José Levi Mello do Amaral Júnior, advogado-geral da União. Chegou com boa reputação. Se rendê-la no altar do bolsonarismo, vai calciná-la |
Não há nenhuma incompatibilidade entre levar adiante as investigações sobre a origem das agressões à ordem democrática praticadas por extremistas do bolsonarismo — e é preciso que respondam na esfera penal pelas agressões que praticam — e a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou que alguns perfis sejam retirados das redes sociais. Sim, ele está certo. Sim, ele fez bem. Sim, ele está amparado na lei.
Antes que continue, uma observação: é claro que uma mensagem ou outra desses perfis nada mais são do que exercício da liberdade de expressão. Mas são exceções em meio a uma pletora de incitação ao ódio e à ilegalidade. Digamos que uma página que faça o incitamento ao terrorismo publique uma receita de bolo de laranja. Se e quando tirada do ar, não terá sido por causa do bolo de laranja.
Bandidos, por cinismo, fingem não saber a diferença entre crime e liberdade de expressão, embora só pratiquem crimes. Democratas, por nefelibatismo — vivem com a cabeça nas nuvens —, tendem a não saber a diferença entre liberdade de expressão e crime, embora só pratiquem liberdade de expressão. Costumam se deixar seduzir pelo discurso dos canalhas, apontando agressão a um direito fundamental onde há apenas cumprimento da lei.
EXOTISMO E ILEGALIDADE
Ainda que eu estivesse entre os que viam com reservas o despacho de Moraes, estas logo se dissipariam ao saber que ninguém menos do que a Advocacia Geral da União, cujo titular é José Levi Mello do Amaral Júnior, resolveu recorrer ao Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a decisão do ministro. Atendeu a uma determinação do presidente Jair Bolsonaro.
Raramente se assistiu a exotismo dessa natureza. E também a uma ilegalidade tão flagrante.
Uma nota: Amaral Júnior chegou à AGU com a reputação de pessoa séria. Ela está sendo torrada. Se não consegue resistir à pressão do presidente para fazer a coisa errada, que peça demissão. Ou, então, entregue a sua biografia ao bolsonarismo.
Afinal, qual é o trabalho da AGU? O site da instituição responde:
"A AGU, órgão responsável pela representação judicial da União e consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, é composta por advogados da União, que atendem pela Administração direta, Procuradores da Fazenda Nacional, com competência restrita à matéria tributária, Procuradores Federais que atuam junto às autarquias e fundações, Procuradores do Banco Central, que atuam exclusivamente perante aquela instituição e Servidores Administrativos, que auxiliam em todos os setores do órgão."
Quais são os indivíduos que tiveram seus respectivos perfis suspensos nas redes sociais? Vamos ver: o ex-deputado Roberto Jefferson, que é presidente do PTB; a extremista de direita Sara Winter; o blogueiro oficialista Allan dos Santos e os empresários Luciano Hang, das lojas Havan, e Edgard Corona, das academias Smart Fit.
Muito bem! Ainda que você discorde da decisão — E NÃO É O MEU CASO —, pergunto: cabe à AGU, cuja tarefa é basicamente fazer a defesa dos órgãos que compõem a União, entrar com uma Adin em defesa de militantes bolsonaristas? Allan dos Santos, Sara Winter, Luciano Hang e Edgard Corona não dispõem de advogados? O que a Advocacia Geral da União tem com isso?
Atenção! Cabe a AGU fazer também a defesa do Supremo — e nunca, por óbvio, atuar contar o próprio tribunal, como é o caso. Trata-se de um desvirtuamento asqueroso das funções desse ente do Estado brasileiro.
"Não adianta tentar tresmudar, disfarçar que é para defender a liberdade de expressão, liberdade de comunicação, estado democrático de direito. Isso é politicagem pura para defender esses disseminadores de notícias falsas e odiosas, incentivadoras da ruptura institucional", afirmou o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Na mosca! Ou "nas moscas".
Não custa lembrar que André Mendonça, ministro da Justiça — que continua a dar vexame e a flertar com o perigo em outro assunto—, chegou a entrar com um habeas corpus preventivo em favor do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, também um absurdo sem precedentes.
Edson Fachin é o relator da Adin de autoria da AGU. Imaginem vocês: um ministro do STF é convidado a anuir com a suposta inconstitucionalidade de uma decisão tomada por um membro do próprio tribunal, e o autor da ação é ninguém menos do que um ente que tem, entre as suas atribuições, defender esse mesmo tribunal.
Ou por outra: a AGU se junta a militantes bolsonaristas, sob o estímulo do presidente da República, contra o tribunal que ela deveria defender. E ainda convida um ministro da corte a fazer a mesmo. Eis a melhor evidência de que Alexandre de Moraes não exagerou, não é mesmo? O que se relata aqui tem mais cara de organização criminosa do que de atuação regular de entes do estado.
Essa ação absolutamente ilegal da AGU não pode passar impune.
PARA ENCERRAR
Espero que Edson Fachin mande a ADI para o lixo quando for pautada pela presidência do STF em razão da ilegitimidade do impetrante. A menos, agora, que, entre as funções da AGU esteja fazer a defesa de amigos do presidente Jair Bolsonaro.
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