A Polícia Federal está na frigideira há um mês. Arde em fogo alto desde que Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça batendo a porta. O inquérito que investiga a acusação de que Jair Bolsonaro interveio politicamente no órgão fez surgir no país uma discussão sobre algo que parecia indiscutível: a necessidade de assegurar que a Polícia Federal se mantenha como um órgão de Estado, não um aparato a serviço do governo ou do presidente.
É contra esse pano de fundo que surge a investigação envolvendo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, num caso de desvio de verbas destinadas ao combate ao coronavírus. Na véspera da batida policial que apreendeu computador e celular do governador, uma deputada bolsonarista, Carla Zambelli, disse à Rádio Gaúcha que alguns governadores estão sob investigação da PF. E seriam alcançados por uma operação relacionada a desvios de dinheiro da saúde.
Afora a necessidade de verificar se houve vazamento, a manifestação da aliada de Bolsonaro e o comportamento do próprio presidente indicam que o país experimenta mais um retrocesso em relação a avanços obtidos na era da Lava Jato. O que havia de novo e saudável nesse período era o fato de que um braço do Estado passara a investigar, julgar e encarcerar personagens da oligarquia política e econômica que se imaginavam acima da lei.
A Lava Jato já não é a mesma. Eleito numa campanha em que se apresentou ao eleitor enrolado na bandeira da ética, Bolsonaro agora se acerta com o centrão. O bom senso recomendaria evitar que a PF perca a aura de órgão do Estado.
Quando um presidente declara que vai intervir num órgão como esse, de Estado, para bloquear "sacanagens" contra familiares e amigos não oferece um bom exemplo ao país. Mas fornece um extraordinário aviso.
Não há, até aqui, nenhuma evidência de que a operação contra Witzel fugiu do manual. Houve a participação regular do Ministério Público e do Superior Tribunal de Justiça. Mas fica claro que já não basta à PF realizar um trabalho tecnicamente irrepreensível. A polícia agora precisa imunizar-se contra o "efeito Bolsonaro".
Por Josias de Souza
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