sexta-feira, 29 de maio de 2020

Olhar estrangeiro



Na política internacional, credibilidade e previsibilidade são dois fatores essenciais para o sucesso. Eles servem para estimular a cooperação entre nações, proporcionar acesso a decisões de grande impacto na diplomacia e — principalmente — atrair capital estrangeiro. Quanto maior a estabilidade, obviamente, mais segurança um país transmite aos seus parceiros. Nas últimas décadas, o Brasil obteve algumas importantes vitórias nesse caminho. Conseguiu estabilizar sua moeda, comprovou seguidamente a solidez de suas instituições e desenvolveu políticas respeitadas e aplaudidas no exterior, com destaque para os temas ligados à desigualdade social e ao meio ambiente. Com a eleição de um governo liberal em 2018, defensor de uma filosofia mais receptiva ao capital, parecia que o país finalmente deslancharia rumo ao Éden, depois de alguns anos de forte recessão econômica. Parecia.

Do ano passado para cá, infelizmente, a imagem do Brasil no exterior vem sofrendo uma série de arranhões — todos por uma postura belicosa ou equivocada do governo Bolsonaro. A primeira grande trombada internacional deu-se em relação à política ambiental, com o aumento das queimadas e o desmatamento na Amazônia. O descaso brasileiro levantou protestos em todas as partes do mundo, especialmente na Europa, o que provocou o cancelamento de fundos internacionais para o desenvolvimento da sustentabilidade na região e prejuízos ao agronegócio (que só não foram piores graças ao esforço da ministra da Agricultura, Tereza Cristina). Mais recentemente, e de forma absolutamente inexplicável, tivemos muitas rusgas com o governo chinês em razão das declarações de um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro, e de ministros da ala ideológica deste governo, todos esquecidos de que a China é hoje nosso maior parceiro comercial. Há poucos dias, mais um revés: em decorrência do descontrole no combate à pandemia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, supostamente um grande aliado de Bolsonaro, fechou as fronteiras com o Brasil, proibindo as viagens de cidadãos não americanos àquele país.

Estamos com os olhos do mundo voltados para cá — e a visão não é boa. Neste momento, o Brasil é o país com o maior número de mortes diárias causadas pelo novo coronavírus. O combate à Covid-19, aliás, é um dos aspectos que reforçam a percepção de incompetência, de instabilidade e de desorganização, com o presidente num caminho negacionista e irresponsável, enquanto o país ruma firme para a casa dos 30 000 mortos. Como se o desafio humanitário e sanitário já não fosse gigantesco, vivemos uma balbúrdia política, com as entranhas do governo expostas por um vídeo de uma reunião ministerial. Nos trechos que vieram a público, ficam patentes o desrespeito que alguns integrantes desta administração nutrem pelas instituições, a total ausência de compostura com que se sentam à mesa para (supostamente) debater os destinos do país e os instintos mais primitivos do presidente, que enxerga um eterno “nós contra eles” e defende o armamento da população que o apoia. Bolsonaro, por sinal, tem sido o maior inimigo da estabilidade de que precisamos para recuperar nossa imagem internacional e os investimentos que tanto nos fazem falta. Embora exista liquidez financeira no mundo, e oportunidades claras de bons negócios por aqui, o capital tem medo de lugares que não inspiram confiança, cujos cenários podem se alterar da noite para o dia, com os poderes se estranhando. Atualmente, como mostra a reportagem que começa na página 28, o Brasil é visto exatamente desta forma: um país instável e imprevisível.

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