sexta-feira, 29 de maio de 2020

Bolsonaro sofre: ignorância, truculência e baixa autoestima roem-lhe a alma


Acabou, porra': as reações de Bolsonaro e aliados um dia após ...

O senhor Jair Bolsonaro é um falastrão, um sectário vulgar, um chefete de facção. Seu discurso desta quinta às portas do Palácio do Alvorada, com aquele teatral "Chega, porra!", é prova da sua fraqueza, não da sua força. Quase ao mesmo tempo em que ele soltava seus perdigotos de ignorância reacionária, militares os mais variados descartavam a chance de um golpe de Estado. E que fique claro! Não é que Bolsonaro não queira a ruptura institucional. Ele quer, sim! Só que ele não pode.

Seu faniquito desta quinta era, reitero, evidência de fragilidade, não de potência — ao menos para seus propósitos. Como ele, de fato, não assimilou os fundamentos da democracia; como é um autoritário bronco e grosseiro; como é incapaz de se adequar a normas e regras — incluindo as do Exército, de onde foi chutado por ser mau militar —, não pode compreender que os outros não façam as suas vontades. 

A INVENÇÃO DE BOLSONARO
Será que existe nele alguma crença consistente, um conjunto de valores, uma ideologia? Só as do oportunismo. Se notarem, ele converte em valor universal tudo o que limita o seu espírito de chefete de quarteirão. O "Bolsonaro defensor da família", por exemplo, é tão "fake" como o "Bolsonaro liberal". Ele foi amealhando crenças e convicções alheias aqui e ali e inventou uma personalidade política em tempos de Internet.

"Homem de família"? No mínimo, de "famílias", o que falseia o conservador que, a um só tempo, não cederia e seria inexcedível na estreiteza de costumes. Conversa mole. Não, eu não tenho nada contra a que as pessoas se casem e se descasem quantas vezes julgarem necessário. Mas não podem se apresentar como exemplo de padrão cuja virtude estaria em não mudar. 

Observem como Bolsonaro adula o eleitorado evangélico, sem se converter ele próprio, preferindo dizer-se católico, denominação cristã de vivência, senão de critérios doutrinários, mais lassos, mais elásticos. Com a devida vênia, não conheço um só religioso que vislumbre nele uma centelha que seja de iluminação metafísica. Não pode haver as virtudes essenciais da tolerância e da caridade onde falta empatia com os que sofrem. E ele não tem nenhuma.

Assim, "Deus acima de todos" não é uma crença, mas um lema publicitário que, com efeito, seduz milhões de pessoas que reagem à progressiva laicidade do mundo apegando-se a quem promete fazê-lo marchar para trás. O fenômeno não é nacional. Manifesta-se em boa parte das democracias ocidentais. Alguém é realmente capaz de imaginar um Bolsonaro que reza por si mesmo, em busca de contenção, e pelo outro?

A esse conservadorismo "fake" de estranhas noções de Deus e de família, ele juntou, na reunião do dia 22 de abril, a economia de mercado — mal tem noção do que seja — e a obsessão pelas armas. Nem vou especular aqui se tal discurso é gratuito ou pago. O certo é que transformar a questão num dos nortes do seu governo evidencia uma escolha mais ampla: não existem adversários, só inimigos. E estes têm de ser eliminados. Por isso confessou na tal reunião que arma a população de olho numa guerra civil.

AINDA COM APOIO
Sim, esse discurso atrai hoje milhões de pessoas. O número é decrescente, mas ainda é grande. E evidencia resiliência. E, para estes, ele precisa alimentar a fantasia do Super-Homem que grita com os ministros do Supremo: "Chega, porra!". A bravata quer dar a entender que ele já aplicou uma chave de braço no tribunal, que, doravante, não tomaria mais decisões que não fossem do seu agrado.

Sabem por que Bolsonaro esbraveja contra o Supremo? Justamente porque é a única coisa que lhe resta a fazer. Incapaz de responder às múltiplas crises em curso, sobra-lhe apenas essa permanente reafirmação de autoridade, o que, convenham, evidencia justamente a deterioração da sua... autoridade.

Não é por acaso que Bolsonaro se mostra incapaz de uma convivência civilizada com os outros Poderes. Isso supõe relação de trocas simbólicas — não aquelas que faz o Centrão —, o que significa que o chefe do Executivo precisa de algo a oferecer: um caminho, uma direção, uma ideologia que fosse. E Bolsonaro não tem nada porque não pensa nada.

BAIXA AUTOESTIMA
Ele não se vê como um presidente que é expressão de um sistema que existia antes dele e que sobreviverá a ele. Na sua mentalidade estreita, ou o Brasil triunfa com ele, o que implicaria a submissão dos demais Poderes, ou ambos mergulham no abismo. Não que devamos necessariamente nos compadecer, mas uma coisa eu lhes asseguro: ele sofre bastante, sim! Seu rosto espelha isso.

Imaginem a tortura psicológica em que vive um indivíduo que sabe estar no topo de algo cujo funcionamento desconhece; entregue a circunstâncias que jamais serão de seu controle — e não me refiro à indeterminação da história a que todos estamos sujeitos, mas à rotina da administração e às escolhas estratégicas que um governante faz —, esmagado pela ignorância em sentido amplo e específico; obrigado a conviver com problemas que, a cada dia, pedem respostas que ele não pode dar.

Onde está o conforto? Em refugiar-se na sua bolha de autocomplacência, cercado por eunucos aduladores que, não obstante, têm seus próprios interesses, pregando a uma grei de fanáticos do nada, cuja única pauta e reprimir os conspiradores, que vêm a ser nada menos do que o resto da humanidade.

Ele não vencerá a batalha do golpe. Mas, acima de tudo, não conseguirá vencer a si mesmo. Tamanha agressividade, de resto, revela uma baixíssima autoestima, o que faz dele, sim, um sujeito perigoso. Não porque tenha condições de liderar um golpe, mas porque seu comportamento nocivo corrói a institucionalidade.

Por Reinaldo Azevedo

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