quarta-feira, 13 de maio de 2020

Depoimentos de generais fortalecem acusações de Moro contra Bolsonaro



Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos formam o núcleo duro de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Como generais experientes, eles controlam seu campo de batalha com rigor militar. Nada acontece no entorno de Bolsonaro sem o conhecimento do trio.

Nesta terça, porém, os três generais produziram 20 páginas de depoimentos a delegados da Polícia Federal com muitos esquecimentos e seguidos episódios de desconhecimento estratégico (Braga Netto, o poderoso gerentão do governo, não sabia os motivos do presidente para querer Alexandre Ramagem no comando da PF, por exemplo).

Mesmo recorrendo a muletas como o popular “não me recordo” ou o “não tive conhecimento”, a fotografia ampliada da obra mostra que os generais confirmaram os lances apontados por Sergio Moro como pontos de interferência ilegítima do presidente na Polícia Federal. O trio solidificou alguns pontos importantes da narrativa de Moro contra Bolsonaro. A saber.


Bolsonaro estava preocupado com relatórios de inteligência, estava descontente com a frequência com que os recebia e relacionava essa falta de informação a reclamações de que era alvo de investigações policiais no Rio de Janeiro, como o citado envolvimento do porteiro do seu condomínio no caso Marielle.

Pelo relato de Braga Netto e Heleno, o presidente fazia mesmo confusão entre o papel dos órgãos de inteligência de Estado e os seus interesses pessoais. Heleno admitiu que o “presidente havia se queixado sobre o envolvimento do nome dele no caso Marielle, notadamente em razão de um fato envolvendo um porteiro do condomínio onde ele reside” e que “o presidente havia se queixado sobre a demora da investigação sobre a situação envolvendo o porteiro do condomínio onde reside”.

Não fica claro o que Bolsonaro cobrava de sua máquina federal em relação ao enrosco do seu porteiro ou ao envolvimento do seu nome em uma investigação independente, sobre a qual ele, mesmo sendo presidente da República, não possuía poderes para interferir.

Braga Netto confirma a postura de Moro de tentar evitar que o presidente pegasse o caminho sem volta da ingerência política, ao dizer que o ex-ministro estava nervoso com a possibilidade de troca. O general reforça que Bolsonaro, como presidente, tinha poderes para trocar o comando da PF, mas mostra no depoimento que Moro não preparou armadilhas para Bolsonaro no caso, apenas atuou da forma que entendeu correta para proteger o próprio presidente dos seus instintos intervencionistas.

Heleno ainda ofereceu um amplo retrato da amizade de Bolsonaro com Alexandre Ramagem, confirmando a avaliação de Moro, de que não seria apropriado colocar um amigo no comando da PF. Afinal, como disse o ministro do STF Alexandre de Moraes, o “agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”. No caso da amizade que uniria o gabinete do Planalto ao gabinete do diretor da PF, o princípio da impessoalidade seria suficiente para inviabilizar a escolha.

Braga Netto não desmentiu Ramagem ou falou de sua amizade com Bolsonaro. Cuidadoso, preferiu lavar as mãos sobre o tema: “não sabe informar a razão pela qual o presidente teve a intenção de nomear o delegado ao cargo de diretor da PF”.


É esse o ponto que pesará contra Bolsonaro. Afinal, se Bolsonaro mostrasse o mesmo interesse manifesto pelos assuntos da PF nas áreas de Meio Ambiente, na Educação e no Itamaraty, Ricardo Salles, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo já teriam rodado há tempos.

Os depoimentos dos generais só tornaram ainda mais emocionante o próximo capítulo da guerra entre Moro e Bolsonaro. Em 48 horas, o ministro Celso de Mello, relator do inquérito no STF, divulga ao país o vídeo da famosa reunião de 22 de abril. A novela promete.

Na Veja

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