Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro não deu a menor bola para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Abraham Weintraub, aquele troço que estava à frente do Ministério da Educação, fazia de conta que a questão não existia. Aprovado em 2007, o fundo expira neste ano. É formado basicamente com impostos estaduais e municipais, e a União entra com apenas 10% do montante. É um volume de recursos considerável: no ano passado, somou R$ 166,6 bilhões — R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União. A coisa estava caminhando. Até que o ausente governo resolveu se meter.
A PEC que está em tramitação na Câmara, que pode ser votada hoje, torna o Fundeb permanente e amplia a cota de participação do governo federal para 20% até 2026. De acordo com a organização "Todos Pela Educação", se a proposta for aprovada como está, 1.572 redes de ensino mais pobres passarão a receber recursos adicionais já no primeiro ano de vigência do novo modelo, com um aumento médio de 9,8% no chamado Valor Aluno Ano Total (VAAT). Ao fim do processo de ampliação (seis anos), pelo menos 2.401 redes de ensino mais pobres terão recebido mais recursos, com um aumento médio de 20,5% no VAAT e com um novo patamar mínimo de investimento na casa dos R$ 5,4 mil por aluno/ano".
Eis que o governo federal resolveu se levantar da inércia para pôr algumas pedras no meio do caminho: quer limitar a 70% os gastos do Fundeb com salário de professores e outros servidores da educação. E também pretende que metade daquele aporte adicional que a União teria de fazer ao Fundeb seja transferido para o programa Renda Brasil, que é o Bolsa Família rebatizado. O dinheiro seria usado para bancar voucher-creche do setor privado. Nos cálculos oficiais, permitiria que até 2 milhões de crianças fossem atendidas. Na aparência, parece ok. De fato, é um truque.
O governo federal queria ainda adiar o novo Fundeb para 2022 porque o ministro da Economia, Paulo Guedes, gostaria de atrelar a questão à reforma tributária na presunção de que esta liberasse os recursos extras que a União terá de aportar. Quais os prejuízos de o governo ter entrado atrasado no debate?
Comecemos pela exótica tese do voucher-creche. O Bolsa Família, tenha lá o nome que for, faz parte do Orçamento e entra na contabilidade do déficit fiscal. O governo tenta uma manobra engenhosa, que não passa de um truque, para tomar dinheiro do Fundeb para custear um pedaço do programa. Seria um exemplo notável de pedalada fiscal. E, como se nota, com transferência de recursos já garantida para um setor.
O máximo que Guedes conseguiria com a sua mágica seria gerar uma explosão de creches privadas, não é?, que seriam criadas, como se diz, "no joelho" para atender à oferta de dinheiro. Seria uma espécie de criação da demanda a partir da oferta de recursos: uma subversão do capitalismo gerada pela mente criativa de um gênio. É evidente que há carência de creches. Não parece que seja essa a solução mais inteligente ou viável. De resto, o que se quer é ampliar os recursos destinados à educação. Se o governo tem a intenção de aumentar o orçamento do Bolsa Família rebatizado, que rearranje as suas contas.
Impor um limite, agora, aos municípios de 70% nos recursos do Fundeb com pagamento de mão de obra, aponta um estudo consistente, tornaria inviável o financiamento da educação em 80% dos municípios, que consomem a totalidade do que recebem com essa despesa. Pode até ser desejável, e acho que é, que se diminua tal percentual. Mas, de novo, não se faz isso a partir de uma determinação de Brasília, alheia ao que acontece no mundo real.
Sim, há muitos casos em que os municípios gastam bem menos de 100% do que recebem do Fundeb com salário. Mas é por pobreza, não por rigor fiscal. Como o dinheiro do fundo é tudo o que têm para aplicar na área, parte dos recursos vai para manutenção, expansão da rede escolar etc. Há uma consequência negativa: o salário de forme dos professores. E há também aqueles que consomem só com salários mais do que recebem do fundo porque podem contar com receita própria e adicional. Indago: faz sentido a União determinar quanto do fundo estados e municípios podem empenhar em mão de obra quando, mesmo na hipótese mais otimista, estes entes responderão por 87% do que for arrecadado? O governo federal quer arbitrar sobre um dinheiro que, em grande parte, a parte esmagadora, não saiu dos seus cofres.
No fim da tarde desta segunda, começou a se desenhar uma possibilidade de acordo. A União ampliaria a sua cota de participação para 23% do total do fundo, e 5% desse aporte seriam destinados à ampliação de vagas no ensino infantil, sem atrelar a destinação dos recursos aos vouchers. E aqui uma observação: entendo até que se possa, no ambiente do próprio fundo, recorrer a tal modalidade, mas é evidente que isso não pode ser imposto por Brasília aos municípios. Havendo essa obrigatoriedade da destinação dos recursos, as realidades locais definirão a forma de investimento.
E, por óbvio, não faz sentido esperar a reforma tributária para definir o Fundeb porque, hoje, de cada R$ 10 gastos com educação, nada menos de R$ 6 a R$ 6,50 têm origem no fundo. É oque se chama entrar tarde e mal no debate.
Por Reinaldo Azevedo
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