Nos primeiros meses de governo, Jair Bolsonaro teve a oportunidade de negociar com o Congresso de fronte erguida. Imunizado pelo frescor dos 57,7 milhões de votos obtidos em urnas recém-abertas, o presidente poderia ter fixado as suas bases para um novo padrão de relacionamento com o Legislativo. Bolsonaro preferiu apostar na fricção de um presidencialismo de trincheira.
Agora, com a popularidade reduzida a pouco mais de 30% e acossado por um inquérito no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro encosta o seu mandato na banda bandalha do Congresso, rendendo-se à lógica do centrão.
Na retomada do toma lá, dá cá, o PP tomou de assalto o Dnocs, Departamento de Obras contra a Seca, que passará a ser chefiado por Fernando Leão, um preposto da legenda.
Foram ao balcão para negociar com Bolsonaro o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, e o líder na Câmara, Arthur Lira. Ambos são clientes de caderneta da Lava Jato.
Um partido de encrencados com a lei recebe de Bolsonaro um cofre com R$ 1 bilhão para gastar em pleno ano eleitoral.
Há um déficit estético nessa operação. Falta à negociação uma noção qualquer de interesse público.
Depois de fazer juras de amor à ética na campanha eleitoral, Bolsonaro briga com Sergio Moro, apresentado por ele como símbolo do esforço anticorrupção, e harmoniza sua Presidência com o arcaísmo congressual.
Faz isso não para melhorar a gestão pública, mas para obter votos suficientes para barrar na Câmara um eventual pedido de impeachment ou uma denúncia criminal da Procuradoria da República.
O Dnocs é apenas o aperitivo. Nos próximos dias, o centrão será brindado com outros cofres.
A operação é de alto risco. Primeiro porque o centrão não vende apoio, ele apenas aluga. Temer pagou e conseguiu enterrar duas denúncias na Câmara. Mas Dilma também pagou e sofreu o impeachment.
Além de não assegurar estabilidade política, o acordo dá ao mandato de Bolsonaro uma aparência de estelionato eleitoral. Já estava entendido que a alegada nova política de Bolsonaro não inclui o combate à corrupção. Fica esclarecido agora que o presidente não se importa também em favorecer a produção de mais corrupção.
Por Josias de Souza
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