal, a orientação do Estado brasileiro.

Até porque a covardia do "protocolo que protocolo não quer ser" tenta se precaver. Lá está escrito:
"Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de possuírem atividade in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o tratamento da Covid-19. Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária também a vontade declarada do paciente".

O texto embute uma mentira quando afirma que os estudos não comprovaram o "benefício inequívoco". Nem o inequívoco nem o equívoco. Os tais estudos, mesmo os observacionais, evidenciaram que a droga é inócua. Essa vigarice só está vindo à luz para atender à, digamos, sabedoria do Dr. Jair. 

O valentão resolveu tentar se livrar de problemas escrevendo a seguinte maravilha no Twitter:
"Ainda não existe comprovação científica, mas sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em Guerra: 'Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado'".

Quando um médico estiver enfrentando uma ou mais ações na Justiça, pode tentar apelar ao clichê do "Mito". Diga a juiz: "Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado contra a ciência".

Mais algumas orientações aos médicos? Pois não! O termo de consentimento é explícito ao informar que: "não existe garantia de resultados positivos" e que "o medicamento proposto pode inclusive agravar a condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos". E ainda: "Não há, até o momento, estudos demonstrando melhora clínica dos pacientes com Covid-19 quando tratados com hidroxicloroquina".

Já que o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira, contaminadas pelo bolsovírus, não se mexem, outras entidades que reúnem médicos especialistas estudam recorrer à Justiça contra o texto. Devem fazê-lo.

Reitero: a correta decisão que deve sair do Supremo, na votação da MP 966, vai deixar claro que atentar contra o saber científico caracteriza o "erro grosseiro" ou o "elevado grau de imprudência".

O médico que atuar no setor público e não recorrer à cloroquina não estará exposto a ações judiciais. Aquele que fizer essa escolha, ainda que com a autorização do paciente, está pondo uma corda no pescoço. 

A razão é simples: ao apresentar uma eventual defesa, vai alegar o quê? "Ah, usei a cloroquina porque... " Por que mesmo? Quem vai ampará-lo? O Dr. Jair? A ambiguidade covarde da AMB e do CFM não vai protegê-lo. E por que não chá de picão preto? Também tem efeito anti-inflamatório. E é tão eficaz no combate ao coronavírus como a cloroquina. Com a diferença de que não provoca arritmia cardíaca.

Boa parte da chamada classe médica "bolsonarizou", né? Em parte, como reação aos "médicos cubanos". Eles foram embora. E os miseráveis ficaram sem médico nenhum. Aí está o Dr. Jair. Agora, sim, vocês estão conhecendo o pesadelo.

Há aí uma lição de vida. Quem está com problema no coração deve procurar um cardiologista; se fratura, um ortopedista; se colesterol, um endócrino... Por que mesmo vocês achavam que Bolsonaro podia curar o Brasil? Com base em qual saber?

E ele é bom nisso, né? Quando deputado, queria obrigar o SUS a distribuir uma tal pílula contra o câncer criada por um lunático.

Por Reinaldo Azevedo

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