terça-feira, 28 de julho de 2020

O governo perdeu: por que 63 votos de Maia valem mais do que 158 de Lira




Arthur Lira, líder do PP e do Centrão, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O governo tentou fazer o primeiro atropelar o segundo. Aconteceu o contrário - Press/Estadão Conteúdo; Marcelo Camargo/Agência Brasil
Arthur Lira, líder do PP e do Centrão, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara.
O governo tentou fazer o primeiro atropelar o segundo. Aconteceu o contrário

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, é dono de uma virtude rara na política: o tempo só lhe faz bem, nunca mal. Aprendeu como poucos a virtude da temperança. Também sabe esperar. E sempre que lhe é dado fazer a defesa institucional do Poder que representa, ele não hesita. Pode-se discordar dele aqui e ali — e eu mesmo tenho discordâncias —, mas duvido que se possa apontar um só ato seu, à frente da Presidência da Câmara, que desonre a cadeira. Por isso mesmo, é alvo do ódio da súcia nas redes sociais que se identifica com Bolsonaro.

O governo decidiu, como se sabe, e repito expressão que já empreguei aqui, comprar o "fundão do Centrão" para formar uma base mínima que afaste o impeachment. Bastam 172 deputados para isso. A coordenação política do governo, ou coisa parecida, passou a atuar para isolar Maia, tentando minar a sua liderança.

Para tanto, resolveu contar com os préstimos de Arthur Lira (AL), líder do PP, uma das expressões do tal Centrão e hoje instrumento de Jair Bolsonaro na Câmara. Maia reagiu com a frieza de um bloco de gelo. Não partiu para o confronto. Partiu para a articulação política legítima. É o que deve fazer um deputado e um presidente da Câmara.

O Centrão se formou por ocasião da Comissão do Orçamento. Começou juntando praticamente todo mundo, exceção feita às esquerdas. Chegou a ter 351 deputados. Algumas siglas foram se afastando, como o PSDB, um pedaço do PSL e o Republicanos. Ainda assim tinha uma força considerável, com DEM, MDB, PL, PP, PSD, SD, PTB, PROS e Avante: 221 membros.

No esforço de isolar Maia, o Planalto foi para o dando que se recebe e atraiu PP, PL, PSD e também membros do Republicanos, embora este já não fosse mais "Centrão". Lira passou a ser o braço de Bolsonaro na Câmara, buscando articular, desde já, sua candidatura à Presidência da Casa. É um político que se move com desenvoltura nos bastidores. De crítico do governo Bolsonaro, que se negava a negociar com o Congresso, virou amigo de fé, irmão e camarada do presidente.

Do ponto de vista dos parceiros que arrebanha, a eficiência de um líder com essas características se mede pela capacidade de receber cargos do governo para distribuir para a patota. E Lira se sai bem. Do ponto de vista do governo, é preciso entregar votos. E aí a coisa desandou numa votação importante.

O governo decidiu torpedear a PEC do Fundeb. Resistiu até a última hora. E Lira ali, firme, tentando comandar a obstrução. Mas não conseguiu liderar nem mesmo aqueles a quem premiou, na condição de intermediário, com cargos. Maia comandou a defesa da PEC do Fundeb e aplicou uma surra vigorosa no governo, que acabou aderindo ao texto na última hora. Ao governo, pareceu que Lira é melhor para reivindicar e distribuir cargos do que para entregar votos. A muitos de seus pares, restou a sensação de que a eficiência em abocanhar cargos não é sinônimo de liderança política.

DEM E MDB FORA
Pois bem: DEM e MDB anunciaram nesta segunda que estão fora do Centrão. Aqueles 351 deputados do começo do ano, depois reduzidos a 221, serão agora 158. Ainda se trata de uma massa considerável de deputados. A questão é saber se eles votarão unidos. O Fundeb deixou claro que não. Mais: para assumir a condição de homem de confiança do governo, Lira teve de comprar a pauta de Paulo Guedes, que não é exatamente um homem popular no Congresso.

É claro que essa movimentação já tem como horizonte próximo a disputa pela Presidência da Câmara. Juntos, MDB (35) e DEM (28) contam com 63 deputados. Em si, claro!, é pouco para lançar um candidato à Presidência da Casa. Mas já se sabe que Lira deve tentar disputar. Se acontecer, será sob os auspícios de Bolsonaro, é certo.

Como a esquerda e assemelhados não têm condições de lançar um nome, o provável é que, mais uma vez, seja atraída para a órbita de Maia e para o nome que contar com o seu apoio. Fala-se aqui de 153 deputados. Somados aos 63 de MDB e DEM, temos uma massa de 216. Nessas condições, é razoável supor que o grupo atraia os 31 deputados do PSDB e pelo menos metade da bancada do PSL — algo em torno de 20. Potencialmente ao menos, o total sobe para 267. São necessários 256 votos para eleger o presidente da Casa. Os 10 deputados do Podemos podem se juntar à turma: 277.

Sim, é claro! As coisas não são exatamente assim, como na ponta do lápis. Há integrantes desse grupo que poderiam migrar para a candidatura de Lira — ou alguma outra —, mas quem disse que aqueles 158 que sobraram no Centrão fecham integralmente com o atual líder do PP? E há os desgarrados que vão votar naquele que vai ganhar.

NÃO ACONTECEU
Faço aqui uma matemática de tendências, não uma tabela contábil. Uma coisa, no entanto, é inequívoca: a saída do MDB e do DEM do bloco do Centrão indica que Maia sobreviveu com folga à tentativa do Planalto de tratorá-lo. O esmagamento não aconteceu. Muito pelo contrário.

Na prática, os 63 deputados de DEM e MDB, aliados de Maia (com uma exceção ou outra), valem muito mais do que os 158 que estariam sob a liderança de Lira. Como já vimos, diga-se, não estão incondicionalmente.

Tentando enfraquecer o presidente da Câmara, o Planalto acabou por fortalecê-lo.

Por Reinaldo Azevedo

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