segunda-feira, 18 de maio de 2020

Aras determina que PF colha depoimento de Marinho


Augusto Aras: procurador-geral da República não tem escapatória. Investigação que envolve acusação de Marinho tem de continuar no Supremo - Dida Sampaio/Estadão

O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou que a Polícia Federal colha o depoimento do empresário Paulo Marinho no inquérito já aberto para apurar se o presidente Jair Bolsonaro fez interferências indevidas no comando da própria PF e na Superintendência do órgão no Rio, conforme acusa o ex-ministro Sergio Moro. A abertura do inquérito foi determinada por Celso de Mello, ministro do Supremo, a pedido de Aras.

Bem, caras e caros internautas, não poderia ser diferente. Como alertei aqui na manhã deste domingo, as acusações feitas por Marinho em entrevista à Folha dizem respeito àquele assunto. Em "cognição sumária", como gostam de dizer nesses meios, Aras acha a mesma coisa. 

Mas o que foi mesmo que Marinho falou em entrevista a Mônica Bergamo? Relembro: segundo o empresário, o agora senador Flávio Bolsonaro lhe revelou, na presença de três outras pessoas, que, entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2018, recebeu um aviso de que a Polícia Federal iria deflagrar uma operação e de que um dos alvos era Fabrício Queiroz. O alerta teria sido feito pessoalmente por um delegado da PF, simpatizante da candidatura de Bolsonaro. A operação Furna da Onça estaria pronta para ser deflagrada, mas teria sido adiada para não prejudicar a candidatura do agora presidente.

Como se houvesse gravidade pouca aí, e há muita, o então candidato Jair Bolsonaro, prestes a disputar o segundo turno, teria sido avisado do ato criminoso de um policial federal. Que fique claro: se isso aconteceu, o crime não foi cometido apenas pelo delegado, cujo nome se desconhece, mas também por Bolsonaro e Flávio.

Na entrevista à Folha, Marinho diz que foi procurado ao telefone no dia 12 de dezembro de 2018 por Flávio, desesperado com o fato de que a Operação Furna da Onça, desfechada no dia 8 de novembro daquele ano, havia chegado ao extrato bancário de Fabrício Queiroz, com uma movimentação incompatível com seus ganhos.

O empresário diz ter marcado uma reunião em sua casa no dia seguinte a que estiveram presentes o próprio Flávio, um advogado que trabalhava no gabinete do político, chamado Victor Alves, e o advogado Christiano Fragoso — indicado por Antonio Pitombo. Foi então que Flávio teria revelado, diz Marinho, que ele ficara sabendo com antecedência da operação Furna da Onça.

Flávio, segundo a versão — e Marinho aponta testemunhas —, contou que um delegado ligou para o coronel Miguel Braga, seu assessor, dizendo ter informações importantes. O filho de Bolsonaro o despachou para se encontrar com o policial em companhia de Victor Alves e de Val Meliga, irmã de dois milicianos presos, que também trabalhava no gabinete. O delegado misterioso então alertou que Fabrício estava na mira. Teria ainda recomendado que Flávio demitisse o ex-PM e que Jair Bolsonaro desligasse a filha de Queiroz, que estava lotada em seu gabinete. E isso aconteceu no dia 15 de outubro.

Marinho relata ainda local e hora de dois outros encontros para tratar do assunto. Um no dia 14 de dezembro, no Hotel Emiliano, em São Paulo, a que estiveram presentes Victor Alves, Gustavo Bebianno (já morto) e os advogados Antônio Pitombo e Ralph Hage Vianna, escalado inicialmente para defender Queiroz. O outro se deu no dia 18, na churrascaria Esplanada Grill, em Ipanema, às 13h30. Nesse caso, Marinho se encontrou, diz ele, apenas com o agora senador.

Marinho afirma ter anotações e, na entrevista concedida à Folha, cita testemunhas da conversa mantida com Flávio. Ao se referir ao suposto encontro de assessores do filho de Bolsonaro com o tal delegado, em outubro de 2018, também há nomes. A casa do empresário, QG da campanha de Bolsonaro, era uma das mais bem guardadas do Brasil. Difícil imaginar que não dispusesse de um eficiente serviço de vigilância, com câmeras a registrar tudo, tintim por tintim.

Para lembrar: a Operação Furna da Onça é aquela que desbaratou um esquema de compra de votos na Assembleia Legislativa, liderado pela quadrilha de Sérgio Cabral. Ela foi disparada com informações colhidas por uma outra, chamada Cadeia Velha, que tinha na chefia ninguém menos do que Alexandre Ramagem, que acabou sendo pivô do rompimento de Sergio Moro com Bolsonaro. O presidente queria nomear Ramagem para comandar a PF, mas liminar do ministro Alexandre de Moraes, do STF, impediu a posse. Bolsonaro, de todo modo, demitiu Maurício Valeixo, diretor-geral, e nomeou Rolando Alexandre de Souza, que era o segundo de Ramagem na Abin. Na Superintendência do Rio, pôs Tácio Muzzi.

Colhido o depoimento de Marinho, vamos ver o que fará Aras. Ele pode chegar à conclusão, o que parece bastante difícil, de que esse caso nada tem a ver com aquele que se investiga no Supremo, determinando a abertura de um novo inquérito. Vai depender da sua disposição para conviver com o vexame.

Por Reinaldo Azevedo

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