segunda-feira, 6 de julho de 2020

Sob Bolsonaro, ser ministro deixa de ser honraria




Noutros tempos, servir ao país como ministro era uma honraria irrecusável. Sob Jair Bolsonaro, o assento de ministro virou cadeira elétrica. O sujeito é carbonizado antes de sentar. Ao sentir os calores que a ala ideológica do bolsonarismo lhe enviava pelas redes sociais, Renato Feder se autoejetou da poltrona de ministro. Rejeitou o convite de Jair Bolsonaro para comandar o Ministério da Educação.

"Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro, por quem tenho grande apreço, mas declino do convite recebido", escreveu Feder no Facebook. Ele preferiu manter sua posição de secretário de Educação do governador paranaense Ratinho Jr.: "Sigo com o projeto no Paraná, desejo sorte ao presidente e uma boa gestão no Ministério da Educação."

A resposta de Feder ao convite de Bolsonaro conduziu-me a uma expedição de arqueologia literária. Desencavei na estante da biblioteca um livro de Carlos Drummond de Andrade: "De Notícias e Não-notícias faz-se a Crônica" (Editora Record, 1987).

Na página 69 há um delicioso conto. Chama-se "Serás Ministro". Começa com um diálogo:

— Esse vai ser ministro, sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.

— E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro?, duvidou a mãe.

— Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato e chegou a presidente dos Estados Unidos.

— Isso foi nos Estados Unidos.

— E daí? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero que seja ministro.

No batizado, ao enunciar o nome do filho, o personagem de Drummond proclamou:

— Ministro.

— Como?, estranhou o padre.

— Ministro, sim senhor, teimou o pai, irredutível.

A mulher ainda tentou corrigir:

— Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?

Era tarde. A criança tornara-se ministro. Hoje, um pai hesitaria em idealizar um futuro de ministro para o filho. Deixou de ser honraria. Os titulares da pasta da Educação, por exemplo, convivem com a ilusão de que comandam o ministério. Na verdade, o poder efetivo do suposto ministro não vai além da porta do gabinete. Virando a maçaneta, sua força se dissipa nos desvãos de um poder trissilábico: O-la-vo.

Bolsonaro permitiu que se difundisse a percepção de que quem dá as cartas no MEC é Olavo de Carvalho, um hipotético filósofo que a primeira-família adotou como guru. Adepto da teoria segundo a qual a prioridade da Educação é promover uma guerra ideológica que purifique o setor, Olavão já produziu dois desastres no MEC: a piada Velez Rodrígues e o fiasco Abraham Weintraub.

Após uma primeira sondagem de Bolsonaro, Renato Feder parecia eufórico com a perspectiva de ser ministro. Entre uma entrevista e outra, o doutor foi abandonado. O presidente optou por nomear o preferido dos militares: Carlos Decotelli. O professor ostentava um currículo 99,9% feito de falsidades. Carbonizou-se entre a nomeação no Diário Oficial e a posse, cancelada na última hora.

Sem Decotelli, Bolsonaro voltou-se novamente para Renato Feder. Finalmente convidado, o secretário educacional do governo paranaense foi lançado na máquina de moer biografias que o bolsonarismo mantém nas redes sociais.

Dotado de meia dúzia de neurônios, Feder observou o "efeito-Mandetta-Moro-Teich." Percebeu que, num governo que é capaz de livrar-se de dois ministros da Saúde e um titular da Justiça em plena pandemia, sair da Esplanada dos Ministérios tornou-se mais honroso do que entrar. Achou melhor se abster de incluir na biografia o título de quarto ministro da Educação da gestão Bolsonaro.

Vivo, o poeta Drummond talvez escrevesse um novo conto. Em vez de "Serás Ministro", o título ficaria assim: "Serás Antônio de Fátima." E o subtítulo: "Se disserem que és ministro, saia correndo."

Por Josias de Souza

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