segunda-feira, 13 de julho de 2020

Em meio a alta no desmatamento, governo exonera responsável por monitorar Amazônia no Inpe


Desmatamento na Amazônia

Em meio às maiores taxas de alerta de desmatamento da Amazônia dos últimos cinco anos, foi exonerada nesta segunda-feira a pesquisadora responsável pelo trabalho de monitoramento do devastação florestal no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Lubia Vinhas foi retirada do cargo de coordenadora-geral de Observação da Terra do Inpe, departamento responsável pelos sistemas Deter e Prodes, que acompanham o desmatamento da Amazônia. A exoneração foi publicada no Diário Oficial (DOU) desta segunda, assinada pelo ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, pasta à qual é vinculada o Inpe.

Ao Estadão, Lubia afirmou que soube da exoneração do cargo comissionado ao ler o DOU desta segunda e que caberia ao diretor do órgão, Darcton Policarpo Damião explicar o motivo da exoneração. Como servidora de carreira, ela continuará atuando como pesquisadora da casa.

A reportagem apurou que a medida seria justificada como parte de um processo de reestruturação do Inpe que vem sendo planejada desde o ano passado, logo depois que Damião substituiu interinamente Ricardo Galvão, demitido por questionar críticas do presidente Jair Bolsonaro sobre os dados do desmatamento (leia mais abaixo).

Pela mudança proposta, a Coordenação de Observação da Terra, até então um departamento que responde diretamente à direção, passaria a ser subordinado a uma outra coordenação. Na prática, para técnicos do órgão, a coordenação gerida por Lubia deixa de existir, o que poderia representar um enfraquecimento do serviço de monitoramento.

Conforme o Estadão apurou, apesar de a nova estrutura ainda não ter sido oficializada, o que demanda uma mudança no regimento interno do Inpe, a direção do instituto já estaria atuando com essa estrutura paralela.

Somente depois das 18h o Inpe se manifestou, por meio de nota, afirmando se tratar de um movimento dentro da reestruturação. Não respondeu, porém, por que a exoneração ocorreu antes da mudança do regimento. O instituto disse que o processo, em curso e sob demanda de Marcos Pontes, "tem como principal objetivo buscar sinergias e otimizar os recursos humanos e de infraestrutura do instituto para um funcionamento mais eficiente".

A nota aponta que durante esse processo, "notou-se que o Inpe, devido às atribuições crescentes ao longo de sua história, carecia de uma maior integração transversal entre suas áreas, programas e operações". Disse que "foi realizado um estudo sobre as sinergias das atividades" da Coordenação de Observação da Terra (CGOBT), da Coordenação Geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) e se decidiu criar somente uma Coordenação-Geral de Ciências da Terra, que responderá por todo o trabalho da área ambiental do Inpe.

Afirmou que já estava prevista a relocação de Lubia para o cargo de Chefe da Divisão de Projeto Estratégico, "que tratará da aimplementação da nova Base de Informações Georreferenciadas ("BIG") do Inpe". Por fim, afirmou que "as atividades associadas ao monitoramento do desmatamento da Amazônia, bem como as demais atividades operacionais do instituto continuarão sendo realizadas e tendo como premissas os critérios técnicos e científicos de praxe".
Desmatamento em alta
A exoneração ocorre somente três dias depois de serem divulgados novos dados mostrando que o desmatamento da Amazônia em junho manteve o ritmo de alta mesmo com uma ação de militares na região desde maio e com a pressão que vem sendo feita por investidores estrangeiros para que o governo controle o problema.

Alertas feitos pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam a perda de 1.034,4 km² no mês de junho, alta de 10,65% em relação a junho do ano passado, quando os alertas apontaram desmate de 934,81 km². Em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalente à área da cidade de Belém (Pará).

É o mês de junho com maior devastação dos últimos cinco anos. Já são 14 meses consecutivos de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior. Em oito desses meses, as taxas bateram os recordes do registro desde 2015. No acumulado desde agosto (quando se inicia o calendário anual para fins de detecção do que ocorre na floresta), o Deter indica a devastação de 7.566 km², ante 4.589 km² no período de agosto de 2018 a junho de 2019. O aumento para esse período é de 65%.

O valor até o momento já é maior do que o acumulado de todos os alertas dos 12 meses entre agosto de 2018 e julho de 2019: 6.844 km². Somente nos primeiros seis meses deste ano, foram mais de 3 mil km² de florestas perdidos, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.
Críticas por parte do governo
Em entrevista ao Estadão na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão classificou o sistema de monitoramento brasileiro como "péssimo". Depois de reuniões com representantes de fundos investidores internacionais (na quinta) e do grande capital nacional (na própria sexta), Mourão, que coordena a operação federal de preservação da Amazônia, criticou: “Um bom sistema de monitoramento tem de ser preventivo e o nosso só fala depois, quando é tarde demais”.

Ele defendeu “um mecanismo em tempo real, com satélites de última geração, para que não estejamos sempre atrasados, correndo atrás”. Em seguida, ponderou: “Mas isso custa dinheiro e todo o dinheiro está indo para o combate pandemia”.

De acordo com especialistas, Mourão demomostrou desconhecimento sobre como funciona o Inpe. O sistema Deter, com seus alertas, já revela praticamente em tempo real onde há um desmatamento em curso, orientando operações das equipes de fiscalização do Ibama e de órgãos estaduais de ambiente. Foi com base nesse instrumento que governos anteriores conseguiram reduzir o desmatamento da Amazônia a partir de 2008, chegando ao nível mais baixo da história em 2012.

No ano passado, quando alertas do Deter começaram a indicar que a Amazônia estava sendo devastada, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rejeitaram inicialmente os dados e chegaram a alegar que eles eram mentirosos. O estresse acabou culminando, em julho, na exoneração do então diretor do Inpe, Ricardo Galvão. A exoneração completa um ano no próximo dia 20. Até hoje não foi escolhido um novo gestor.

Alguns meses depois, quando foram divulgados os dados do sistema Prodes, que traz os dados oficiais de desmatamento na floresta, confirmou-se que a perda de vegetação na Amazônia, entre agosto de 2018 e julho de 2019 havia sido a maior desde 2008. Apesar dos números alarmantes, da cobrança de investidores estrangeiros e nacionais, das denúncias feitas por agentes ambientais, pesquisadores e ambientalistas, o problema não cessa. As taxas mensais de alertas do Deter continuaram em alta desde então.

O governo enviou em maio deste ano uma nova operação militar para a floresta, a Verde Brasil 2, mas no mesmo período, o desmatamento continuou subindo.
Reações
O Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial divulgou uma nota de solidariedade à Lubia. “Como o dr. Ricardo Galvão, ela foi apeada do cargo em plena vigência de seu legítimo mandato: uma posição, em princípio definida para um mandato de 4 anos, foi encurtada para 2 anos e 3 meses pela direção atual do Inpe que, da interinidade passou, de fato, à intervenção.”

O sindicato também mencionou a reestruturação planejada. “Sem conseguir ainda impor um novo regimento, urdido em segredo e que aponta para a construção de verticalização na estrutura e o desmonte de todas as instâncias de maior participação da comunidade, como os comitês assessores, o expediente usado foi uma portaria de exoneração.”

Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a exoneração é um sinal de que o governo deseja intervir no Inpe. “A demissão ruidosa de Ricardo Galvão impediu isso, mas a exoneração de Lubia Vinhas pode ser um indicativo de que o plano nunca foi abandonado. Que isso ocorra em plena aceleração do desmatamento, quando o governo precisa conter ameaças de desinvestimento, é sinal de que Jair Bolsonaro parece estar tratando as preocupações do agronegócio e dos investidores como trata as dos brasileiros aterrorizados pelo coronavírus. Nossa economia encontra-se em risco extremo”, disse por meio de nota.

“Infelizmente para o presidente e o ministro Marcos Pontes há vários outros sistemas de monitoramento da Amazônia operando. Como no caso da tentativa de esconder dados da covid, qualquer investida contra o Inpe já nasce condenada a fracassar”, complementou.

No Estadão

Um comentário:

Anônimo disse...

O governo Bolsonaro, através do Ricardo Salles, um pau mandado do presidente Bolsonaro, começou e continuou o desmonte de áreas importantes das principais instituições ambientais, principalmente o IBAMA. Agora o governo Bolsonaro, sem condições de esconder o criminoso desmatamento incentivado por suas ideias e falas pra lá de alopradas, mais uma vez dá uma de marido corno que joga fora o sofá para acabar com a traição. Simplesmente, Bolsonaro manda demitir uma funcionária altamente capaz e reconhecida internacionalmente e, outro pau mandado, o ex-astronauta brasileiro Pontes cumpre fielmente e "marrudo" admite que foi erro dele em demitir em um momento errado...