Ao desconectar 88 páginas e contas bolsonaristas, o Facebook ressuscitou no Planalto um debate incômodo. Envolve Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial de Jair Bolsonaro para assuntos de ódio e desinformação.
No final do ano passado, auxiliares do presidente o aconselharam a exonerar Tércio, que havia se transformado em matéria-prima para a CPI das fake news. Bolsonaro deu de ombros. Voltou a ser alertado na sexta-feira. E nada.
Parlamentar governista com assento na CPI avisou ao Planalto que será difícil evitar um depoimento de Tércio à comissão. Avaliou que seria melhor se fosse como ex-assessor. Foi informado de que Bolsonaro resiste.
Devolvido às manchetes pelo Facebook como um dos operadores da rede bolsonarista de "comportamento inautêntico coordenado", Tércio deixou o enredo de Bolsonaro sem nexo.
Em setembro do ano passado, quando Tércio ganhou o noticiário como operador do "gabinete do ódio", Bolsonaro declarou que a imprensa "deturpa tudo". Criticou a "falta de patriotismo" da mídia. E tratou a industrialização da raiva como invenção: "O que é isso? Como inventam esse negócio? Pelo amor de Deus!"
A auditoria interna do Facebook, feita em 11 países por pressão de anunciantes avessos à desinformação, tornou imprestável o lero-lero sobre os pendores impatrióticos dos repórteres. Bolsonaro tem dificuldades para atualizar o enredo.
O desligamento da rede bolsonarista virou notícia na quarta-feira. Decorridos quatro dias, Bolsonaro não disse uma mísera palavra sobre Tércio. A assessoria do Planalto tampouco se manifestou formalmente.
Na noite de quinta-feira, Bolsonaro falou sobre o tema em sua tradicional live noturna. Nem sinal de Tércio. O que se viu foi um presidente indefeso, esgrimindo argumentos desconexos.
"Sobrou para quem me apoia", disse o presidente sobre a ação do Facebook. Ele fez pose de vítima. E desafiou a imprensa a apontar mensagens de ódio no seu Facebook ou nas páginas dos filhos.
Há inúmeras mensagens raivosas nos perfis de Bolsonaro e dos filhos. Mas nenhuma delas foi desativada. As contas que saíram do ar eram falsas. Foram concebidas com o propósito deliberado de ludibriar.
Bolsonaro voltou a brandir a tese da perseguição. Para que fosse tomado a sério, seria necessário incluir no rol de perseguidores os cerca de 400 grupos econômicos que ameaçam cortar verbas publicitárias do Facebook se não houver reação vigorosa e crível contra mensagens que desinformam e instilam ódio nas redes.
Deve-se a preocupação dos auxiliares do presidente ao fato de que a presença de Tércio no terceiro andar do Planalto aproxima o próprio Bolsonaro do inquérito sobre fake news que corre no Supremo Tribunal Federal. O relator é o ministro Alexandre de Moraes.
Antes de ser acomodado na folha do Planalto, com salário de R$ 13,6 mil e apartamento funcional em área elegante de Brasília, Tércio estava pendurado no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro. Dava expediente na campanha presidencial de Bolsonaro, não na Câmara Municipal do Rio.
Tércio migrou da campanha para o Planalto. Continuou plugado às redes sociais em 2019 e 2020. Na prática, é remunerado pelo contribuinte para difundir anonimamente mensagens que ludibriam o mesmo contribuinte.
Já se sabia que Bolsonaro adora falar, mesmo quando não tem nada a dizer. O silêncio em relação a Tércio revela que o presidente aprecia também o hábito de calar. O problema é que agora nada pode ultrapassar tudo.
Por Josias de Souza
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